Por ironia do destino escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 3
Volta às aulas




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Passei o resto da semana jogando Kantikus com meu irmão, estamos quase zerando o jogo. Segunda-Feira chegou como um estralar de dedos, nem eu nem meu irmão estávamos animados para começar a estudar novamente, tínhamos plena consciência que seria difícil. Levantei ás 6:30, olhei ao meu redor e vi que havia um bilhete sobre o criado mudo, era do meu irmão:

Só para constar, o dia de volta ás aulas é o dia que mais tem suicídios no Japão... Então se estiver pensando em fazer isso espere eu chegar à casa que eu te mato no jogo.

Ai maninha, vai dar tudo certo hoje para nós dois.

Boa Sorte Samanta!

Que menino sem graça, mas ele fez algo fofo, pegou o Teddy e o colocou sentado ao lado do bilhete com um bombom ao lado, me gusta chocolate, então gostei da intenção dele. Levantei um tanto cabisbaixa e fui tomar café, minha tia havia feito o café da manhã e me arrumado uma marmita, não abri para ver o que tinha, pelo jeito era comida japonesa… Aff… Já enjoei.

Vesti aquele uniforme que olhando de perto é ridículo, mas ao mesmo tempo é fofo, eu odeio ter que prender o cabelo, mas quando acordei hoje meu cabelo estava meio amassado e quando prendi parece que deu uma melhorada. Por fim fui tranquila para a escola, à medida que me aproximava via mais estudantes, todos de grupinho conversando. Bateu uma dor no coração, eu tinha amigos no Brasil, agora estou sozinha aqui, “All by myself, don't wanna be”... Oh tristeza!

Entrei na escola, faltavam 10 minutos para começar a aula. Fui até a secretaria, demorou cerca de vinte minutos até me darem a chave do armário (434), meu horário e os papéis que eu tinha que pedir para os professores assinarem.

Subi as escadas, a secretária havia dito para mim onde era minha sala, mas como sou esquecida resolvi anotar em um papel. Quando achei a sala senti um frio na barriga, tomei folego e bati á porta. O professor veio até mim, eu repeti três vezes em minha mente “Falar japonês, sem dar branco”.

— Pode entrar.

—Ah mil perdão o incomodo professor- Disse eu curvando-me — Sou Samanta a aluna nova.

Ele pegou o papel em minha mão, colocou a outra mão em meu ombro e me levou até a frente da classe, caramba devia ter uns quarenta alunos naquela sala, a sorte era que lugar tinha espaço para isso, não era igual minha escola no Brasil que havia 40 pessoas em um espaço onde cabiam 30 e olha que estudava numa escola particular, não nem consigo imaginar se fosse pública.

—Turma, essa é a Samanta- Todos me cumprimentaram— A Samanta não é daqui, então espero que todos a tratem muito bem.

—Ah pode se sentar ali- Disse ele apontando a mão para o lugar perto da janela— E seja bem vinda.

Aparentemente cheguei durante uma aula de história, ele não parecia muito interessado em seus alunos, apenas falava e escrevia no quadro sem dar brecha para os alunos falarem. Alguns alunos me encaravam e rapidamente desviavam o olhar, eu não vi nenhuma garota com cara de brasileira, no meio da aula olhei a vista do lado de fora da sala, dava para ver uma área com algumas arvores no andar de baixo, me senti um pouco sozinha.

No intervalo entre o primeiro e o segundo horário chegou uma garota morena, cabelos negros lindos e volumosos, olhos azul escuro que destacavam sua pele, realmente linda. Ela entrou na sala e seus olhos já se encontram aos meus. Então a menina veio até mim sorrindo.

—Você é brasileira, certo?- Me perguntou ela em português.

—Sim.

—Hum... Ouvi rumores que outra brasileira viria estudar na minha escola. A propósito, meu nome é Ingrid- Disse ela me estendendo a mão.

—Samanta, muito prazer.

— Muito bom te conhecer também, mas agora vou para o meu lugar antes que o professor chegue. A gente se fala depois.

Apesar de eu não ter conseguido entender muita coisa nas aulas até a hora do almoço e ter tido dificuldade para entender muitas palavras que os professores escreveram no quadro, foi tudo bem até agora. Na hora do almoço, ao abri minha marmita tive uma surpresa, havia arroz, feijão, salada e ovo frito dentro da vasilha. Abri um sorriso grande ao ver aquilo, primeiro porque não vi minha tia comprando feijão, segundo porque senti um pouco como se estivesse em casa, comi com a melhor das bocas aquele almoço. Enquanto comia um garoto alto, um ar de culto e um tanto encantador sentou-se ao meu lado.

—Hum, você é brasileira igual a Ingrid-san? Reconheci pela comida em seu bentô.

—Sim.

—Não entendo como conseguem comer isso no almoço, é estranho para mim.

—Para mim é mais que normal, quer experimentar?

—Não muito obrigado, já experimentei uma vez... Não gostei. Ah onde estão meus modos?... Muito prazer senhorita, meu nome é Masashi, espero que possamos ser amigos.

Ele pegou minha mão e a beijou, eu fiz uma cara de estranheza... Alias nenhum garoto nunca havia beijado minha mão antes, levei até um susto com o ato dele.

—Algo de errado?- Perguntou Masashi.

—Não... É que não é costume garotos beijarem as mãos das garotas em meu país.

—Aqui também não. Na verdade isso não é um hábito de um homem e sim de um cavalheiro- Disse ele curvando-se como um “cavalheiro”.

Eu sorri pensando “esse japa me tirou legal agora”. Ao dar uma rápida olhada ao redor percebi que todas as garotas da sala nos observavam e cochichavam entre elas alguma coisa que eu não quero nem saber, eu sou á prova de fofoca (Mentira, estava morrendo de curiosidade para saber o que falavam). Percebi também que apenas um garoto usando óculos olhava para nós, mas ao ver que eu o olhava disfarçou rapidamente o olhar.

—Ah, não disse meu nome... Chamo-me Samanta.

—Muito prazer senhorita- Ele me sorriu.

Masashi levantou-se um pouco depois, aliás, aqui só tem nome diferente e estranho para mim, vou custar a me lembrar do nome das pessoas. Quer um exemplo disso, daqui a pouco é óbvio que esquecerei o nome do Masa... Masa... Aff Masashi. Viu já quase não me lembro do bendito nome.

Não passou nem um segundo a representante da sala veio falar comigo, ela parece ser muito estressada, carregava uma papelada, seu cabelo estava todo bagunçado.

—Ai você chegou numa hora... Não era para chegar semana passada? Eu fiquei uma semana te esperando, até rasguei os papéis.

—Nossa... Não sabia que era tão importante assim.

—Ai... Onde deixei?- Disse ela olhando seus papéis— Aqui! O único que está sem parceiro para limpar a sala é o Ren(Na verdade lê-se também Len...mas vou falar Ren mesmo), você vai fazer par com ele então. Sei que está muito em cima da hora, mas a vez dele é amanhã, então você já pode vir ajudá-lo.

—Eu sabia que tinha isso aqui, mas o que eu preciso para limpar a sala?

— Só chegar mais cedo, o Ren te explica manhã... Uma meia hora mais ou menos. E ahh... A aqui está alguns panfletos dos clubes, para te ajudar a escolher.

—Ok, entendi... Quem é Ren?

—O Garoto de óculos na segundo fileira.

“O garoto que me encarava... É... Faz algum sentido”.

—Obrigada.

—De nada, á propósito Samanta... Seja bem vinda, sou Gina, qualquer coisa é só me chamar... Se eu puder te ajudar, estou aqui.

Ingrid e eu ficamos conversando basicamente durante todos os intervalos entre as aulas, foi até um bom primeiro dia, acho que até muito melhor que quando voltava ás aulas no Brasil. Mas acho que minha alegria meio que acabou quando o Sr. Yasuo, professor de língua japonesa e caligrafia chegou á sala. O homem era bem sério, chegou à sala no último horário com sua pasta preta, a jogou sobre a mesa, pegou seu giz e começou a escrever velozmente sobre o quadro, simplesmente nem olhou para alunos a aula inteira. Nessa aula eu realmente não entendi um “A” que ele escreveu, apenas copiei na maior velocidade possível, ele encheu o quadro umas cinco vezes, só ouvi a voz dele quando estava quase chegando ao final do quadro e dizia “Eu vou apagar o quadro”, depois sem olhar se seus alunos haviam copiado ele passava o apagador sobre o quadro.

Ao final da aula, Ingrid se ofereceu para mostrar-me a escola, mas antes tive de pedir ao professor para assinar o papel que a secretaria havia me dado, Ingrid ficou do lado de fora da sala enquanto eu fui falar com o professor que estava recolhendo sua papelada.

—Com licença professor Yasuo...

—É Sr. Ōmori para meus alunos.

—Perdão, Sr. Ōmori queria saber se o senhor pode assinar o papel que recebi da secretaria.

—Claro- Ele deu uma rápida assinatura— Só digo uma coisa, o fato de você ser estrangeira não irá mudar meu modo de trabalhar. Exijo dos meus alunos uma bela caligrafia e boa leitura.

Engoli o seco, esse professor é muito sério.

—Sem problema, farei meu melhor.

—Hum, gostei da resposta. Seja bem vinda ao Colégio Matsuura Fukui Golden Zu- Disse ele saindo da sala.

Nossa, então aquele monstro de nome é isso? Legal... Acho que até a metade do ano eu decoro isso.

—Ele é sempre assim?-Perguntei ao ver o topo da cabeça da Ingrid.

—Liga para ele não, o velho é assim sempre- Disse Ingrid entrando desconfiada na sala.

—Velho?!

—Sim, o professor Ōmori tem 53 anos.

—Não parece nenhum pouco.

—Pois é, mas não deixa de ser velho... Não na fisionomia, mas no jeito de agir.

—Bem, e o tour pela escola que me prometeu?

—Só estou te esperando.

Demorei quase uma hora para ver tudo, a escola era ainda maior que eu pensava. Quando voltei para casa era quase cinco da tarde. Meu irmão chegou ás seis e se jogou no sofá.

—Ai, eu não sinto minhas pernas!-Gritou ele colocando os pés na parede.

— Tire os pés daí.

—Aiii!- Ele gemeu, mas pelo menos obedeceu.

—E aí... Como foi seu primeiro dia?

— Extremamente... Mega... Super...Hiper... Exaustivo.

—Nossa... Foi tão assim?

—Foi muito mais na verdade, sai daqui antes das seis da matina e fiz o favor de chegar dez minutos atrasado. Eu perdi o trem, me perdi na cidade porque esqueci o GPS e custei a achar minha sala. Para piorar tudo só há macho na minha turma.

Eu não aguentei, quando ele disse que só havia homens na sala dele eu ri e o sem noção tacou o travesseiro com força na minha cara, mandei de volta, ele estava numa posição um tanto estranha e acabou caindo do sofá com aquilo.

—Ahhh- Gemeu ele—Ai, daqui eu não saio agora.

—Bem feito.

—E como foi seu primeiro dia?

—Foi até bom, tirando o professor de caligrafia todos me trataram muito bom.

—Sortuda! Ai, estou com fome.

Minha tia chegou basicamente dez minutos depois, eu estava descascando alguns vegetais na cozinha com meu irmão, fiz uma pequena chantagem para ele vir me ajudar, disse que iria o deixar jogar sozinho hoje... Se bem que eu sei que ele não vai passar dois minutos sem me chamar.

—Nossa... O que houve?... Estão fazendo o jantar hoje- Disse minha tia trazendo uma embalagem com alguns doces.

—Ai tia vou morrer!- Disse meu irmão manhosamente.

—Oh meu Deus, meu universitário está cansado?-Disse ela o abraçando.

—Muito!

—Isso é só até você se acostumar queridinho.

—AAAHHH- Gemeu ele.

—Coitadinho, vai descansar Gabriel... Eu assumo seu lugar.

Eu fiquei de queixo caído com uma cara de “What the fucky?” para minha tia.

—Mas tia eu custei a trazer esse folgado para me ajudar e você...

—Eu sei, mas bom que já agilizamos aqui e vamos ver seus deveres- Disse ela sorrindo—Como foi seu primeiro dia?

—Mas...

—Shhh... Tadinho me ligou mais cedo porque estava perdido... Sei que boa parte é manha, mas deixe-o descansar.

—Ele ligou mesmo?

—Sim- Minha tia deu uma risada abafada— Mas então, como foi seu dia?

—Foi bom. Falando nisso... Onde conseguiu feijão?

—Uma amiga na empresa vende, há muitos brasileiros lá, gostou?

—Adorei tia.

—Há um pouco congelado para depois.

—Hum... Gostei disso também.

Depois de jantarmos minha tia me ajudou com uma pilha de deveres, aliás, me senti uma criança de seis anos que a mãe tem que ficar em cima para o filho fazer os deveres de casa, eu odiei isso, mas sei que minha tia amou. Depois de terminar aquela quase apostila de japonês minha cabeça já estava latejando de dor, então simplesmente resolvi dormir.

No dia seguinte acordei 6:40, caramba...Tinha que chegar mais cedo hoje... Voei ao me arrumar e fui correndo para a escola, cheguei lá 35 minutos antes das aulas começarem, não havia ninguém, então me sentei e esperei o tal de Ren chegar, porque parece que o armário de vassouras está trancado. Ele chegou dez minutos depois, deveria ser o Ren, tinha mais ou menos 1,75 de altura, estava sem óculos hoje, deve usar só para leitura.

—Bom dia- Disse eu curvando-me.

—Ah, bom dia. Por que não começou a limpar já?

—Não sei onde está a chave do armário de vassouras.

—Na ultima gaveta da mesa do professor, onde mais estaria?

—Ah, perdão é que não temos esse hábito de onde vim, então eu realmente não sabia.

—Hum...

Não entendi aquele “Hum”, não sei o que ele quis dizer. Passamos um pano na sala e limpamos o quadro, em momento algum ele olhou em meus olhos ou disse alguma coisa, fizemos isso tudo em basicamente dez minutos, já haviam chegado alguns alunos quando terminamos. Todos me cumprimentavam e puxavam uma breve conversa, mas o garoto de óculos, não havia nem ao menos dito seu nome. Faltavam cinco minutos e isso já havia me incomodado com seu silencio, então resolvi puxar conversa com ele.

—Eu não me apresentei mais cedo, meu nome é...

—Samanta. Eu já sei seu nome, provavelmente você já sabe que o meu é Ren. Não precisa perder seu tempo querendo ser minha amiga, só nos veremos as terças em que for nossa vez de limpar a sala, então não precisa perder seu tempo.

Que menino grosso, mas mesmo com aquela falta de educação eu não perdi minha postura de “garota educada”.

—Bem, mas de todo jeito, muito obrigada por me ajudar mais cedo.

—Hum... - Disse ele desinteressadamente.

O dia já começou bem, pelo visto hoje não vai ser meu dia. Dito e feito, o tal do Sr. Ōmori entrou na sala justo no primeiro horário, ele colocou sua pasta negra sobre a mesa e começou a andar entre as carteiras recolhendo as atividades do dia anterior. Ele apenas as recolhia, mas ao chegar a mim ele fez questão de parar e olhar minha folha.

—Quem fez para você?-Perguntou ele secamente.

—Eu mesma fiz.

—Acho isso impossível, sua caligrafia está boa demais para ser de uma garota não japonesa.

—Bem, eu tenho uma boa professora- Disse eu sorrindo.

—Quem escreveu isso?

—Eu mesma, mas minha tia é tão rígida quanto você em relação á escrita, ela não saiu de perto de mim até estar bom o bastante para te entregar.

—Hum, vou fingir que acredito. Faça da próxima vez.

—Mas juro que eu fiz.

—Então...

Ele pôs o papel sobre a mesa e pediu para que escrevesse uma das palavras ao lado da minha resposta. Eu fiz, ele olhou surpreso depois disse voltando a recolher dos outros alunos:

—Então sua tia é bem exigente? Parabéns... Espero que continue assim.


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