Nightmares escrita por Rafú


Capítulo 7
Capítulo 7 - Thanksgiving Day


Notas iniciais do capítulo

Olá, amores meus.
Cheguei neste domingo chuvoso (bem, onde eu moro está chovendo) para lhes apresentar mais um capítulo da nossa história.
Espero que gostem.



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Talvez, um dos dias mais importantes para os americanos. Mais importante que o Natal, a Páscoa ou o Dia dos Veteranos. O Dia de Ação de Graças. Comemorado sempre na quarta quinta-feira do mês de Novembro.

Um único dia do ano reservado para agradecermos por tudo que passamos durante o ano.

Eu não tenho muito o que agradecer. Afinal, só neste ano eu:

 

a) Fui traído pela minha namorada;

 

b) Perdi meus pais e meus irmãos no mesmo dia em que fui traído; e

 

c) Fui jogado em uma escola interna longe de Atlantic Beach.

Não que eu quisesse ficar em Atlantic Beach. Aliás, acho que prefiro ficar em Hagerstown no dia mais frio do ano – não! Não está frio! – do que aproveitar as praias de minha cidade natal.

Mas é difícil vir para uma nova escola onde você não conhece ninguém e ninguém conhece você.

Vou para a casa do meu tio no Dia de Ação de Graças. Não sei bem o que ele faz neste dia. Meus pais costumavam fazer uma porção enorme de comida. O Dia de Ação de Graças era o único dia do mês que íamos a missa. Na verdade, meus pais eram muito rigorosos e tradicionalistas com estas coisas de feriados.

Na Páscoa, eles escondiam ovos. Até notarem que meus irmãos e eu não achávamos mais graça ao sair pela casa a procura de chocolates. Então passaram a nos dar dinheiro e nós íamos caçar nossos doces no supermercado.

Não teve um Natal em que a árvore não estivesse enfeitada com suas bolas vermelhas e luzes tão brilhantes que cegavam minhas vistas.

Não teve um Halloween que meus pais não comprassem doces e se fantasiavam, esperando as crianças baterem a porta e gritarem a velha mas ainda utilizada frase: “Doces ou Travessuras”. Meus pais sempre preferiam os doces. Mas algumas vezes vinham algumas travessuras junto.

Agora não tenho mais isso. O que me resta são lembranças. E sei que elas se irão também. As lembranças são como fotos antigas. Elas já foram visíveis um dia, mas agora, com o tempo, desgastaram-se, e o que se vê são borrões amarelos e silhuetas desconhecidas.

Com tantos pensamentos e recordações em minha cabeça, não prestei atenção na leitura da garota de cabelos acastanhados que eu abraçava sentado na cama e as mechas as quais eu insistia em passar os dedos, provando a maciez de seus fios longos.

Katniss atira o livro – que não podia ser outro senão O morro dos ventos uivantes— aos nossos pés. Sua cabeça que estava em meu peito se afasta, assim como todo o seu corpo, me forçando a parar de mexer em seus cabelos e me fazendo sentir os dedos formigarem pela falta do contato.

Ela se vira para mim, sentando em seus joelhos e me encara.

— Tudo bem. No que você está pensando? – pergunta Katniss diretamente.

Tomo um susto ao ver que ela notou que eu não prestava atenção nenhuma em sua leitura diária.

Como ela faz isto?

— Em nada. Eu estava apenas prestando atenção na sua leitura. – respondo na defensiva.

— Conta outra! Você não prestou atenção coisa nenhuma. Mas não me importo com isto. Eu leio pra mim mesma não para os outros. Me diz o que se passa na sua cabecinha.

— Nada! Eu estava apenas escutando você.

— Peeta. Você estava devaneando aí.

— Como você sabe? – perguntei a desafiando.

— Você estava suspirando como se estivesse em um conto de fadas. Além de ter puxado vários fios do meu cabelo, mesmo comigo dizendo que estava doendo. – responde Katniss massageando a cabeça. Ela se aproxima um pouco mais e deixa seu rosto bem próximo ao meu antes de sussurrar – Pode me contar qualquer coisa, Peeta. Você sabe disso.

— Eu estava pensando na minha família. Nos feriados que passamos juntos. – me entrego.

— Ok. E….

— E não havia percebido que sentiria tanta falta disso. Eu não os tenho mais. Não terei mais aqueles dias com eles. Vou sentir muita saudade disto. Eu nunca mais os terei. – falo olhando para minhas próprias mãos que estão descansando em meu colo e me sentindo mais deprimido ao transformar o que eu sentia em palavras.

Katniss segura meu rosto entre suas mãos e o levanta para eu olhá-la.

— Você tem a mim. – ela fala seriamente, olhando em meus olhos.

— Sim, mas por quanto tempo? – pergunto.

— Não sei. Mas você tem a mim agora. Não sou de ninguém no momento, só sua.

— Isto até eu abrir a porta e ver você beijando outro cara. – falo desviando-me do seu olhar.

— Mas e as pistas que eu iria deixar? Esqueceu disto? – fala ela, pegando uma de minhas mãos já que a fiz tirar as mãos de meu rosto.

— Vai doer da mesma forma. – murmuro igual a uma criança magoada.

— Eu perguntei a você se tinha certeza. – sussurra ela. Mas ela não fala de forma grosseira como muitas falariam. Ela fala gentilmente. Como se estivesse me consolando.

— Eu sei. Desculpa. Minha cabeça está cheia de lembranças de Atlantic Beach. Estou meio sentimental, sei lá. Que confuso!

— Bem-vindo ao mundo da TPM! – diz Katniss com um pequeno sorriso para mim.

Eu dou uma leve risada.

— Acho que vou sentir sua falta nestes quatro dias. – assumo.

O Dia de Ação de Graças é sempre nas quintas-feiras. A escola emendou um “feriadão”, então ficaremos em casa na quinta, sexta, sábado e domingo.

O que é incrível! Quatro dias fora da escola é bom demais. Mas o problema é que Katniss estará na casa dela, em Leesburg. Enquanto eu estarei na casa do meu tio, em Frederick.

Eu sei, para ir até a casa dela dá um pouco mais de meia-hora de viagem. Mas quando se está apaixonado, um passo é muito longo.

Sim, apaixonado! A quem estou querendo enganar? Estou completamente, perdidamente, totalmente e tolamente apaixonado pela Katniss. Mas não posso contar isto a ela. Não quero dizer. Tenho tanto medo de perdê-la se ela souber o que sinto que não tenho coragem de me abrir. Me falta forças para dizer que quero mais do que esta relação frouxa e sem muito sentimento com ela. E se ela for embora? Não quiser nem ser minha amiga mais? Prefiro ter isto do que não ter nada.

Tenho medo que ela descubra isto por si mesma. Então, tomo cuidado com o que faço. Não faço tantas carícias do que normalmente faria. Nada de palavras muito profundas. Dividi meu romance na metade para não deixar suspeitas.

Algo que é muito difícil. Acho que 90% de mim é puro romance em relacionamentos. Tive um relacionamento de um mês com uma colega de escola antes de namorar com Greta. Ela terminou comigo, mas afirmou que iria se arrepender disto, pois nunca conheceu um cara tão romântico, carinhoso e atencioso quanto eu.

Ao invés de sair triste, saí consolado.

— Vai sentir minha falta? – ela pergunta com um pequeno sorriso nos lábios enquanto brinca com meus dedos. Eu não respondo, apenas a observo. – Talvez eu sinta a sua falta também.

— Talvez? – eu rio.

— Só vou descobrir durante o feriado. – explica ela levantando os olhos para mim e olhando diretamente em meus olhos. – Eu queria tanto roubar seus olhos para mim.

— Meus olhos? O que tem eles? – pergunto.

— Eles são tão lindos. Este azul dos seus olhos é tão vivo que é possível vê-los a distância. Bem melhor do que este cinza sem graça. Cor de olho de peixe.

— Não diga isto. – falo sorrindo e segurando sua mão para que eu pudesse brincar com seus dedos agora. – Eu acho seus olhos tão lindos.

— Que humilde! – ironiza Katniss.

— É sério! Eu também acho cinza uma cor muito sem graça. Mas em seus olhos, é como se ele não fosse o cinza sem graça. É como se fosse um novo tipo de cinza. O cinza mais belo e hipnótico que poderia existir. Uma cor sem igual. Uma cor tão única que seria grosseria chamá-lo de cinza. Ele merecia um nome único somente dele. – falo olhando para nossas mãos.

Esperei pela resposta dela, já que Katniss sempre dá uma resposta para tudo, mas só obtive o silêncio. Olhei para Katniss e ela me olha de boca aberta não tendo reação nenhuma.

— Ninguém nunca elogiou meus olhos. – ela sussurra como se fosse um segredo.

— Bem, eu elogiei. – sorri humildemente.

— De que mundo irreal você venho? – ela me pergunta antes de me beijar.

Katniss tem o hábito de me beijar inesperadamente. Ela age por pura impulsão. Na verdade, acho que tudo que ela faz na vida é por pura impulsão.

Demoro um pouco para me orientar que estou no meio de um beijo. Só tomo consciência quando Katniss passa uma das pernas pelo meu quadril e acaba sentando em meu colo. Ela agarra meus cabelos, como de costume e eu tiro minhas costas que estavam apoiadas na cabeceira da cama e fico ereto, passando minhas mãos pelas costas dela enquanto retribuo o beijo.

Ouço o barulho do meu celular tocando e viro o rosto, Katniss se põe a beijar meu pescoço. Tento me esticar e pegar o celular da cômoda, mas com Katniss tão sedenta agora está difícil. Ela não está parecendo querer só beijos hoje.

— Eu preciso do meu celular, Katniss. – falo esticando o braço.

— Sei. – diz ela entre os beijos que espalha pelo meu pescoço e o resto do meu rosto.

Consigo alcançar o celular e olho para a tela, notando que era o tio Phil que estava ligando.

— Katniss…. Eu preciso atender. – falo, mas ela não me dá atenção. Sem escolha nenhuma, atendo o celular com uma mão e com o outro braço, abraço Katniss. – Alô!

Oi, Peeta…. Você está arfando?— pergunta tio Phil.

— É que…. Eu... Hã... Estava fazendo um pouco de exercício no meu quarto. – minto rapidamente.

Ok. Estou esperando você aqui embaixo.

— O quê?

Feriado, Peeta! Vim buscar você.

— Mas já? Que horas são?

Oito e quinze.

— Ok. Me dê vinte minutos.

Certo. Estarei esperando.

Jogo o celular na cômoda, mas erro e ele cai no chão. Tento segurar os braços de Katniss que passeiam pelo meu corpo por baixo da camiseta que estou usando.

— Katniss, para. Eu preciso ir. – falo enquanto ela tenta libertar os braços que eu seguro com firmeza.

— Seu tio pode esperar mais um pouco. – diz ela tentando me beijar, mas eu viro o rosto.

Se eu começasse a beijar ela novamente, só Deus sabe quando eu pararia.

— Katniss, por favor. Seu avô vai chegar daqui a pouco também. Vai deixar Frank esperando lá embaixo? No frio?

— Os dois podem esperar. – ela insiste tentando libertar os braços sem sucesso.

Ela consegue libertar um dos braços e segura o meu rosto me virando para beijá-la. Tento desviar, mas ela insiste tanto que acabo deixando por certo tempo.

Consigo segurar o braço novamente. Eu abro as pernas, fazendo Katniss cair para o meio delas. Coloco os braços dela atrás do meu corpo, por baixo dos meus braços. E uso as mãos para segurar o rosto dela e fazê-la me olhar.

— Anjo, por favor. Eu juro que outro dia você pode fazer o que quiser comigo. Mas eu preciso ir agora. Tudo bem, linda?

— Você me chamou do quê? – pergunta Katniss arfando com as sobrancelhas arqueadas.

Droga! Acabei de chamá-la por apelidos. Até agora não usei nada que não fosse seu nome. Havia prometido a mim mesmo que não a chamaria de nada que não fosse o nome. Isto fazia parte da metade romântica que deixei de fora desta relação.

— Como assim? – pergunto me fazendo de desentendido.

— Você me chamou de anjo. – sussurra ela.

— Katniss, eu preciso ir. – afirmo saindo do meio das suas pernas.

Peguei uma mochila e comecei a enfiar algumas mudas de roupas entre outras coisas. Katniss se levantou fazendo o mesmo que eu.

Paro encostado na porta esperando Katniss.

— Pode ir. – afirma ela.

— Não. Eu espero você.

— Vai logo. Seu tio está esperando.

— Tem certeza?

— Tenho sim, vai logo.

Eu me aproximo a abraçando e a beijando logo em seguida.

— Tchau. – falo.

— Até segunda.

Saio do quarto e desço as escadas correndo. Vou até o portão onde tem uma bagunça de carros e pessoas por todos os cantos.

No meio da confusão acho o Escort 1998 verde de tio Phil. Corro até lá, desviando das pessoas no caminho.

— Já ia ligar novamente. – diz tio Phil com um sorriso largo no rosto.

— Estava arrumando a mochila. – falo abrindo a porta de trás do carro e atirando a mochila lá dentro. – Você deve ser o único advogado do mundo que anda com um Escort 1998. Qual é! Por que você não compra uma Ferrari? Um Mercedes?

— Ei! Não fale mal do meu bebê! – ele faz um carinho no carro antes de dizer – Ele não quis dizer isso, querido.

Eu apenas ri antes de ouvir alguém chamando meu nome.

Me viro para trás vendo Katniss correr em minha direção.

— Meu remédio ficou com você? – pergunta ela arfando.

— Não sei. Me deixa ver. – respondo, pegando a mochila de dentro do carro e vasculhando até sentir o formato do frasco do remédio em minha mão. Tiro e estendo para ela – Aqui.

— Obrigada. – ela tira algo que parece ser meu celular do bolso e me estende – Você esqueceu o celular no quarto, seu pateta.

— Eu não teria esquecido meu celular no quarto se você tivesse me deixado sair antes, esperta. – respondo colocando meu celular no bolso.

— Ok. Até segunda. – ela se coloca na ponta dos pés, me dá um longo beijo e logo se afasta, estendendo a mão para o meu tio. – Prazer, meu nome é Katniss.

— Phil. O prazer é meu. – responde ele, apertando sua mão.

Ela sorri para ele e se vira indo embora.

— Linda, não é? – pergunto vendo as costas de Katniss sumindo na multidão.

— Sim. Então, Peeta…. Estava fazendo exercícios no quarto? – pergunta tio Phil com um maldito sorriso zombeteiro no rosto.

Eu reviro os olhos.

— Vamos embora daqui logo. – falo entrando no carro.

Metade do caminho foi no mais puro silêncio. Minha cabeça não conseguia pensar em nada. Mas queria saber no que meu tio estava pensando.

— Então…. O que vocês faziam no Dia de Ação de Graças? – pergunta ele, tentando claramente quebrar o gelo que pairou dentro do carro.

— Íamos a missa de manhã e de noite fazíamos um monte de comida. Algumas vezes convidávamos os vizinhos.

— Ok. A parte da missa está fora de cogitação. – eu ri. – Mas tem um peru enorme que ocupou todo o meu congelador. É bom não estar com fome amanhã de noite. E também…. Tem mais uma pessoa para nos fazer companhia.

— A Meg ficará conosco? – pergunto.

Meg é a empregada de meu tio. Uma velha que limpa, cozinha e faz tudo que meu tio, com certeza, não faz. Ele morreria se Meg não existisse.

— Não. Não é a Meg. – diz ele sem tirar os olhos da estrada a sua frente.

Então me dei conta…. Ele está com uma namorada.

— Espera aí! Você tem namorada? – pergunto arregalando os olhos.

— Ah! Qual é o problema? Você também tem. – diz ele na defensiva.

— Mas eu tenho dezessete anos. Você deve ter uns cinquenta e tantos anos.

— Eu tenho quarenta e sete. E para o amor, não há idade. Você vai gostar dela. Ela é linda, simpática….

— Quantos anos ela tem?

— O quê? Como assim?

— Quantos anos ela tem?

Ele suspira antes de responder:

— Vinte e cinco. – murmura ele.

— Meu Deus! Vocês tem vinte e dois anos de diferença! – exclamo completamente surpreso.

— Estou vendo que Matemática é seu ponto forte. – observa tio Phil.

— Ela tem idade para ser sua filha, sabia disso? – pergunto.

— Ei, ei, ei. Pode parar. Não vem julgar minha vida, ok? Estamos em um país livre. Então faço o que bem quero. Se eu quiser pegar uma aluna da sua escola, eu pegaria.

— Mas seria preso por pedofilia. – enfatizo enquanto ele estaciona o carro.

— Apenas seja gentil, Peeta. Por favor. – ele pede quando desliga o carro.

— Não se preocupe. – falo piscando um dos olhos para ele.

Quando entro na casa, levo um susto. Uma garota de cabelos loiros esvoaçantes, maquiagem extremamente chamativa e roupas tão justas que jurei que as costuras iriam se abrir e eu me depararia com ela pelada, abre um sorriso largo assim que passo pela porta.

Sei muito bem que tipo de amor é este. O amor por interesse. Ela não gosta do meu tio. Mas sim de seu dinheiro.

— Peeta. Esta é a Natalie Baker. – diz meu tio indo ao lado da mulher e abraçando sua cintura.

— Oh, Phil. Ele é tão lindinho! – dia Natalie.

Parece que este feriado será longo.

Ela se aproxima de mim e me esmaga em seus braços.

— Oi. – murmuro perdendo o ar.

— É um prazer finalmente poder conhecê-lo. Seu tio falou tanto sobre você. Eu estava tão ansiosa para te ver.

— Sei. Será que posso ir para o meu quarto, tio? – pergunto tentando me livrar daquela mulher.

— Claro. Meg, pode ajudar o garoto? – diz meu tio.

Não vi Meg em um canto da sala só observando tudo.

— Claro. – diz a senhora me seguindo.

Subimos até o meu quarto e jogo a mochila no chão enquanto me atiro na cama.

— Meg, me diz de onde ele tirou aquela criatura. – peço, enquanto a senhora pega minha mochila e começa a dobrar as roupas.

— Nem me pergunte, querido. Ela é uma mala. Me trata como se eu fosse um bicho.

— Sério? Deus! Meu tio é a pessoa mais cega do planeta. Natalie é uma vadia e das grandes.

— Eu sei. Mas minha função aqui é cozinhar, limpar e lavar. Não me meto na vida pessoal do patrão.

— Faz quanto tempo que eles estão juntos?

— Um mês mais ou menos.

— Como você a suporta? Não consegui suportá-la em meio minuto.

— Eu me pergunto isto todos os dias. – ela dobra as roupas e as coloca em meu closet. – Preciso descer e terminar o jantar. Se precisar de algo é só chamar, Sr. Mellark.

— Meg, já disse para me chamar de Peeta. Não sou igual meu tio Phil.

— Certo. É só chamar, Peeta.

Ela sai me deixando lamentar-me por descobrir que o feriadão será mais longo do que eu havia suposto.

Troco de roupa já que o aquecedor geral da casa está ligado e, portanto, está quente aqui dentro. Em pouco tempo Meg me chama para o jantar.

Chego a cozinha junto com Natalie e tio Phil. Natalie pega um prato e abre a panela, pronta para servir, no entanto ela para.

— Meg, querida. Você queimou o arroz. – afirma ela.

— Não queimei não. – diz Meg bufando. – Meu horário por hoje acabou. Até amanhã, senhor.

— Até amanhã, Meg. – responde tio Phil.

Natalie recoloca a tampa no lugar.

— Eu como só o macarrão mesmo. – diz ela servindo do macarrão.

Pego um prato para mim e sirvo o arroz, notando que queimado deve estar os olhos de Natalie, pois o arroz está exatamente como deveria estar.

Comemos em silêncio. Nem mesmo Natalie fala algo durante o jantar. Como o mais rápido possível, pois quero perder logo Natalie do meu campo de visão.

Lavo rapidamente meu prato após comer e subo para o meu quarto. Checo meu celular vendo que havia uma ligação perdida da Katniss. Ligo de volta para ela.

Por que não me atendeu?— ela pergunta de imediato.

— Eu estava jantando. – respondo rudemente.

O que foi? Você parece irritado.

— Meu tio está com uma namorada aqui. Uma vadia loira e chata. Acredita que ela tem vinte e cinco anos?

Hmm. Interesseira?

— Completamente. Não sei como vou conseguir suportar o feriado. – murmuro.

Eu também não sei.

— Por que não?

Briguei com minha mãe. Mas sem nenhuma novidade até aí. Como eu queria estar em uma das cabanas da escola neste exato momento. Estou aqui só pelo meu avô. Mas boa sorte para você. Acho que a sua situação é pior que a minha.

— É. Boa sorte pra você também.

Vou desligar. Tchau. Beijos. – ela diz rapidamente.

— Tchau.

Ela desliga o telefone e eu me preparo para dormir, pensando em como suportar a namorada insuportável de meu tio.

Acordo ao amanhecer com um pesadelo.

Voltei para as férias. Voltei ao passado. Voltei ao dia do acidente. Eu corria desesperadamente em direção a minha casa. Mas não estava fugindo de Greta desta vez. Estava tentando chegar em casa a tempo de tirar meus pais e meus irmãos de lá antes que a cozinha explodisse.

Chego e suspiro de alívio ao ver que tudo estava exatamente igual. Não havia nada destruído. Estava tudo em seu devido lugar. Paro ofegante e apoio minhas mãos em meus joelhos, tentando retomar o fôlego. Quando minha respiração volta ao normal, caminho até chegar a porta de casa.

Abro a porta lentamente e é então que tudo acontece. A cozinha explode e cacos voam no meu corpo me causando cortes. Olho em direção a cozinha vendo tudo em chamas e vendo corpos queimados e inertes no chão. Eu prendo a minha respiração não acreditando que estava acontecendo tudo de novo.

Me viro lentamente para trás, onde vejo policiais, bombeiros e ambulâncias tomando todo o pátio de casa.

Consigo ver a mim mesmo sentado no gramado, abraçado aos próprios joelhos e chorando e é assim que sei que falhei mais uma vez. Não consegui salvá-los novamente.

Eu nunca conseguirei salvá-los.”

Abro os olhos abruptamente, levando o choque ao ter tido um pesadelo tão realista. Sento na cama, vendo o dia chegar a aurora, amanhecendo devagar. Por que seria rápido? Os dias não tem pressa, os seres humanos têm pressa.

Esfrego a mão no rosto tentando forçar minha mente a esquecer do pesadelo. De nada adianta.

Parece que nossa mente foi feita para guardar as piores coisas que há para gravar.

Levanto da cama, caminho aos tropeços até o banheiro e olho minha cara no espelho. Amassada pelo sono e os olhos avermelhados pelas lágrimas que pretendem sair. Mas não deixarei.

— Não seja fraco. – murmuro para o reflexo de mim no espelho – A vida deles acabou, mas a sua está apenas no começo. Siga em frente. Por eles. Não chore. Você não vai chorar.

Eu seguro a pia com firmeza não ousando tirar os olhos de meu próprio reflexo. Nem uma única lágrima cai dos meus olhos. Aproveito que estou no banheiro, tomo um banho demorado e escovo os dentes.

Desço vendo que agora já estava dia, mas ainda sim, cedo demais para alguém além de mim estar fora da cama.

Visto um moletom vermelho-escuro antes de descer e vou para a cozinha preparar uma bebida para me aquecer. Meg não havia chegado ainda, portanto não tinha café preto para misturar com o leite. Resolvi esquentar o leite puro e tomar assim mesmo. Vou para a sacada de trás da casa. Sento-me no primeiro dos três degraus. Olho a grama bem amparada, a piscina com a água tão transparente que é difícil vê-la. No meio desta paisagem penso o que o futuro me reserva. Será que serei como meu tio?

Tendo uma casa grande, uma piscina que nunca usa, mas que mesmo assim está sempre cheia. Tendo uma namorada interesseira.

Tendo coisas superficiais.

Se Katniss pudesse fazer parte deste meu futuro, eu, com certeza, aceitaria tudo. Mas isto é algo que não irá acontecer. E tanto ela quanto eu, sabemos muito bem disto.

Meus pensamentos são interferidos pelo meu tio que senta ao meu lado.

— Acordou cedo. – observa ele.

— É. – respondo sem olhá-lo.

— Olha, Peeta. Eu sei o quanto é difícil pra você. Com tudo o que aconteceu. O acidente, escola nova, cidade nova. Mas quero que saiba que estou aqui com você, filho. Pode contar comigo para o que for. Você não está sozinho.

— Eu sei. Eu só não quero ser mais um fardo para você.

— Mas você não é. Você acha que eu não amo você, Peeta? Eu amo você. Já parou para pensar que só temos um ao outro agora? Na questão de família. Eu só tenho você, e você só tem a mim.

Isto era verdade. Meu pai era o único irmão de tio Phil. E minha mãe não tinha nenhum irmão ou irmã. Meus avós morreram. Só temos um ao outro.

— Eu sei. – respondo simplesmente. – Eu também amo você, tio.

— Bem... É Dia de Ação de Graças! Então vamos agradecer por termos um ao outro hoje. Meg trabalhará até o meio dia hoje, mas deixará o peru temperado para nós.

— Ela deveria ter ganhado um dia de folga hoje.

— E você acha que ela aceitou?

Eu apenas ri, ao saber o quanto Meg gosta de trabalhar aqui. Meu tio entrou e eu fiquei mais um tempo ali. Mas os pensamentos não voltaram. Após um tempo entrei.

Ouvi a voz irritante e estridente de Natalie quando entrei. A voz vinha da cozinha. Caminhei até lá para colocar a xícara que eu tinha em mãos na pia. Não passei despercebido.

— Bom dia, fofo! Como foi sua noite? – pergunta Natalie sorrindo para mim segurando com as duas mãos uma xícara.

— Ótima.- respondi rapidamente antes de sair da cozinha.

O dia passou como a coisa mais sem graça do mundo. Abusei da televisão, já que não temos isto nos quartos da escola. Abusei do computador também, pois os disponíveis ficam nas bibliotecas. Mas acabou ficando entediante. Além de irritante. A voz da Natalie é algo insuportável.

Como meu tio pode gostar dela?

Estava no meu quarto, usando um notebook que meu tio me deu quando vim morar com ele. Não pude levar ele comigo para a escola. Os únicos aparelhos permitidos na escola são os celulares e os MP3. Estava conversando com Finnick no Facebook.

Meu tio bate na porta e entra.

— Oi, Peeta. – diz ele.

— Oi. – respondo olhando para ele rapidamente enquanto me despeço de Finnick e desligo o notebook.

O coloco ao meu lado quando tio Phil senta na ponta da minha cama.

— Recebi uma ligação da advogada que está cuidando da papelada das propriedades dos seus pais. – começa ele.

— Um advogado recebendo ligações de uma advogada? – levantei uma sobrancelha.

— Sim, eu sei. É engraçado. – ri ele sem humor.

— E o que ela disse?

— Tem alguns assuntos pendentes sobre a padaria da sua mãe. E tem mais a casa. Eu não sei o que você quer fazer com ela na verdade.

— Eu não quero aquela casa. Faça o que quiser com ela. – respondo.

Nunca conseguiria voltar a morar nela. Não depois de tudo o que aconteceu. Não conseguiria morar nem em Atlantic Beach mais. Não quero mais voltar para lá e ver minha família em cada esquina que dobro.

— Eu vou mandar arrumá-la e depois vou vendê-la. Pode ser?

— Pode. Mais alguma coisa?

— Na verdade sim. – ele respira fundo. – Iremos para Atlantic Beach amanhã.

— Como assim... Iremos? – pergunto.

— Você e eu iremos para lá amanhã. Acabei de falar que tinha assuntos pendentes sobre a padaria.

— Eu não vou. Eu posso ficar aqui com a Meg. – me oponho de imediato.

— Já falei a Meg que não terá ninguém em casa amanhã. Não quero deixar você sozinho.

— Por que não?

— Porque... Porque... É tudo tão recente para você.

— Ah, ótimo! Agora sou o garoto órfão que sofre de depressão. É isto que passa na sua cabeça? Me controlem! Vou cortar meus pulsos!

— Peeta! Não é bem isso.

— Então é o quê? – ele não responde. – Você acha que não sei o por quê de você ter me colocado naquela droga de escola interna? Você trabalha o dia inteiro. Tem tanto medo de me deixar sozinho, não é? Claro! A solidão força as pessoas a pensarem. E no que eu pensaria? Na minha família morta talvez! – levanto a voz na última frase.

— Não levante a voz comigo, garoto. Não importa os motivos que me forcem a levá-lo comigo para Atlantic Beach. Você irá comigo para lá amanhã e fim do assunto. – ele se irrita. Tio Phil levanta-se e se dirige a porta, mas antes que abra a mesma se vira para mim novamente – Você nunca vai superar a perda se não aceitar sofrer pelo que aconteceu.

E ele sai batendo a porta do quarto e fazendo as paredes tremerem.

Estou furioso e não consigo segurar as lágrimas que não haviam saído hoje de manhã. Me levanto da cama e desconto a raiva na primeira coisa que alcanço em minhas mãos. Um abajur que estava na cômoda ao lado da cama. Bato ele inúmeras vezes na parede até sobrarem apenas cacos. Escoro minhas costas na parede e escorrego até sentar no chão.

Fico um bom tempo sentando no chão com as pernas esticadas, apenas chorando. Sou a pessoa mais fraca do mundo. Já estou chorando novamente. Fico assim até o toque do celular me acordar.

Levanto, secando as lágrimas e atendo o telefone.

— Alô. – falo com a voz ainda embargada pelo choro.

Peeta? Está chorando?— pergunta Katniss.

Conto tudo a ela. A única amiga que me sobrou no momento. A única que sabe o que dizer quando estou triste. A única que provavelmente me entende.

— Eu não quero voltar para lá, Katniss. Ao menos não agora.

Você não pode passar o fim de semana na minha casa então?— pergunta ela.

— Impossível. Meu tio colocou esta ideia na cabeça e não vai ter jeito de tirar.

Então pergunte a ele se eu não posso ir com vocês.— ela sugere.

Katniss em Atlantic Beach comigo? Isto daria certo? Não posso negar a ideia. Ela é bastante atrativa. Sem falar que só ouvir a voz dela pelo celular não está sendo o suficiente para mim. Sem dúvida, ficará mais fácil ir com Katniss para Atlantic Beach do que ir sozinho com meu tio.

— Sua mãe deixaria? – pergunto.

Minha mãe não está nem aí para onde estou.— ri ela.

— E seu avô?

Meu avô vai até gostar da ideia. Ele vai até pagar a passagem para mim.— eu fico em silêncio pensando se é realmente uma boa ideia – Olha! Meu avô está me chamando. Fale com seu tio. Eu vou explicar para o meu avô a situação. Meu avô vai deixar que eu sei. Só dependemos do seu tio. Me envie uma mensagem se ele deixar. E não se esquece de colocar o endereço do seu tio! Tchau.

Katniss desliga o celular. Eu desço, pensando em como pedir que uma garota que ele mal conhece nos acompanhe para Atlantic Beach.

Desço as escadas devagar e encontro meu tio abraçado a Natalie no sofá assistindo alguma coisa na televisão.

Me coloco na frente de outra poltrona.

— Posso falar com você? – pergunto.

— Claro. – ele diz já se levantando. – Já volto, querida.

Meu tio dá um rápido beijo em Natalie e eu reviro os olhos.

Caminhamos até a cozinha. Sentamos a mesa e eu começo a falar:

— Pelo que eu entendi, eu não tenho escolha sobre amanhã. Eu irei para Atlantic Beach nem que seja amarrado. Certo?

— Certo.

— Já que eu irei de qualquer forma, será que não podemos levar mais alguém com a gente?

— Tipo quem? A Meg? – pergunta meu tio.

— Não. Eu estava pensando na Katniss.

— A sua namorada?

— Ela não é minha namorada.

— Como não? Ela beijou você. Eu vi!

— É, mas é diferente. Olha, é complicado.

— O quê? É tipo uma amizade colorida?

— Olha só! A questão não é essa! Eu quero saber se ela pode ir junto com nós já que vou ser forçado a ir para Atlantic Beach.

— E a mãe dela deixou?

— Sim. A mãe, o avô, até o papa deixou ela ir! – respondo impaciente.

Meu tio ri.

— E quem vai pagar a passagem da menina?

— O avô dela. Só falta você deixar.

— Se você acha que será mais fácil para você com ela junto... Por mim não tem problema nenhum.

— Obrigado. – respondo sorrindo. – Obrigado. Obrigado. Obrigado.

— De nada. De nada. De nada.

Subo as escadas correndo e mando a mensagem para Katniss. Confirmando que ela poderia ir e dizendo o endereço de meu tio.

Ela responde logo em seguida:

 

Katniss Everdeen: Estarei aí bem cedo.

Peeta Mellark: Ok!

 

Meu tio conseguiu fazer o peru. Era só colocá-lo no forno também. Meg já havia feito tudo antes de ir embora. Ele me chamou para comermos.

O jantar de Ação de Graças foi tranquilo. Silencioso demais até. Na janta de Ação de Graças que eu tinha com a minha família, todo mundo falava mais do que comia. O pior é que ninguém ouvia ninguém. Só ficávamos falando.

Natalie parece esquecer as cordas vocais quando tem um prato de comida na sua frente. Meu tio comia o peru como se fosse o último da vida dele.

Não sei por que, mas isto me deu um acesso de riso.

— O que foi, garoto? – pergunta meu tio.

— Nada. – falo rindo.

— Do que você está rindo?

— Eu não sei. Desculpa. – falo sem conseguir parar de rir.

Em certo ponto Natalie começa a rir também. Ela tem uma risada muito normal para alguém com uma voz tão estridente.

— E você? – pergunta tio Phil olhando para a loira – Do que está rindo?

— Não posso ver ninguém rindo. Senão começo a rir junto. – diz a garota.

Infelizmente, tenho o mesmo problema que Natalie. E ao vê-la rindo, fez com que eu risse mais. O mesmo para ela. Em pouco tempo, as risadas foram substituídas por gargalhadas.

— Vocês têm problemas mentais, sabiam? – fala meu tio, que, por mais incrível que pareça, não estava rindo.

Sem conseguir responder, Natalie e eu concordamos com a cabeça.

Depois de muito tempo, quando meu estômago doía e as lágrimas escorriam pelos meus olhos de tanto rir, conseguimos parar. Terminamos de comer rápido, antes que outro acesso de riso tomasse a mesa de jantar.

Lavei meu prato e subi. Katniss falou que viria cedo. Tratei de tomar um banho, escovar os dentes e dormir. Não esquecendo de ajustar o despertador.

Queria que amanhã chegasse logo.

Ansiava ver os olhos cinzentos que eu tanto amava.

 


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Notas finais do capítulo

É isto, pessoal. Gostaram do tio Phil? Tio Phil e o vovô Frank estão na minha lista de personagens favoritos desta história.
Até domingo que vem. Beijocas da Tia Rafú pra vocês. ;)



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