O Contador de Histórias escrita por themuggleriddle


Capítulo 6
A Varinha das Varinhas




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De vez em quando, Tom se arriscava saindo dos arredores de Robin Hood’s Baye. Cinco anos depois de voltar no tempo, o homem já se acostumara com o fato de que viagens eram bem mais difíceis do que na sua época e o que levaria uma hora de trem podia levar até três dias a cavalo dependendo das condições da viagem. Por essa e outras razões - como o medo quase irracional de se afastar de casa ou a agonia que sentia se ficasse tempo demais longe do mar - Riddle preferia ficar em North Yorkshire, indo o máximo até Hangleton, para visitar Evert.

Não era como se antes ele tivesse viajado muito também. Sua vida antigamente se resumia em Little Hangleton, Hornsea e Londres. Agora ainda visitava outras vilas em North Yorkshire, ouvia histórias contadas pelos outros moradores e pelos viajantes... Já havia ouvido histórias de várias partes do mundo, fosse contadas por trouxas ou bruxos. Com isso, era quase como se pudesse viajar para Londres.

Beenest era uma das vilas nas quais o homem se arriscava a ir quando queria ultrapassar um pouco os seus próprios limites. Bruxos e trouxas viviam juntos ali, mas era quase como se fossem dois vilarejos separados: na parte mágica, era possível ver crianças brincando com vassouras em miniaturas feitas em casa, que voavam carregando os brinquedos destas, bruxos cortando madeira com magia e bruxas fazendo vestidos com agulhas e linhas que costuravam sozinhas. Os trouxas não pareciam se importar ou simplesmente nunca notavam. Talvez fosse alguma magia, mas Tom nunca entendera como diabos ele não era enganado por algum feitiço que pudesse esconder toda mágica.

“A senhora pode prender isso no cinto do seu marido para protegê-lo nas viagens,” disse Tom, entregando um pequeno embrulho de tecido para uma bruxa que estava desesperada com o fato de seu marido estar partindo em uma viagem apenas alguns dias depois do casamento. “Irá protegê-lo e atrair sorte.”

“Obrigado, Sr. Beedle,” ela falou, sorrindo e deixando uma moeda prateada na mão dele.

Trabalhar em vilas bruxas era mais fácil. Não precisava tomar cuidado com o que vendia ou o que falava, mas ao mesmo tempo sempre achava que pelo menos uma pessoa estava vendo através de todas as suas mentiras. Além disso, o homem se perguntava se tudo aquilo que aprendera com Evert e que vendia realmente funcionava... Ele não era um bruxo e nem mesmo um aborto, não tinha idéia se os seus amuletos ou leituras eram efetivos ou se ele era apenas uma versão real do charlatão da sua própria história da coelha Babbitty.

Guardando as suas coisas - pois a Sra. DeLacey fora a última pessoa que o estava esperando -, Riddle se dirigiu até a taverna da vila. Nunca imaginara que fosse gostar tanto de uma noite dentro de uma taverna, afinal, O Enforcado, em Little Hangleton era o tipo de lugar no qual detestava entrar. Mas ali as noites eram cheias de histórias e causos, ele podia ouvir do feitiço louco que um bruxo local havia criado ou as peripécias de algum viajante recém chegado.

Naquela noite, a taverna estava agitada. Um bruxo que se dizia um exímio duelista havia chegado no vilarejo naquele dia e a noite estava sendo dele: todos queriam ouvi-lo falar sobre os seus duelos, todos queriam ver seus movimentos com a varinha, todos queriam ouvir sobre quantos bruxos ele havia derrotado. Na opinião de Tom, a noite teria sido ótima, se o homem não passasse mais tempo exibindo-se com feitiços bobos do que falando sobre as suas viagens.

“Nós temos um ótimo duelista aqui,” disse Margaery Ducane, a esposa do dono da taverna. “Humbert Ecthelion, o melhor da região. O senhor devia convidá-lo para um duelo.”

“Duvido que ele ganhe, madame,” disse o homem, sorrindo de lado enquanto apoiava os cotovelos sobre a mesa e puxava uma varinha do bolso das vestes. “Não enquanto eu possuir essa varinha.”

Tom, que estava sentado em uma mesa próxima, ocupado em tentar desenhar o velho mestre das poções da vila em um de seus cadernos feitos a mão (como ele sentia falta dos antigos cadernos de desenho!), ergueu os olhos para ver do que se tratava o burburinho que se instalou no local. Todos agora observavam a varinha do viajante, que parecia uma varinha qualquer... Na verdade, ela quase parecia apenas um galho quebrado, mas o bruxo a exibia como se fosse a própria Excalibur.

“O que a varinha tem demais?” perguntou Riddle, quase sem perceber e logo se arrependendo.

“O que a varinha tem demais?” o bruxo repetiu, antes de se levantar e ir até a mesa do outro, praticamente enfiando a varinha no rosto dele. “É simplesmente a varinha mais poderosa que existe, homem.”

“Pensei... Pensei que fosse a magia do bruxo que importasse,” Tom murmurou, odiando-se por não saber ficar quieto. Lembrou-se de Koschei e como o homem não carregava varinha alguma, mas emanava uma magia poderosíssima. Aquele bruxo na sua frente, no entanto, não parecia ter nada de relevante em sua magia: ela parecia uma casca grossa de madeira contra a sua pele, mas não era nada que realmente chamasse a sua atenção.

“Que tal testarmos isso? Eu e a Varinha das Varinhas contra você e sua magia que realmente importa?

“Lord Egbert, ele é só um aborto,” disse o ferreiro, Aldous Goddard. Tom nunca achou que fosse se sentir ofendido por ser chamado de ‘só um aborto’, mas não pôde deixar de sentir-se mal com isso, principalmente por saber que nem mesmo isso era.

“E o que um aborto sabe sobre magia própria?” o bruxo riu, sacudindo a varinha e fazendo com que uma rajada de ar soprasse no rosto de Riddle apenas para se divertir com a expressão surpresa do homem. “Qual o seu nome, aborto?”

“Beedle…”

“Beedle, o contador de histórias?”

“Ahm... Acho que sim.”

“Ora, atenha-se às suas histórias então, Sr. Beedle,” disse Egbert, antes de puxar uma cadeira e sentar-se de frente para o outro. “Elas estão sendo contadas até mesmo lá no sul... Que tal parar de falar de magia e varinhas e nos entreter com os conhecimentos que realmente possui?”

Tom apenas encarou o bruxo por um longo momento, antes de suspirar. Talvez fosse apenas implicância sua com Egbert, mas nenhuma história vinha à sua mente no momento.

“Uma vez existiu um reino governado por anões. O reino era chamado Erebor e fora cavado dentro de uma enorme montanha. Lá dentro, os salões eram enormes e belos. O povo que vivia em Erebor amava preciosidades, pois anões nasceram da rocha e amam tudo o que vem desta, e por isso haviam diversos salões cheios de tesouros: moedas, pedras preciosas, jóias de ouro e prata, lanças e espadas e escudos bem forjados... Erebor era o que trazia a riqueza para a região, fosse para as cidades dos homens, Dale e Esgaroth, ou para o reino dos elfos da floresta,” o homem começou a falar, odiando-se por sentir um sentimento ruim crescer dentro de si. Retomar da memória as coisas de sua vida em Little Hangleton sempre acabava nisso. “No entanto, tanta preciosidade atrai as sombras... O ouro trás a doença consigo, mas não uma doença visível: não há pústulas ou manchas naqueles que são envenenados pelas preciosidades, mas sim uma sombra que consome a alma do doente até este estar completamente debilitado.”

“O rei de Erebor não demorou para sucumbir à doença do ouro.  Ele vangloriava-se com o seu tesouro, usando-o para se mostrar superior aos homens e até mesmo aos elfos. Nada para ele era mais importante que o seu ouro,” disse Tom. “Mas se apenas a doença aparecesse quando alguém juntava tanta riqueza em um lugar só, Erebor ainda estaria de pé... Só existe uma outra criatura que ame mais ouro e coisas brilhantes, mais do que os anões e mais do que os goblins. Criaturas que nasceram dos céus e que se acostumaram com as estrelas, por isso elas gostam do brilho das pedras e do jeito que os metais preciosos reluzem.” Riddle respirou fundo. Não acreditava que estava se emocionando contando a história d’O Hobbit. “Dragões... E foi um dragão que notou a riqueza de Erebor.”

“O seu nome era Smaug e ele veio do norte. O primeiro prenúncio da sua chegada foram as rajadas de vento quente e seco que ecoavam o seu urro... E quando ele chegou, ninguém acreditou no que via: um dragão enorme, com escamas vermelhas e olhos amarelos, cujas asas eram como furacões e a cauda, um chicote. Um animal cujos dentes eram espadas e as unhas eram lanças,” o homem continuou com a história, sorrindo fraco enquanto formava a imagem de Smaug em sua mente. Ele sempre fora lindo. “Uma criatura que era a própria morte... Ele atacou primeiro a cidade dos homens, que não teve chance de se defender: em alguns minutos, tudo o que havia eram chamas.”

“O dragão então voltou-se para Erebor. Os anões sabem construir as armas mais fortes e sabem muito bem criar ótimas barricadas, mas nada é páreo para um dragão como Smaug... Com algumas pancadas ele conseguiu derrubar as portas do reino dos anões e sortudos foram aqueles que conseguiram passar por entre as pernas do bicho para escaparem, pois quem ficou lá dentro nunca mais saiu,” Riddle continuou, encarando o bruxo à sua frente. “Erebor foi perdida e os anões passaram a vagar pela terra a procura de um novo lar, mas nada era como o velho reino. E lá dentro, no coração da montanha, aninhado sobre pilhas e pilhas de ouro, pedras preciosas, jóias, escudos e espadas, Smaug dormia... Ele dormiu por anos e anos, saindo apenas para pegar algumas ovelhas quando sentia fome, mas dormiu tanto entre os tesouros que seu peito e abdômen passaram a ser incrustados com pedras preciosas e moedas de ouro, tornando-o impenetrável a qualquer flecha ou espada. E lá ele ficou enquanto tudo ao redor morria, tudo se tornando a desolação de Smaug.”

Todos ficaram em silêncio por um momento, aquele silêncio que Tom sempre gostava que surgisse após uma história, mas, dessa vez a expressão do bruxo duelista não o deixava aproveitar esse pequeno prazer em paz.

“Do jeito que fala, aborto,” disse Egbert, sorrindo de lado. “Até parece que está me dando algum aviso. Mas não se preocupe, duvido que algum dragão desça dos céus para roubar o meu ouro.” O homem riu, mostrando uma bolsinha de couro.

“Talvez não um dragão e talvez não pelo ouro,” Tom falou, encolhendo os ombros. “Nunca se sabe.”

“Sabe de uma coisa, Sr. Beedle?” o bruxo falou, levantando-se. “Sua história chegou a me dar sono. Talvez precise trabalhar melhor nelas... Mas vou deixar para ouvir uma melhor outro dia. Boa noite!”

Riddle apenas observou o homem sair, antes de voltar a afundar-se na cadeira, pegando o pedaço de carvão e voltando a desenhar. Agora não tentava mais desenhar o velho mestre das poções, mas sim um dragão... Havia enterrado Little Hangleton tão fundo que se esquecera até mesmo de coisas das quais gostava. E agora que percebia isso, sentia seu coração apertar-se em seu peito. Queria se lembrar de falas de livros como costumava fazer, queria lembrar das músicas que tocava no piano - fazia cinco anos que não tocava! -, queria se lembrar das poesias que sabia de cabeça...

“Com licença?”

O homem ergueu o rosto, vendo parada na sua frente uma jovem bruxa de cabelos loiros que lhe sorria docemente. Ao lado dela, um rapaz estava parado, segurando-lhe a mão de uma forma carinhosa.

“Apenas gostaríamos de dizer que é uma bela história,” ela falou, puxando a cadeira e sentando-se onde Egbert estava antes. “Imaginar um reino como o que o senhor descreveu... E um dragão tão majestoso!”

“Fico feliz que tenha gostado, senhorita,” ele falou, sorrindo fraco. 

“Henry também gostou... Ele... Nós amamos histórias de magia,” a moça falou.

“Mylle conhece mais dessas histórias. Eu estou começando a conhecê-las agora,” o rapaz falou, sorrindo quase que timidamente.

“Você é...?” Tom começou a perguntar, franzindo o cenho enquanto observava o garoto, antes de murmurar quase sem emitir voz alguma. “Sem magia?”

“Ele nunca machucou ninguém,” disse Mylle, agarrando o braço do rapaz. “Ele não nos vê como demônios.”

“Eu acredito em você,” disse Riddle, erguendo uma mão em um pedido de calma. “É só... Curioso ver alguém como o senhor por aqui.”

“Acredite, senhor, estou muito melhor com Henry do que com qualquer bruxo,” a mulher murmurou. “O último bruxo no qual confiei traiu a minha confiança, levou o meu ouro e deixou-me para morrer em nossa casa. Foi Henry quem me ajudou a melhorar... Ele que me fez ir procurar um curandeiro e que me ajudou a conseguir fazer magia outra vez.”

Tom observou o casal, sorrindo fraco. Era bonito como eles olhavam um para o outro, tão cheios de carinho. Seus pais se olhavam daquela forma... Aquilo sempre o fascinara, a forma como os olhos tão sérios de Thomas Riddle se transformavam completamente quando ele olhava a esposa. Era aquele mesmo amor que via ali.

“É ótimo ouvir que ainda há histórias como a de vocês pelo mundo,” o homem falou. “Tanta gente achando que a coisa mais importante do mundo é poder ou ouro... Mas ainda há gente como vocês.”

A moça deu uma risadinha fraca, apertando o braço do rapaz. Enquanto os dois se distraíam com uma conversa baixinha, Tom aproveitou para desenhá-los no pergaminho, um pouco abaixo de seu Smaug. O desenho saiu bagunçado devido à pressa, mas ainda era possível reconhecer os rostos deles.

“Aqui,” ele falou, esticando-se para entregar o pedaço de pergaminho para eles. “Para vocês.”

Mylle pegou o desenho e um sorriso enorme apareceu em seu rosto enquanto ela mostrava ao companheiro, que riu enquanto contornava o desenho com a ponta dos dedos.

“Muito obrigada, senhor!” a garota falou, finalmente se levantando. “O senhor pode não fazer feitiços, mas, como digo ao Henry... Há diversos tipos de magia.” Ela indicou o papel com o desenho e sorriu. “Tenha uma boa noite, senhor.”

“Boa noite,” murmurou Henry, sorrindo também.

Tom se perguntava se o acanhamento era algo comum entre os trouxas vivendo como bruxos.

 

***

 

Naquela noite, Tom Riddle sonhou com o seu filho. Em meio à imagem meio desfocada do sonho, conseguia reconhecer a sala de visitas de seus pais, conseguia ver o rapaz parado perto do piano, apontando a varinha para o seu pai, segundos antes de falar algo e uma luz verde encher o cômodo. Thomas Riddle caiu sem vida no chão e Mary correu para acudí-lo, tentando fazer ele acordar enquanto chorava enlouquecidamente. Poucos minutos depois, a luz verde a atingiu e só então Tom conseguiu se mexer: tremendo e chorando, sacudindo os pais, lutando para não desmaiar ou perder a cabeça... A voz do rapaz ecoava em seus ouvidos, todos os xingamentos e todas as acusações, enquanto o homem chorava e implorava para que ele, por favor, acabasse logo com aquilo.

A luz verde veio surgiu outra vez, iluminando toda a sala de visitas e revelando apenas o teto da estalagem de Beenest quando diminuiu de intensidade. Riddle suava e tremia enquanto se sentava na cama, tentando respirar fundo e não conseguindo com os soluços e as lágrimas. Queria ir embora, queria ir para casa, para Little Hangleton, mas sabia que aquilo era impossível. Então queria apenas a sua cabana ao lado do mar, queria ouvir o barulho das ondas e sincronizar a respiração com elas. Estava a dois dias de distância do mar, mas se saísse naquele momento talvez ainda chegasse antes de sua mente ter tempo de piorar a sua situação.

Em menos de vinte minutos estava com tudo pronto. Deixara um pedaço de pergaminho explicando que devia voltar rapidamente para casa junto com o dinheiro que devia ao estalajadeiro e partiu sem olhar para trás. A vila estava encoberta pela escuridão e pelo silêncio. O único barulho era o dos cascos de Smaug e a única pessoa que o homem viu foi um bruxo meio atrapalhado que andava cambaleando pelos cantos, empunhando a varinha meio torta e rindo.

Foram dois dias que pareceram uma eternidade. De vez em quando parava para o cavalo descansar, mas se recusava a tirar um cochilo. O sono chegou apenas quando se aninhou debaixo das cobertas de sua cama, depois de tomar uma caneca de infusão de valeriana para tentar ter uma noite sem sonhos.

Os sonhos lhe deram uma brecha, mas seu corpo passou a se recusar a ter forças. E Tom sabia que quando isso acontecia, as coisas demoravam para voltar ao normal.


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Notas finais do capítulo

1) O Hobbit: o livro foi publicado em 1937 e com certeza o Tom teria sido um fanboy de Tolkien. Pelo menos o Tom que eu imagino, criado em East Yorkshire, no meio do folclóre daquele lugar e tudo mais, teria amado ler sobre bruxos e dragões e hobbits... Ele tem medo da magia real (apesar de que aqui ele já se acostumou à ela), mas ele sonha com algo diferente, com uma aventura como a do Bilbo. Na verdade, Tom é muito parecido com o Bilbo em muitos aspectos;

Só tem mais dois capítulos pra postar (na verdade, um capítulo e um epílogo), é uma fic curta. Então... Como sempre, reviews, gente. Me digam o que estão achando, eu amo ouvir um feedback de vocês, é meio desmotivador (?) ver que está chegando no final da fic e só uma pessoa comentou algo até agora.

Quero tentar fazer uma playlist no 8tracks pra essa fic, talvez coloque o link pra ela aqui no próximo capítulo.

Espero que tenham gostado (;



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