Serendipity escrita por monachopsis


Capítulo 2
Chapter 2


Notas iniciais do capítulo

Era para ter postado antes, mas Nyah me deixou na mão no quesito "programação de postagem". Meu capítulo foi para o limbo dos esquecidos, ótimo.
Enfim, vamos continuar.



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Chapter 2

O que diabos aconteceu de novo? Não me diga que ele tinha o costume de acordar em casa de garotas desconhecidas no meio da madrugada. Era uma coisa que me deixava feliz, sabe. Não aquilo acontecer, não. Na verdade era mais o fato de saber que tinha alguém tão louco ou mais louco do que eu. Era bom saber que eu não era a única. Sempre teria os anormais. Talvez anormais demais. Mas cada um com sua loucura.

– O que aconteceu de novo? Você acorda com frequência em uma casa de estranho que arrombou? – foi meio forte o “arrombou”, já que a porta estava aberta, dando sopa. Mas eu ainda estava meio zangada. Meio ansiosa. Tenebrosamente ansiosa e querendo me arranhar. Ou ir melhorar a minha estante de novo.

– Não, não, deus. – ele respirou fundo, ainda parecendo mais perdido do que eu. – Na verdade é complicado.

– Tenho conhecimento de causa, pode ir fundo. – talvez eu tenha ficado curiosa.

– Tem certeza?... – ele olhou meu pulso. Eu estava esfregando sem perceber de novo. Lá vinha aquele olhar.

Mas ele até que não me olhou daquela forma que dizia “ah, ela é louca”. Ele apenas ficou mais imerso ainda no silêncio e aquilo não ajudava minha ansiedade. Fale, diabos.

– O que você está fazendo na minha massa? Quero dizer, casa? – troquei as palavras de forma meiga e delicada. Eu não estava ajudando na imagem que eu queria transmitir, uma moça bem zangada, decidida e querendo explicações.

– Você está bem? – ele ainda prestava atenção ao meu pulso. Fechei a mão sobre ele, escondendo-o de seus olhos. E de minha chave, argh.

– Acho que o maior problema não é esse. Explique-se. – insisti.

Ele novamente respirou fundo, parecendo conformado com a ideia de que teria que contar o que quer que tenha acontecido. Até me ajeitei melhor no sofá. Ele andou calmamente e sentou no tapete.

– Isso acontece... Às vezes. Quando vêm as crises eu acabo saindo, faço coisas que não me lembro, e acordo em lugares nada a ver. – parecia estar escolhendo as palavras certas. Ah, eu entendia aquilo. A dificuldade de contar para alguém qual o tipo de loucura que você tinha. Ver a pessoa se afastar de você por isso. Ver sua chance de passar por alguém normal, de encaixar, se esvaziar.

Eu estava bem tentada a deixar a empatia me consumir.

– Isso já é comum? Não dá pra controlar um pouco?

– Isso já é comum? Não dá pra controlar um pouco? – ele me imitou, olhando sério para o meu pulso. Pergunta bem estúpida mesmo. Se conseguíssemos controlar as manias e esquisitices não precisaríamos de remédios ou terapeutas.

Me belisquei e quase rosnei de raiva comigo mesma.

– Okay, tudo bem. – me levantei, o pé já bem melhor. – Um louco entrou na casa de uma louca, é o destino. – tentei pegar a chave certa, mas o molho caiu no chão. Eu obviamente iria arrumar algo antes de dormir. Preciso me acalmar, maldição.

– Qual é a sua coisa? – ele pareceu bem curioso. O olhei firme.

– Nem nos conhecemos, porque contaria isso?

– Olá, tudo bem? Meu nome é Samuel, mas pode me chamar de Sam. Qual o seu?

– Você tem que sair. – rumei para a porta de vidro da varanda, já indo destranca-la.

– Eu estou de cueca.

– Observação inteligente, mas isso não é problema meu.

– Está fazendo uns 15 graus lá fora. – ele insistiu.

– Você realmente está pedindo que eu deixe você ficar aqui, sei lá, até o dia amanhecer e ficar quentinho o suficiente pra sair? – me virei, talvez perto demais de ter uma crise.

Ele claramente percebeu aquilo, pois se levantou e veio até mim com certo receio e cuidado.

– Talvez alguma roupa emprestada.

– Vai ficar lindo de saia! – eu já estava gritando. Talvez eu estava muito perto mesmo.

– Garota cujo nome não sei, você não quer...

– Ai, inferno, está tudo dando errado, porque está dando errado? – minha visão estava turva com as lágrimas. Comecei a me agachar, arranhando com força o pulso, o antebraço todo, forçando aquilo para me acalmar. - Você está ali, está tudo bem, ele logo vai sair e tudo vai ficar normal. Correto. Organizado. – já tinha começado a sussurrar pra mim mesma.

Ele pôs as mãos em torno dos meus ombros e tentou, com muita gentileza, segurar meus braços. Eu já estava fazendo a respiração, tentando me deixar em transe ou coma, sei lá.

Estava tudo dando errado. Porque diabos ele fora parar ali, bem ali, justo ali, justo comigo? Era o destino mesmo? Loucuras acontecem com loucos? Porque era tão bom me arranhar às vezes e aquilo não estava adiantando muito agora? Ele começou a fazer cafuné em minhas costas enquanto todo meu controle, meu estimado controle, escorria pelos dedos. Eu choraminguei um pouco, me balançando pra frente e para trás, e ele se manteve firme no cafuné hipnotizador.

Demorou muito tempo. Ele conseguiu me fazer fechar as mãos, usando uma mão para segura-las. A outra estava ocupada nas minhas costas. Eu sentia seu toque através da lã do pulôver velho e parecia calmo. Calmo. A palavra se enfiou bem na minha mente e fui soltando aos poucos as amarras da ansiedade. Certos pontos da minha mente e corpo se esticavam e se enrolavam quando vinha aquele tipo de crise. Eu me sentia dura, rígida e sem saber o que fazer além de sentar em bolinha e me arranhar. Fazia um bom tempo que eu não tinha aquilo, bons resultados da terapia, mas ele, todo desconexo na minha sala, me deixou surtada. Mudanças na rotina, mudanças não planejadas me deixavam assim. Porque as pessoas gostavam tanto do diferente quando a rotina era bem mais tranquila e fácil de controlar? Eu nunca entenderia.

Quando eu me senti um pouco mais calma, mais lúcida e racional, estendi minha atenção ao meu redor, saindo da minha cabeça. Depois de limpar a cabeça, era hora de limpar lá fora. Ele havia soltado minhas mãos e eu tinha abraçado meus joelhos. Pelo menos elas não ficaram praticando automutilação no resto do corpo. Ele brincava com meu cabelo com uma paciência de Jó, fazendo uma trança torta e esquisita. Era estranho um cara saber fazer trança, mesmo que ela saísse um complicado trançado desordenado.

Funguei. Mexer no meu cabelo era bom, quando eu era pequena me deixava bem calma. Talvez tenha voltado a funcionar. Um rapaz desconhecido de cueca na minha sala descobriu isso. Era uma noite muito absurda mesmo.

– O que você está fazendo aqui mesmo? – minha voz saiu meio rouca.

Ele sorriu um pouco.

– Gostei da sua loucura.


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