“Ela havia acabado de se deitar com o intuito de dormir o mais rápido possível, assim poderia descansar bem para ir a escola no dia seguinte. Ela levou o cobertor até o pescoço e se virou ficando direcionada à porta, mal fechara seus olhos e rapidamente, por instinto, abriu-os quando um 'tac-tac-tac' chegou aos seus ouvidos, o som era distante e soava como mínimos passos no chão de madeira de sua casa. Quando olhou para baixo um arrepio lhe percorreu o corpo, pois ela sabia o que aquela cena significava, ali ao pé da porta, que estava entreaberta, um camundongo a fitava.

Em um pulo ela se pôs de pé, no mesmo instante o pequeno roedor desatou a correr pela casa, seu instinto a mandou segui-lo. Como da última vez, a célere criatura a levou até a sala de visitas. Assim que chegou ao local seu sangue gelou quando ela, automaticamente, olhou em direção a pequena porta, antes fechada, agora escancarada.

A menina sabia que ‘ela’ havia saído, então, a passos apressados, começou a andar pela casa, olhando em cada cômodo, espiando cada canto, mas nada. Claro. Só havia um lugar para onde ela poderia ter ido.

A garota saiu às pressas de casa, correndo o mais rápido que podia além das árvores do bosque ao redor do Palácio Cor-de-Rosa, indo em direção ao poço. Faltando apenas alguns metros para chegar ao local desejado, a menina parou sem fôlego, abaixou a cabeça e apoiou as mãos nos joelhos para recompor-se. Quando ergueu a cabeça seu corpo todo estremeceu e ela sentiu seu sangue congelar.

A mulher alta e extremamente magra, com seus ossos absurdamente visíveis sob a pele alva e com quatro pernas a mais do que uma pessoa normal, tão longas e finas como as de uma aranha, estava de costas para a garota e parecia estar se levantando. Ela se virou poucos segundos depois e fitou a menina com um sorriso perverso no rosto coberto por linhas negras aleatórias e descompassadas.

Os botões negros no lugar dos olhos não demonstravam expressão, mas eram o suficiente para assustar a garota. Em uma mão ela segurava a chave negra com um botão moldado em sua ponta, na outra uma agulha finíssima e comprida com um longo fio de linha transpassado por ela, como se estivesse perfeitamente pronta para costurar alguma coisa. A mulher ergueu a agulha até a altura de seu rosto, exibindo seu ilustre material de trabalho.

— Olá, Coraline.”

A menina sentou-se na cama rapidamente, ela suava e ofegava, seus olhos estavam arregalados e esquadrinhavam o quarto de canto a canto em busca de algo que indicasse que aquela imagem perturbadora fosse real. Ela se levantou e foi em direção a sala de visitas, hesitou um instante antes de entrar e quando o fez respirou aliviada ao ver a pequena porta selada da maneira que havia deixado.

Ela voltou para o quarto, tornou a se deitar e levou o cobertor até a cabeça, deixando apenas os olhos à mostra, como fazia quando era muito pequena e tinha medo do escuro.

— Foi só um sonho. Só um sonho. - Murmurou para si mesma enquanto fechava os olhos.