Serendipity escrita por monachopsis


Capítulo 4
Chapter 4


Notas iniciais do capítulo

Neste momento estou me sentindo a Charlie no capítulo 2.
Ataques de pânico não são nem um pouco glamourosos, principalmente se tu acorda de madrugada e começa a ficar louca do nada.
Ai, bateu a bad depressiva aqui. Mas não vamos contaminá-los com isso, leiam em paz.



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Chapter 4

– O que está fazendo mesmo? – ele indagou novamente, enquanto eu girava a espátula. – É um cheiro muito bom.

Apesar de toda a megalomania que me afetava nas aulas práticas, eu preferi fazer uma simples omelete ali. Com todo o tempero e misturas exigidas, talvez um pouco mais, mas não quis parecer tão fora do normal mesmo na cozinha. Algo que eu adorava. Era bem ruim ser maluca nisso.

– Omeletes. – coloquei a primeira no prato a sua frente e voltei para preparar a minha.

– Isso está muito gostoso. – ele falou de boca cheia já. – Você estuda na faculdade aqui, não?

– Aham, gastronomia. – eu consegui falar mesmo quase em transe durante o ato de fritar.

– Você não perguntou, mas eu faço Engenharia da Computação. – parecia bastante complicado só pelo nome. Nerd o suficiente. Recluso e bem esquisitão.

– Aham. – comentei apenas.

– É uma puta duma concentração na hora de cozinhar, não é? – mal ouvi ele.

– Muita. – alonguei a palavra, não me preocupando como soaria.

Ele ficou calmo depois disso, comendo em paz e me deixando em paz. Terminei a omelete e me sentei do lado dele, interessada apenas em provar e testar se fiz tudo corretamente. Fiquei feliz com o resultado. Milimetricamente perfeito, não é mesmo?

– Ficou bom? – ele perguntou, me analisando. Acenei, meio sem graça. Eu quem deveria perguntar isso, mas ele já sacou que o que importava era eu aprovar.

– O que você estava fazendo antes de “apagar” e aparecer aqui? – desviei a atenção para ele.

– Estava lendo. – ele voltou a ficar pensativo. – Você também é viciada em leitura, não? A estante.

– É bom pra distrair também. – ele concordou.

– Quais seus autores? Jane Austen ou Brontë? – o sarcasmo dele estava me incomodando mais do que ele ter deixado um pedaço cair do prato.

– Não é porque eu sou uma garota que só leio Jane Austen. – quase rosnei. – Mas sim. – cutuquei a omelete, segurando a risada, ao contrário dele. – Aposto que o seu é George R. R. Martin ou Tolkien, algo bem másculo e nerd. – eu precisava cutucá-lo também, manter minha honra.

– As pessoas me odeiam por eu achar Tolkien um saco. – ele comentou.

– Ele é um saco mesmo.

– Escrita detalhista demais...

– Você conhece até os detalhes dos insetos que vivem dentro das paredes da casa do Frodo. – complementei. Ele concordou ferozmente.

– Eu curto Lolita Pille, já ouviu falar?

– Não. O que ela escreve?

– Bem, é meio difícil de explicar. – despedacei a omelete com força demais.

– É difícil organizar os pensamentos às vezes. – ele soou como se soltasse um segredo difícil de confessar.

– Aham. – voltamos a comer em silencio, cada um preso na sua vivência de maluquice.

Ele terminou de comer depois de juntar toda a cebolinha em um canto. Gastou uma meia hora só naquilo, sem brincadeira. Estava hipnotizante pra mim. Até os pequenos pedaços de cebola ele colocou longe, comendo só o ovo com queijo e presunto Parma.

– Temperos. – falou como quem não quer nada.

– Servem só pra dar gosto, depois jogue-os fora? – sugeri.

– Aham. Mas está bom. Já deram o gosto. – sorriu amarelo.

Não me incomodou muito, gostos e preferências com comidas eram algo fácil de entender.

– E o que você estava fazendo antes de eu, er, chegar?

– Organizando a estante. – terminei a minha omelete e já corri para lavar tudo que usei.

– Como é isso? – ele não precisou especificar o isso.

– É... Eu apenas gosto de tudo em seu lugar correto.

– Tudo certo e perfeito.

– Hum-hum. Quando não está eu fico ansiosa. Não deixo de pensar naquilo. Preciso arrumar antes que algo ruim acontece.

– Como antes?... – péssimo assunto.

– E você? Os apagões. – já sabíamos o suficiente sobre o meu TOC, não?

– Eles não possuem um gatilho específico, podem acontecer a qualquer hora. O mais longo durou quase 18 horas. Eu posso estar tomando banho que ele aparece. – ele soou bem infeliz.

– Como funciona? – quase deitei sobre a mesa, curiosidade mórbida. Ele até assustou.

– Eu vou sentindo uma leve dormência. Começa nos dedos. E o mundo parece deslocar um pouco, me sinto fora do corpo. Aí tudo fica escuro. – ele começou a empolgar.

– Não tem como impedir?

– Não, já tentei. Mas quando começa eu normalmente apenas fico parado. Quase como uma paralisia do sono. Essa é uma ótima analogia. – sorriu, feliz consigo. – É como uma paralisia do sono, só que inconsciente.

– Nunca tive paralisia do sono. – franzi a testa. – Mas teve alguns dias, depois de ler sobre, que era impossível dormir de barriga para cima. Barriga para cima ajuda a ter isso, não? Então eu ficava mortificada de dormir assim, mas é o melhor jeito para mim. Sempre durmo mais fácil de barriga para cima. Droga, foram um inferno aqueles dias.

– Eu já tive algumas vezes. É realmente uma péssima sensação, você se sente sufocado.

– Eu tenho claustrofobia. – soltei do nada.

– Eu tenho medo de lugares a céu aberto. – ele fez uma careta.

– Como isso é possível? Você não sai de casa?

– Sempre posso evitar. – ele pareceu ofendido.

– E quando não pode? – insisti.

– Eu corro.

– Que?

– Eu corro até o lugar que preciso ir. – eu obviamente estava envergonhando ele.

– Isso é sinistro.

– Eu sei. – ele pareceu ter se fechado depois daquilo. O beliscão no meu antebraço me acordou.

– Desculpa, é ridículo eu falar isso. Como se eu não fizesse coisas sinistras também.

Mas ele não disse nada. Ficou apenas observando o tampo da mesa e respirando fundo e expirando fundo.

– Você tem fobia social. Como estamos conversando? – ele parecia prestes a cair pra trás do banco.

– Eu não sei. Puta merda, eu não sei. – seus dedos voaram para o cabelo.

– Droga, droga, tá, parei. Desculpa. – contornei a mesa e tomei seus braços, como ele havia feito para mim mais cedo.

No impulso o abracei. Seu coração estava acelerado mesmo. Sua respiração ficou um inferno, ele parecia não saber onde deixar as mãos. Eu obviamente estava matando o garoto, mas continuei ali. Pensei no cabelo e comecei a trançá-lo eu mesma. Que linda noite. Um desconhecido na minha casa, talvez mais maluco do que eu. Em menos de uma hora eu tinha tido uma crise de ansiedade, agora causava uma no garoto. Eu trancei muito. Tipo, metade do cabelo dele ficou cheio de trancinhas pequenas. Quase um rastafari. Mas acho que não foi tão longo quanto a minha crise. Acho que consegui acudir a tempo.

Ele manteve as mãos no colo, imitando os movimentos do trançar. Conseguiu controlar sua respiração bem. E metade do cabelo estava trançado. Acho que estava tudo bem, não? Me afastei dele e havia um agradecimento em seus olhos.

– Quer café?


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