Intransitivo escrita por Brave


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Enjoy!



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"Se calhar, somos a mesma pessoa sem fronteiras. Se calhar, deslizamos um sobre o outro, fluindo um sobre o outro sem limites, de forma magnífica, carregamos experiências tão horríveis. É quase doloroso estar contigo, mas também é tentador."

Centésima segunda.

Centésima terceira.

Centésima quarta.

A contagem prosseguia incessante enquanto as mãos contorciam-se sob o domínio das correntes incômodas. O passatempo aquela altura já perdera a graça, mas era a única coisa capaz de acalmar seu espírito fatigado e, como a vida há muito lhe ensinara que – em situações extremas – não se recusam distrações, agarrou-se aquilo com todas as forças que ainda possuía.

A sombra da grade talhada em pedra, por sua vez, de onde entrava uma fresta de luz, compunha pequenos quadradinhos sobre o chão que eram preenchidos pela goteira que não parava de pingar, caindo sempre no mesmo ponto e respingando minimamente para quadradinhos de pontos diferentes. No centésimo e quarenta respingar, a mente lhe cortou o pensamento como se um lampejo de consciência lhe ridicularizasse:

“Que perda de tempo!”

Contudo – apesar da óbvia constatação – a cada gota caída, a revolta que sentia tumultuava-se mais e a fazia, vez e outra, remexer nos óculos, sob a pressão das correntes, de maneira impaciente, como se esperasse por algo. Enquanto suas incertezas sobre seu futuro transcorriam no fluxo do gotejar, Uzumaki Karin encarava o dissabor da pior verdade: não tinha para onde ir ou para quem voltar.

E era, provavelmente, por isso que nem ao menos se esforçara para fugir. Embora, por diversas vezes, tenha arquitetado planos e mais planos, desistira de concretizá-los no minuto seguinte quando se deparava com essa realidade. Estranhamente, para ela, estar sozinha ali parecia mais confortável e cômodo do que deixar que a solidão do mundo lhe tragasse aos poucos.

De início, quando os shinobis de Kumogakure a capturaram, chegou a acreditar que o Raikage queria apenas obter uma reparação mínima pelo infeliz episódio entre Killer Bee e Sasuke e que – como não conseguira colocar as mãos no Uchiha após a guerra – vira nela uma possibilidade de recuperar parte do orgulho ferido.

Afinal, como a experiência mesmo lhe mostrara, batalhas e guerras podem terminar, mas para que as boas relações, alianças e acordos permanecessem entre as grandes nações era necessário que compensações fossem feitas.

E ela, lamentavelmente, parecia ser o espólio da vez. Entretanto, embora a possibilidade de reparação parecesse a mais óbvia, já há algum tempo outro motivo mais sombrio para sua permanência naquela vila a atormentava. Principalmente, porque já há alguns dias a movimentação da prisão simplesmente mudara. Todos os chakras que sentia ao seu redor tinham desaparecido.

Esse fato tornou-se ainda mais estranho para ela quando, mesmo a após o sumiço repentino de todos os guardas, um ninja médico passou a visitá-la todos os dias ainda pela manhã. No fundo, Karin sabia que – cedo ou tarde – suas habilidades raras e valiosas seriam objeto de estudo e interesse, porém o que a inquietava naquele lugar era a incerteza de um inimigo que já não sabia ao certo quem realmente era.

Seria alguém poderoso o suficiente para conseguir apagar a presença de todos os seus subordinados? Seria alguém confiante o bastante para acreditar que não era necessário colocá-la sob vigilância constante?

“Que mundo estúpido! Mal terminam uma guerra e já pensam em modos de começar outra.”

Contraditoriamente, apesar da cela a enlouquecer umas mil vezes ao dia pela ausência de alguém com quem pudesse gritar ou implicar, também servia para fazê-la refletir sobre os últimos acontecimentos. E para, no pior dos casos, refletir sobre seus próprios sentimentos. Nessas horas em que se pegava olhando para fresta da pequena janela da cela com certo saudosismo, seus pensamentos sempre acabavam pairando nele, o shinobi a quem dedicou toda a sua força, habilidades e inteligência:

Uchiha Sasuke.

Era nele que pensava a maior parte do tempo, mas não se lembrava do ninja com raiva ou desprezo, lembrava-se dele com certo cansaço. Uma exaustão que se instalou aos poucos e agora junto à solidão era sua companhia. A verdade é que Karin estava cansada, cansada de não ter com quem conversar, cansada de não ter a mínima vontade para fugir e, em última instância, cansada de gostar de Sasuke.

Nesses momentos, em que o esgotamento a dominava, era aquela goteira que a tranquilizava. Era para aquela goteira que seu olhar se dirigia. No começo, achou que o tédio a dominara a tal ponto que a obrigou a adquirir tal desnecessário hábito de contagem, porém com passar dos dias, o gotejar trazia a sua cabeça as mais variadas memórias.

Lembranças essas que de início foram encaradas com certa repulsa, contorcer de lábios e algumas remexidas nos óculos com a pouca mobilidade que as correntes lhe forneciam. A coisa toda ficava ainda pior quando tinha a impressão de que a goteira se transformaria num rosto extremamente desagradável a qualquer momento. E, por mais de uma vez no auge dessa loucura, chegou a acreditar que se solidificaria diante de seus olhos.

Todavia, quando se pegava delirando sobre tamanho absurdo, fazia questão de repetir em pensamento para si mesma:

“Não. É Sasuke e somente ele. Apesar de tudo, só Sasuke e ninguém mais.”

É claro que tais tentativas de auto-convencimento tornaram-se mais falhas a cada dia. Afinal, por mais que dissesse a si mesma que o desejava, o sentimento que nutria pelo Uchiha parecia distanciar-se disso. Seria muito dizer que o abominava, mas também não conseguia lhe dirigir a antiga devoção. Devoção essa, inclusive, que começara a questionar.

“Maldita goteira! Maldita Karpa¹!”

Insistente. Incessante. Irritante.

O sentimento antes devotado a Sasuke com tanto afinco agora parecia pura ilusão. O que sentia pelo Uchiha era apenas simulacro e sobre as fragilidades desses sentimentos, algo oculto e mais verdadeiro pulsava em seu peito lhe instigando a pensar em coisas desagradáveis.

Coisas com as quais não seria obrigada a lidar se não estivesse encarcerada naquela cela. Questões sobre as quais refletia e que lhe atormentavam com perguntas das quais tinha medo das respostas. Afinal, se o que sentia pelo ex-vingador era mero simulacro, o que era aquele sentimento que se apoderava dela? Se não era por Sasuke a quem devotava aquela necessidade de estar perto, de estar junto, de quem sentia tanta falta?

“Intransitivo é tudo aquilo que permanece”

A frase agora parecia menos redundante e absurda do que quando a ouviu pela primeira vez de uma anciã com quem cruzara certa vez numa das andanças pelo mundo antes de conhecer Orochimaru. Mas o que permanecia dentro dela? Haveria algum sentimento capaz de permanecer nela além de desilusão e descrença?

Quando as travas da porta começaram a ranger, pensou que já era hora. Não poderia mais fingir que a vida não continuava lá fora.

— Você não comeu de novo?

O ninja médico aproximou-se com ar de reprovação e um tanto quanto desgostoso ao notar a tigela no canto esquerdo da cela tão intacta como fora mandada.

— Vamos... você precisa comer!

— Nem morta vou comer essa porcaria! — Os olhos percorreram o prato cheio de gyoza² e se voltaram petulantes para o homem que, indignado, questionava a audácia da garota a sua frente.

— Deve ser difícil comer com essas correntes, não? — indagou, fingindo não se importar. — Eu vou afrouxar um pouco para que você possa comer mais confortavelmente.

Karin o olhou um tanto desconfiada e se perguntando internamente o quão burro era o shinobi a ponto de facilitar as coisas para ela daquela maneira. O ninja médico, por sua vez, hesitou por um instante, direcionando o olhar para a porta.

Mesmo com certo temor, entretanto, afrouxou enfim as correntes recebendo um maldoso sorriso de Karin em resposta.

— Coma de uma vez! — ordenou impaciente.

O movimento rápido de imobilização e um soco no abdômen, que se seguiram após a aparente atitude inocente do guarda, foram suficientes para conceder a kunoichi o que ela desejava.

— Me dê a chave! — exigiu com firmeza, pressionando uma das pequenas agulhas que portava sempre consigo sobre o pescoço masculino.

As mãos trêmulas do shinobi não demoraram a estender a chave em sua direção, liberando-a enfim de seu cárcere. O problema todo surgiu quando começou a se esgueirar pelos corredores da prisão e se deparou com algo que sua habilidade detectora já confirmara:

Uma quietude.

A calmaria que permeava toda a prisão não condizia com as características de um local como aquele. O lugar todo estava, de fato, abandonado? Cada passo rumo à liberdade a intrigava e as dúvidas não paravam de preencher sua mente.

Só havia realmente ela ali durante todo esse tempo? Onde estavam os outros prisioneiros? Se aquele lugar estava abandonado, por que o ninja médico ainda a visitava? Quanto mais se questionava, mais percebia que tudo aquilo simplesmente não fazia sentido.

Assim, os passos lentos aos poucos foram abrindo espaço para uma caminhada rápida e a caminhada rápida aos poucos deu espaço para uma corrida descompassada e quase infantil de quem desejava rever a luz do sol novamente sem a influência de uma grade que os separasse. Quando finalmente encontrou a saída e estava apenas a um passo da liberdade, o medo apoderou-se de si. Depois dali o que seria? O que faria com isso que os outros chamavam de liberdade? O que era ser livre, afinal?

— Apareça! — Já fora do esconderijo e com a intensa luz do sol incidindo sobre seus óculos, Karin ordenou antes que as incertezas a dominassem por completo.

Não havia como negar que a curiosidade lhe tomou de súbito e em tom áspero desejava entender o que se passava ali.

— Eu sei que é você, maldita karpa! Apareça!

— Incrível! Não importa quanto tempo passe, a sua cara de bruxa continua a mesma!

Descendo finalmente do alto da árvore que o escondia, Suigetsu apareceu de modo despreocupado e já estampando no rosto um sorriso cheio de escárnio que foi subitamente interrompido por um soco que o obrigou a se liquefazer.

— Não temos tempo pra isso agora, Karin! — Saindo do estado líquido, o Hozuki solidificou-se novamente segurando-a pelo pulso e impedindo que a kunoichi pudesse socá-lo como desejava. — Temos que...

— Maldito bastardo! Eles já estão aqui!

Sob o alerta da ninja, uma kunai foi lançada, por detrás dos arbustos, na direção de ambos os afastando imediatamente. Agora, em lados opostos, os dois encaravam as sete figuras que surgiam e os cercavam.

— O que significa tudo isso? — contendo o impacto do afastamento com os pés, Karin questionou recusando-se a acreditar no que se desenrolava diante de seus olhos.


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Notas finais do capítulo

Glossário

Karpa - Peixe.

Preparem-se para a porradaria no próximo capítulo, porque sim!Gente. Eu escrevi um capítulo com porradaria! Tô tão emocionada! Enfim, feliz natal pessoas, lindas. Se chegaram até aqui, por favor, deixem um comentário, viu. Beijos.