Marcada escrita por Violet


Capítulo 9
E se eu ficar


Notas iniciais do capítulo

Holaaaa meus amorzinhos. Seja bem-vindo a mais um capítulo de Marcada!! /o/ o /o/ o /o/
Bom, pra tentar acalmar os ânimos do que restou do último capítulo, vamos dar uma relaxada ok? Não esqueçam de deixar sua opinião nos comentários, não custa nada e não cai os dedos! Sem mais delongas, se estirem na poltrona, gooooo!
~Violet



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Já passava das dez horas, a noite estava exuberante e cálida. Na sala de estar dos irmãos Ackes o silêncio carregava a tensão. Uma lareira acesa, uma fraca iluminação na sala, cada um ponderava sobre algo, todos perdidos em si mesmos.Sam com seu terno perfeitamente alinhado, não menos caro que a gravata suíça, cinza e de listras lilás. Tragava lentamente o charuto, observando suas cinzas se juntarem à lareira. Próximo a janela, com seus braços cruzados está Derick, a regata preta perfeitamente ajustada ao seu físico deixa amostra a tatuagem em seu antebraço; um anjo com um par de asas negras, segurando uma espada. No sofá, com seus pés cruzados sobre a mesinha de centro, estava o caçula em algum pensamento perdido. Longos instantes de morbidez se arrastaram ali, não era só a noite que estava silenciosa, o luto já pairava sobre cada um. O primeiro a romper o silêncio foi o loiro.

— Acho que a frase “estamos ferrados” nunca fez tanto sentido como agora, não é?

— O que você acha? A sua queridinha assinou a sentença de morte de nós três, maninho – a rispidez e a ironia cobriam o tom do moreno que já saía de sua zona de conforto.

— Isso não teria acontecido se você não tivesse hesitado em matá-la, Derick. – interveio o mais velho, dando mais uma tragada no charuto e expelindo a fumaça com elegância.

— Como eu ia imaginar que ela ia fazer esse estrago todo?

— É por isso, irmão – levanta-se da poltrona em que estava, igualando a distância – que nós matamos! Sem hesitação ou questionamento, é isso que nós fazemos para evitar futuros erros! – esmagava o charuto entre os dedos se abstendo das cinzas.

                Algumas horas antes...

                O inferno estava acontecendo. A chuva não cessava, e não era só o céu que estava chorando, Jessie também, seus olhos choravam, e seu coração sangrava. As imagens estavam cada vez mais turvas, os sons que ouvia não conseguiam ser assimilados. De relance podia se ouvir a voz de Kaeth gritando algo sobre ela sair dali, ignorado! Flashs e mais flashs de imagens correndo por sua mente. A garotinha de personalidade forte, a adolescente de mechas roxas, a sua melhor amiga. Aquela que já havia salvado-a tantas e tantas vezes...

Seu último ato de heroísmo havia provocado sua morte. Jessie cai de joelhos sobre a lama ensaguentada, sua mão está estendida a fim de tocar aquele rosto frio e sem cor, seus olhos estão virados, seu tronco está partido. Do outro lado o restante de seu corpo já molhado tornava o solo pútrido, ela se aproxima, quer trazer July de volta, quer juntar os pedaços, mas se dá conta que a garota não é um quebra-cabeças. A última visão fez Jessie vomitar sobre a poça de sangue, as entranhas da garota espalhadas pela terra molhada e as moscas se acumulando sobre os órgãos.

Mais um raio corta o céu nublado, o barulho das folhas sendo pisoteadas chama a atenção de Jessie. Os cincos homens se retiravam lentamente pelo mesmo caminho que haviam tomado antes. E todos os sentimentos que misturavam dentro dela se tornaram em um só: raiva! Mas não era qualquer raiva, a ira do próprio diabo estava fluindo daqueles olhos castanhos. Sua marca começa a queimar, Jessie ignora, está de pé novamente, a barreira de fogo ao redor se erguia cada vez mais. De onde estava, Kaeth que já tinha o corpo todo cortado e lascas da pele solta, gritava incansavelmente:

— Jess! Jess eles não podem matar um humano sentenciado, eles não vão te fazer nada. Você precisa ficar onde está. Jess? Jess, por favor... – pedia o loiro, mas não havia resposta. Era como se não estivesse ali.

                Os cinco homens já estavam de costas desaparecendo entre as sombras, quando têm suas atenções chamadas por Jessie. Ela estava estupidamente próxima à eles. Sua boca abria-se algumas vezes em tentativas falhas de proferir algumas palavras, não saía som dali. Seu olhar intercalava entre o sangue em seu corpo e os guardiões. A ventania arrebatava as árvores e espalhava o fogo que se erguia cada vez mais. Jessie observa um a um. Todos eles já estavam de frente para ela, o primeiro da ponta avança alguns passos segurando seu cetro, era o mesmo que havia jogado Kat contra a árvore. Ele faz contato visual com os companheiros, e todos assentem em uníssono.

                Ele avança mais alguns passos em direção à Jessie, mas tem seus passos interrompidos, seu corpo começa a se contorcer e suas pernas já não sustentavam o próprio peso, o que chamou atenção dos demais. A garota tenta focar mais nitidamente naquele rosto. Ira, ódio, desespero, as imagens de July sendo partida ao meio retorna inúmeras e incessantes vezes à sua memória.O guardião mais próximo se aproxima do primeiro. Tosses contínuas começam a surgir, ele espreme as costelas, e as mesmas parecem estar se quebrando aos poucos, há sangue escorrendo dos seus olhos e orelhas. As tosses tornam-se mais fortes, ele vai ao chão. Era como se tivesse com algo preso à garganta, e estava. Depois de se contrair ao máximo e tossir incontrolavelmente, o que estava preso começa a ser expelido por sua boca. Seu intestino grosso estava saindo como uma corda num truque de mágica em que o mágico a puxa da garganta, mas era mais nojento que isso. Ele encara a garota, todos fazem o mesmo.

                O restante dos guardiões partem para cima de Jessie, mas a foice do carrasco é imposta no meio deles, e todos o observam confusos. Ele vai até a ruiva, e encosta a ponta de sua foice na sua testa, ela não aparentava medo ou hesitação. Ele a observa como um joalheiro analisando uma jóia rara e de muito valor. Seu capuz é lentamente retirado mostrando sua tenebrosa face. Ele não tinha cabelos, e era extremamente magro, sua pele parecia dissecada, e seus olhos se reduziam a duas esferas vermelhas. Jessie tem seu braço tomado pela mão do guardião, uma mão fria, de pele seca e áspera, seus dedos só tinham o suspiro de pele, deles se desenrolavam unhas enormes e grotescas. Ele aproxima seu rosto da marca de Jessie, observa seu rosto uma última vez, e em seguida desliza um par de línguas sobre o braço da ruiva, fazendo-a tremer em repulsa. Ele abre um largo sorriso de poucos dentes podres e amarelados. Sua foice é arrastada da face até a garganta de Jessie deixando um rastro de sangue pelo caminho.

                Um estrondo atrás deles fora a distração que Jessie precisava. Em questão de segundos o homem é arremessado longe sem precisar de nenhum movimento seu. Os três restantes já vinham em sua direção. Ela os observa como uma presa, e ela estava faminta. Seus olhos estavam fechados, a imagem de July veio uma última vez à sua mente, o céu ainda está chorando, eles se aproximam... E todos os três tem seus troncos cortados por uma lâmina invisível e afiada o suficiente para destrinchá-los completamente. Um deles tem sua cabeça cortada no processo. O outro apalpava o chão ao seu redor buscando o restante do corpo, ele parece desesperado. Jessie surge acima dele, há sangue escorrendo dos seus olhos, ela traz algo consigo. O homem observa e gritos ecoam pelo lugar. A ruiva trazia consigo três troféis, três cabeças penduradas entres seus dedos manchados de sangue. O guardião tenta usar a força dos braços para arrastar o que sobrou do seu corpo, ele tentava desesperadamente. Jessie contrai seu peito com o pé. Como se estivesse esmagando um inseto, ela pressiona o tórax do guardião até que  várias gotas de sangue são jorradas para fora e atingindo o rosto da garota.  Ela se aproxima do corpo já sem vida, e com a mão livre, ela arranca sua cabeça encarando aqueles olhos revirados. Em questão de segundos o ágil reflexo da ruiva a faz desviar da foice empunhada pelo guardião que vinha a alta velocidade. Antes que ele pudesse atacar novamente, ela ergue a mão a altura dos ombros, e como um imã o coração do guardião é arrancado e atraído para sua mão. Ela o esmaga violentamente enquanto o guardião cai ao chão sem vida.

                Jessie olha ao seu redor, o fogo havia baixado um pouco, mas continuava a se espalhar pelo lugar. Não havia sinal do loiro. As gotas de chuva se misturavam às lágrimas e escorriam como sangue. Sua visão faz um giro completo observando aquele inferno, até parar em um homem que lhe observava perplexo. Ele a encarava como se não a reconhecesse, seus cabelos negros  e molhados gotejavam sobre a poça de sangue ao seu lado. Jessie ao encontrar aquele par de olhos receosos observando-a, ela olha a si mesma. Sua roupa está completamente ensaguentada, suas mãos manchadas de um sangue que não era seu. Ela observa o cenário a sua volta, os corpos dilacerados... Ao voltar a si e notar as cabeças que ainda segurava, um grito abafado se tem ali, e ela as solta rapidamente.

— O que eu fiz?! – sussurrava com a voz trêmula entre as lágrimas. Derick tenta se aproximar, mas ela recua ariscamente pondo a mão à sua frente. – Eu...eu matei todos eles, eu, eu... matei? – encarava os corpos novamente enquanto ia sendo tomada pelo desespero.

— Jessie, a gente precisa sair daqui, agora! – pediu o moreno tentando se aproximar.

— Eu matei todos esses homens? Deus, eu matei a minha melhor amiga!

— Jessie, você não os matou, ok? Não foi sua culpa. Mas a gente tem que ir agora!

— Vão vir mais deles, não vão?

— Mas que merda garota insolente, obedeça ou eu vou – segurava-a pelos ombros rudemente. Os dois param, ela continua com as mãos de Derick pressionando seus ombros, seus olhares travavam uma guerra de resistência.

— Vai o quê? Vai me matar como pretendia fazer naquela noite? Faça, Derick! Faça! – gritava – Eu imploro, faça! Eu não mereço viver, não quero que ninguém mais sofra ou morra por minha causa, vamos! Me mate, seu imbecil! – ambos continuavam naquela encruzilhada de olhares, mais raios anunciavam que a tempestade estava só no começo.Notando sua hesitação, ela volta a gritar, dessa vez com mais raiva – Vamos! O que está esperando? É isso que você quer não, é? – aproximava seu rosto que agora estava a centímetros de distância do dele. O olhar de Derick ia dos olhos da ruiva à sua boca. – No fundo é isso que você quer, eu sei que quer, se livrar de mim! – seus lábios estavam a pouco de roçarem um no outro – Qual é, olha ao seu redor, você sabe que eu só vou trazer destruição pra todos vocês. Vamos, faça! – Derick apoia a mão esquerda na espada presa à sua cintura, aos poucos ela é desembainhada, até que uma agulha atravessa a nuca de Jessie. Uma seringa, um terceiro homem, ela desmaia nos braços de Sam.

                Atualmente...

— Mas talvez não seja tão ruim assim. – disse Kaeth pondo a franja loira para trás de forma preocupante.

— Ah não, Kaeth. Ela matou os cinco guardiões da fênix! Você tem noção disso? –indagou Derick já impaciente.

— A gente pode tentar conversar, chegar num acordo, sei lá... – insistia o loiro.

— Vamos sim. Afinal, eles são super compreensivos. Vamos mandar as cabeças dos colegas deles como forma de consolo, aí eles ficam com as nossas de lembrança, o que acha?!

— Os guaridões são o equilíbrio do Universo, Kaeth. – interveio Sam ascendendo mais um charuto – São eles que mantém o céu e inferno separados. São a camada que separa os dois, são o ponto crucial. Sem os guardiões esse ponto de equilíbrio desaparece, com isso... sem a “camada” que separa os dois mundos, o caos vem à tona. Todos os deuses lá de cima e lá de baixo devem estar atrás de nós agora. É só questão de tempo até sermos descobertos.

— O que você quer dizer? Que a gente não tem opção, é isso? – perguntou Derick em tom sério e ríspido. O silêncio da resposta já dizia tudo. – Não, não! Essa é a parte que você surge com um livro idiota em mãos e com a solução pra tudo. Vamos Sam, diz que tem um plano maluco cheio de palavras difíceis e que vai tirar a gente dessa!

— Talvez tenha... Tudo depende do poder que ela carrega consigo. Não podemos fazer nada enquanto não soubermos o tipo de carga que ela tem.Por isso preciso de tempo. Irei visitar alguns anciãos do nosso clã com a Kristen, pode ser que eles nos ajudem a identificar a marca dela.

— Por que temos que recorrer a essa vadia? – questionou Kaeth com indiferença.

— Não temos tempo pra isso, Kaeth. Por falar nisso, já faz um tempo que ela está desacordada. É bom um de vocês ir lá dar uma olhada. Depois do que vi, não duvido de mais nada. – pediu Sam dando uma última tragada e jogando o charuto na lareira.

— O Derick vai!

— Eu? Mas é você que gosta de mimá-la o tempo todo. Você é o mordomo, não eu.

— Não to afim de ir. – disse simplesmente apanhando uma revista de esporte na mesinha de centro.

— Tá bom então... – ambos se entreolham uma última vez, e Derick vai.

— Algum problema entre vocês?

— Não. Ele que pega muito no meu pé.

— Eu me referi à humana, Kaeth.

— Não, nenhum. – disse dando de ombros enquanto fingia se concentrar em alguma matéria monótona.

— Não me subestime, irmão. Sei que há algo errado. Teve alguma visão, não foi?

— Não tive nenhuma visão, Sam. Só não to afim de ir vê-la, você sabe como eu sou quando se trata de mulheres. – colocava uma nova dose de uísque no copo evitando contato visual.

— Quer um conselho? – Sam já estava de pé, e com a mão sobre o ombro de Kaeth, que continuava de costas concentrado em sua dose. – Não se prenda ao futuro tanto assim. Nem sempre o que está previsto acontece!

— Eu discordo. Minhas visões são claras, sempre foram. É o destino, irmão. É inevitável, o futuro virá de uma forma ou de outra. Pra minha sorte, eu tenho um adiantamento disso – retrucou tomando um gole da bebida.

— O amanhã é consequência do hoje. Mesmo que esteja escrito, o que você fizer hoje, pode mudar o amanhã, não esqueça disso. – concluiu tomando um gole do uísque de Kaeth.

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                Acordei com uma dor insuportável que percorria cada milímetro do meu corpo. A claridade estava mil vezes maior, e não conseguia enxergar quase nada com foco. O mínimo ruído era estrondoso para os meus tímpanos. Esfreguei um pouco os olhos e após algumas tentativas falhas de observação, finalmente consegui discernir o lugar que eu estava. Era o meu quarto, se é que podia chamá-lo de meu, estava de volta à casa dos Ackles. Ergui o edredom que me cobria, e me vi vestida com uma enorme camisa branca de mangas compridas, que em mim cabia um perfeito vestido. Ao julgar pelo tamanho e design, era masculina com toda certeza, difícil era saber quem era o dono.

                Minha atenção logo foi atraída por um cheiro de avelã com amêndoas. Era um pouco forte, mas calidamente excitante, já tinha sentido aquele cheiro em algum lugar. Desviei meu olhar um pouco para o lado, e o vi. Por falar em excitante, lá estava ele. Mesmo de costas a regata preta me dava uma  visão daquele físico perfeito. Seus ombros largos  e bronzeados que agora estavam nus, me permitiram ver parte da sua tatuagem no ante-braço. A priori só consegui avistar um par de asas negras, mas descendo um pouco mais o olhar pude observar fragmentos de outra tatuagem que circundava seu bíceps e descia pelas costelas e sabe-se lá onde ia parar aquilo. Senti um calor instantâneo percorrer meus poros. Seu cabelo molhado roçava sobre aquela nuca que me prendeu por longos segundos. Sem perceber acabei soltando um leve suspiro o que atraiu sua atenção, ergui o edredom até a altura dos meus ombros escondendo o arrepio dos braços. Aqueles olhos cálidos e amarelados mexiam intensamente com meus órgãos sexuais, como podia ser tão sexy?!

— Como se sente? – o vejo perguntar, mas demoro um pouco para processar suas palavras. Respira Jessie, respira!

— B-bem, eu acho. – respondo pondo uma mecha ruiva para trás da orelha. Devia estar tão vermelha quanto meus cabelos agora.

— Não lembra de nada?

— Hum... – forcei meu cérebro a retornar as lembranças, mas as imagens eram muito embaçadas e turvas. – Acho que sim. Eu estava com o Kaeth, haviam guardiões... e...e – parei de falar quando lembrei da minha imagem segurando suas cabeças, quis vomitar. – eu os matei?! – perguntei quase afirmando buscando seus olhos, e ele me encarava como se vasculhasse algo dentro de mim. – Eu sou uma assassina, não é? Eu os decepei, como pude? – não aguentei mais, corri para o banheiro e pus pra fora tudo que havia comido no dia anterior, o que não era muito. Ao erguer a cabeça do aparelho sanitário, o vejo escorado na porta do banheiro me observando, quis enterrar minha cabeça no concreto. – Isso não é uma cena legal de se ver, sabia?! – tentei enxotá-lo mas ele segurou meus braços no ar, o que fez a camisa subir e mostrar parte da minha calcinha rosa de listras brancas. O empurrei com força, puxando o máximo possível da camisa para baixo.

— Calcinha legal! – ele aponta entre gargalhadas. Por um momento quis socá-lo até a morte. Num gesto impensado jogo um jarro de vidro em sua direção que o acerta em cheio, o vejo arquejar. Sim, eu estava louca!

— Ai meu Deus! Me perdoa eu não quis... – tentei me redimir mas ele se contraía de dor sobre a cama, sua testa sangrava. – Eu...eu vou buscar alguma coisa pra ajudar. Me desculpa, por favor eu não queria ------ - ele começa a ter uma crise de risos rolando de um lado para o outro na cama. – Espera aí! Você não ta sentindo dor coisíssima nenhuma, não é? – o acusei já me aproximando em tom autoritário.

— Claro que não. Eu sou um demônio milenar, acha mesmo que um jarrinho ia me ferir? – voltava a dar gargalhadas o que me enraiveceu ainda mais. – Mas é bom enxugar isso aqui, não quero minha camisa manchada de sangue por sua causa.

— Claro meu senhor, é pra já! – disse em um tom absurdamente irônico. Ele me encarava com um sorriso nos lábios, e que sorriso! Apanhei algumas gases na gaveta do banheiro e fui fazer a enfermeira bondosa. Já me preparava para fazer o curativo.

— Quantas vezes você já fez isso? – perguntou recuando e apontando pro objeto nas minhas mãos. Queria fazê-lo engolir aquelas gases.

— Sou profissional nisso! – ele permanecia sentado a beira da cama, e eu em pé a sua frente, o que me dava uma certa vantagem de altura, sem isso seria impossível alcançá-lo. Comecei enxugando o sangue que escorria da sua testa, acabei fazendo uma força maior do que deveria na hora de pressionar o ferimento, o que o fez gritar.

— Ai! – gritou recuando – Que merda você ta fazendo?

— Estancando o sangue, ué – falei simplesmente voltando a pressionar com mais força.

— Ai, ai! – os gritos continuavam – Você não está estripando um porco, sabia?!

— Ah sim, não tem de quê! – respondi o mais irônica possível e não houve nenhuma resposta sarcástica. O silêncio me forçou a olhá-lo, seu semblante era terno e confuso. Seus cálidos olhos me observavam intensamente, vasculhavam a minha alma. Senti um calor subir à nuca, voltei a fazer o curativo tentando disfarçar.

— Por que faz isso?

— Isso o quê? – questionei ainda sem encará-lo, mas podia sentir aquele par de olhos me circundando.

— Está sempre me ajudando mesmo sem eu merecer. Eu podia ter te matado sabia? Por que confia em mim?

— Eu não sei. Naquela noite eu realmente senti medo, parte de mim queria sair correndo o mais rápido possível e te deixar ali. Mas... – busquei seu olhar finalmente, não havia como resistir. – Outra parte não queria perdê-lo. – com essa última frase pude sentir seus olhos arregalarem para mim, parecia ainda mais confuso. Senti suas mãos pousarem sobre as minhas, e quando nossos dedos se entrelaçaram e ele as apertou, senti todo meu corpo gelar. Minha marca havia começado a arder a algum tempo, mas a ignorei completamente. Nossos corpos estavam mais próximos do que eu lembrava. Não consegui evitar de olhar para aqueles lábios entre abertos abaixo de mim. Suas mãos soltaram as minhas, e as senti escorregar para minha cintura, ele observava a camisa que eu vestia, e como da água pro vinho, seu semblante mudou e ele me soltou.

— Obrigado pelo curativo. – disse simplesmente se levantando e batendo a porta. Eu não sabia o que era mais estranho, se era aquele clima que esquentava mais que o inferno no verão, a mudança repentina dele, ou o fato dele ter dito “obrigado”.

                Sentei naquela cama macia e fiquei pensando em como minha vida havia mudado em tão pouco tempo. Olhei para a mesinha de canto e vi uma pilha de livros nela. Eram os livros que havia ganhado de Kaeth. A lembrança dele me entregando o presente, e sendo gentil veio a mente e automaticamente quis vê-lo. Sem notar que ainda estava só de camiseta, saí porta a fora buscando seu quarto. Depois de quase me perder em meio aqueles corredores, finalmente o achei. Hesitei um pouco antes de bater na porta. Tentei arrumar o cabelo o máximo possível mas sempre acabavam bagunçados de alguma forma. Ele abre a porta, e a imagem que vejo é de tirar o fôlego! Fala sério, por que tinham que ser tão perfeitos? Não era fácil conviver com aqueles seres sobrenaturalmente lindos. Ele estava com uma calça jeans escura, e uma camisa de gola pólo da mesma cor que os olhos. Seu cabelo estava um pouco mais bagunçado do que de costume. Seu braço direito apoiado a porta mostrava descontração, mas sua feição parecia um pouco rija.

— Atrapalho? – perguntei num tom absurdamente baixo e trêmulo.

— Não, gatinha. Tava indo tomar um banho. – disse mostrando um meio sorriso, e eu quase infartei com a imagem dele só de toalha no banheiro. E antes que me chamem de tarada pervertida, eu sei que você queria estar no meu lugar.

— Ah, eu volto outra hora então. – as palavras quase  saíam rasgando a garganta.

— Camisa legal! – elogiou entre risadas abafadas.

— Ah, é... Eu acordei com ela. Acho que devia trocar, né? – ele continuava me observando, e senti seu olhar percorrer minhas coxas despidas, meu sangue estava fervendo, comecei a pensar no velho gordo que vendia peixes no mercado. Não surtiu o efeito desejado, mas impediu que eu pulasse nos seus braços – Bom, melhor eu ir! – concluí já saindo de fininho.

— Não esquece de devolver depois! – o  ouvi gritar ao bater a porta. Olhei pra camisa e para a porta do quarto em seguida. Não consegui conter o sorriso nos lábios.

                Aproveitei o pouco de liberdade que ainda tinha e fui em direção à sala de estar. Olhei pela janela e ninguém parecia estar por ali. Deslizei a mão sobre o trinco da porta e percebi que estava aberta. Caminhei até a varanda, e a vista era linda. O céu estava estonteante e estrelado. Em meio à escuridão eu pude enxergar, entre as árvores... um lobo negro gigante, seus olhos dourados rompiam qualquer escuridão. Ele me avista, cruzamos nossos olhares mais uma vez. Um pequeno arrepio percorre minha espinha, ele me encara uma última vez e se vai, perdendo-se nas sombras. Aninho minha mão ao peito e sinto uma forte nostalgia. Eu poderia fugir... Mas, ali naquele lugar, eu pude sentir, que de todos os lugares que eu poderia estar, eu estava onde deveria estar.

                02:46...

                Acordei com o barulho de queda. Olhei pela janela do quarto e avistei uma sombra lá embaixo, parecia um pouco desastrada. Desci as escadas e não avistei ninguém. Pela varanda pude ver mais claramente, uma garota de estatura média, ela vestia algumas roupas amarrotadas, de pele clara, tinha os cabelos loiros que se desenrolavam em perfeitos cachos. Ela parecia estar com o pé machucado. Me aproximei devagar e antes que eu pudesse abordá-la vejo seus olhos quase saltarem das órbitas ao me avistarem. Ela me tomou pelos ombros desesperadamente.

— Ah meu Deus! Você está viva! – me abraçava fortemente. – Vamos, Jess! Não sei quando eles podem voltar, temos que sair daqui! – me puxava pelo braço. – Jess? Por que você ta me olhando assim?

— Quem é você?


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