O Contador de Histórias escrita por themuggleriddle


Capítulo 5
O Coelho e a Fada


Notas iniciais do capítulo

Uma semana depois de perdermos tanto David Bowie quanto Alan Rickman, um capítulo para lembrar que a morte não é inimiga, mas só o curso natural das coisas.



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Mary Riddle costumava dizer que o mar sempre trazia as melhores surpresas e Tom sempre acreditara nisso. Quando criança, vivia carregando para casa as diversas conchas e pedras que encontrava pela praia de Hornsea, enchendo vários potes e vasos com seus pequenos presentes do mar. Depois de ir parar no século XV e se mudar para perto de Robin Hood’s Baye, resgatara aquele hábito infantil com mais fervor: trazia para casa pedras, conchas, vidros-do-mar, pedaços de madeira e até mesmo fósseis que encontrava de vez em quando assim que a maré baixava.

A única coisa que Tom nunca imaginara que o mar fosse trazer era um coelho. Um enorme coelho branco. Na verdade, a primeira coisa que Riddle viu foi um caldeirão negro boiando na água - como algo tão pesado quanto um caldeirão conseguia flutuar na água? -, antes de ver uma cabeça branca com orelhas compridas espiar para fora deste. Continuou observando a medida que o caldeirão se aproximava da praia, balançando para lá e para cá com as ondas e de vez em quando ameaçando virar, até bater em um banco de areia e parar. O animal olhou em volta e então pulou para fora do caldeirão, molhando o pêlo branco na água salgada enquanto saltitava até a areia mais seca e só então notou a presença do homem, arregalando os olhinhos enquanto o olhava.

“Bruxo?” perguntou Riddle, depois de olhar para os lados para ter certeza de que não havia mais ninguém por perto, mas a praia permanecia vazia e enevoada. Já ouvira falar de bruxos e bruxas que conseguiam se transformar em bichos, mas nunca havia visto um.

O coelho imitou o seu gesto de procurar por alguém, antes de sacudir a pequena cabeça e, em um piscar de olhos, no lugar do bicho havia uma mulher com um belo vestido verde e inúmeras jóias douradas.

Sorcière, monsieur,” ela falou, antes de resmungar alguma coisa. “Bruxa.”

“E o que a traz até a Inglaterra?” ele perguntou, inclinando a cabeça enquanto observava a mulher erguer os tecidos molhados e suspirar, para depois oferecer-lhe uma mão para ajudá-la a se levantar.

“Alguns tolos decidiram me denunciar,” a bruxa falou, se levantando com a ajuda dele. “Eles iam me pendurar, mas eu não iria deixar isso acontecer.”

“Meu nome é Beedle,” ele falou. “E a senhora...?”

“Lisette de Lapin,” ela falou, tirando os panos que usava na cabeça e tentando desembaraçar os cabelos loiros. “E o que o senhor faz no meio desse nevoeiro?”

“Estava conversando com o mar,” disse Tom, rindo ao ver a expressão de estranheza que apareceu no rosto dela. “Moro logo ali.” Ele apontou para acima do rochedo atrás da praia. “Há uma vila trouxa se continuar caminhando ao norte pela praia e uma vila bruxa algumas milhas ao sul. Se quiser, posso levá-la até lá.”

Lisette o olhou com desconfiança, antes de puxar a saia do vestido para torcê-la e tirar a água.

“Antes de tudo, acho que uma boa janta seria bom,” ela falou. “Não aguento mais comer camarões e algas.”

***

“E como o senhor consegue viver com eles?” perguntou Lisette de Lapin enquanto esticava o pescoço para tentar enxergar algo além da neblina que cobria os campos de North Yorkshire.

“Eles são bem... Tranquilos, desde que nada implique que você faz magia,” Tom explicou enquanto guiava o seu cavalo, Smaug, pelas rédeas. O animal havia ficado um pouco assustado com a presença da bruxa e agora o homem tinha que se manter perto enquanto esta o montava para irem até a vila de Crowsbeak.

“Todos os que conheci quiseram me enforcar,” ela falou, empinando o nariz. “Até mesmo aqueles nos quais em confiei...”

“Nem todo trouxa é ruim, madame,” disse Riddle, sorrindo fraco. “Assim como nem todo bruxo é bom.”

“Pelo menos os bruxos não tentam me enforcar,” ela soltou um muxoxo.

“Posso perguntar como a senhora escapou?”

“Me transformando em um coelho, é claro,” a mulher explicou, estufando o peito. “Tentei aparatar da prisão, mas não funcionou. Ainda não sei por que.”

“Talvez alguém tenha encantado a prisão para que não fosse possível aparatar?” perguntou Riddle. Aparatar era uma das coisas que realmente queria conseguir fazer... Se fosse um bruxo, a cada semana tentaria visitar um lugar diferente com aparatação.

“E por que um bruxo iria fazer isso?!” Lisette perguntou, arregalando os olhos. “Prender um igual...”

“Alguns bruxos trabalham em conjunto com trouxas. Alguns a favor dos outros bruxos, outros contra,” ele falou. “Como disse: nem todo bruxo é bom.”

“Já conheceu algum bruxo ruim, Monsieur Beedle?” a bruxa perguntou.

“Já,” ele falou automaticamente, a imagem de seu filho apontando a varinha para os seus pais e os matando voltando à sua mente. “Meus pais foram mortos por um bruxo.”

“Oh... E o senhor o procurou? Para se vingar, quero dizer.”

“O que? Claro que não.” O homem riu, sacudindo a cabeça enquanto imaginava a cena ridícula que seria caso ele fosse atrás do filho. “Ele iria acabar comigo em um instante.”

“Aposto que o senhor conseguiria duelar-“

“Sou um aborto,” ele falou prontamente. Falar sobre Tom Riddle Jr. ou a morte de seus pais se tornara algo dolorido demais para que ele quisesse continuar tal conversa. Já bastava se lembrar de tudo o que havia acontecido em muitas das noites, em pesadelos. “E não tenho o menor interesse em duelar com alguém com espadas ou adagas.”

A mulher permaneceu em silêncio pelo resto da viagem. Quando Crowsbeak se tornou visível através da névoa, Tom não pôde deixar de se sentir aliviado; estava cansado da caminhada e estava se sentindo muito como o antigo Tom Riddle de Little Hangleton: queria apenas a sua casa, a sua cama, e um bom silêncio. Lisette de Lapin o deixara apreensivo como nenhum outro bruxo o havia deixado em dois anos, apesar de ainda não saber se isso acontecera porque ela parecia ter uma certa raiva de trouxas ou porque ela era uma mulher e, bom, a última bruxa com a qual ele ficara sozinho por mais de cinco minutos o enfeitiçara por quase um ano inteiro.

“Bom, Monsieur Beedle,” disse Lisette, depois de pular de Smaug e ajeitar o próprio vestido outra vez. “Foi um prazer conhecê-lo.”

“O prazer foi meu, madame,” ele falou, segurando a mão que ela lhe oferecia e beijando de leve o dorso dos dedos. “Espero que... Sua estadia aqui na Inglaterra seja boa.”

“Realmente espero o mesmo,” ela falou, apontando para a placa de um estabelecimento. “Ali é a estalagem?”

“Sim,” o homem falou, antes de procurar pela pequena bolsa de couro que carregava com dinheiro, pegando algumas moedas e entregando à bruxa. “Cuide-se, Srta. Lapin.”

“O senhor também, Monsieur Beedle,” a mulher murmurou, finalmente sorrindo fraco, para então se virar e ir na direção da estalagem.

O certo seria passar a noite ali e evitar a viagem de volta para casa enquanto ainda estivesse escuro, mas tudo o que Riddle queria era o silêncio de sua cabana na beira do mar. Além disso, um tempo andando sozinho, apenas com Smaug, seria bom para limpar a mente...

E assim, o homem montou no cavalo e partiu em direção à praia novamente, em um ritmo lento e volte meia parando para deixar o animal descansar. Apesar da névoa que enfrentaram na ida até Crowsbeak, a estrada agora estava limpa e o céu, salpicado de estrelas. Tom sempre achara o céu de Little Hangleton bonito, longe das luzes fortes das cidades grandes, mas agora sabia como a noite podia ser ainda mais bela: parecia haver muito mais estrelas no céu, mais cores, mais brilho.

A viagem seguiu tranquila até parar às margens de um bosque para deixar Smaug descansar mais um pouco. O homem sentou-se ao lado do cavalo e ficou observando as estrelas, de vez em quando cantarolando alguma canção para se entreter, e foi então que ouviu o que parecia ser o som de diversos pequenos sinos ressoando por entre as árvores. Smaug pareceu notar o barulho também, pois virou a cabeça na direção do bosque, parecendo concentrado.

“Você não devia,” ele murmurou para si mesmo, antes de suspirar e se ajeitar melhor contra o toco que sobrara de uma árvore.

“Não devia mesmo,” ecoou uma voz de dentro a madeira, fazendo o homem pular e se afastar.

 

“Quem está ai?” perguntou Riddle, dando a volta no pedaço de árvore para tentar achar alguma criatura pequena que pudesse estar escondida atrás deste. Nada.

“Apenas alguém que acha que o senhor realmente não devia ficar aí parado,” disse a voz, seguida de uma risada leve que parecia o tocar de sinos.

O homem abaixou-se, tentando procurar alguma reentrância no tronco, mas não havia nenhuma. Tateou o máximo que pôde, usou a luz de uma das pedras que Evert havia lhe dado para poder iluminar o seu caminho - não poder fazer um Lumus era terrível - , mas não encontrou nada. A voz se calara e o que restara fora apenas o som de sinos vindos do bosque.

***

Crescer em Yorkshire fora o suficiente para fazer com que Tom conhecesse diversas histórias folclóricas do interior da Inglaterra e até mesmo da Escócia, além de fazê-lo acreditar em boa parte delas. Fadas sempre foram as criaturas preferidas de todos... Frank Bryce, o jardineiro, costumava dizer que ter fadas no jardim era sinal de boa sorte, mas Riddle nunca teve coragem de perguntar se o rapaz acreditava que existiam aquelas criaturinhas no jardim de sua mãe. Mas ali não era o jardim de ninguém, ali era um bosque e, por certo, era parte do domínio de qualquer criatura mágica. Ali, ele era o estranho.

Mas, mesmo assim, continuou andando por entre as árvores, tentando não fazer muito barulho enquanto seguia o som dos sinos até chegar em uma clareira e ficar boquiaberto.

A clareira estava iluminada com diversas pequenas luzes de todas as cores que, depois de observar um pouco, Tom percebeu que não se tratavam apenas de focos de luz: eram pequenas criaturinhas humanóides com belas asas que dançavam e cantavam e se divertiam dentro dos limites de um círculo de cogumelos. A imagem era linda e sobrenatural, fascinante e assustadora. No centro do círculo, rodeado pelas fadas, havia um rapaz que dançava e ria com elas, mas até mesmo para alguém que estava vendo fadas pela primeira vez era óbvio que aquele sujeito estava mais para fae do que para humano.

“Ah!” o rapaz falou, finalmente parando de girar e ainda rindo. “O senhor veio se juntar à nós!”

Riddle franziu o cenho, inclinando a cabeça enquanto observava o outro: as feições dele pareciam suaves demais e a pele era pálida demais, mas não de um jeito doentio. As roupas que ele usava pareciam feitas de uma mistura de tecido e plantas, com flores servindo como botões e folhas formando as mangas de seu casaco, uma ou outra se desprendendo enquanto ele erguia os braços para chamá-lo para dentro do círculo. Os cabelos claros demais estavam desarrumados, com flores e folhas presos nos fios, e os olhos escuros contrastavam demais com todo o resto da criatura.

“Eu não...” murmurou Tom, dando um passo para trás apenas para garantir que não iria pisar dentro do círculo de cogumelos.

“Mas está uma noite linda para dançar,” disse o rapaz, dando outro giro enquanto apontava para as estrelas. As outras fadas continuavam a dançar, apesar de algumas terem parado para observar a cena.

“Eu realmente não posso,” disse Riddle. “Preciso voltar para casa, meu cavalo está exausto.”

“Ele ficará descansando enquanto o senhor dança, senhor...?”

“Beedle,” o homem falou, agradecendo por ter um nome falso para dar à uma fada. Quando olhou para baixo, encontrou um grupinho de pequenas fadas empoleiradas nos cogumelos, olhando-o com curiosidade. “Ele descansará melhor em casa. Ele fica mais calmo com o mar por perto.”

“E se fizéssemos uma troca?” o rapaz perguntou, aproximando-se da borda do círculo e sorrindo. “Uma dança por algo que o senhor queira.”

“Eu... Agradeço a oferta, senhor, mas não posso aceitar,” Riddle murmurou, antes de se afastar mais. De certa forma, sentia-se mal por não poder observar mais a dança das fadas, mas aquele rapaz o deixava apreensivo demais.

“Uma dança por uma viagem de volta ao seu tempo, o que acha?” A voz do outro carregando a pergunta fez com que Tom ficasse estático outra vez. Como aquela criatura sabia de onde ele havia vindo?

“Tenho que negar tal proposta, senhor,” disse Tom. “Temo que meu tempo não tenha mais nada para mim.”

“Mas é tentador, não?” perguntou a fada, esticando uma mão e tocando o ombro de Riddle. O toque dele parecia pinicar, como um tecido grosso demais. “Qual a troca mais tentadora para o senhor? Uma dança em troca da vida dos seus pais?”

Riddle arregalou os olhos. Ter seus pais vivos outra vez seria... Seria como se aqueles dois anos nunca tivessem ocorrido, como se todos os pesadelos vendo-os mortos sumissem. Ele estaria de volta em casa.

“Magia não traz os mortos...” o homem murmurou, sentindo a pequena animação que surgiu dentro de si escorrer para longe de si a medida que se lembrava de coisas básicas que Evert havia lhe ensinado. “Não do jeito certo.”

A fada franziu o cenho por um momento, parecendo levemente irritada, antes de sua expressão e suavizar novamente.

“E uma dança em troca de magia?” o rapaz sorriu, inclinando a cabeça enquanto o olhava. “Você não é o primeiro não-bruxo que vejo se passando por feiticeiro... Alguns aceitaram a minha proposta, outros não, mas os que aceitaram passaram a fazer tudo o que bruxos conseguem fazer.”

“Eu não...”

“Elas estão esperando o senhor também,” disse a fada, apontando para as criaturas menores.

“Me desculpe,” o homem sussurrou, afastando-se mais ainda. “Realmente não posso aceitar... Não gosto de dançar, não sei dançar. Além disso, não acho que magia seja algo para mim.”

“Algo engraçado de se dizer quando carrega magia em si,” a fada murmurou, encolhendo os ombros.

“São apenas amuletos e objetos encantados por outras pessoas.”

“Não estou falando de amuletos, garoto,” ele falou e então suspirou pesadamente. “Se não quer participar, não posso fazer nada, mas está perdendo uma boa dança.”

Tom fez uma rápida reverência com a cabeça, antes de dar às costas ao círculo de fadas e sair do bosque o mais rápido possível, ouvindo o som dos sinos e das risadas se intensificarem atrás de si ao mesmo tempo que via Vênus brilhar ao longe no céu e o rouxinol começar a cantar.

***

Tom Riddle voltou para Crowsbeak apenas cinco dias depois de levar Lisette de Lapin até lá. Viajou durante o dia com a intensão de voltar antes do anoitecer para evitar qualquer surpresa na estrada e encontrou uma velha lavadeira agachada ao lado do rio, batendo as roupas que lavava contra as pedras, que interrompeu o seu trabalho para lhe dar bom dia e soltar algumas frases que apenas fizeram com que o homem acelerasse o passo e ficasse ainda mais atento a qualquer coisa estranha no meio do caminho.

“As fadas estiveram por aqui nos últimos dias e ainda estamos longe da colheita. Imagine na noite de Samhain!” ela dissera, antes de rir e voltar a lavar as roupas, cantarolando uma canção baixinho.

Crowsbeak estava quieta naquele dia. Pelo que o estalajadeiro lhe informara, Lisette de Lapin havia partido na manhã anterior e todo o alvoroço que a chegada dela causara na vila sumira. O alvoroço agora era causado pela visita de Tom: alguns bruxos e bruxas estavam esperando por ervas e chás, outros queriam pedir por amuletos e alguns queriam que ele lesse os seus futuros nas runas. Mas aqueles que ficavam mais animados com a sua chegada eram as crianças, que esperavam ansiosas do lado de fora da estalagem até o homem sair para lhes contar alguma história.

E, realmente, não demorara nem cinco minutos para um menino correr até Riddle assim que ele pisou para fora da estalagem, dizendo que estavam todos esperando por ele.

“Então...” o homem murmurou, assim que se sentou no chão ao lado do boticário. Boris, o filho do dono do local, estava doente e havia pedido para que ele contasse as histórias dali, assim ele poderia ouvir se ficasse na janela, já que sua mãe não queria que ele saísse de casa. “Uma vez existiu um rei tolo que decidiu que apenas ele poderia ter magia. Assim sendo, ele fez criou uma Brigada de Caça às Bruxas a fim de prender todos os bruxos e bruxas da sua terra e mandou colocar em todas as vilas e cidades anúncios nos quais dizia ‘Procura-se instrutor de magia por ordem do rei’. Os verdadeiros bruxos não se apresentaram, é claro, mas havia um charlatão que viu naquilo uma forma de ganhar dinheiro e, assim, ele foi até o castelo do rei e se apresentou como o maior bruxo do reino.”

“O rei era trouxa?” perguntou uma menina.

“Sim, ele era. E assim que o charlatão chegou ao castelo e fez alguns truques que enganaram a todos, o rei ordenou que ele lhe ensinasse magia. O charlatão pediu para que o rei lhe desse um saco de moedas de ouro para que ele pudesse comprar os instrumentos necessários, vários rubis para que ele fizesse magias curativas e alguns cálices de prata para que ele deixasse suas poções descansando,” disse Tom, sorrindo ao ver algumas crianças fazerem caretas. Mesmo tão novinhas elas já sabiam que não era preciso nada muito elaborado e caro para fazer magia. “O homem pegou os presentes do rei e correu para a floresta, onde enterrou tudo sem saber que estava sendo observado. Ali perto morava uma velha lavadeira chamada... Chamada Babbitty,” ele falou, inventando o primeiro nome que lhe viera em mente e que acabou rimando com ‘coelho’. “Era ela quem lavava as roupas do castelo e foi ela quem viu o charlatão quebrar dois galhos e sumir na floresta.”

“Varinhas!” disse o filho do boticário, que estava praticamente debruçado para fora da janela, logo acima de Tom. “Ela era uma bruxa, não era? A lavadeira!”

Riddle apenas sorriu de lado para o garoto, antes de continuar:

“O charlatão entregou um galho ao rei e disse que aquela varinha lhe daria muito poder, mas ele só veria isso quando fosse merecedor de tal poder... E então, todos os dias o rei e o charlatão iam até a floresta, onde ficavam saltitando e sacudindo os seus galhos e recitando versinhos sem sentido. Até o dia em que uma risada alta foi ouvida e, quando eles foram ver o que era, viram a velha Babbitty, debruçada em sua janela e rindo histericamente,” disse Tom, vendo as crianças rirem junto. “O rei ficou furioso ao ver uma velha camponesa rindo de si e ordenou que, no dia seguinte, o charlatão o ajudasse a fazer magia na frente de seus senhores e senhoras, para mostrar à eles que, sim, ele conseguia fazer magia.”

“Apesar de tentar dissuadir o rei dessa idéia, o charlatão não teve sucesso e o rei disse que a sua Brigada de Caça às Bruxas iria perseguí-lo até o fim do mundo caso ele saísse do castelo até o dia seguinte,” o homem continuou com a história. “Quando o rei foi embora, o charlatão foi até a casa de Babbitty e espiou pela janela... E viu as roupas todas se lavando sozinhas enquanto a velha estava sentada, sacudindo uma varinha. ‘Você, bruxa, é quem vai me ajudar com o pedido do rei!’ disse o charlatão, ‘Foi você quem me deu esse problema e será você quem irá me ajudar, caso

contrário direi ao rei da sua bruxaria e você é quem vai ser perseguida até a morte!’.”

“No dia seguinte, o charlatão levou a lavadeira até os jardins do rei e escondeu-a em um arbusto, dizendo que ela teria que fazer todas as magias que o rei tentasse fazer... ‘E se o rei fazer algo que eu não consiga?’ ela perguntou e o homem disse que todas as idéias bobas do rei estariam dentro do alcance dela,” disse Riddle. “Quando todos os convidados chegaram, o rei começou o seu show: ‘Agora farei o chapéu dessa senhora desaparecer!’ e o chapéu de uma dama sumiu assim que Babbitty apontou a varinha para ele; ‘Agora farei esse cavalo voar!’ e o cavalo da rainha saiu flutuando... Quando todos já estavam impressionados, o capitão da Brigada da Caça às Bruxas deu um passo a frente e pediu para que o rei revivesse o maior cão de caça da brigada, que havia morrido naquela manhã depois de comer um sapo venenoso.”

“Babbitty nem se preocupou em erguer a varinha dessa vez, pois ela sabia que não há nenhuma magia no mundo capaz de reverter a morte,” ele falou, vendo as crianças franzirem o cenho. “O rei sacudiu a varinha e nada aconteceu uma, duas, três vezes e então os sussurros começaram... Já prevendo que iria ter problemas, o charlatão pulou do meio dos convidados e apontou para o arbusto onde estava a velha lavadeira,” disse Tom, antes de imitar a voz do personagem. “ ‘Essa velha bruxa está impedindo que a magia do rei funcione!’ ele falou, puxando ela do arbusto.”

“Não!” uma menina murmurou, levando as mãos até a boca.

“Babbitty saiu correndo e, assim que pulou por cima das roseiras do rei, desapareceu. Os guardas continuaram procurando e o charlatão foi atrás, apontando para uma árvore que havia ali, dizendo que ela havia se transformado na árvore,” o homem falou. “ ‘Corte-a com um machado e livre-se logo da bruxa!’ ele disse e a guarda logo derrubou a velha árvore, mas, assim que terminaram, uma risada alta ecoou de dentro do toco que sobrou.”

‘Não se pode matar um bruxo cortando-o ao meio!’ disse a voz de Babbitty, ‘Pegue o machado e teste no seu mago!’ e, assim, o charlatão se jogou no chão, chorando e implorando por perdão depois de confessar os seus crimes. Os guardas o levaram para as masmorras, mas o toco de árvore continuou falando: ‘Por cortarem uma bruxa ao meio, vocês liberaram uma antiga maldição no reino!’ ela falou para o rei, que estava terrivelmente assustado. ‘A partir de agora, todo bruxo ou bruxa machucado aqui fará com que o rei sinta a dor das machadadas em seu corpo!’”

“O rei caiu de joelhos, prometendo nunca mais perseguir nenhum bruxo ou bruxa e ainda pediu se a velha Babbitty queria mais alguma coisa,” disse Tom. “O toco de árvore então pediu para que erguessem uma estátua da lavadeira ali, para que todos se lembrassem da tolice do rei. Sem hesitar, o rei aceitou todos os pedidos... Depois que todos foram embora e a noite havia caído, de dentro de uma rachadura no toco da árvore saiu um pequeno coelho branco e velho, saltitando com uma varinha presa entre os dentinhos. Babbitty saltitou para longe do palácio e do reino, mesmo depois que a sua estátua dourada foi erguida sobre o tronco e, a partir daquele dia, nunca mais um bruxo ou bruxa foi machucado ou perseguido naquele reino.”

Tom achava engraçado como as crianças sempre faziam um minuto de silêncio quando suas histórias acabavam. Não sabia se era algum tipo de respeito que tinham pelos contos ou se permaneciam sem falar para digerir melhor o que acabaram de ouvir... Se fosse levar em conta a si mesmo, que fazia o mesmo quando era menino, o silêncio ocorria por uma mistura de respeito e tempo para compreender todos os detalhes, era o momento em que ele saboreava o restinho da história e formava as perguntas que estavam para vir ou as variantes do enredo que lhe renderiam tardes de brincadeiras pela casa dos pais.

“Babbitty realmente não podia reviver o cachorro?” perguntou uma menina.

“Não, Morgana,” o homem falou, sorrindo fraco. “Existem certas coisas que nem a nossa magia pode mudar. A morte é uma delas.”

“E outros bichos mágicos?” ela perguntou. “Os elfos-domésticos ou as fadas. A magia deles é diferente...”

“A morte também chega para eles,” Riddle explicou. “Acho que se existe algo no mundo que pode reverter a morte, não é a magia dos bruxos ou das criaturas mágicas, mas sim a própria Morte.”

“A Morte?”

“Sim... Nunca ouviu falar de pessoas que estavam para morrer e se recuperaram? Ou de pessoas que sofreram acidentes e que escaparam por pouco?” ele perguntou, cruzando as mãos sobre as pernas cruzadas e deixando as pontas dos dedos tocarem nas cicatrizes em seus pulsos. “Acredito que seja a própria Morte que puxa essas pessoas de volta no último minuto.”

“E se a gente controlasse a Morte?” perguntou Boris, que estava pendurado na janela logo acima de sua cabeça, esticando uma mão para tocar na cabeça de Tom.

“Nós somos apenas humanos,” ele falou, rindo enquanto erguia a mão e fazia cócegas nos dedos do menino. “Podemos ser bruxos e ter magia, mas não deixamos de ser humanos. A Morte é… É algo fora dos nossos domínios. Na verdade, nós é quem estamos no domínio dela.” Algumas crianças se encolheram e outras, franziram o cenho, parecendo assustadas. “Mas acredito que a Morte não deve ser algo terrível... Uma pessoa que está sofrendo com uma doença encontra a paz na morte, não? Além disso, a Morte chega para todos. Ela é justa e trata todos como iguais... O que me lembra uma história que meu pai-“

“Conte!” pediu Morgana, ficando de joelhos e sorrindo largamente.

“O que?”

“A história que o senhor lembrou!”

O homem riu. Eles podiam passar o dia ali e aqueles pequenos não iriam se cansar.

“Uma vez um camponês teve um filho e decidiu encontrar um bom padrinho para o menino. A primeira pessoa que apareceu para ele foi Deus, que disse que iria cuidar da crianças. Quando o camponês reconheceu Deus, disse que não o queria como padrinho do seu filho, pois ele dava para os ricos e tirava dos pobres,” disse Riddle. “A segunda pessoa que apareceu foi o Diabo, mas o camponês também recusou a oferta, pois o Diabo engana a todos. A última pessoa que apareceu foi a Morte e o camponês finalmente aceitou-a como padrinho do seu menino, pois a Morte era justa e cuidava de todos.”

“Quando o menino atingiu a idade de ser considerado um homem, a Morte apareceu e disse que iria lhe dar um presente: ela o levou para a floresta e lhe mostrou uma planta, dizendo que dali para a frente ele seria um grande curandeiro, pois aquela planta curava qualquer doença,” o homem falou, vendo os olhinhos das crianças brilharem. “Mas a Morte tinha suas condições: sempre que o rapaz fosse curar alguém, ela estaria lá... Se a Morte estivesse parada perto da cabeça do paciente, ele poderia ajudar. Se ela estivesse parada perto dos pés, ele teria que dizer que não havia nada a ser feito. De maneira alguma o rapaz devia usar a planta caso o seu padrinho dissesse que o paciente não tinha salvação.”

“O que iria acontecer se ele fizesse isso?”

“A Morte apenas disse que algo muito ruim iria acontecer. Com o passar dos anos, o rapaz se tornou o maior curandeiro que já existiu, até o dia em que o próprio rei mandou chamar por ele, pois ele estava muito doente. Quando o rapaz chegou nos aposentos reais, ele viu a Morte parada aos pés da cama e entrou em desespero... Ele não podia deixar o rei morrer! Então, o curandeiro simplesmente mudou o rei de posição na cama, fazendo com que a Morte ficasse perto da cabeça dele,” disse Tom. “Ele curou o rei, mas a Morte ficou irritada. Ela lhe disse que deixaria aquilo passar, pois ele era o seu protegido, mas ele teria que prometer nunca mais fazer aquilo.”

“O rei ficou tão feliz e agradecido que ofereceu a mão da princesa ao curandeiro, que aceitou prontamente. Mas, no dia do casamento, a moça ficou doente e estava à beira da morte... Desesperado, pois amava muito a sua futura esposa, o rapaz decidiu ajudá-la, mas lá estava a Morte, novamente aos pés da paciente,” ele falou, vendo algumas crianças ficarem boquiabertas. “Ignorando o aviso que seu padrinho havia lhe dado antes, o rapaz mudou a princesa de posição e a curou. Antes mesmo que ele pudesse sair do quarto, a Morte o agarrou pelo braço e tudo ficou escuro...”

“Ele morreu!?” perguntou Morgana, arregalando os olhos.

“Quando ele viu, não estavam mais no castelo, mas sim em um tipo de caverna com as paredes de pedra tão altas que era impossível ver o teto... E, por todas as paredes, haviam velas e mais velas: algumas compridas e outras já quase se apagando,” ele falou. “A Morte então lhe disse que cada vela era uma vida humana, as maiores pertenciam aos bebês, que ainda tinham a vida pela frente, enquanto as menores eram dos velhos... O curandeiro implorou para ver a sua vela e, quando a viu, começou a chorar. A vela que a Morte segurava era minúscula, quase se apagando.”

‘Por favor, padrinho, me dê outra chance! Coloque a minha vela sobre outra e assim poderei viver mais!’ ele implorou e a Morte, ainda irritada e sentindo-se traída, fez como se fosse realizar o pedido do rapaz, mas, antes de colocar a vela dele sobre outra, deixou-a cair e apagou a sua chama,” disse Riddle. “E o rapaz nem percebeu isso, pois logo havia caído morto no chão.”

“É isso?” perguntou um menino. “Ele morreu?”

“Sim. É para vocês verem que não adianta enganar a Morte,” o homem falou, sorrindo sem humor. “Um dia ela irá chegar. Talvez até exista um jeito de escapar dela por um tempo, mas, no final, ela sempre vai nos encontrar.”


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Notas finais do capítulo

1) Lisette de Lapin é mencionada em Os Contos de Beedle, o Bardo, em um dos comentários do Dumbledore;

2) A segunda história contada é Godfather Death ou A Madrinha Morte, dos Irmãos Grimm.

Como sempre... Reviews são sempre ótimos. Por favor, digam o que estão achando da história (:



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