Eduardo & Mônica escrita por The Escapist


Capítulo 8
VIII




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Mônica esperou até a véspera de Natal para falar com os pais. Marcelo e Bernardo não havia comentado nada ainda, mas percebiam claramente que havia alguma coisa errada com a garota. Desde que a tinham apanhado no aeroporto, ela estava quieta, calada e ainda não tinha reclamado de nada. Não era a Mônica que conheciam.

Receberiam alguns poucos amigos para a ceia de Natal, por isso ela resolveu ter a conversa antes que eles começassem a chegar. Era o pior momento para isso, mas, pensando bem, não haveria um que fosse realmente bom. No dia anterior, dissera a eles que iria encontrar uma antiga colega da escola, porém, fora ao médico. Depois de ter a certeza sobre a gravidez, não poderia mais ficar guardando aquilo.

— Quer dizer que você resolveu, finalmente, contar o que está havendo? — Marcelo indagou, sorrindo para a filha. Mônica sentia o coração apertado por se ver obrigada a magoá-los. — Andou brigando com o Eduardo?

— Deixe ela falar, Marcelo — Bernardo repreendeu o marido. A filha decerto tinha um problema, mas era algo mais sério do que uma simples briga com o namorado. — Querida...

— Eu não queria estragar o Natal de vocês — Marcelo quis interrompê-las, mas, novamente, Bernardo o conteve. Mônica abaixou a cabeça; tinha as mãos no colo e as esfregava uma contra a outra. — Eu tô grávida.

Os dois se entreolharam, como se não entendessem ou não soubessem como reagir. Foram segundos que pareceram eternos para Mônica. Marcelo foi o primeiro a falar, e pelo menos dessa vez, Bernardo agradeceu por ele fazê-lo.

— Você já tem certeza? — Ela assentiu. — Ok. Ahm, em primeiro lugar, você não está estragando nosso Natal, Momo — afirmou e buscou a concordância de Bernardo, que balançou a cabeça. — Segundo, como você está se sentindo?

— Não sei. — Foi a resposta mais honesta que conseguiu dar.

— Já contou ao Eduardo? — Ela confirmou com um aceno. — E ele? — Apesar da tensão, Mônica ainda conseguiu dar um risinho irônico.

— O Eduardo tem dezessete anos, pai.

— Bem, ele é o pai, não é? Não importa quantos anos tenha.

— Essa não é a questão.

— Qual é a questão, então, Mônica? — O tom de voz que Marcelo usou foi um que era raro para ele, especialmente quando falava com a filha.

— Marcelo, fica calmo — Bernardo conciliou. — Filha, se o Eduardo não ficar do seu lado, nós ficaremos, você não vai precisar passar por isso sozinha.

— Pai, eu não... não sei se... eu não quero ter esse filho.

A reação deles a deixou confusa. Acreditava que os dois não apenas entenderiam, como poderiam esperar por sua decisão. Seus pais eram defensores ferrenhos da descriminalização do aborto, da liberdade de escolha e tudo isso.

— Você tem certeza disso, Mônica? — Bernardo perguntou. Ela quis dizer que sim, porém, hesitou. — Se essa for a sua vontade e não restar nenhuma dúvida, nós te apoiaremos, como sempre fizemos. Mas... querida, você não deve decidir isso assim, de repente. É um caminho sem volta. Eu sei que é uma grande decisão e uma mudança ainda maior, e você não deve ser obrigada a alterar todos os planos da sua vida por algo inesperado. Nós defendemos, sim, o seu direito de dispor do seu próprio corpo, mas... — Ele fez uma pausa. — Se a sua mãe biológica não tivesse deixado você nascer, nós não teríamos a maior alegria de nossas vidas. Quando o Marcelo e eu fomos morar juntos, nossa única frustração era não poder termos filhos; naquela época, ainda tínhamos receio de tentar adotar, depois você apareceu, nosso milagre, e tornou tudo melhor. — Bernardo segurou a mão do marido e sorriu, docemente. Marcelo assentiu e endossou as palavras dele.

— Nós não queremos interferir na sua decisão, querida. Como o Bernardo já disse, nós estaremos aqui pra te apoiar no que você resolver, mas eu quero que você saiba que um netinho seria muito bem vindo nesta casa.

Mônica sentiu os olhos úmidos. Não precisava daquela dúvida plantada em seu coração, porém não culpava os pais por tentar convencê-la.

— Eu não quero ter que abrir mão da minha vida, da minha carreira... Isso nunca passou pela minha cabeça. Vocês sabem, nem de boneca eu gostava quando era criança. — Sabia que precisava de um argumento mais forte do que isso para se justificar.

— Mônica, não querer ter filhos é diferente de ter medo de tê-los.

— Eu...

— Você precisa esfriar a cabeça e pensar direito no que quer fazer. Nós te educamos pra tomar decisões importantes. — Ele passou a mão nos cabelos da garota. — Você quer cancelar o jantar? Nós podemos ligar e dar alguma desculpa razoável, nossos amigos irão entender.

— Não, não precisa cancelar. Eu posso lidar com isso.

Lidar com o clima de festa, no entanto, não foi nada fácil. Felizmente, os convidados dos pais eram pouco numerosos — consistiam em três casais, um deles também de gays — que mantinham uma conversa animada e aleatória.

Depois da ceia, quando os “adultos” já haviam tomado mais de uma garrafa de duas garrafas de vinho e estavam discutindo os rumos da política no país — um dos amigos defendia veementemente o impeachment da presidente, o que fazia Bernardo dar umas risadinhas discretas —, ela saiu da sala e foi sentar na varanda. Ficou segurando o telefone por alguns instantes até decidir apertar o número de Eduardo.

— x —

As quatro semanas que Mônica passou em Brasília foram as mais longas da vida de Eduardo. Apesar de ter falado com ela todos os dias, até mais de uma vez por dia, ainda estava com medo de que quando ela voltasse, não o quisesse mais. Além disso, estava muito ansioso para saber o que ela havia resolvido em relação ao bebê. Fora sincero quando disse que a apoiaria independente do que ela decidisse, porém, parte dele sentia que não deveria haver decisão alguma. Mas o que ele sabia sobre a vida, afinal? Era só um garoto de dezessete anos recém completados à espera do resultado do vestibular.

Foi encontrá-la no aeroporto e o alívio que sentiu ao vê-la de camiseta de Doctor Who, tênis e cabelo lilás foi enorme. Se decidisse por levar a gravidez adiante, ela teria que parar de colocar tinta no cabelo por um tempo, pensou Eduardo, considerando, ainda, que aquela seria a menor das mudanças. Tentou não pensar muito nisso e viver aquele reencontro. Tomou-a nos braços, apertando-a contra si.

— Fez boa viagem? — perguntou depois de devolvê-la ao chão.

— Tranquila.

— E como você está? — Mônica respirou fundo.

— A gente precisa conversar — disse e aquela frase que em geral provocava calafrios, foi mais como um bálsamo naquele momento. Se ela queria conversar era porque estava disposta a discutir o assunto.

— Ok. Agora?

— Em casa. — Aquela Mônica calma e equilibrada o agradou bastante e ele voltou a sorrir e beijá-la.

Foram de táxi para casa e Eduardo a deixou descansar da viagem, prometendo que voltaria à noite para a tal conversa. E assim o fez, mas antes de ir, passou na delicatéssem que havia na rua e comprou um pote de sorvete para levar, afinal, flores eram para garotas normais. Mônica agradeceu e pegou logo duas colheres antes de irem sentar no sofá.

— Sinto muito por ter agido daquela maneira tão fria com você — disse depois da primeira colherada de sorvete.

— Eu entendo, você estava nervosa.

— Isso não é desculpa pra excluir você de... bom, você sabe... então eu acho que está na hora de saber o que você acha.

— Eu vou ficar do seu lado, pro que der e vier...

— Não é isso que eu quero saber, Dudu, eu tô perguntando o que você acha de ter um filho, se você pode lidar com isso, se você quer. — Eduardo engoliu em seco e encolheu os ombros.

— Bom, acho que é a ideia mais apavorante do mundo — foi sincero; pegou outra colherada de sorvete e levou à boca enquanto preparava melhor o que diria a seguir. — Mas eu também acho que é uma vida que tá crescendo, uma vida que surgiu de nós dois, do nosso amor. É um milagre, Mônica.

— O garoto que quer construir robôs falando de milagres — Mônica divagou.

— A gente deveria ter sido mais responsáveis? Sim, claro. A minha maior preocupação hoje é subir de nível no meu jogo preferido, não sei nada sobre ser pai, mas tem coisas que a gente não pode simplesmente desfazer.

Mônica deixou o pote de sorvete em cima da mesinha de centro e foi até o quarto; voltou trazendo uma sacolinha de papel que entregou a Eduardo. Havia pensado muito, talvez não o bastante, mas os conselhos dos pais ajudaram um pouco. Sentia medo, insegurança e uma quase certeza de que se arrependeria no futuro. Poderia dizer que estava indo contra tudo em que sempre acreditara, que agira de maneira adversa ao que lhe seria normal, baseando suas decisões na opinião de outras pessoas — ainda que essas pessoas fossem seus pais e seu namorado.

Por outro lado, talvez estivesse apenas fazendo o que sempre fazia: deixando as coisas acontecerem.

Incentivou Eduardo a abrir a sacola e ele arqueou a sobrancelha, curioso. Rasgou o papel, depois voltou a encará-la, confuso. Ela balançou a cabeça, sorriu e terminou de desembrulhar o presente. Era uma camiseta branca, com apenas os dizeres “pai do ano” em letras garrafais.


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