Nightmares escrita por Rafú


Capítulo 2
Capítulo 2 - Fugitives


Notas iniciais do capítulo

OLÁ!
Pois é, vim um dia antes com este capítulo.
"Mas por que, tia Rafú?"
Bem, irei sair amanhã.
"E por que não posta de noite então, tia Rafú?"
Bem, porque uma amiga minha virá dormir na minha, então... Não terei tempo de revisar todo o capítulo e postar.
Espero que gostem do capítulo.



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Minhas mãos suavam frio enquanto andávamos pelo pátio da escola tarde da noite.

– Aonde estamos indo, Gale? – sussurrei tentando não demonstrar na voz o quanto eu estava apavorado.

– Estamos indo ao ponto de encontro. – sussurra ele de volta.

Eu nunca tinha feito nada disso. Eu nunca saí escondido. Muito menos no meio da noite. Sempre fui uma pessoa certa demais. Embora pra Gale não seja, pra mim é uma grande aventura sair escondido da escola no meio da noite. Mas continuei. Continuei porque não sabia se conseguiria outros amigos além dos que eu já havia conseguido.

– E se nos pegarem? – sussurro novamente.

– Não vão nos pegar, Peeta. Fazemos isto todos os anos, no primeiro dia de aula. Vamos logo!

Corremos até chegarmos perto de uma árvore onde todos já estavam a nossa espera. De onde estava podia ver o posto onde ficava os guardinhas de vigília. Era o portão da escola. Minhas mão suavam o dobro de antes.

– Finalmente chegaram. – exclama Johanna – Finnick ainda tem que passar na casa do tio dele e pegar o carro.

– Tudo bem, gente! Fiquem aqui que eu vou falar com o guarda. – ouvi a voz de Katniss e logo a notei no meu lado. Ela carregava uma mochila nas costas.

Assim que disse isto ela correu até o guarda.

– Seu tio vai emprestar o carro ou você vai pegar emprestado sem avisar? – perguntei a Finnick tentando fazer com que o meu pavor passasse.

Eu sabia que Katniss Everdeen era encrenca. O que estou fazendo aqui, afinal? Mas agora é tarde demais para voltar atrás.

– Meu tio empresta. Ele era que nem nós na nossa idade. Ele estudava aqui e vivia pulando o muro da escola e fugindo. Nós pulamos o muro na primeira vez, mas Katniss achou um jeito de fazer o guarda deixar nos sairmos. Já liguei pro meu tio e ele sabe que vou passar na casa dele pra pegar o carro. Ele mora bem perto. Da escola até a casa dele, dá uns cinco minutos de caminhada. – conta Finnick.

Ouvi Finnick enquanto observava Katniss chegar na guarita e colocar a cabeça dentro da janela. Logo em seguida ela tira a mochila das costas e retira uma sacola de dentro entregando para o guarda dentro da guarita. Ela volta até nós correndo.

– Pronto, gente! Temos que voltar até às 5 horas. Lembrem de não encher muito a cara, se não vai ficar muito evidente que bebemos, e vocês sabem que isto é algo ilegal nesta bosta de escola. Finnick, nada de baseados. Deixe isto para o feriado de Dia de Ação de Graças. Cato e Clove, não sumam se não iremos embora sem vocês. Vamos! – Katniss chama com a mão e nós passamos pelo portão.

– Bom passeio, crianças. – ri o guarda com a cabeça pro lado de fora da guarita.

Eu estava apavorado. Eu estava transpirando igual a um gordo dentro de um carro e trancado em um congestionamento em um dia quente de verão. Eu estava a um passo de ter um ataque cardíaco e cair duro no chão. Mas já tinha ido muito longe para voltar. E seu eu decidisse voltar? Alguém poderia me pegar no meio do caminho e eu teria que enfrentar uma série de questionamentos iguais aos filmes da televisão. Eu meio que não tenho escolha agora. É tudo ou nada.

– Ótimo! Esperem aqui que eu vou buscar o carro. – diz Finnick e sai correndo logo em seguida.

Eu apoio minhas costas no muro enquanto uma rodinha se forma mais a frente, no meio-fio da calçada, e a turma começa a conversar. Katniss sai da roda ao me ver no lado de fora. Ela se encosta ao meu lado.

– Tudo bem? Você está pálido. Tem pressão baixa? – pergunta Katniss.

– Estou bem, é que eu nunca fiz isso na vida. – respondo tentando parecer o mais normal possível.

Ela dá uma leve risada.

– Bem... Existe uma vez para tudo na vida. E esta é a primeira vez que você foge da escola.

Quando ouvi as palavras “foge” e “escola” na mesma frase fiquei mais tenso.

Estou fugindo da escola.

EU ESTOU FUGINDO DA ESCOLA!

Tentei ocupar minha mente em outra coisa. Então passei a olhar o cabelo de Katniss, o que era algo estranho de se fazer. Espera! Katniss não tinha uma mecha cor-de-rosa no lado do cabelo?

– O que aconteceu com a mecha rosa do seu cabelo? – perguntei sem querer.

– Ah! Você havia notado! Era só uma presilha de cabelo. Eu tirei.

– Ah, eu pensei que era de verdade. – ri para me distrair.

Um carro para na nossa frente. Um Escort, ano 1998. Sei pois meu tio tem um igual. Só que este é cinza. O do meu tio é verde.

Olho para as pessoas e conto mentalmente. Cato, Clove, Finnick, Gale, eu, Annie, Johanna, Madge e Katniss. Nove pessoas para um carro que suporta cinco, contando com o motorista. Fiquei pensando em como organizaríamos todos dentro do carro. Até que Finnick abaixa o vidro do lado do carona e começa a ordenar.

– Ok, gente. Peeta, Cato e Gale vão para o porta-malas. Katniss vai aqui na frente comigo. Annie, Madge, Johanna e Clove se ajeitem nos bancos de trás. Alguém terá que ficar no colo de alguém. Já que temos mais um para o bando hoje.

Bando? Eu estou dentro de um bando? Tipo uma gangue ou algo deste estilo?

– Quem é Peeta? – ouço Cato perguntar.

– Eu sou Peeta. – respondo.

– Ah, oi. Sou Cato. – ele e eu batemos nossas mãos em cumprimento.

– Sou Clove. – diz a garota morena e baixa ao seu lado.

– Prazer.

Nos ajeitamos no carro como Finnick havia dito. Clove, por ser a mais baixa entre as meninas, ficou no colo da Johanna. E eu fiquei entre Gale e Cato lá atrás. Havia esquecido que o porta-malas deste carro é espaçoso e aberto. Tipo assim: “Eita, preciso de algo que está no porta malas!” Apenas me viro para trás e pego. Simples assim. Andamos pelas ruas. Ignoro a conversa pois fico pensando no risco que estamos correndo ao sair escondido da escola.

Depois de virarmos várias esquinas, andar por uma rua comprida, subir e descer lombas e virar muitas outras esquinas chegamos em um lugar que parecia uma pizzaria.

Fugimos da escola para vir comer pizza? Estão falando sério? Estamos correndo o risco de sermos expulsos da escola por causa da pizza?

Descemos todos do carro. E só então notei o quão quente estava naquele porta malas, porque quando a brisa leve da noite bateu no meu rosto, senti um imenso alivio a ponto de suspirar.

Entramos na pizzaria.

– Então o que cada um vai querer? – perguntou Gale.

Depois de cada um pedir o que queria, Gale foi ao balcão fazer o pedido e voltou com sacolas.

Então todos começaram a se levantar novamente.

– Não vamos ficar? – perguntei confuso.

– Não. – responde Annie – Nós sempre pedimos comida pra viagem e vamos a outros lugares. Hoje vamos ao Hagerstown City Park.

“Por que tudo aqui leva o nome da cidade?”, fiquei me perguntando.

– É um parque enorme. Fica um pouco longe mas é bem legalzinho. – afirma Johanna.

– Mas a fuga mais legal foi a do ano passado. – disse Clove enquanto voltávamos para dentro do carro – Nós fomos na Hager House. Nós invadimos o local, entrando por uma janela que dava acesso ao porão. Foi muito assustador. Nós saímos todos correndo quando ouvimos um baque no segundo andar.

– Hager House? O que diabos é isto? – perguntei me ajeitando melhor no porta-malas do carro.

– Oh, você não é daqui. – surpreende-se Clove.

– Tá. Deixa que eu explico. – Katniss se vira lá do banco da frente e conta uma breve história - O Hager House é uma casa de pedra de dois andares que foi construída em 1740. A casa foi construída por Jonathan Hager, Uma Alemão imigrante de Westphalia , Que fundou Hagerstown. Hager vendeu a propriedade, então conhecido como Fantasia de Hager a Jacob Rohrer. A casa permaneceu na família Rohrer até 1944, quando foi adquirida pelo Washington County Historical Society. A casa restaurada foi dado à cidade de Hagerstown em 1954 e aberto ao público em 1962 como uma Historic House Museum.

– E como você sabe de tudo isso? – perguntei admirado.

– Eu passei uma semana decorando isto no ano passado para um trabalho de história oral. – Katniss deu de ombros.

O cheiro da pizza invadiu todo o carro, mesmo que nós não tenhamos as comido ainda. Depois de um certo tempo, chegamos ao tal parque. E Johanna estava certa, o parque era gigante. Eu enxergava o começo, mas não enxergava o fim. Era algo bem iluminado.

Pulamos mais uma vez do carro e caminhamos até chegar a um tipo de casinha sem paredes. Fiquei olhando ao redor enquanto sentávamos no chão em rodinha.

– Isto aqui é um palco de concerto ao ar livre. – diz Katniss notando que eu observava o que eu sabia agora que era um palco de concerto.

Tiramos as pizzas das pequenas caixas. Eram mini-pizzas. Comemos enquanto conversávamos e riamos. Havia bebida alcoólica além da boa e velha Coca-Cola. Mas logo descobri que Gale havia rodado no segundo ano de Ensino Médio e, por isso, era um ano mais velho que todos nós. Ou seja, ele tinha 18 anos. O que não faz diferença. Aqui nos Estados Unidos só podemos comprar bebidas alcoólicas a partir dos 21, mas Gale tinha uma identidade falsa, e ele parecia muito mais velho do que era.

Aqui, sentado, ao ar livre, em um parque bem iluminado e tão bonito que me deixava vesgo, consegui esquecer os meus problemas. Esqueci que havia fugido da escola e feito algo ilegal. Esqueci dos motivos que me trouxeram para Hagerstown, no Condado de Washington. Esqueci que conhecia estas pessoas há apenas um dia. Esqueci de como era ser uma pessoa certinha e tímida.

Talvez este seja o meu problema. Talvez o meu problema seja que eu lembre muito das coisas. Pense em uma consequência para tudo na vida.

Talvez eu tenha que aprender a esquecer. Esquecer dos problemas e lembrar apenas que não passo de um adolescente de 17 anos. E que preciso fazer coisas adeptas a esta idade.

– Vamos brincar de verdade ou consequência? – perguntou Johanna.

– Vamos. – gritou Finnick se animando com a ideia.

Johanna pegou uma garrafa de Coca e girou, ela parou apontando para Finnick.

– Verdade ou consequência? – perguntou Johanna para Finnick.

– Verdade. Manda ver, não precisa ter piedade. – diz Finnick.

Johanna dá um sorriso malicioso.

– Hmm, com quantos anos você beijou uma garota pela primeira vez? – ela soltou a pergunta.

De fato, Finnick parecia o tipo de cara que já havia beijado metade da cidade. Então, com quantos anos será que ele começou?

– Com 10 anos. No dia do meu aniversário. O nome dela era Cindy.

– Calma aê. Johanna só perguntou a idade. – ri Katniss.

Depois da garrafa girar várias vezes. E de eu descobrir que Annie tinha alergia a cachorros, Cato gostava de Clove desde a oitava série, Clove nunca havia beijado ninguém além de Cato, Katniss ter dito que a primeira vez que ela fugiu de casa foi aos 11 anos, Johanna assumir que já havia beijado uma garota, e de Gale ter dado um mergulho no lago por ter escolhido “Consequência” em vez de “Verdade”, a garrafa parou apontada para mim e, para minha má sorte, quem faria a pergunta seria Johanna.

Eu já havia notado que ela era a garota mais impiedosa entre todas. Ela sorriu sarcasticamente para mim como se tivesse notado meu desespero.

– Não se preocupe. Vou dar uma chance a você e pegar leve, só porque você é novato na escola. Então, deixe-me ver... Hmmm.... Qual o nome da sua última namorada? – indaga Johanna.

Sim, era uma pergunta simples que tem uma resposta simples. Mas pensar na minha ex-namorada, fazia com que eu me lembrasse de tudo. De tudo que eu estava lutando para esquecer. Penso o quão bom seria se ela nunca tivesse entrado em minha vida. Ou quem sabe não fizesse diferença alguma? Talvez seja a ironia do destino, talvez tudo teria acontecido exatamente igual naquele dia.

Às vezes, a vida é uma simples questão de sorte. Qual é a chance de alguém acertar os números da loteria? Uma em um milhão, talvez. Pra mim, a chance era zero. Ou um número menor que este. O que realmente importava, é que o destino decidiu de uma hora para outra rir da minha cara. Dentre tantas pessoas ele decidiu escolher logo eu.

Dei um gole no refrigerante que estava esquentando na minha mão e respondi a simples, mas tão dolorosa pergunta de Johanna:

– Greta. O nome da minha última namorada é Greta. – disse um tanto receoso demais, o que tinha passado para o grupo que me olhava e havia esperado a minha resposta simples para uma pergunta simples. Eles continuaram a me olhar, perguntando com os olhos o que havia acontecido. Me levantei ainda com a lata de refrigerante na mão – Vou dar uma caminhada.

Desci os poucos degraus do palco de concerto e comecei a andar por uma trilha para não me perder. Logo notei alguém andando ao meu lado. Me surpreendi quando olhei para o lado e vi Katniss.

– Está tudo bem? – pergunta ela.

– Está sim. Só estou pensando nas minhas férias. – respondo olhando para frente.

– Foi ruim?

– É.

– Algum problema com a família?

– Pode-se dizer que sim.

– Tudo bem, eu também tenho problemas com a minha família. Principalmente com a minha mãe. Esse é um dos motivos para eu passar os feriados na escola. – um momento de silêncio se passa e o único som é dos nossos tênis batendo no chão – Você deve achar que eu sou o tipo de garota problemática. – não respondi, pois era o que eu achava mesmo – Mas saiba que agora você é meu amigo.

– Você chama alguém que conhece a apenas um dia de amigo? – indago incrédulo.

– Sim. Você não me considera sua amiga?

– Eu não sei, você parece o tipo de amiga que vai me arranjar encrenca.

– Se eu fosse mesmo arranjar encrenca, acha que todo aquele pessoal teria fugido da escola comigo? Inclusive você?

– Não sei responder a sua pergunta. Acabei de te conhecer. E, pelo que sei, se formos pegos acabaremos expulsos da escola.

– Não vamos ser expulsos da escola. Nem mesmo se formos pegos. Confia em mim, eu daria um jeito. Estudo naquela escola a vida toda, acha que nunca me pegaram fazendo algo errado? – não respondo, apenas fico encarando ela – Fui pega várias vezes.

– E como não foi expulsa?

– Não posso contar. Prometi que não contaria.

– Prometeu a quem?

– Ao diretor, oras. – diz ela impaciente.

– Você me assusta.

– Sinto muito. Olha, se você quiser, eu serei sua amiga. Você pode me contar qualquer coisa. Eu nunca contaria pra ninguém. Se precisar de alguém pra conversar, saiba que estou aqui.

– Por que eu teria algo pra te contar? – indago perdendo a paciência.

– Porque eu vejo no seu olhar que você passou por algo ruim a pouco tempo, e está fazendo de tudo para esconder isto dos outros.

Será que é verdade? Será que minha tristeza está tão a mostra assim? Na verdade, estou tentando esquecer o que aconteceu, não esconder dos outros.

Olho pra Katniss surpreso. Nós sustentamos o olhar um do outro por certo tempo.

– É melhor voltarmos. – falo dando a volta.

Katniss me segue sem falar mais nada. Quando chegamos perto do palco de concerto, consigo ouvir a voz de Gale cantando “Twist and Shout” dos The Beatles em alto e bom som. Ele estava a ponto de vomitar um dos pulmões. Quando chegamos mais perto, vimos Gale dançando descontroladamente enquanto todos riam e assistiam a pequena comédia que ocorria.

– Mas que droga! Eu falei para não encher a cara. Gale faz isto todos os anos. – fala Katniss entredentes baixinho.

Quando chegamos perto o suficiente, Gale pula na frente da Katniss enquanto grita mais do que canta:

– Come on, come on, come, come on baby now!

– Chega disso! – diz Katniss arrancando a garrafa de cerveja da mão de Gale – Vamos embora. Se não, não chegaremos na escola até as cinco da manhã.

Empurramos Gale até o carro. Finnick o prende no banco da frente com o cinto de segurança e Katniss senta no porta-malas comigo e com Cato.

Chegamos na escola perto das 4h30min. Descemos do carro e Finnick arranca para devolver o carro ao tio e voltar pra escola rápido.

Katniss me ajuda a levar Gale para o quarto e tentamos fazer com que ele fique de boca fechada. Ele se atira na minha cama quando fechamos a porta do quarto.

– Esta não é a minha cama. – reclama ele, com o rosto afundado no meu travesseiro – Este não é o meu cheiro.

– Tudo bem, Gale. Levanta. – ordena Katniss o puxando pela manga do moletom. Ele obedece e para de pé na frente dela, cambaleando. Ela começa a tirar a roupa dele – Temos que dar um banho frio nele. – Ela o empurra até o banheiro depois de deixar Gale somente com suas cuecas, eu a sigo, não sabendo muito bem o que fazer. Ela liga o chuveiro e Gale parece ter sido acordado de um sono profundo.

– O que estou fazendo aqui embaixo? – pergunta ele.

– Você está bêbado, seu idiota. Eu já havia dito pra não encher a cara. Você sabe por um acaso o que significa a expressão “não encher a cara”, Gale? – Katniss pergunta irritada.

– Significa... Não... Ficar... Bêbado. – ele responde pausadamente.

– É, exatamente. Não ficar bêbado a ponto de cantar Twist and Shout tão alto que acordou os peixes do lago do parque. Mas você fez exatamente o contrário.

– Eu cantei Twist and Shout? - indaga Gale.

– Eu não mereço. – diz Katniss e se vira pra mim – Cuida dele aqui que eu vou buscar algo pra ele vestir além das cuecas.

– Ok. – respondo.

Abaixo a tampa da privada e sento nela, olhando para a parede, porque seria estranho ficar olhando um homem tomar banho. Katniss volta com uma bermuda e uma regata azul-marinho.

Ela o tira do chuveiro e faz ele se secar. Depois o ajuda a se vestir e deixa ele ir por conta própria até a cama. Gale desaba e começa a roncar imediatamente.

Katniss puxa um pequeno pote da mochila.

– Eu sabia que ele iria beber demais. Tome isto e dê pra ele de manhã, por favor. São remédios pra dor de cabeça. Eu sei que vai ser a primeira coisa que ele vai reclamar quando acordar. Não deixe ele faltar aula. Se ele não estiver na sala de aula até o segundo período, alguém virá aqui ver o que ele está fazendo. E há a chance de descobrirem que ele andou bêbado. Entendeu?

– Sim. – digo rapidamente, pegando o frasco de remédio da mão dela.

– Obrigada. – ela sussurra então. E beija o canto da minha boca – Boa noite.

Ela sai do quarto. Fico um tempo parado, sentindo o formigamento pelo contato dos lábios dela com o canto dos meus lábios. Ela teria feito de propósito? Será que ela estava me provocando? Ou talvez tenha sido apenas um beijo de boa noite. Apenas isto. Ela pode ter errado no cálculo e ter beijado o canto dos meus lábios ao invés da minha bochecha. Não! Não há como errar isto. Ela, sem dúvida, fez de propósito.

O que há com esta garota? Ela é uma pessoa indecifrável. Cheia de códigos e segredos. Que tipo de coisas deve passar na cabeça de uma garota como ela? Ela é problemática, encrenqueira e provocadora, mas, ao mesmo tempo, é sensível, compreensível, amiga e parece se importar comigo. Por que ela queria saber o que aconteceu comigo? Será só um fingimento? Uma farsa? O que ela de fato quer de mim? Há tantas perguntas em minha cabeça, mas nenhuma resposta sequer. Ou talvez ela se importe comigo. Talvez ela goste de ajudar os outros em seus problemas. Ela quer que eu saiba que não estou sozinho nesta escola. E que eu, de fato, posso contar com ela para algum desabafo.

Mas não quero contar a ela nada. Não há motivos para contar o que houve. Eu vou esquecer o que houve. Não aconteceu nada nas últimas férias de verão. Estou nesta escola por escolha própria e não porque algo aconteceu. Assim será bem melhor. Sem fardos nas costas, sem nada além dos estudos.

Coloco o remédio na cômoda de Gale. Ele provavelmente saiba o que é, já que faz isto todos os anos. Deito em minha cama, mas o sono não pega. Fico pensando em Katniss e em toda a personalidade que a forma. Chego a rápida conclusão de que ela é várias pessoas dentro de uma. Uma pessoa de múltiplas faces.

Ela disse que tinha problemas com a família. Será que estes problemas são piores dos que os meus? Não tem como saber. Não vou perguntar a ela, não é da minha conta.

Pego no sono quando já estava amanhecendo e não demora muito para eu ouvir o despertador tocar. Desligo ele e sento na cama me sentindo exausto. Pego minha toalha e decido começar a manhã com um banho frio para acordar. Gale continua a roncar em sua cama. Tomo um banho e deixo a água levar meus pensamentos ralo a abaixo, esvaziando a minha cabeça para as aulas de hoje. Saio do chuveiro, visto uma roupa e saio do banheiro com os cabelos pingando. Vou até a cama de Gale e o sacudo.

– Gale, acorde!

– Que foi? – murmura ele.

– Tem que acordar, cara. Temos aula.

– Não vou hoje, estou péssimo.

– Então se levanta, toma um banho, e engula os remédios que a Katniss deixou pra você. Não quero que venham até nosso quarto e descubram que você estava bêbado.

– Ok, falou! Estou levantando.

Ele não vai levantar. Pego minha mochila e ajusto o despertador para tocar dali a meia hora. Coloco na cômoda de Gale e saio. Não quero me atrasar.

Depois de três períodos exaustivos, vem a hora do intervalo. Coloco uma porção da comida que tem hoje na bandeja e procuro o pessoal. Eles estão na mesma mesa que estavam ontem. Chego lá e estão todos rindo enquanto comentam sobre o “dom” de Gale ao cantar.

– É sério! Eu não me lembro disso. – vocifera Gale, irritado.

– Você não lembra, mas nós lembramos. – diz Johanna rindo.

– É uma pena que ninguém filmou. Se eu tivesse filmado e se eu não estivesse estudando nesta escola, eu publicaria o vídeo no Facebook. – brinca Finnick – Cara, você devia ter se visto. Foi muito engraçado.

Eu apenas ria junto, porque realmente havia sido muito engraçado ver Gale cantando The Beatles. Ainda mais com os movimentos que ele fazia. Ele parecia uma minhoca se contorcendo ao sol.

Notei que Katniss não ria. Ela continuava concentrada em sua bandeja. Brincando com a salada de alface.

O intervalo passou em um piscar de olhos. Infelizmente, os próximos três períodos não passaram da mesma forma. Com exceção do penúltimo, que era Educação Física. Jogamos vôlei, algo que eu sempre fui bom, já que morava perto da praia e vivia jogando vôlei na areia. Antes do jogo, o professor Wells nos fez dar dez voltas na quadra. Além de alongamentos. Achei uma perda de tempo. Mas como não tinha escolha, acabei fazendo.

Após a Educação Física, senti meu celular vibrar no meu bolso. Eu estava no corredor, a caminho da aula de Inglês. Atendi depois de ver na tela que era o meu tio.

– Oi, tio Phil. – falo.

Paro e me escoro em uma parede para falar com ele.

– Peeta, oi. Só liguei pra saber como foi seu primeiro dia de aula. Está tudo bem aí? – indaga tio Phil.

– Está sim. O primeiro dia foi bem tranquilo. Esta escola é um bocado grande, hein!

– Pois é, pensei que gostaria de uma escola bem... hã... espaçosa. Fez amigos?

– Fiz sim. Mais do que imaginava.

– Acordou mais cedo no primeiro dia como eu havia sugerido?

– Sim, e obrigado. Se não tivesse seguido esta sua dica, teria chegado atrasado no primeiro dia de aula.

– Tudo bem então. Não quero atrapalhar você com suas aulas. Só liguei pra saber como estava as coisas. Tchau, Peeta.

– Ok, valeu. Tchau.

Saí andando com o celular na mão e esbarrei em alguém. Meu celular voou pro chão.

– Oh, droga. Desculpa. Ah, Peeta! É você. – diz Katniss pegando o celular do chão.

– É, eu acho que sou eu. – digo rindo.

– O celular é seu?

– É sim.

– Vou colocar o meu número aqui então. Você já tem o número de alguém da nossa turma? – diz ela enquanto digita números no meu celular.

– Não, não tenho.

– Então já vou colocar dos que eu lembro. – e ela digita mais números. – Pronto. Tem da Johanna, o meu, do Gale, da Madge, Clove. O do Cato não lembro e a Annie troca de número todos os anos. Não sei por que ela faz isto. O Finnick também trocou de número e agora não sei de cabeça.

– Ok, obrigado. – falei guardando o celular no bolso. – Como você sabe tantos números de cor?

– Bem, eu sou uma amiga muito chata. Estou sempre incomodando os outros. – responde ela com um sorriso maroto.

– Nem duvido disso.

– Qual sua próxima aula? – pergunta ela.

– Inglês.

– Ótimo. A mesma que a minha. Quer ir comigo na biblioteca? Quero pegar um livro.

– Mas nós temos aula agora. Porque não pega quando a aula terminar?

– Porque eu vou estar com preguiça de pegar. Vamos! É rapidinho.

– Hã... Então está bem. Mas é rapidinho!

Ela me puxa pelo braço e caminhamos no meio da gente que estava no corredor e entramos em um lugar que cheirava a coisas velhas.

– Bem-vindo ao meu lugar favorito da escola inteira. – diz Katniss abrindo os braços pra mostrar a biblioteca.

A biblioteca era bem grande. Tinha várias prateleiras repletas de livros. Mesas estavam perto da porta. E ao lado das mesas, um balcão, onde uma senhora se encontrava sentada.

– Olá, Katniss. – diz a senhora quando tira os olhos da revista que estava lendo.

– Oi, senhora Potter. – diz Katniss. Achei engraçado o sobrenome dela ser Potter, porque é óbvio que me lembrou Harry Potter, uma saga a qual fui fã por anos. – Este é Peeta Me... Hã... Peeta Me Alguma Coisa. – diz ela apontando para mim.

– Mellark. – digo. – Sou Peeta Mellark.

– Muito prazer, Peeta. Sinta-se à vontade na biblioteca.

– Obrigado. – respondo.

– Vamos, Peeta. – me puxa Katniss – O livro que quero está por aqui.

Nós caminhos e atravessamos algumas estantes. Eram tantas que poderíamos se perder dentro daquele lugar. Katniss para em uma e começa a procurar pelo livro.

– Por que este é o seu lugar favorito da escola? – pergunto ao tentar puxar assunto.

– Porque tem o cheiro da casa do meu avô.

– Você deve gostar muito dele.

– Sim, eu amo muito. Ele é tipo como se fosse meu pai.

– Você não conhece seu pai?

Noto ela parar de remexer nos livros e suspirar longamente antes de responder:

– Conheço. Mas pra mim, meu avô é meu pai. – responde ela, voltando a mexer nos livros intermináveis daquela biblioteca. – E você? Tem uma relação boa com seus avós?

Eu rio.

– Não muito, já que eles morreram faz seis anos.

– Oh, sinto muito.

– Não precisa sentir. Eu nem os via muito mesmo. Eles moravam no Canadá.

– Bem, eu morreria sem meu avô. Eu adoro passar as férias na casa dele. Mas ele sempre me arrasta pra minha casa de volta. – bufa ela. Ela puxa um livro. – Achei! Já estava perdendo as esperanças.

– Que livro é?

– O morro dos ventos uivantes. – responde ela.

– Ah. Eu li ano retrasado para um trabalho de escola. – afirmo. – Quer que eu conte o final?

Ela ri.

– Não precisa, Peeta. Eu já sei o final.

– Você já leu este livro?

– Sim, li cinco vezes.

– Por quê?

– Porque é meu livro favorito. Cheio de tensão, amor, ódio, vingança. – ela chega mais perto e sussurra – Morte.

– Eu já disse que você me assusta?

– Sim. E eu já disse que sinto muito?

– Sim. – rio. – Você sabia que a autora morreu um ano depois do livro ser editado?

– Sério?

– É sim. Ela morreu de tuberculose.

– Nossa! Que droga! – exclama Katniss enquanto caminhamos até a senhora Potter. Ela larga o livro sobre balcão.

A Senhora Potter pega o livro e sorri.

– O morro dos ventos uivantes, de novo? – pergunta ela enquanto mexe no computador.

– Minha eterna paixão. – responde Katniss e pisca um dos olhos.

– Por que você não compra um livro pra você, já que gosta tanto de ler ele? – pergunto.

– Porque eu posso pegar de graça aqui. – ela sorri.

Quando a bibliotecária devolve o livro para Katniss, nós saímos do local. Nos deparamos com os corredores vazios.

– Droga, Katniss! Estamos atrasados. – digo correndo pelo corredor.

– Desculpa. – diz ela correndo de atrás.

Subimos as escadas pulando de dois em dois degraus e chegamos até a sala. O professor nos olha e faz uma cara feia.

– Mas onde vocês estavam?

– Nós... – eu ia responder.

– Quer saber? Prefiro que não digam! Ficarão na detenção após a aula! – e ele se vira pro quadro novamente.

Eu fuzilo Katniss com os olhos. Ela apenas sorri e para na minha frente, porém de costas pra mim.

– Senhor Mity? – chama Katniss com a voz mais doce que pode. Nunca ouvi ela falando assim.

– Não quero saber. – responde o professor grosseiramente.

– Mas então haverá uma injustiça aqui. Porque só estávamos na biblioteca. – continua Katniss.

– E o que faziam lá? – pergunta o professor irritado e se virando para a garota.

– Estávamos pegando este livro. – ela responde levantando o livro para que ele pudesse vê-lo. – Peeta e eu estamos fazendo um trabalho sobre Emily Brontë para a aula de história. E eu achei uma ótima ideia ler um de seus romances para entender melhor como funcionava a mente desta grande autora.

– Emily Brontë? Hmm. – o Senhor Mity pega o livro da mão de Katniss – O morro dos ventos uivantes. Sim, é um grande romance. Feito por uma grande autora feminina do século XIX. Ela é uma das escritoras que eu mais gosto.

– Sabia que ela morreu de tuberculose um ano depois de editar o livro? – indaga Katniss, usando uma informação que acabei de lhe dizer.

– Jura? Não sabia. Bem, - ele devolve o livro – Se safaram desta vez, mas só porque vocês estavam na biblioteca em busca de um livro que auxiliara o trabalho de vocês.

– Obrigada, Senhor Mity. – Katniss diz animadamente.

– Agora sentem antes que eu mude de ideia.

Eu sentei em uma classe no fundo da sala e Katniss sentou ao meu lado.

Como ela fez isso? Ele simplesmente caiu no conto da Katniss. Como é possível? Eu sei muito bem que se eu fosse fazer a mesma coisa, o resultado seria diferente. Agora entendo o que Katniss quis dizer com “eu daria um jeito” ontem.

Ela arruma encrencas com facilidade, e com a mesma facilidade se livra delas.

Um papel é jogado em minha mesa todo amassado. Eu pego ele e leio:

Será que agora posso ser sua amiga?”

Olho para Katniss e ela está sorrindo em minha direção. Eu sorrio de volta, escrevo a resposta logo abaixo da pergunta e devolvo o papel. Ela sorri pra mim quando lê a resposta:

Sim.”


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Notas finais do capítulo

Quem aí á leu O morro dos ventos uivantes? Admito que foi o único clássico que conseguiu prender minha atenção. Falando nisso... É verdade, Emily Brontë morreu depois do livro ser editado devido a tuberculose. Chato, né? :( Espero que tenham gostado, galera!
Até semana que vem.
PS.: Será que mereço comentários?
Beijocas da tia Rafú pra vocês! ;)



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