Até que ponto é fantasia escrita por Niebla


Capítulo 25
Algumas surpresas


Notas iniciais do capítulo

Esse site, anda me desanimando, acabo esquecendo de postar aqui por não saber como divulgar, tanto que está três capítulos atrasado (antes postava simultaneamente)...



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Como Gabriel estava tomando banho, eu desço e vou para a biblioteca verificar uma coisa. A estrela parecia completa, talvez por isso cintilasse bem mais brilhante. Eu giro o frasco na mão sorrindo para isso, mas tinha a impressão de que a ponta de cima estava meio chata. Cisma minha, já que ela parecia sempre mudar de forma. Agora não corríamos mais risco de morte! Penso que poderia implicar com Len mais tarde dizendo isso…

Saio de lá sorrindo e dirijo até minha casa. Vou direto para o chuveiro tentando relaxar, então visto algo confortável e prendo meus cabelos bem no alto, notando que eles estavam um pouco maiores do que eu pensava, o que fazia dos poucos cachos, que se formavam nas pontas, mais marcantes. Vou andando para o metrô. Eu tinha tanta coisa para digerir… Dentre elas, toda a conversa que eu ouvira ontem à noite. Ela se repetia na minha cabeça e eu não sabia se devia contar para ele que eu estava acordada. Então me lembrei da branquidão dolorosa da neve, dos mundos que eu atravessei, do tanto que andei com apenas a aurora sobre minha cabeça como companhia, do calor dos livros dentro do meu casaco e do rosto de Len quando eu disse que também gostava dele…

— Luna? — Era Nick na entrada do metrô me reconhecendo. Eu andava sem aprestar muita atenção no caminho, por isso nem o veria caso ele não tivesse me chamado. Pelo fluxo, tinha chegado na estação mais cedo do que o normal. —Tá rindo do quê?

— Bom dia para você também! — Eu o abraço e ele sorri. — O que faz por aqui?

— Nada demais, só tive que ir comprar umas coisas desse lado da cidade logo cedo… Vamos sair hoje? — Ele olha para o celular quando paramos na plataforma. — Como eu decidi da última, é a vez de alguma das meninas. Será na hora do almoço, mas duvido que tenham escolhido algo.

— Então eu já tenho uma sugestão.

— O quê? — Ele pergunta e eu entro no metrô encostando perto da porta. Era muita sorte não estar tão cheio.

— Digamos que eu tenho o direito a quatro pizzas de um lugar maravilhoso. Vocês podem passar lá em casa na hora do almoço.

— Então está resolvido. — Ele começa a mandar mensagens digitando muito rápido e eu coloco a mão no pensando em avisar Len, mas lembrei que eu nem tinha o número dele e que meu celular, assim como as coisas dele, estava na mansão. Eu já deveria ter buscado… — Mas como conseguiu isso?

— Um amigo… — Por alguma razão, chamá-lo de amigo estava começando a ficar estranho. — Ele está me devendo uma.

Depois disso conversamos bastante, só paramos quando mudamos de linha convivendo com aquela barulheira toda e meu sono, então eu encostei no braço dele e cochilei de pé mesmo, enquanto ele mexia no celular. Ele me acordou quando chegamos na estação certa e caminhamos para a faculdade em silêncio.

— Bom, eu tenho que correr pra sala ou a Ângela me mata. — Nick me avisa antes de me abraçar. — Ah, fico feliz por você estar mais alegre.

— Como assim?

— Você andava meio “azul” desde o começo desse semestre.

— Sério? Nem tinha percebido. — Eu dou risada sem graça e ele arregala os olhos ao ver Ângela na porta da sala deles batendo o pé no chão irritada.

— Fui! Hoje é a primeira apresentação do nosso projeto… — Disse já do outro lado do corredor.

O resto do dia, exceto a parte que eu quase caí para trás ao ler o que estava escrito num daqueles tantos cartazes que estavam espalhados por todos os corredores, passou voando e o sono foi indo embora antes que eu pudesse notar. Interromperam a última aula na metade por causa da palestra que eu tinha esquecido completamente, por isso acabei ficando sem comer nada na cantina.

— E aí? Vamos ao Bianchi’s? — Gabriel pergunta sentando-se ao meu lado. — Ou você esqueceu? — Ele segura o riso me observando. Eu só podia ser muito óbvia…

— Eu esqueci e acabei marcando com uns amigos para irmos comer pizza lá em casa. — Começo a rir vendo que finalmente o palestrante tinha se organizado lá no palco.

— Hm… podemos unir o útil ao agradável, então! Sim, eu estou me convidando mesmo! Podemos ir pra pizzaria. Eu te falei que vou começar a trabalhar lá semana que vem, né? Vai ser maravilhoso!

— Ficar com a Emily… — Eu implico só porque tinha aprendido com Len que ele corava com diretas assim. — Só não se esqueça de avisar seu irmão.

— Salvo pelo gongo… — Gabriel assobia porque o palestrante começara a falar e eu tampo a boca para não rir alto.

No fim das contas, foi algo muito bem feito, mesmo que o conteúdo não fosse muito surpreendente para mim, já que eu estudava diretamente aquele assunto. Foram inovadores porque usaram atuação em tempo real para exemplificar o efeito de diferentes palhetas de cores e trilhas sonoras em cenas similares. Eu adorava ver aquilo na prática. Pelos aplausos no final, com certeza voltariam para outras palestras e eu estava feliz por isso. Fazia tempo que não faziam algo interessante.

Eu voltei para casa junto com o pessoal avisando sobre a mudança de planos. Comigo dirigindo o carro do meu pai, chegamos rapidinho.

— Até que enfim! — Len implica assim que eu puxo a cadeira do lado dele, mas ele ria. — A Emily estava me deixando maluco ao falar tanto sobre deixar uma boa impressão para os seus amigos. — Ele diminui o tom da voz e eu a vejo cumprimentando-os antes de ir para a cozinha.

A maioria do pessoal já conhecia Gabriel de conversas curtas, mas nenhum deles conhecia Len, então eu os apresentei um a um e estranhei quando Juno estreitou os olhos quando eu disse o nome dele. Antes que eu pudesse perguntar o porquê, Emily apareceu com uma pizza de mozarella muito cheirosa e começou a nos servir sorrindo, dizendo que já era o primeiro pedido.

— Aliás, hoje vou ficar com vocês ao invés de trabalhar! — Emily sorri. Deveria fazer tempo que ela não fazia algo assim. — Meu irmão vai nos servir. —Sorrio ao notar que Len segurava um cardápio simples, mas em braile, coisa dela, com certeza.

— Ela vai é acabar virando amiga de todo mundo. — Gabriel ri.

Enquanto decidíamos o sabor das outras três pizzas, Emily sentou-se à mesa bem ao lado de Gabriel, o que fez com que um moço parecido com ela, que anotava pedidos em outra mesa, olhar torto para ele. Nick e Ângela sentaram um de frente para o outro, Leila e Juno lado a lado de frente para onde eu estava sentada, elas pegaram os dois cardápios da ponta da mesa imediatamente. Papo vai, papo vem, fatias de pizza… e todos estávamos nos divertindo bastante, ainda mais porque foram se soltando aos poucos e eu, como sempre, falava pelos cotovelos.

— Hm… — Juno olha para Len fixamente, então eu o cutuco por debaixo da mesa para que ele soubesse que era com ele que ela estava prestes a falar. — Você estuda na Anhembi, não é?

— Isso. — Len responde colocando a azeitona de lado no prato.

— Então você deve conhecer o Mark, ele é meu irmão, aquele infeliz… — Revira os olhos com um sorriso no rosto.

— Quanto amor! — Eu mostro a língua para ela e Juno faz uma careta.

— Sim, somos da mesma turma. — Len responde rindo de nós duas.

— É que agora pouco, ele estava tentando me convencer a fazer um trabalho por ele. — Juno explica. — Folgado do caramba. Ele devia parar de sair com aquela moça e fazer as coisas dele.

— Nem parece que é asiático. — Nick brinca e Len desce as sobrancelhas.

— Ei, não vai sair por aí espalhando essas abobrinhas! — Juno revira os olhos. — A Lisa está saindo com ele quase todos os dias. Como se não bastasse o tanto que já se veem nas aulas… Parece que quer roubar o meu irmão… Já disse pra ela, pode levar, mas devolva!

— Ele está saindo com a Lisa? — Len começa a rir. — Ela jurava que nunca sairia com ele.

— Droga, dei spoiler. — Juno ri e eu faço o mesmo. O mundo era muito pequeno nessas horas…

Então o irmão da Emily chegou com a última pizza; essa era doce e tinha um cheiro maravilhoso de chocolate, estava decorada com cerejas e alguma coisa branca em cima, talvez mais chocolate. Eu estava feliz pela massa ser leve o bastante para não me deixar tão cheia. Seria bom experimentar aquele sabor novo.

— Céus, eu queria ter descoberto esse lugar antes! — Leila suspirava enfiando outro pedaço na boca. — Melhor comemoração pelas notas boas…

— Nós abrimos faz pouco tempo. — Emily esclarece.

— Tem delivery? — Ângela pergunta afobada e todos rimos.

Quando terminamos de comer, trouxeram uma maquininha e Len passou tudo no cartão. Gabriel ficou olhando estranho para ele e até perguntou alguma coisa, mas ele ignorou. O pessoal da faculdade disse que iria de ônibus para casa e nós quatro ficamos ali.

— Foi tão divertido! — Emily comenta e nenhum de nós pôde negar. Então ela senta ao meu lado. — Alguma coisa mudou entre vocês dois não? — Sussurra.

— Felizmente. — Ri pensando mais nossas brigas mais bobas.

— Fico feliz por vocês, são tão lindos juntos… — Tenho certeza de que fiquei vermelha. Olhei para Len suspeitando que ele tivesse escutado, mas como mexia no celular com os fones nas orelhas, achei que não.

— Já volto. — Gabriel avisa. — O pai da Emily o chamava lá da cozinha com um aceno.

— Ah, Len, — Toco no braço dele. — tenho que buscar as nossas coisas lá na mansão. — Eu me lembro assim que tento pegar o meu celular de novo.

— Eu vou com você. — Len começa a levantar.

— Mas você não tem que trabalhar? — Eu também me levanto.

— Hoje é sexta-feira, os funcionários podem escolher entre sair mais cedo ou ter mais tempo no horário de almoço. Viva a teoria de que funcionários mais felizes produzem mais. — Ele me faz rir.

— Eu aviso seu irmão. — Emily ri de leve. Por um momento tinha me esquecido de que ela estava ali.

— Vamos! — Eu encosto a cadeira na mesa e ele me segue para o carro.

Passamos a maior parte do caminho em silêncio, Len estava pensativo e eu torcia para que ele não tocasse em assuntos delicados antes que eu me preparasse psicologicamente. Assim que eu estacionei perto do jardim, nós dois descemos, mas ele preferiu ficar encostado no carro a ir comigo procurar nossas coisas. Eu vou direto para o quarto que eu as deixara, mas é claro que não estavam lá.

Eu suspiro e subo as escadas pensando que deveriam estar no meu antigo quarto. As paredes que eu pintara de azul estavam brancas de novo. Minha mãe tinha cismado muito com a cor que tinha ficado linda, fora isso, só o pôster que eu levara e o vazio das gavetas provava que eu não morava mais ali.

— Está procurando por isso? — Era Helena segurando as nossas bolsas. Dessa vez os cabelos dela estavam soltos, mas ela vestia roupas igualmente desconfortáveis.

— Sim, então faça o favor de me devolver. — Eu pensei que ela esquivaria, mas ela me deixa pegá-las.

— Nós termos que conversar. — Soa firme.

— Temos? — Penso em sair, mas ela bloqueia a porta.

— É sério. — Ela bufa impaciente. — Sente-se.

— Sente você. — Eu reviro os olhos e ela senta com um sorriso meio cínico no rosto.

— Assim não está dando mais. Adiamos essa conversa por muito tempo e eu não quero continuar com isso.

— É uma DR, é isso? — Debocho.

— Chame do que quiser, agora você vai ouvir. — Ela bufa me olhando com aqueles olhos cinzentos e frios que tanto me lembravam dos de minha mãe. — Eu não sei o que aconteceu para nos afastarmos tanto de uma hora para outra, eu…

— Não sabe? — Eu não conseguia parar de rir.

— Dá para me levar a sério? Você sabe que não é tão fácil para mim falar essas coisas e você fica ai rindo feito uma hiena. Qual o seu problema?

— Meu problema? Coitadinha da Leninha… prefere chutar quem mais se importava só para tentar ser como a mãe que, por acaso, detestava a forma de agir, mas agora parece que virou a fã número um. —Então fecho a cara. —Diga você, qual o seu problema.

— Como se você fosse muito madura com o que faz com a minha tia. — O rosto dela estava todo vermelho, inclusive a ponta do nariz arrebitado.

— O que eu faço ou não com a minha mãe é problema meu. Só eu sei como é ter crescido com ela. De longe parece ótimo, mas de fora ninguém vê o quanto o padrão dela é rigoroso e estúpido. Eu não sou uma extensão de tudo o que ela não pôde ser e queria que eu fosse no lugar dela. — A esse ponto, nós duas estávamos de pé, uma na frente da outra. — Já você é bem isso, não? — Eu provoco. Estava na hora daquela garota que, apesar de momentos de rebeldia, só queria ser aceita pela mãe, deixar de existir. — Preferiu abrir mão do que mais queria.

— E eu estou ótima como estou! — Deveria querer muito acreditar naquilo.

— Fotografando mais prédios do que pessoas? — Cutuco.

— Eu te incomodo tanto assim? — Ela senta na cama cruzando as pernas. O vestido roxo de mangas compridas que ela usava, tinha que ser puxado para baixo constantemente enquanto estava naquela posição.

— Incomoda!

— Como se você não me incomodasse com o jeito de agir com sua mãe. Ela está grávida, caramba! Precisa do apoio da família e você não está ajudando em nada, ainda mais porque você sabe que depois do Nico não será muito fácil.

— Nem impossível. Pode apostar que ela está passando nos médicos mais caros do estado. — Eu reviro os olhos. Com a vida leve que tinha, minha mãe quase não corria riscos de ter outra depressão pós-parto.

Então o celular perto da minha prima vibra como se tivesse recebido uma mensagem e ela leva alguns segundos mexendo nele antes de voltar a olhar para mim.

— Terminou? — Eu batucava na mesinha com os dedos, incomodada. Estava pegando a mania do Len. — Porque eu tenho coisas melhores para fazer e nem posso ficar muito aqui.

— Digo o mesmo… Aliás, parece que Len te mandou uma mensagem. — Ela me estende o celular e eu percebo que era o meu.

— Como assim, eu não tenho o número dele… — Eu desbloqueio a tela vendo uma mensagem curta dele se identificando e dizendo que Gabriel passara o número antes de me perguntar se eu estava viva. — Espera, você estava mexendo no meu celular!?

— Suas senhas são sempre tão óbvias. Não tenho culpa. — Mexia nos cabelos parecendo entediada. — Já sei, quer que eu te peça desculpas pelo jeito que eu tratei o seu namoradinho ontem?

— Não é para mim que você deve desculpas. — Ela queria mesmo me irritar. Ninguém podia ser tão sem noção assim.

— Você quer que eu fale com ele? — Parecia confusa, depois enruga o nariz talvez imaginando uma possível conversa.

— Quer saber? Não dá pra conversar com você com esse seu orgulho na frente. — Então caminho até a porta antes de continuar. — Sinto falta de quem você era. — E saio de lá sem esperar a reação dela, se é que teria alguma.

Eu corro para o lado de fora procurando por Len, mas ele não estava mais daquele lado do carro, dou a volta e vejo Adam falando com ele. Meu coração dispara e eu aperto o passo só conseguindo pensar que aquilo era um complô bizarro entre ele e a Helena, como o que os dois fizeram nas nossas últimas férias.

— Tenha um bom dia. — Adam deseja passando por mim quase sem fazer barulho e eu senti como se meus pés afundassem no cascalho.

— Luna? — Len pergunta, virando na minha direção.

— O-oi… — Encosto no carro tentando analisar a expressão dele, mas não estava fácil. Eu só queria arrancar aqueles óculos e… — O que ele te disse?

— Nada. — Len obviamente não falava a verdade. Eu bufo pensando que Adam sempre escolhia os piores momentos para reaparecer como um fantasma.

— Nada mesmo? — O vento balançava os meus cabelos para trás fazendo cócegas em minha nuca.

— É. — Ele entra no carro sem “olhar” para mim.

— Então tá. — Forço um sorriso.

Len estava com a testa colada no vidro, bem mais pensativo do que hoje mais cedo. Esperava que não fosse por algo que Adam pudesse ter falado… Como sabia que só conseguiria estressá-lo caso insistisse, eu ligo o carro e assim que colocamos nossos cintos de segurança, dou partida.

Passamos o resto do caminho em silêncio. Ele só tornou a falar depois de vários minutos quando já estávamos na avenida perto de nossas casas, perguntou em qual rua estávamos para então me ensinar o caminho do trabalho dele. Ele não dizia o nome de todas as ruas, mas sabia muito bem indicar os lados que eu deveria seguir.

— Bom, até mais tarde… — Eu seguro na mão dele assim que ele desce do carro. Eu tinha saído segundos depois dele.

— Até. — Ele sorri e ficamos naquilo de beijo ou abraço que acaba virando um abraço apertado. Então ele naquele prédio enorme com uma parte das paredes feitas de um vidro azulado que deixava transparecer o interior das salas. Era bobagem minha querer que ele passasse por alguma delas para poder vê-lo?

Eu volto para casa e me jogo no sofá pensando sobre tudo o que eu imaginava que estaria por vir. Aquilo estava me deixando maluca. Eu fecho os olhos e acordo com a campainha sendo tocada umas sete vezes seguidas. Pela janela vejo Nico acenando todo animado e sorrio, então vejo Adam parado ao lado dele e o sorriso vai embora.

— Pensei que nosso pai que fosse te trazer aqui. — Eu destranco o portão e Nico me olha estranho antes de rir e correr para dentro de casa com a mochila e um travesseiro. Ele passaria o fim de semana comigo. — Cuidado aí!

— Ele não muda… — Adam ri para mim e eu fico meio sem jeito. Então ele me olha como se quisesse dizer alguma coisa e eu torço para não ser algo piegas ou pior. — Bom, é melhor eu ir, né? — Ele vira destravando as portas do Audi.

— Ei, espere! — Eu seguro na mão dele; elas sempre estavam frias.

— Pensei que continuaria correndo de mim. — Ele dá risada, mas o olhar estava meio sentido.

— Pensei que diria outra coisa. — Dou de ombros.

— Aquele rapaz é seu namorado, não? — Penso em responder, mas as palavras ficam presas sabe-se lá onde. — Eu vi vocês dois naquele dia na cafeteria. Pareciam bem íntimos e você olhava para ele de um jeito que eu nunca vi você olhando para ninguém.

— Viu? — Eu estava bem surpresa, já que ele tinha agido como se nem tivesse me reconhecido.

— Sua prima falou horrores sobre ele, mas sei que você é teimosa e eu não tenho o direito de falar nada. — Ri sem graça passando as mãos nos cabelos.

— Isso é porque ela nem conversou com ele diretamente, como todo ser humano saudável… — Eu bufo.

— Sabe, Luna. Por um tempo eu te amei muito. Na verdade, vindo até aqui depois disso e tudo mais, acho que ainda sinto alguma coisa. — Ele toca no meu rosto por um instante, mostrando um sorriso aberto e lindo que logo se desfaz numa expressão séria. — Entendo se você não quiser mais me ver, porque sei que agora é tarde demais para correr atrás de tudo o que não fiz. Não sei se ele é o cara certo, mas isso não é da minha conta… Espero que você seja feliz.

— Adam… — Eu não sabia o que falar ou como lidar com aquela dose súbita de amadurecimento vinda dele.

— Agora é melhor eu ir, se não, eu não vou mais. — Ele beija a minha testa como se não quisesse ir, então vai embora sem me deixar responder.

Eu entro em casa algum tempo depois. Jogo as chaves, que usara para trancar o portão, na mesinha e encontro Nico na cozinha fuçando na geladeira atrás de algum doce, então eu subo e sento na minha cama pensando no que eu tinha acabado de ouvir. Quando me dei conta, tinha passado pelo menos uma hora encarando o teto.

— Nico? — Eu desço e ele não responde. Tinha cochilado no sofá. Eu coloco o travesseiro que estava caído no chão debaixo da cabeça dele é o cubro com a minha blusa que estava no braço do sofá, então fico ali acariciando aqueles cabelos fininhos. Ele era uma gracinha dormindo. Tão calmo e despreocupado… Era esquisito pensar que logo teríamos mais um irmão, mas imaginar que Nico ficaria menos sozinho me fez sorrir.

— Lu? — Era Nico me sacudindo. Eu acabara dormindo ali mesmo.

— Oi? Já tá tarde, né? — Vejo que estava escuro lá fora. — Vou fazer alguma coisa para a gente lanchar.

— Você estava sorrindo enquanto dormia. — Nico aperta a minha bochecha.

— É? Eu nem lembro com o que eu estava sonhando.

— Ou com quem… — Nico vai cozinha antes que eu me levantasse. Ele pega o jarro com o que sobrara do suco e o coloca na mesa.

— O que você acha de algumas panquecas? — Sugiro e ele abre um grande sorriso.

Quando eu girava a segunda delas na frigideira, lembrei que eu tinha marcado de passar na casa dos meninos. Eu estalo a língua chateada por não ter lembrado, então assim que coloco à panqueca no prato, eu mando uma mensagem pra Len. Ele e estava voltando do trabalho agora e eu poderia levar meu irmão sem problemas pelo o que eu dissera. Nico adorou a ideia, mas ainda era cedo demais para irmos.

— O que vamos fazer enquanto isso? — Eu finjo pensar seriamente só para ver como ele reagiria.

— Jogar videogame. — Vai direto ao ponto e eu dou risada.

— Só não me faça jogar aquele de corrida de novo. — Faço uma careta. — É muito chato…

— Você que é ruim. — Balança a cabeça negativamente.

— Tem certeza disso? Eu te levo para casa pra você jogar com o papai ou com o Franc, então… — Cruzo os braços brincando.

— Você não quer jogar? — Nico sobe e desce as sobrancelhas, mas no fundo eu sabia que ele estava inseguro. Nosso pai sempre estava ocupado demais para ficar com ele e Franc era o motorista, um senhor de idade que mesmo que se esforçasse para agradar o garoto, não era bom com tecnologias e tinha que ficar atento ao movimento dos patrões para não levar outra bronca por causa de algo assim.

— Não. — Bagunço os cabelos dele.

— Mentirosa. — Ele ri.

— Eu mentindo? Não dá para mentir para você. — Pisco. — Eu escolho o jogo!

Subimos para o meu quarto e eu começo a mexer na parte alta do meu guarda-roupas procurando a caixa em que eu guardava os jogos. Nico sentou na minha cama esperando, então levantou e subiu na minha mesinha.

— Esse desenho… Lu, porque você tem um desenho do Len no seu mural?

— O-oi? — Eu quase derrubo a caixa na minha cabeça. — Ah, não é ele não. — Eu minto colocando a caixa no chão. — Foi só um rabisco que fiz num dia aí… — O jeito que ele me olhava deixava claro que ele não acreditava. — Só não conte para ele, por favorzinho?

— Tá bom! — Ele sorri. — Pode ser esse daqui de luta? — Ele puxa um dos CDs.

— Pode.

Depois de jogarmos bastante, tomarmos banho e trocarmos de roupas, caminhamos para a casa da Dona Serena. Enquanto eu pensava em apertar a campainha, Nico puxa o portão aberto. Então batemos à porta. A luz da sala estava acesa, imaginava que todos estavam lá.

— Oi! — Uma garotinha de cabelos curtos quase brancos de tão claros que deveria ter uns sete anos foi quem abriu a porta e me abraçou. — Len! A Luna chegou! — Avisa, então repara no meu irmão. Ela sorri para ele que, mesmo morrendo de vergonha, esboça um sorriso.

Dou um abraço em Gabriel e Serena que apresenta as duas desconhecidas, eram Clara, a pequena, e Rose, uma pré-adolescente, as primas deles. Escuto passos na escada e vejo Len. Os cabelos dele ainda estavam um pouco úmidos, deveria ter acabado de sair do banho.

— Que bom que você trouxe seu irmão. — Gabriel aponta, até o jantar ficar pronto, aposto que esses dois vão se divertir bastante. — Faz cócegas na barriga de Clara que ri bem alto.

E foi dito e feito. Não demorou muito para Clara convencê-lo a brincar no quintal perto da grande árvore. Como hoje não estava tão frio, deixei que ele fosse desde que tomasse cuidado com o braço machucado. Serena disse que precisava terminar de preparar a sobremesa e nós ficamos conversando por um tempo bem proveitoso. Rose era bem madura para ter só doze anos, então ela conseguia acompanhar muito bem as conversas. Gabriel colocou um filme daqueles que passam centenas de vezes no mesmo horário, então Len pediu licença e pegou um livro na mochila pendurada atrás da porta. Era bem volumoso, mas Len procurava por uma página mais para o meio dele. Como a capa estava com um carimbo azul mal posicionado de alguma biblioteca, imaginei que era algo para a faculdade. Eu volto a aprestar atenção no filme, mas percebo que Rose estava inquieta.

— Eu vou ajudar a vó de vocês. — Rose foi para a cozinha quase pulando do sofá. Eu estreito os lábios por um instante, mas logo me esqueço por rir da cara que Gabriel fazia quando dava risadas.

Quando dá comercial, ele diz que tinha prometido preparar o suco e vai para a cozinha deixando nós dois sozinhos, então eu diminuo o espaço entre nós. Len fecha o livro virando para mim.

— Eu estava aqui pensando… — Começo antes que ele dissesse alguma coisa. — Como agora eu tenho todo o direito de estar empolgada, porque não vamos mais morrer, que tal abrirmos mais um livro? — Eu brinco pensando que ele não me levaria a sério, mas ele leva.

— Pensei que nunca diria isso. — Ri, já de pé.

Assim que entramos na biblioteca, eu corro para a arca, mas não sem antes contemplá-la de longe. Ela era tão bonita e guardava tesouros tão preciosos. Eu pego um livro qualquer e seguro na mão dele antes de abri-lo parcialmente, mas nada acontece. Deveria ser porque agora tínhamos tudo sobre controle. Quando me preparo para abri-lo direito dessa vez, alguém abre a porta com tudo e eu derrubo o livro na arca.

— O que vocês estão fazendo? — Era Rose achando tudo aquilo muito estranho.

—E-eu… — Não conseguia pensar em algo bom para dizer, então começo a imaginar o que poderia ter acontecido se, agora mesmo, ela insistisse em tocar no livro ou na arca, ou até abrir algum outro. Será que ela também seria puxada para o conto?

— Ela estava lendo para mim. — Len diz sem hesitar. Até eu acreditaria nele se estivesse no lugar dela.

— Ah, — Ela desvia o olhar cutucando o chão com um dos pés. — A vó disse que já está pronto.

— Já estamos indo. — Fala por nós dois. Ele deve ter percebido que eu ainda o encarava, porque deu umas batidinhas leves no meu ombro. — Não precisa ficar assim tão tensa. — Ri, se fosse o Gabriel, você teria levantado suspeitas…


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