Serendipity escrita por monachopsis


Capítulo 3
Chapter 3


Notas iniciais do capítulo

Uh, dei uma demorada, mas é que o feedback foi tão... intenso, que chega deu vontade de estar morta, kejnksjdn
Mas já terminei a shortfic. Pronto, vamos terminar isso, né nom?



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Chapter 3

Engraçado como algumas palavras inesperadas ditas na hora certa, pela pessoa certa, mudam toda uma situação. O jovem Tarzan – nunca esquecerei o “homem selvagem de tanguinha”- ao meu lado, que aparentava ter seus problemas com psiquiatras também, não fugiu. Nem surtou junto comigo. Nem chamou um médico e correu pra longe ao mesmo tempo. Na verdade ficou do meu lado, fez cafuné e agora trançava de forma errada meu cabelo. E dizia ter achado legal o “meu tipo de loucura”. Misericórdia, era o destino.

Eu não sabia se amava ou odiava o destino. Amava tudo já estar predestinado, organizado – ênfase nessa palavra -, já acertado e concreto. Mas me deixava incomodada alguém, ou algo, já ter organizado tudo pra mim. Eu preferia a minha cabeça organizando as coisas. Era algo bem ridículo, admito, mas se eu não tivesse arrumado algo, ia lá e arrumava do meu jeito. Nunca consegui me dar bem em trabalhos em grupos, para variar.

– Você realmente tem problemas. – sussurrei, meio deslumbrada ainda.

– E você também. – ele deu uma risada, fungada ou espirrada. Talvez roncada. Era uma risada bem fora do normal também. Ele pareceu perceber a estranheza do ato e ficou mais sério.

– Risada legal. – me senti tentada a devolver o elogio incomum. Ele relaxou.

– Você, hã, precisa dar um jeito nisso. – ele pegou meus braços com delicadeza, me mostrando os arranhados. Havia até um pouco de sangue debaixo das unhas.

Ótimo surto o que eu tive dessa vez. Pelo menos não durou mais de horas, como outras vezes. Já foi bem hardcore. Agora ele me ajudou bastante. Eu poderia me sentir uma alien de Toy Story e ser eternamente grata.

Muitas menções a desenhos, melhor parar.

Nos levantamos e fui até a pia do banheiro lavar os braços e unhas. Ele me acompanhou, como se assegurando que não ia acontecer nada de grave, eu não ia me matar dentro do banheiro, talvez. Ele estava sendo muito gentil para um possível psicopata assassino ladrão. Os cortes arderam, mas logo sequei e pensei no que fazer agora. Ele ficou meio desconfortável também, puxando umas mechas do cabelo e analisando-as. Seu cabelo era um castanho escuro um pouco longo, com uns cachos nas pontas. Bem bonito, aliás. Ele era magro, não havia músculos proeminentes ali, não era um cara rato de academia ou coisa parecida. Nem fitness era, era apenas... Normal. Eu também aparentava ser normal. Aparência sempre engana, não é mesmo?

Talvez eu tenha olhado-o fixamente demais. Meio obsessiva. Pois ele começou a trançar o próprio cabelo de forma errada de novo. Obviamente tenso.

– Eu não sei se eu quero ficar estupidamente ansioso também. – soou quase como um gemido.

– Desculpa. – me recriminei. – Quer algo pra vestir? – parecia meio deselegante expulsa-lo dali só de cueca depois de ter me ajudado quase sem querer durante uma crise. Mesmo que ele tenha ajudado a fazê-la surgir.

– Seria bom.

Fui até me quarto e ele ficou parado na porta, com uma pitada de curiosidade ao analisar os pôsteres e a estante meticulosamente arrumada. Por incrível que pareça os pôsteres me ajudavam ao invés de me dar uma crise de limpeza. Eram pôsteres motivacionais que eu colecionava, numa boa tentativa de me ajudar na terapia. Às vezes ajudavam. Ou só pareciam ajudar. Era difícil definir.

Consegui achar um jeans mais folgado, que nele pareceu skinny do mesmo jeito. De qualquer forma realçava o bumbum dele, e não era legal reparar no bumbum de um homem desconhecido de cueca que aparece na sua sala, mas eu reparei. Uma camiseta que eu usava como pijama, escrita “Sweet Family” e uma imagem de vários mini-cactos em baixo, grande o suficiente para ficar folgada nele. Bem nada a ver, mas ele vestiu sem reclamar. Ele tinha uns 10 cm a mais do que eu, o que me deixava confortável também. Garotos menores do que eu me deixavam muito péssima. Doutora Tara diria que era uma obsessão com padrões de casais, garoto mais alto, garota mais baixa, sempre os padrões. Padrões eram bons, doutora Tara. Talvez quando em excesso não, mas nem tanto.

Sapatos eram um problema mais sério, mas ele disse que também morava ali perto da faculdade, poderia ir andando descalço sem grande incômodos. Pensei na rua deserta e perigos da madrugada. Não gostei de pensar muito no que ia fazer, nas consequências daquilo, mas fiz mesmo assim.

– Quer comer algo? Eu estava indo para a cozinha quando... Hum, topei com você na sala. – cutuquei minha coxa. Sem beliscões dessa vez, Charlie.

– Eu gostaria. Se não incomodar. – ele parecia horrivelmente deslocado mesmo, ali com minhas roupas e no meu quarto. Pelo menos na cozinha eu estaria ocupada cozinhando ao invés de percebendo ele ali, gritante.

Ele sentou-se à mesa americana, afundando no banquinho, observando a pequena cozinha impecável, brilhando. Talvez eu tenha mentido um pouco sobre limpeza, mas limpeza sempre era bom, pelo o amor. Nem doutora Tara poderia implicar com aquilo. Era fundamental uma futura chef manter sua cozinha agradável e receptiva às experiências degustativas.

Logo comecei a me concentrar em arrumar tudo sobre a mesa, desde ferramentas a ingredientes.

– Então, você tem alguma coisa com ansiedade. – ele começou.

– Um pouco. – pensei por um segundo, sem nem precisar olha-lo. Nem adianta tentar diminuir o problema sendo que ele tinha presenciado a crise. Obvio que ele estava com aquela expressão de “aham”. – Muito. Mas estou lidando com a terapia. Melhorei muito.

– Aham. – aquele aham dele me fez me beliscar. Merda. – Alguma coisa com a... hum. – ele não sabia qual palavra usar. Eu realmente não estava afim de conversar, concentrada demais na tarefa de cozinhar, mas não ia escapar, não é? Parei tudo e fiquei olhando ele pela mesa.

Os olhos dele eram grandes e quase da cor de sua cueca. Um fato curioso.

– Arranhões. É. – resmunguei. A difícil tarefa de contar suas loucuras para outrem. – Eu tenho TOC. – soltei logo a bomba. – E os probleminhas com ansiedade. – eu não estava mesmo confortável.

– Eu tenho fobia social. Está tudo bem. – ele sorriu um pouco. – Não parece muito, claro. – ele puxou uma mecha de cabelo. – E tem o problema de quando vem as crises, eu apago. Apago e faço coisas que não lembro depois. Pelo menos não duram muito, mas é muito ruim. – ele já estava trançando aquela mecha.

– Você tem uma coisa com cabelo? – perguntei rapidamente. Aquela trança errada estava me afetando.

– Hã? – ele perguntou surpreso. Olhou para a mecha entre as mãos.

– Tá tudo bem. – o imitei, mas sem debochar. – Eu tenho algo assim com beliscões e arranhões.

– Ajudam a manter calmo. – ele recitou. A voz dele era bonita. Meio baixa, meio sussurrada.

– Hum-hum. – concordei. Eu podia sentir nossos olhos brilharem. Loucos se reconhecendo e fazendo contato. Um contato não muito saudável, mas nada era realmente saudável na nossa vida, não é mesmo?

Quebrei a magia piscando, olhando para o teto. Organize-se Charlie, não precisamos disso na nossa vida. Não precisamos de mudanças nos planos, na rotina. Não ouse.

– O seu problema é bem esquisito. – comentei. A risada, fungada, roncada, etc, dele soou no recinto.

– Como se ter TOC e ansiedade fossem problemas normais. – eu ouvi um sarcasmo ali?

– Olha... – voltei a encará-lo. Tá, escapei uma risada também e voltei a mexer nas coisas.

Não durou muito tempo a calmaria. Até assustei quando ele falou novamente.

– O que está fazendo? – ele estava mexendo na minha fileira de coisas a serem usadas quando fiquei perto de surtar. De novo.

– Não toca nisso, obrigada. Está em ordem. – soltei, tensa.

– TOC. – ele resmungou baixinho, mais sarcasmo. Eu não sabia como lidar com aquela ousadia.

– Super normal achar um cara pelado na sua sala em plena madrugada. – resmunguei também.

– Pelado? Meu deus. – ele estava prestes a dizer algo, mas eu fui mais rápida.

– Isso é invasão de domicilio, sendo louco ou não. Isso pode causar mal as pessoas, diferente de TOC. – me senti orgulhosa de mim.

– Obrigado. – ele afundou na mesa e ficou repuxando os malditos cachos. Dificilmente era um perigo para a humanidade um garoto com problemas com pessoas e apagões. E que fazia tranças tortas no cabelo para acalmar. Ele apenas fez em mim o que fazia nele. E funcionou tão bem que me senti perturbada.

– Você puxa os fios?

– O que?

– Puxar os fios e ficar careca? Ou só trança?

– Só tranço mesmo.

– Está fazendo isso de forma errada. Diabos. – soltei, não ia aguentar segurar mesmo.

– Isso é meio grave, não? O TOC inofensivo? – o sarcasmo nem me afetou, corri para trançar seu cabelo de forma correta.

Ele ficou apenas parado, quieto, relaxado debaixo de minhas mãos. Trancei a mecha toda e me senti bastante melhor. Ele me encarava daquela forma obsessiva que eu devo ter encarado ele há uns 20 minutos. Como aquilo incomodava, não? Minha respiração ficou magicamente acelerada.

– Faça assim. – soltei a trança torta que ele tinha feito no meu cabelo e trancei corretamente sem nem olha-la. Apenas carregamos o olhar um do outro. Mesmo depois que terminei de trançar.

Puta merda, doutora Tara estaria tão certa. Éramos malucos mesmo.


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