Os Algoritmos de Anthony Gregory escrita por MadScientist03


Capítulo 2
Kalina Pazini


Notas iniciais do capítulo

Agradecimentos à minha família e ao meu amigo Matheus Fernandez por me apoiarem e continuarem me apoiando nesse projeto. Boa leitura e aproveitem!



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No quarto 314 do dormitório masculino, Bernardo estudava para o teste de geografia que seria realizado no dia seguinte em todas as turmas do terceiro ano. Ainda chovia lá fora. Era um tempo que agradava os dois colegas de quarto. A cama de Ben estava completamente desarrumada, enquanto a de John estava bem feita, apenas com o lençol amarrotado.

Dentre as matérias cobradas no teste, uma delas tratava sobre a questão territorial em escala global e como eram organizadas as unidades político-administrativas. O mundo era dividido em 26 grandes países, divididos de acordo com os aspectos ambientais (clima, relevo e outros), e são nomeados com as letras do alfabeto romano. Cada país era dividido em estados de acordo com aspectos ambientais e socioculturais, nomeados com as letras do alfabeto grego. Cada estado era dividido em cidades de forma indeterminada, com um número de cidades em cada estado igualmente indeterminado, e as cidades eram nomeadas de forma indeterminada. Isso ocorria devido ao fato de que a cidade era a única unidade política-administrativa, sendo agrupada em estado e país apenas para uma forma de melhor organização. As cidades possuíam grande autonomia política, econômica e militar. A forma de governo em cada cidade era definida pelo governante. Este chegava ao poder de forma indeterminada, podendo ser por escolha popular, por uma questão hereditária ou ainda de forma autoritária com o uso da força. Não havia um representante do estado ou do país.

Ainda que o poder global seja extremamente descentralizado, havia uma cidade de grandes dimensões e grande poder militar que dominava indiretamente todas as outras cidades: Valquíria. Era um território em que todos os habitantes com idade superior a vinte anos eram militares. Possuía o maior poder bélico e centro de tecnologia do mundo. Seu governo era uma ditadura. Seu desenvolvimento econômico e social eram os mais avançados, tomados como parâmetros para as outras cidades. Além disso, era a única cidade que possuía uma embaixada dentro de todas as outras cidades para garantir o poder mundial. A força bélica legitimava seu poder. Seu governante, o general Magnus Kato, anunciou publicamente há vários anos que as embaixadas poderiam interferir na política de uma cidade se esta tomasse ações que comprometessem a ordem mundial.

Era exatamente isso que Bernardo estava estudando quando ouviu uma voz elevada vindo do corredor e que parecia se aproximar a cada segundo que passava. Quando a porta do seu quarto abriu bruscamente, o rapaz viu quem era e o que estava acontecendo.

— ... e não pense que o diretor terá tanta compaixão quanto eu tenho! ― Eric empurrava John para dentro do quarto que tropeçou e por pouco não caiu no chão. O garoto estava com as duas apostilas embaixo do braço. O inspetor, que estava segurando o gorro de Dias em uma das mãos, ergueu levemente seu queixo para cima e gritou: ― Inspeção!

Eric começou a remover o colchão da cama de John do lugar, procurando por alguma coisa ilícita que poderia estar escondida, sem se preocupar com a mochila de Dias que foi jogada no chão. Ben se levantou depositando seu livro e caderno sobre mesa do computador. O inspetor começou a abrir as gavetas e remexer as roupas íntimas de John. O garoto, que já estava acostumado com aquele tipo de procedimento da parte de Eric, olhava a situação com indiferença.

― Nada ― concluiu Eric após revirar todas as roupas de Dias. Ele levantou e foi na direção da cama de Bernardo que já havia se afastado e se posicionado ao lado de seu amigo.

O procedimento foi exatamente o mesmo que na outra cama. Os dois jovens encaravam a situação com cara de velório.

― Exemplar como sempre, Ben! ― dizia o inspetor se levantando após revirar as gavetas. Ele encarou o mais magro dizendo: ― Quero ver mais disciplina da sua parte, jovem! Esse gorro vai ficar comigo. Você entendeu? ― John fez um sinal positivo com a cabeça.

Eric se dirigiu até a porta com passos largos e balançando os braços. Quando tinha metade de seu corpo para fora do cômodo, começou a gritar com alunos que estavam no corredor. Quando a porta foi fechada pelo inspetor, John e Ben olharam para ela e fizeram uma continência debochada, com expressões frias e vazias em seus rostos.

John depositou suas apostilas sobre a mesa e ambos começaram a arrumação.

― Achou o lugar? ― Bernardo quebrou o silêncio após alguns minutos enquanto dobrava suas camisas e as colocava de volta na gaveta.

― Sim! O professor Victor é realmente o chefe do laboratório. ― respondeu enquanto colocava o colchão no lugar e o cobria com o lençol.

― E o que achou? ― Bernardo não recebeu uma resposta imediata. Como estava de costas para o amigo, apenas imaginou que ele estivesse pensando sobre assunto.

― Interessante ― respondeu finalmente, apanhando sua mochila e a colocando no chão, em frente a sua cama. ― Já recebi meu primeiro projeto, então tenho trabalho para fazer. As instruções estão na apostila mais grossa sobre a mesa, se quiser dar uma olhada.

― Tudo bem! ― Bernardo terminou com as gavetas e foi colocar o colchão no lugar. O lado de John já estava arrumado e o garoto deitava sobre a cama, afundando o rosto no travesseiro.

― Quem é Kalina? ― perguntou Dias com a voz abafada e quase inaudível, mas não esperava uma resposta do amigo.

― A amiga de quem falei. Ela trabalha nesse laboratório desde a primeira semana de aula. Parece estar satisfeita com o que faz ― O lado de Bernardo estava arrumado. O jovem gordo e peludo vestia bermuda, chinelo e uma grande camisa branca com manchas em alguns pontos na parte da barriga. Ele se dirigiu até a mesa e notou que a chuva havia parado. Como as apostilas e John estavam secos, Ben imaginou que já havia um bom tempo desde que a precipitação cessara.

Bernardo pegou uma apostila, sem prestar atenção na espessura dela, e deitou na sua cama para ler. John continuou deitado e virou o rosto para o lado, olhando para a parede. Não demorou muito para o rapaz adormecer. Eram por volta de 19 horas. O tempo lá fora continuava nublado.

Estavam no inicio de Abril. Os dois garotos estudavam no Colégio Mendes, uma das instituições públicas mais prestigiadas da cidade de Fermat. Localizada no hemisfério sul do globo e próxima ao mar, a cidade possuía um clima tropical. Era caracterizada por suas florestas densas, quentes e úmidas, além da rica fauna e flora. A família Fermat governava a cidade durante várias gerações. Os Fermat eram um grupo de mafiosos que usavam da força para legitimar seu poder. Espelhando-se em Valquíria, Fermat investia no poder militar e em pesquisas em tecnologia.

Quando John acordou, feixes de luz solar entravam pelas brechas da cortina. Ele olhou para o lado e viu que Bernardo não estava lá e a cama dele estava desarrumada. John levantou e pegou seu celular que ficava guardado e desligado dentro de uma gaveta na mesa do computador. O garoto o mantinha assim, pois não o usava muito. Ligando o aparelho, o relógio marcava 7h32min.

― Atrasado novamente ― pensou John. Abriu o calendário no celular e viu que aquele dia estava marcado para ele chegar às 10h no colégio, no horário do intervalo. ― Perfeito!

Uma das apostilas estava aberta sobre a mesa do computador. John pensou que era a que Bernardo lera no dia anterior, e concluiu que o amigo não havia lido seu projeto e sim a apostila para “fins educativos”. Ele pegou aquele conjunto de papeis encadernados e, indo para a primeira página, leu o título: “Anthony e o Hominontare”.

Lembrava-se que Victor havia falado aquela palavra quando conversaram. O jovem deitou novamente na cama e começou a ler:

“James Anthony Gregory nasceu no ano 1940, na cidade de Goldbach, em uma família de nobres. Ingressou no curso de física da Universidade de Lamartine, logo após terminar o colegial. Teve um desenvolvimento notável concluindo o curso em tempo recorde. Durante seu mestrado, desenvolveu pesquisas voltadas para defesa pessoal utilizando a ciência. Uma de suas teorias mais antigas e famosas foi desenvolvida nesse período: O hominontare, que queria dizer ‘homem sem limites’.

Anthony acreditava que o ser humano era uma criatura muito frágil para o mundo em que vivia. Dessa forma, ele idealizou um modelo de ser humano que se diferenciava daquele que conhecemos em sete habilidades. De acordo com Gregory, o hominontare era a forma perfeita do ser humano e o auge da evolução.

A primeira dessas habilidades era força física. O hominontare era, por natureza, mais forte e resistente que um humano, podendo se tornar ainda mais forte e resistente que um ser humano comum que possuísse a força equivalente a de um hominontare. A segunda era velocidade. Além de possuir uma velocidade maior que a de um humano, seu corpo menos denso permitia a locomoção facilitada. A terceira era a visão. O hominontare tinha um alcance de visão superior a de um homem comum. A quarta eram seus reflexos apurados, resultado de uma maior sensibilidade de seus cinco sentidos. A quinta era um elo mental que permitia a comunicação telepática com outro ser humano evitando a produção de sons desnecessários. A sexta era sua grande capacidade regenerativa, podendo reconstruir seus tecidos, órgãos e até mesmo ossos em um período de tempo muito curto. O sétimo era a capacidade de concentrar uma grande quantidade de energia na superfície de sua pele permitindo que, apenas com o tato, o hominontare seja capaz de desligar ligações iônicas ou covalentes entre átomos. Essa habilidade também aumentava suas reservas de energia, permitindo tal feito.”

John continuava lendo o texto, mas em momento algum estava escrito se Anthony conseguiu criar o hominontare ou não. Ao continuar a leitura, descobriu que, segundo Anthony, o hominontare já existiu em algum momento da humanidade, há milhares de anos. Contudo até mesmo seus companheiros de trabalho duvidavam dessa ideia. Quando o texto começou a ganhar outra direção, John percebeu que já estava lendo um novo tópico sobre teorias de seres vivos inteligentes em outros planetas.

A apostila seguia com diversas teorias do Dr. James Anthony Gregory, sempre com explicações superficiais. Na sua maioria eram utópicas e fantasiosas, mas Dias ficou muito satisfeito em lê-las.

Faltando poucos minutos para as 10 horas, John pegou suas roupas, sua escova e pasta de dentes, e foi para o banheiro. Seu uniforme escolar consistia em uma camisa social branca, uma calça preta e sapatos pretos. Após tomar banho viu sua face fazendo caretas para o espelho enquanto escovava os dentes. Voltou para o quarto, guardou suas ferramentas de higiene bucal na gaveta. Pegou a apostila que ainda não havia lido e a guardou na mochila. Colocou a mochila nas costas e saiu.

O dormitório estava completamente vazio. Olhando para as janelas viu que o tempo estava ensolarado. Um dos desgostos para John em morar em Fermat era aguentar o tempo imprevisível da cidade. Mas isso não era uma particularidade apenas daquela cidade, pois se tratava de uma realidade de todas as cidades localizadas no país P.

Saindo do dormitório, os raios solares refletidos na calçada de concreto ofuscavam a visão de John, que andou diretamente para o prédio do colégio. Passando pela quadra de esportes, seguia a calçada com fileiras de árvores à direita e à esquerda. Havia muitas árvores de diferentes espécies em todo o campus.

Quando subia a escadaria para entrar no prédio, ouviu o sinal tocar. Os corredores começaram a se encher de alunos. O barulho de várias pessoas conversando fez John imaginar como seria interessante se todos fossem hominonteres, e assim poderiam conversar sem fazer aqueles sons desagradáveis. O rapaz subiu as escadas e se dirigiu até a sua sala. Ele andava contra o fluxo dos outros alunos.

Abriu a porta de sua sala de aula revelando um cômodo retangular com janelas ao longo de uma das paredes. Havia fileiras de mesas e cadeiras, que no momento se encontravam fora do lugar habitual. A lousa continha a resolução de exercícios da aula de matemática que John perdera por chegar atrasado. A mesa do professor ficava na frente das demais cadeiras, de costas para a lousa. Havia alguns alunos conversando sentados nas primeiras cadeiras. Alguns estavam em pé e outros sentavam sobre as mesas. Não notaram a presença de alguém entrando.

John se dirigiu ao seu lugar habitual no fundo da sala. O ambiente estava agradável graças ao ar condicionado. Dias pensou em dormir, mas decidiu começar a ler o seu projeto. Abriu a mochila para pegar a apostila quando alguém se aproximou.

― Você estudou para o teste? ― disse a voz grave de Bernardo, que vestia o uniforme escolar igual a John, porém com dimensões maiores.

― Não exatamente ― respondeu Dias olhando para o amigo. Eles estudavam em turmas diferentes, o que fazia de Bernardo uma espécie de convidado na sala de aula. John ofereceu a ele a cadeira vizinha para se sentar.

― Obrigado! ― agradeceu Ben. ― O teste está fácil. Acabamos de fazer. São todas questões objetivas.

― Então terminarei mais rápido! ― comentou olhando para a apostila enquanto a folheava. Era um pouco maior que a outra. A verdade era que ele tinha preguiça de ler. ― Quer dar uma olhada nessa daqui?

Ben pegou o encadernado da mão do amigo e começou a ler. John apoiou a cabeça sobre a mochila que estava sobre mesa e ficou observando os outros alunos conversando. O uniforme feminino do colégio consistia em uma blusa branca com detalhes pretos, uma saia preta, meias brancas ¾ e sapatilhas pretas. John conseguia ouvir fragmentos do que falavam. Eram assuntos banais, sem qualquer relevância. Mas tratavam como se fosse uma conversa importante.

Uma garota vestida com o uniforme, com um pouco mais que um metro e meio de altura, cabelos castanhos e de maria-chiquinha, estava na porta olhando na direção dos dois garotos. Bernardo não reparou na menina e John permaneceu imóvel olhando para ela. A garota entrou na sala indo na direção deles. Parecia tímica. Andava com o braço esquerdo esticado na direção do chão contra o seu tronco, e o segurava com a mão direita.

― Com licença ― disse ela com uma voz suave e quase inaudível. ― Eu poderia falar com você, John?

― Saindo ― disse Bernardo se levantando e saindo da sala com a apostila na mão, sem parar de ler o conteúdo do material.

Beatriz Carvalho era a representante da turma de John. Embora não parecesse por conta de sua estatura, a menina tinha dezessete anos. Ela era apenas um ano mais nova que John. Era uma das poucas pessoas que falava com Dias.

― Claro ― respondeu sem demonstrar emoção.

― John ― ela começou ― Você está atrasado.

― Sim.

― É que você sempre chega atrasado. E tem faltado muito desde que começaram as aulas.

As aulas começaram no final de Fevereiro, ou seja, há um pouco mais de um mês.

― Isso não é verdade. Eu chego 7 horas na segunda-feira.

― Mas é comum se atrasar ― a menina começou a entrelaçar os dedos. ― Você pode ter problemas em relação às aulas.

― Tem medo que eu repita de novo? ― desdenhou John.

― Eu não quis dizer isso! ― ela se corrigiu rapidamente ― Desculpa. É que isso pode te prejudicar de alguma forma no futuro. Além disso, eu fui cobrada da direção sobre a disciplina da nossa turma. Não é nada pessoal! Há outras pessoas com quem eu também tenho que conversar.

― E desde quando cobrar disciplina de alunos virou responsabilidade dos representantes de turma?

― Pelo que me disseram, acreditam que seria mais produtivo se os representantes conversassem com os alunos ao invés de alguém da direção.

John bufou. Beatriz ficou um pouco assustada. Ele se aproximou da menina e, puxando seu celular do bolso, mostrou o calendário em seu aparelho.

― Esses aqui são meus horários de aula.

― Desculpa, meu celular é um modelo antigo. Esses mais modernos eu não entendo...

― É apenas um calendário comum, tudo bem? ― John a interrompeu impaciente ― Aqui é onde organizo meus horários. Eu não preciso assistir a todas as aulas, pois é do meu conhecimento a maior parte das matérias. Só venho para assistir a aulas que tenho mais dificuldade ou para fazer avaliações, como é o caso de hoje. Por isso chego mais tarde em alguns dias e falto em outros. São as vantagens de ser um repetente.

― Mas você não pode fazer isso! ― Beatriz persistiu ― Isso pode prejudicar a turma.

― Eu não acredito que chegar atrasado às aulas vá afetar a alguém além de mim ― ele voltou para seu lugar. ― E mesmo que afetasse de algum modo, eu não me importo.

Beatriz abaixou o olhar e disse um “tudo bem” meio gago e inaudível. Saiu da presença de John, indo para fora da sala. Os alunos que conversavam estavam observando a situação. Uma garota loira de cabelos longos se levantou e se dirigiu até Dias.

― Qual é o seu problema, garoto? Não percebe que ela se importa com você?! ― disse a menina rispidamente.

― Ela só estava fazendo sua função como representante, nada mais. ― falou Dias sem alterar o tom de voz.

― E mataria você se aparecesse mais vezes na sala?!

― Não é como se eu fosse o único que estivesse causando problemas. Até onde eu sei é proibido relacionamentos amorosos dentro do campus. ― John não tinha ideia de com quem estava conversando, mas havia reconhecido a garota do dia anterior, que beijava um garoto na relva.

A menina mostrava estar muito irritada. Por um momento ela abriu a boca para falar algo, mas voltou atrás. Apenas saiu da presença de John rapidamente com passos largos indo para fora da sala. Os outros alunos foram atrás dela, provavelmente para entender o que havia acontecido. John Dias estava sozinho na sala de aula. O rapaz repousou sua cabeça sobre a mochila e esperou o horário do teste.

Quando o sinal tocou, os alunos foram entrando aos poucos. Beatriz foi uma das ultimas pessoas a entrar na sala, com a cabeça baixa escondendo o rosto. O teste foi distribuído quando todos se organizaram nos seus lugares e logo depois foi iniciado. Tinha duração máxima de uma hora e meia. Ao ler as questões, John se lembrava das aulas de geografia e dos assuntos que o professor falara. Não teve muita dificuldade em marcar as respostas corretas. Ele se levantou para entregar o teste trinta minutos após o início da avaliação. Saiu da sala com a mochila nas costas, sem olhar para o rosto de ninguém.

O corredor do lado de fora estava completamente vazio. Seguiu em passos lentos até as escadas que davam acesso ao andar inferior. Sua mente estava ocupada pela ansiedade de começar seu projeto. Foi quando lembrou que esquecera sua apostila com Bernardo. Incapaz de interromper a aula dele para pedir algo tão insignificante (pelo menos é o que iria parecer para o professor que estivesse na sala), decidiu ir para o laboratório esperar a aula acabar. Desceu as escadas, passou pelo corredor principal e se dirigiu até a porta, saindo do prédio.

A temperatura do lado de fora parecia ter aumentado. John atravessou o campus, indo em direção à antiga sede do clube de esportes. Seu rosto estava suado e oleoso. Seus cabelos haviam esquentado e sua camisa estava ficando úmida na parte do peito.

Chegando ao laboratório, o rapaz bateu na porta como da última vez. O arredor do laboratório parecia possuir uma temperatura mais amena do que em outras partes do campus. “Talvez por ter mais árvores concentradas aqui”, pensou John.

A porta foi aberta, revelando o ruivo professor Victor Beaumont. Ele falava ao telefone. Sua expressão facial demonstrava satisfação no momento em que viu John, o que fez o professor dar uma gargalhada áspera.

― O destino está do nosso lado, Kalina! ― falava ao aparelho com alegria ― Seu aprendiz está aqui! Mandarei ele imediatamente! Espere ele na estação da universidade ― e desligou o telefone. ― Entre, Sr. Bartolomeu! Não podemos deixar uma dama esperando!

Victor deu espaço para John entrar. O garoto sentiu o ar gelado do ar condicionado em sua pele trazendo uma sensação de conforto. Victor se dirigiu às pressas até sua mesa, apanhando uma chave que estava ao lado de seu notebook.

― Vou ser breve, Sr. Bartolomeu. Mandei Kalina ao ITF para pegar uma pasta com anotações importantes que esqueci na minha antiga sala. Um amigo que dividia a sala comigo costumava estar lá nesse horário nas quartas-feiras, mas descobri que ele ficou doente e não foi trabalhar hoje. A sala está trancada, então preciso que leve a chave para ela. Entendeu?

― Eu acho que sim ― o rapaz disse pausadamente. Victor entregou a chave na mão de John.

― Ela está no metrô. Vai te esperar na estação da universidade. Sabe chegar lá?

― Sim. O colégio fez uma visitação com os alunos do terceiro ano lá, ano passado.

― Perfeito! Ela vai estar de uniforme. Usa óculos, cabelos pretos, tem uma trança... Agora vai! ― concluiu quando percebeu que não havia mais nada a dizer.

John saiu pela porta, sentido o ar quente do lado de fora. Foi andando pelo campus, passando pela quadra de esportes e pelo prédio do colégio a passos largos. Ele saiu do terreno do colégio passando pelo portão de entrada gradeado e feito de metal. ITF era a sigla para Instituto de Tecnologia de Fermat, a melhor universidade de ciências exatas da cidade. Como Victor era formado em física, era natural ele ter trabalhado lá.

As ruas naquela região eram bastante movimentadas. Ele atravessou a rua e seguiu andando pela calçada. Seguiu direto por alguns quarteirões e virou à esquerda. Havia prédios por toda parte. Andando por quase dez minutos, encontrou algumas escadas rolantes que levavam para o subsolo. Andou por vários corredores largos, passando por máquinas de doces e refrigerantes. Passou seu passe livre em uma das roletas que estavam no seu caminho e continuou andando. Ele começou a correr quando viu que seu metropolitano estava parado na estação. John entrou alguns segundos antes das portas fecharem. O vagão estava cheio. Não havendo lugar para sentar, ele removeu a mochila das costas para repousá-la no chão e esticou o braço para agarrar um dos ganchos. Havia muitas pessoas em pé, assim como ele.

Depois de parar em cinco estações, o vagão de John já estava quase vazio. Havia lugares para o rapaz se sentar, mas decidiu continuar em pé. Passou a mão em seus bolsos para confirmar se a chave que Victor o dera ainda estava lá. Alguns minutos depois chegou à sua estação. Colocou sua mochila nas costas e saiu pela porta lateral. Não havia quase ninguém naquela estação. Dias olhou para a direita e viu um casal andando de mãos dadas, e um homem bebendo água no bebedouro. O metropolitano estava partindo. Ele olhou para a esquerda e viu uma fileira de bancos laranja fixados à parede da estação. Em um deles estava sentada sozinha uma garota com o uniforme do colégio de John. Ela estava com um celular na mão, observando algo na tela do aparelho. Seus cabelos eram negros, lisos e muito longos. Eles estavam amarrados em forma de uma longa trança que parecia bater na cintura dela. Ela usava óculos com lentes redondas. Sua pele era muito clara para alguém que vivia em uma cidade tropical. John se aproximou dela, ficando de fronte para a garota que ainda não havia notado a sua presença.

― Kalina? ― tentou chamá-la.

A garota se assustou dando um grito e olhando para quem havia aparecido. John levantou os braços como reação, recuando um passo para trás. Ela olhava fixamente para ele com seus olhos castanhos escuros.

― John Dias? ― perguntou a menina ligeiramente ofegante.

― Correto ― respondeu abaixando os braços.

― Me desculpa! ― disse guardando o celular na bolsa que estava em cima do banco ao lado. Passou a alça da bolsa sobre a cabeça apoiando no seu ombro direito, de forma que a bolsa ficasse pendurada do lado de sua cintura.

A menina levantou. Era mais baixa que John. Ela deveria ter em torno de um metro e sessenta de altura. John possuía mais ou menos um metro e setenta, e ele era cinco centímetros mais baixo que Bernardo. Kalina continuava olhando pra John que ficou assustado quando a garota esticou rapidamente o braço na direção dele.

― Kalina Pazini! ― ela se apresentou falando rápido e em bom tom ― Prazer em conhecê-lo!

John arregalava os olhos, pois não conseguindo entender muito bem a situação. Mas esticou o braço apertando a mão da garota.

― Idem ― respondeu.

Kalina começou a fazer longos movimentos com o braço para cima e para baixo, fazendo o braço de ambos balançarem. Fez John pensar que ela nunca havia feito aquele tipo de coisa antes na vida, ou que era retardada, mas não falou nada.

― Então vamos! ― disse ela largando a mão dele e andando ao longo da estação, indo em direção as escadarias. ― Lamento por Victor fazer você vir até aqui! Ele fez uma encomenda que iria chegar hoje a qualquer horário, então precisava ficar no laboratório para recebê-la.

― Não há importância ― respondeu rispidamente, mas não pareceu que Kalina havia ficado ofendida. ― Você quem fez aquela luva robótica que está no laboratório, não é?

― Que?! ― respondeu rapidamente e assustada ― Sim! Fui eu, sim! ― ela abaixou o rosto olhando para os pés.

― Que material usou para fazer?

― Liga de titânio ― disse olhando para ele rapidamente. ― Possuí baixa densidade, alta dureza, alta resistência mecânica, baixa condutividade térmica e elétrica. É perfeito para um traje de batalha! Mas o material para construir o traje não é barato. Por isso não acredito que eu consiga construí-lo completamente. Estou pensando em fazer apenas algumas partes e complementar com alguma outra coisa.

Eles chegaram ao topo da escada e continuaram andando. Atravessaram a roleta, passando pelos corredores largos e por máquinas de refrigerantes, indo em direção à escada rolante. Do lado de fora os raios solares eram intensos. Eles foram andando pela calçada.

― Você é novo no laboratório! ― disse eufórica ― Eu havia esquecido. Seja Bem-vindo ao NEEF! ― ela esticou o braço novamente, mas John não deu atenção.

― O que é isso?

― O nome do laboratório. Núcleo de Estudos Extraordinários e Futurísticos. Victor não te contou, não é? Deve ter ficado animado com o novo membro e ter se esquecido de te dizer algumas coisas.

Eles haviam chegado há uma grande escadaria de mármore que levava há uma grande estrutura de estilo vitoriano. Havia uma porta de entrada grande e aberta, feita de madeira. Um letreiro dizia “Instituto de Tecnologia de Fermat”.

― Não há necessidade dos dois entrarem. Eu espero aqui fora ― disse John.

― Tem certeza? Está muito quente aqui fora.

― Apenas vá.

Kalina assentiu. Ela subiu as escadas e entrou. John subiu logo depois, sentando-se no último degrau, que estava coberto pela sombra do prédio. Verificando o celular e viu que seu relógio marcava 11h48min. Viu algumas pessoas saindo pelos grandes portões. Alguns eram bem jovens, mas viu um ou outro mais velho com ares de professor. Já passara do meio dia quando alguém o tocou nas costas.

― Quer comer alguma coisa? ― perguntou Kalina que segurava embaixo do braço uma pasta transparente e inchada com várias folhas riscadas.

― Pode ser ― disse levantando.

Do outro lado da rua havia uma lanchonete onde os dois garotos entraram. Estava bem cheio. A maioria que estava lá dentro parecia estudar na ITF. Eles conseguiram achar uma mesa vazia, onde se sentaram. Kalina guardou a pasta em sua bolsa e ficou olhando para a janela, enquanto John entrelaçava os seus dedos sobre a mesa.

― O que o professor quis dizer com “aprendiz”? ― perguntou o garoto.

Kalina riu baixo levando a mão à boca.

― É só o jeito que Victor ver as coisas. Na verdade não serei sua mestra. Talvez seja uma das coisas que ele não te contou, mas iremos trabalhar juntos no Neurocomputador.

― O que é isso?

― Victor não te deu o projeto?

― Sim. A verdade é que não o li ainda.

Chega um funcionário para anotar o pedido dos garotos. Eles pedem a mesma coisa e o garçom se retira.

― Você parece conhecer bem o professor ― disse John.

― Não muito bem, na verdade. Ele é uma pessoa bem difícil de lidar às vezes. Mas qual a sua impressão sobre ele?

― Parece um cientista maluco ― John fez uma pausa para pensar. ― Ensina física muito bem. Lecionou na ITF. Tem um cabelo muito legal. Um relógio esquisito.

― Você não acha estranho um professor universitário exclusivo largar tudo para lecionar no ensino médio?

― Só agora que você falou.

Kalina ajeitou os óculos com os dedos. Inclinou-se para frente repousando os braços sobre a mesa.

― As pesquisas do Dr. Anthony Gregory não são reconhecidas no meio acadêmico ― ela começou falando. ― Muitos cientistas e professores acreditam que suas teorias são utópicas demais para serem levadas a sério. Dessa forma, não há laboratório ou faculdade que financie projetos que tenham alguma relação com Anthony. Victor está determinado a provar que tudo que Anthony disse era verdade, para calar a boca de qualquer um que duvide dele. Seu objetivo é tornar todos os projetos do diário de Anthony reais, e está disposto a fazer qualquer coisa por seus ideais. E isso inclui tornar alunos do ensino médio cientistas.

― E quem financia a NEEF? ― perguntou John.

― Ninguém. Victor utiliza os próprios recursos financeiros. Professores do Colégio Mendes ganham muito bem, então isso é possível.

O garçom retornou colocando o lanche de cada um na mesa. Kalina agradeceu quando ele saiu.

― Por que você quis entrar na NEEF? ― John perguntou para Kalina antes de morder seu sanduiche. Ela ficou pensativa por um tempo.

― Bom... ― disse gaguejando e falando um pouco baixo. ― Eu... gosto muito de engenharia. Além disso... acho que fazendo pesquisas posso ajudar com o progresso da humanidade... mesmo que não pareça grande coisa ― ela bebeu um pouco do refrigerante. ― E você?

― Apenas um passatempo ― disse John após engoli a comida.

Eles terminaram de lanchar em silêncio. Às vezes Kalina olhava para a janela observando a movimentação na rua. John ficou feliz por ela não ser o tipo de pessoa que pegava o celular a cada minuto. Mas parecia ser bem desastrada. Os dedos da menina estavam sujos com o molho do sanduiche e uma quantidade pequena de refrigerante havia respingado na sua roupa. Kalina fez questão de pagar a conta, pois havia se sentido responsável pelo fato de John ter ido buscar a pasta com ela. Ele disse que tinha dinheiro, mas não insistiu muito.

Saíram do estabelecimento e fizeram o caminho para o colégio. Quando eles chegaram ao vagão do metropolitano o relógio de John marcava 12h44min. Ele e Kalina fizeram a viagem toda em pé e segurando no gancho.

Um celular começa a tocar e Kalina verifica que é o dela.

― Oi ― disse a menina atendendo ao telefone. ― Desculpa, meu professor me mandou ir até a ITF, mas já estou no metrô voltando para casa ― foi feita uma pausa. ― Você quem sabe. Tudo bem. Até logo! ― desligou guardando o celular na bolsa.

John estava olhando para a janela.

― Era meu irmão ― Kalina quebrou o silêncio. ― Disse que me encontraria no portão do colégio. Acho que o deixei ocupado por me atrasar.

― Ele não sabe que você tem atividades no laboratório depois da aula? ― continuou olhando para a janela.

― Sim, mas hoje eu não trabalho lá. Victor te passou seu horário de atividades?

― Não, mas deve coincidir com o seu.

― É verdade.

Alguns minutos mais tarde eles saem do metrô pela porta lateral. Atravessam a estação, sobem a escada rolante e vão para a superfície. As ruas continuavam com um fluxo intenso de pessoas. Seguiram a calçada, viraram à direita e atravessaram a rua. No ponto de ônibus ao lado dos portões do colégio estava parado um jovem com cerca de um metro e noventa de altura, cabelos negros e longos que batiam até a metade das suas costas. Usava uma regata preta mostrando seus braços brancos e definidos. Kalina seguia em direção dele e John andava logo atrás.

― Oi, mano! ― cumprimentou Kalina ― Esperou muito?

― Acabei de chegar ― disse o rapaz alto olhando para ela. Ele levantou o olhar para ver quem estava junto de Kalina. Por um instante seu rosto pareceu mudar de expressão. ― O que faz com minha irmã, John Dias?

John não respondeu. Ficou parado olhando para o rosto do rapaz. Seu nariz grande é o que chamava mais atenção no rosto, mas não era por isso que Dias o olhava fixamente. As mãos de John tremiam e, embora não expressasse, ficou nervoso em ver aquele adolescente que mais parecia um homem adulto.

― Vocês se conhecem? ― Kalina questionou olhando de um para o outro ― Ele vai trabalhar comigo no laboratório daqui por diante.

― Entendi ― respondeu o irmão. ― Espero que não tente nada com minha irmã.

― Eu não faria nada com ela, Enzo ― John finalmente falou.

Enzo se aproximou dele e o olhou de cima para baixo.

― De fato não faria ― disse com um sorriso. ― Vamos embora, Kalina ― e seguiu a passos lentos se distanciando de John aos poucos.

Kalina ficou imóvel por um tempo olhando de um para outro em entender a situação. Um pouco sem eito, ela acenou com a mão para John e seguiu seu irmão.

John Dias permaneceu imóvel mesmo depois deles terem ido embora. Ele apertava seu punho e mordia seus lábios inferiores. Enzo Pazini é um ex-aluno do Colégio Mendes. Estudou na mesma turma que John durante os três anos do ensino médio, além de ser o responsável por provocar o acidente que fez John Dias repetir o ano anterior.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler! Capítulos novos todo sábado! Próximo capítulo dia 02/01. Até lá, boas festas!



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