Os Algoritmos de Anthony Gregory escrita por MadScientist03


Capítulo 1
O laboratório


Notas iniciais do capítulo

Agradecimentos à minha família e ao meu amigo Matheus Fernandez por me apoiarem e continuarem apoiando nesse projeto. Boa leitura e aproveitem.



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Quando John Dias descia as escadas ele olhava para o quadro de avisos. Parado em frente ao painel, ficou observando por vários minutos cada panfleto, em especial as atividades extracurriculares. Um homem de porte grande, com a cabeça raspada e cicatrizes na bochecha, gritou o rapaz de uma distância de quase cinco metros.
― Ei, Jovem!
Era como Eric o chamava. Aproximava-se com passos largos e pesados, e seus braços balançavam com o movimento.
― O gorro! Sabe que é proibido! ― John puxou o gorro da cabeça mostrando seus cabelos negros e rebeldes ― Ser veterano não te dá o direito de quebrar as regras!
Com olhos cansados e com olheiras enormes, John mirou Eric e acenou levemente a cabeça. O inspetor saiu da presença do rapaz da mesma maneira que se apresentou, resmungando alguma coisa entre os dentes.
Não era muito comum haver alunos que tiveram que fazer o terceiro ano do ensino médio novamente por não ter conseguido notas suficientes para a aprovação. Na verdade, o caso de John Dias também não era esse. Mas lá estava ele, cursando a série mais uma vez. Não por ser relaxado ou burro. Pelo contrário, o rapaz tirava notas exemplares. Por causa de complicações no ano anterior, ele ainda estava lá.
Saindo do prédio ele atravessou o pátio do colégio. Andava cabisbaixo com passos tão curtos que quase arrastava a sola do tênis no chão. Quando passou ao lado da quadra de esportes, colocou novamente o gorro na cabeça. Alguns garotos do primeiro ano jogavam futebol na metade da quadra, enquanto outros jogavam basquete na outra metade. Estava um dia favorável para atividade ao ar livre, segundo John. O céu estava nublado, a temperatura amena, com ventos constantes. Não que ele gostasse de esportes.
Quase trinta metros longe da quadra se encontrava o dormitório masculino. O feminino ficava do lado oposto do campus. Não era permitido entrar no dormitório destinado ao sexo oposto, embora não houvesse quase ninguém para fiscalizar. Dentro do prédio havia um cheiro um tanto desagradável: um forte odor de desodorante aerossol misturado com cheiro de naftalina. Pela proximidade com a quadra, o dormitório era utilizado como vestuário. Era comum ver adolescentes suados e sem camisa correndo pelos corredores, ou ainda subindo as escadas com o corpo molhado, deixando o piso escorregadio causando um acidente ou dois.
John passava pelos corredores e viu alguns calouros conversando ao lado de uma janela. Subiu as escadas sem olhar para ninguém, ouvindo fragmentos da conversa alheia. No terceiro e último andar, ele entra na porta 314. Era um pequeno quarto com apenas duas camas e uma escrivaninha. Havia cortinas na janela, que bloqueava parcialmente a entrada de luz naquele espaço. Sentado em uma das camas, com o notebook no colo, digitando freneticamente, estava um jovem gordo com cabelos cacheados e volumosos, barba rala e braços grandes e cabeludos.
― Oi! ― John cumprimentou Bernardo.
― Um minuto.
A tela do computador refletia nos óculos do garoto várias cores que se misturavam. Brilhos constantes refletiam na pele oleosa de Bernardo, que mal piscava o olho.
― Se for jogar, usa o computador de mesa – advertiu John jogando a mochila em cima de sua cama.
Não houve resposta de garoto. John pegou algumas peças de roupas nas gavetas que ficavam sob as camas. Já estava com a mão na maçaneta para sair do quarto quando obteve uma resposta.
― Estava fazendo o relatório e acabei vendo que tinha evento hoje. Não dava tempo para mudar de computador.
― Pelo menos usa uma proteção nas pernas, Ben ― era o apelido que John havia dado a Bernardo.
― Vou usar quando matar o Boss.
A relação daqueles jovens era exatamente dessa forma. Embora a comunicação fosse mínima e talvez haja frieza no falar, ambos se entendiam bem um com o outro.
John saiu para tomar banho. Não gostava de ter que dividir o banheiro com desconhecidos, e teve sorte de não haver quase ninguém no dormitório naquele horário. Cansado, pensava em dormir. Mas também pensava que queria fazer algo diferente naquele ano. Queria compensar a perda de um ano de estudos aprendendo o que não aprenderia nas aulas regulares.
De volta ao quarto, com os cabelos molhados e a toalha ao redor do pescoço, John vê que Bernardo estava na escrivaninha, agora usando o computador de mesa. Não estava mais jogando online, e sim acompanhando publicações de um fórum, como John observava de longe na tela do monitor.
Sentou na cama enquanto secava os cabelos.
― Terminou o relatório? ― perguntou Dias.
― Está na sua pasta.
― E o evento?
― Tá rolando, ainda. Mas o server do seu mago tá em manutenção desde ontem a noite.
John suspirou desapontado.
― E a monitoria? ― perguntou Bernardo que não tirava os olhos do computador. ― Está ensinando bem aos seus alunos?
― A verdade é que estou ficando sem paciência. O pessoal da minha turma me olha com uma cara de zumbi. Com certeza não estão aprendendo nada, mas quando eu pergunto, eles me respondem que entenderam.
― Clássico! ― debochou. ― Só não entendo porque aceitou fazer isso.
― Queria me ocupar de alguma forma! ― John passava a mão no rosto, abafando sua voz. ― Achei que me enturmaria com o pessoal se fizesse isso. Francamente, não está me agradando em absolutamente nada.
Fez-se um silêncio no quarto, de tal forma que o único som que se ouvia era os cliques do mouse e o som do teclado sendo digitado.
― Quando saí da sala de monitoria, dei uma olhada nas atividades extracurriculares ― continuou John. ― Estava pensando se alguma coisa me despertaria o interesse. O problema é que a maior parte dos clubes já tem muitos membros.
― Claro! As inscrições abriram na primeira semana de aula. Já faz mais de um mês.
― Ainda havia algumas disponíveis. Música, Teatro e clube de xadrez.
― E você não tem potencialidade para nenhuma das três ― Bernardo girou na cadeira e ajeitou seus óculos com o dedo médio. ― Uma amiga da minha turma comentou de um novo clube de laboratório que abriu esse ano.
― Não me lembro disso no quadro de avisos.
― Não foi muito divulgado. Ela me disse que um professor está responsável pelas atividades ― Ben continuou. ― Ele utilizou o espaço da antiga sede do clube de futebol para transformar em um laboratório. Como o colégio não possuía verba disponível para tal atividade, o próprio professor financiou todo o projeto. Queria apenas que o colégio fornecesse o espaço.
― Será que é o Victor?
― É possível. Acredito que seja um professor novo.
― Entendi ― disse John levantando da cama. ― Se ele avisasse nas turmas tenho certeza que muitos iriam se interessar.
― Discordo! Os alunos, principalmente os calouros, estão interessados em artes marciais, clubes de esportes, ou estão ocupados demais para fazer alguma atividade. O laboratório é algo novo. É natural que tenha ocorrido esse desinteresse.
― Acho que vou dar uma olhada. Você vem comigo?
― Não.
― Então, tchau! ― pegou seu gorro e saiu do quarto. O cabelo ainda estava úmido, mas não se importou em coloca-lo na cabeça.
Com as mãos enfiadas no bolso se dirigiu até a janela de onde era possível ver a quadra de esportes. Logo ao lado ficava o ginásio, e atrás havia uma pequena casa onde se organizava o clube de futebol. O casebre era alongado e mal cuidado quando visto de fora, embora não fosse possível observar muito bem, pois o vidro estava embaçado. Continuou pelo corredor descendo as escadas. Passou pelos calouros que continuavam conversando e saiu do prédio seguindo em direção ao casebre. Passou por uma árvore onde havia um casal de adolescentes abraçados e se beijando sentados na relva. John passou por eles sem olhar para o lado.
As primeiras gotas de chuva estavam caindo. John se aproxima da casa, escondida no meio das árvores, e bate na porta. Ele se afasta e espera alguns instantes. Começa a observar o ambiente bucólico que se encontrava naquele lugar. O cheiro de folhas molhadas, a terra úmida, o som das cigarras e os insetos voadores construíam aquele cenário. Embora distante, era possível ouvir também ouvir o barulho dos impactos das bolas que vinham da quadra.
― Pois não? ― dizia uma voz rude atrás dele. A porta havia sido aberta revelando um homem adulto de pelos ruivos e barba rala. Seus olhos azuis claros se escondiam atrás de seus óculos. Ele vestia um jaleco branco sobre uma camisa polo, calça jeans e sapato social.
― Boa tarde, professor! Está ocupado? ― se aproximou John.
― Um pouco, sim! Mas o que deseja? ― respondeu rispidamente.
― Ouvi falar de um clube de laboratório que abriu aqui recentemente. Gostaria de...
― Ah, claro! Poxa vida! Ficarei feliz em recebê-lo como membro! ― mudou completamente o tom de humor.
― Então... ― hesitou ― Não pretendia aceitar participar tão rapidamente. Gostaria de saber mais sobre o grupo, primeiro.
―Sim, claro! Tenho certeza que sim! ― disse mostrando entusiasmo. O professor olhou ligeiramente para a direita observando o casal que se agarrava. ― Mas vamos entrando, está começando a chover.
Ambos entraram rapidamente. A sala era fria e mal iluminada. Havia várias mesas no quarto, algumas com computadores. Nas paredes as prateleiras estavam cheias de livros. Havia um sofá e uma geladeira próximos à janela do outro lado do cômodo. Tudo havia aspecto de ter sido comprado recentemente. O cheiro de café fresco estava espalhado por todo o laboratório.
― Aceita uma xícara? ― perguntou o professor, já indo para a outra sala.
― Sim, obrigado!
John se sentou em uma cadeira próxima a mesa que aparentemente estava sendo usada pelo professor antes de atender a porta. O notebook estava aberto sobre a mesa com algumas apostilas espalhadas, um livro surrado aberto em cima de todos os papeis e uma caneca de café.
― Espero que esteja bom de açúcar! ― o ruivo retornava com uma xícara na mão.
― Obrigado! ― respondeu tomando um gole.
― Então! ― disse se sentando ― Imagino que queria saber com o que trabalhamos aqui, correto?
― Sim! Fiquei curioso quanto ao laboratório. Afinal, temos laboratórios no colégio, mas são utilizados em função das aulas.
― Bom, Sr. Bartolomeu, não fundei este laboratório para misturar ácidos e bases, ou extrair DNA de uma banana, nem mesmo para observar uma bola de metal cair no chão. ― bebeu um pouco de café. ― As atividades executadas aqui vão além do nível médio. Eu diria que está acima do nível superior, em alguns aspectos. Já ouvi falar da Ciência da Autodefesa?
― Não.
O ruivo estica o braço para pegar a caneca de café e se levanta. O garoto observa o grande relógio preto que estava no seu pulso esquerdo, escondido pelo jaleco.
― Todos os projetos, invenções e experiências voltadas para o combate, fazem parte da Ciência da Autodefesa. Ela sempre existiu, na verdade. Esteve presente em todos os momentos da História quando o homem teve a necessidade de aprimorar seus equipamentos bélicos para a guerra. Mas esse nome só foi utilizado pela primeira vez pelo cientista chamado James Anthony Gregory. Ele acreditava que o homem possuía um potencial maior do que já havia sido descoberto até os dias de hoje. Acreditava que as capacidades do ser humano ainda não foram totalmente exploradas. Que os limites ainda precisavam ser ultrapassados. Foi quando desenvolveu uma teoria que seria a mãe de todas as suas experiências que iriam surgir: o Hominontare. O homem sem limites. Um homem ideal. Ele queria atingir capacidades máximas da humanidade através da ciência.
― A Ciência da Autodefesa serve para a fabricação de armas? ― o garoto interrompeu. O professor deu uma risada grave e assustadora. A chuva estava piorando lá fora. Ouve-se um trovão nesse instante.
― Muitos a simplificam dessa maneira. Ainda que os fins sejam a fabricação de uma arma, os caminhos que se seguem para a conquista do objetivo abrem diversas portas para um mundo totalmente novo. A finalidade passa a ser uma consequência, e o objetivo muda. A ideia não é inventar algo banal, como uma arma de fogo. Antes de tudo deve haver o objetivo. “Para o que exatamente você deseja destinar seu projeto?”. Essa é a primeira questão. ― bebeu mais um gole ― Pelo menos era como Anthony pensava! Permitiu que ele criasse diversas invenções. A maioria ficou inacabada. Mas ele escreveu todas elas em um diário. As pesquisas de Anthony é o nosso principal objetivo. Não tenho intensão alguma de fazer os alunos criarem coisas aleatórias, principalmente porque não teriam condições de fazer sozinhos.
John ficou olhando para o líquido escuro dentro da caneca e após beber tudo que havia restado, repousou-o sobre a mesa.
― Achei tudo muito interessante, professor! ― quebrou o silêncio que se prolongou por quase meio minuto enquanto entrelaçava os dedos. ― Mas tudo o que o senhor disse me pareceu muito utópico. Ainda que seja possível fazer todas essas coisas, não acha que está esperando muito de alunos do ensino médio?
Novamente o ruivo deu aquela risada abafada e diabólica que mais parecia o som de um motor de carro velho. Ele se moveu até um armário e pegou um envelope.
― Como ficou sabendo do laboratório? ― questionou o professor.
― Um amigo me disse.
― E como ele ficou sabendo?
― Uma amiga comentou com ele.
O professor riu novamente.
― Kalina é uma garota fantástica por trazê-lo até aqui!
John não compreendeu o que ele falou.
― Imagino que se questione o motivo pelo qual o clube não foi divulgado, não e verdade?
― Sim.
― Há uma razão simples para isso: eu não queria que qualquer um entrasse ― puxou uma papelada de dentro do envelope. ― Apenas os melhores! “John Bartolomeu Dia, terceira série”. Suas notas são excelentes. Ouço falar muito bem de você pelos outros professores! Eu mesmo confirmei o que disseram com seu desempenho nas minhas aulas.
― Se está com meu boletim aí, então se enganou. Não tenho as melhores notas. Há alunos muito melhores do que eu.
― Sr. Bartolomeu! ― desdenhou o professor ― Notas não denunciam os melhores. Denunciam os mais bem preparados, ou os que têm a melhor memória. Não quero esses. Quero os melhores! Os melhores são aqueles que possuem um grande potencial e muitas vezes não tem melhores capacidades por existir uma barreira que os impede de dar um passo maior. Não me importa o fato de ter reprovado ano passado, menos ainda o motivo. O que importa é que você veio me procurar, e essa sede pela ciência, que sei que possuí, será muito útil para mim. Será de grande importância para o laboratório ― repousou os documentos de John sobre a mesa. ― Mas se ainda duvida das suas capacidades, então veja você mesmo.
Ele guiou o jovem até a outra sala, que não era muito diferente da que eles estavam. Encontrava-se muito desorganizada. As mesas estavam espalhadas, os computadores ligados, papéis espalhados no chão. A cafeteira ligada no canto da sala. No cômodo havia também um balcão, uma pia e vários armários. O ruivo levou o garoto até o canto da sala, onde havia ferramentas mecânicas e peças de metal jogadas no chão. Sobre uma mesa alongada estava uma apostila e algo que lembrava uma luva de metal preta.
― Kalina não precisou de ensino superior para fazer isso ― comentou o professor.
John observou aquela luva robótica que mais parecia algo tirado de um filme de ficção-científica. Segurou com as mãos para sentir seu peso e tentou vesti-la, se não fosse pequena demais para sua mão.
― Ainda está inacabado ― continuou. ― A ideia era fazer um traje de batalha completo, mas não temos recursos o suficiente para comprar as peças necessárias. Mas acredito que ela pense em alguma coisa para fazer com o pouco que temos ao nosso alcance.
― Está dizendo que ela fez isso sozinha? ― John disse, finalmente.
― Ela usou como base as anotações de Anthony. Mas não a ajudei a montar, se é isso que está perguntando.
― Está dizendo que também posso fazer isso? ― questionou o jovem, olhando nos olhos do ruivo.
― O que estou dizendo, John, é que pode fazer melhor do que isso. Mas a decisão é sua!
John acenou a cabeça.
― Se você está dizendo, então vou confiar em você! A verdade é que estou curioso!
O professor voltou a rir ainda mais alto, com uma voz grave e arranhada como de quem fosse engasgar a qualquer momento.
― Anthony estaria muito satisfeito agora! Venha comigo! ― levou o rapaz até um armário de onde puxou duas apostilas. ―Esta é para você ler apenas para fins educativos. Este outro é o seu primeiro projeto! ― E entregou os papeis ao rapaz. ― Preciso adverti-lo sobre essa experiência ― a expressão em seu rosto era de grande satisfação. ― Terá que perder a sua humanidade para que este projeto funcione.


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Notas finais do capítulo

Agradeço por ler! Capítulo novo todo sábado.



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