Até que ponto é fantasia escrita por Niebla


Capítulo 23
Um bocado de esquecimentos


Notas iniciais do capítulo

Oh, céus, que bom que você me lembrou @Santelmo eu esqueci de postar esse daqui, que vergonha >.



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Luna’s POV.

 

 “Esqueceu disso”. Foi a última frase que eu disse no sonho antes de acordar. Era um aviso? Uma certeza? Uma pergunta? Disso o quê? Podia ter algo a ver com a pulseira do último sonho, aquela que eu literalmente tinha esquecido onde tinha colocado? Abro meus olhos, estava tudo escuro, só a luz verde marcando 4:40 do relógio em cima da cabeceira da cama e a fresta da porta semiaberta iluminavam o quarto num fio de luz. Eu olho ao redor e percebo que Len não estava ali, então me levanto sentindo a corrente fria de ar batendo com tudo nas minhas canelas descobertas, por isso pego um cobertor. O chão de madeira estava tão gelado que me fez ficar arrepiada.

— Eu já disse que não vou falar com você agora, não depois do que você disse… — Era a voz do Len vinda provavelmente da sala.

— Mas eu já disse que eu falei sem pensar! — Era a voz de uma mulher, mas parecia vir do lado de fora da casa.

— Quantas vezes hoje? — Ri irônico.

Eu olho pela janela e vejo as luzes do jardim acesas e a pontinha da porta aberta, assim como cachos loiros e volumosos. Na frente da casa, tinha um carro preto parado com o vidro do passageiro aberto, mas eu não podia ver o motorista, ele deveria estar esperando que a moça voltasse, mas a porta estava fechada, como se ele soubesse que não era coisa rápida. Eu vou pro corredor preocupada e desço uns dois degraus, se descesse só mais um, eu seria vista. Só queria saber o que estava acontecendo.

— Esse é o problema, não entende? E eu não quero fazer a mesma coisa, então, por favor, vá embora. —Ele continua.

— Não seja tão duro com ela! — Serena pede bem próxima à escada, fazendo-me recuar uns passos, não seria bom ser vista.

— Não estou sendo duro, só estou tentando ser racional.

— Len, pense melhor… — Era Gabriel dessa vez.

— Não agora.

— Tudo bem. — Os saltos dela fazem um som agudo quando ela se aproxima de onde ele estava. — Eu vou embora, mas prometa que não vamos deixar isso assim. — Ela parecia cansada.

— Tá, tá… — Agora ele estava perto da avó. Ele bufa e o vejo sentando no primeiro degrau. Os ombros dele pareciam tensos. — Eu vou te ligar.

Os saltos da moça ecoam na sala e ela bate a porta. Um deles, provavelmente Gabriel vai junto para fechar o portão e eu aproveito para voltar para o quarto antes que alguém subisse. Gabriel estava com um dos braços em volta da mulher loira e mesmo que ela estivesse de costas para mim, eu pude perceber que ela passava a mão no rosto. Deveria estar chorando. Assim que a moça entra, o carro dá partida e Gabriel acena voltando para casa. Len, que finalmente para de bater com os dedos na madeira para suspirar como se estivesse esgotado.

— Eu vou beber um pouco de água. — Serena deveria estar mais nervosa do que eu imaginava pela voz, se eu ao menos pudesse descer para vê-la… Não, eu nem deveria estar ouvindo aquilo tudo.

— Se vocês tivessem ficado na casa do tio como disseram que ficariam, isso nem teria acontecido. — A voz dele ia chegando mais perto conforme ele sobe as escadas com o irmão. Eu vou para a cama evitando fazer qualquer barulho e deito fingindo estar dormindo.

— Eu que avisei que você estava em casa. Se eu soubesse que ia dar nisso, eu nem teria avisado. Ela só queria se desculpar, sabe? — Gabriel parecia chateado. — Pensei que já tinham parado com essas coisas.

— Ela só piorou tudo… — Ri sem humor, mas algo na voz dele me fez querer abraçá-lo. — E quem dera, seria muito mais fácil para todo mundo se ela parasse com isso, pensei que da última vez eu tivesse sido bem claro.

— É que ela ainda se sente tão culpada…

— Não, nem fale disso. — Len suspira. — Ela teve sete anos para digerir isso e nunca conseguiu. O que te faz pensar que de uma hora pra outra ela vai realmente mudar? Ela não me escuta, ela não te escuta, ela não escuta a vovó, nem o nosso pai, ela não quer ouvir ninguém! Se bobear, deve achar que está fazendo a coisa certa. Ela precisa parar com isso, ainda mais porque diz que me ama. É tão sufocante…

— Não tenha dúvidas, mas você sabe, é que é difícil pra ela. — Gabriel suspira.

— Como se pra mim não fosse. Se ela não parar com isso eu vou acabar falando alguma besteira e eu nem quero ver no que vai dar…

— Nem eu! Mas é só com o tempo mesmo, há alguns anos estava bem pior, você sabe… Talvez em mais alguns ela entenda de vez que assim ela só está te afastando, mas você precisa dar o braço a torcer.

— Eu sei disso. — Ele estala a língua. — O problema é que ela já quebrou o meu braço umas duas vezes… Uma hora isso precisa que acabar. Agora vai dormir logo antes que você acabe me deixando otimista. — Len ri de leve e Gabriel ri de volta.

— Pode deixar!

— Boa noite. — Ele começa a vir para o quarto e meu coração acelera. — Droga… — Acaba chutando a porta entreaberta por pensar que estava aberta.

Ele senta na cama auxiliar com as costas na lateral da que eu estava deitada. Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo e nem me importava com quem era aquela moça, eu ainda daria um jeito de mostrar que eu estava com ele, assim como ele fizera comigo na mansão ou então lá fora na chuva.

— É, Lun… Eu quase me esqueci de que você estava aqui. — Ele fala baixinho. — Que bom que você não acordou com essa barulheira toda.

Ele vira ficando com o rosto bem de frente para mim e eu fecho os olhos com força. Ele suspira e o hálito doce dele faz cócegas no meu rosto deixando um cheiro bom de achocolatado. Pensei que ele fosse virar e dormir, mas prendo a respiração quando ele passa a mão descendo do meu cabelo até as minhas costas e então nas minhas pernas. Queria ver se eu estava toda coberta e eu sorrio com isso. Ele puxa meu cobertor mais para cima cobrindo totalmente os meus ombros para finalmente entrar debaixo das cobertas e virar para o outro lado.

— Boa noite. — Len murmura e eu contenho o impulso de responder. Ele não demorou nem um minuto para suspirar mostrando que caira no sono.

Eu bocejo pensando em abrir os olhos, mas a luz forte do sol, que formava um feixe bem no meu rosto, fez com que eu me contorcesse com essa ideia. Já era de manhã? Eu rastejo um pouco pra baixo, encolhendo quando meus pés tocam a parte fria do colchão. Pensava em dormir mais um pouco, mas não adiantava… Aliás, ainda era quinta-feira! Eu viro para o lado e quase grito ao perceber que eu estava caindo, mas algo macio estava no lugar do chão. Onde eu estava?

— Len!? — Eu tomo um susto assim que consigo tirar os cabelos da frente de meus olhos.

— O que aconteceu!? — Ele arregala os olhos sentando de uma vez só no colchão e batendo a cabeça na parede por causa disso. — Você está bem? —Len esfrega a cabeça.

— E-eu, só acordei sem saber onde eu estava… — Eu seguro a mão dele que parecia procurar por mim na cama. — Hm… Desculpa pelo susto, é que eu lembrei que hoje é quinta e achei que estivesse atrasada. — Eu olho para o relógio na cabeceira da cama dele. — Ainda são seis horas.

— Certo. Só tenho a segunda aula de hoje… — Len passa a mão nos cabelos e eles ficam ainda mais bagunçados. Ele estava uma gracinha com a cara toda amassada. — O que foi?

— Nada… — Eu bocejo me levantando. Se eu fosse pra casa agora, teria bastante tempo pra me arrumar…

— Já está pensando em ir embora, né? Você poderia tomar o café da manhã aqui. — Era como se ele lesse meus pensamentos.

— Por mim tudo bem!

Sorri e se espreguiça levantando-se atrás de mim para me rebocar para fora do quarto. Eu sinto frio nas pernas e puxo a barra da camiseta que mais parecia um vestido em mim enquanto ele abria a geladeira pegando uma jarra de vidro. Ele levanta a tampa e cheira o conteúdo antes de colocá-la no balcão. Pela cor, era suco de laranja.

— O que você vai querer comer?

— Qualquer coisa… — Eu não queria incomodar.

— Hm… — Ele abaixa sumindo do meu campo de visão. — Então você pode comer maionese com doce de leite e… essa maçã aqui.

— Obrigada, mas prefiro ficar só com a maçã. — Faço uma careta e ele ri como se estivesse vendo isso.

— Pense rápido! — Ele joga a fruta na minha direção e eu a agarro segundos antes dela bater no meu nariz. — Não acredito que eu consegui dessa distância! — Ele comemora.

— Sorte sua… — Eu tento não rir. Com uma mordida, a maçã fica quase na metade.

— Parece que alguém já acordou e fez café… Você quer? — Ele coloca a cafeteira no balcão e serve uma xícara grande, deveria estar com sono. Eu me sinto culpada por tê-lo acordado tão cedo.

—Não, obrigada. —Eu brinco com a barra da blusa.

— Hm, pode abrir a geladeira e o armário e pegar o que quiser. Só me avise se mudar alguma coisa de lugar, não quero derrubar nada aí dentro… — A última frase sai como se ele estivesse pensando alto.

Len começa a preparar mais um daqueles sanduíches malucos que, só de olhar, meu pai já ficaria com dor de estômago enquanto eu pegava uma geleia para comer com torradas. Nós dois começamos a comer em silêncio, mas ele não parecia desconfortável.

— Len? — Eu chamo assim que ele termina de comer colocando os cotovelos na mesa.

— Diga… — Ele encosta a bochecha na mão enquanto, com a outra, sorvia o café e eu começo a rir.

— O que foi?

— Sua xícara! — Ele fica ainda mais confuso e eu continuo rindo. Como eu era boba… — Sei que é besteira, mas nela está escrito: “hora do chá”, mas você está bebendo café.

— Volte a dormir, vai. — Ele ri de lado antes de beber o último gole. — Ah, o que você queria me dizer toda séria antes?

— É que eu estava aqui pensando e… Não sei como me desculpar pelo o que eu te fiz passar ontem, se eu soubesse que seria assim, nunca te arrastaria para lá.

— Eu fui com você por que eu quis. Você sabe disso, né?

— Sei, mas… — As palavras se perdem quando olho nos olhos dele. Eles tinham a mesma franqueza que eu vi de relance quando ele disse que gostava de mim.

— Tudo bem, — Ele junta as minhas pernas com as dele por debaixo da mesa. — poderia ter sido bem pior, acredite.

— Então obrigada. — Eu sorrio sem conseguir imaginar como aquilo era possível.

— Por qual parte, a que eu cozinhei divinamente ou a que eu te emprestei minhas roupas? Espera, também teve aquela hora que eu…

— Não estrague o momento, seu bobo. — Começo a rir e ele abre aquele sorriso.

— Nossa, você acorda cedo, hein? Ouvi você falando agora pouco. Parou de ser teimoso e ligou pra m… — Gabriel aparece na porta coçando um dos olhos e então me encara confuso. — Lun? O que você está fazendo aqui? — Eu cruzo os braços sobre meus peitos por estar sem sutiã.

— Bom, eu… — Mal conseguia pensar em algo que não fosse ambíguo ou revelador demais.

— Quando sai daqui, encontrei a Lun no caminho, aí ela me chamou pra jantar na casa dela e eu fui, mas voltamos tarde e pegamos chuva. Achei melhor trocarmos de roupas e quando fui ver, ela já estava roncando.

— Eu não ronco!

— Teve uma hora que roncou sim. Foi fofo, mas aí você virou e meteu a mão na minha cara. — Ele bufa.

— Bem a cara dela fazer isso… — Gabriel se inclina nas costas da minha cadeira. — Ah, Len, temos que conversar.

— Ei! — Eu tento dar petelecos nele, mas ele pula para trás. — Sorte sua que eu já vou embora. — Eu me levanto.

— Já? — Len entorta as sobrancelhas. — Hm, nossas roupas não devem estar completamente secas e está frio lá fora. Pode pegar um casaco meu no meu guarda-roupas. Eu te empresto.

Passo por ele sorrindo antes de sair. Procuro pelas minhas roupas, mas não as encontro perto da porta onde as havia deixado, já ia perguntar para ele onde elas estavam quando vejo um papelzinho branco no chão. “Nos desculpe pela confusão de ontem à noite (sim, eu vi a barra do seu cobertor nas escadas)”. Eu bufo, deveria ter sido mais cuidadosa. “Eu gostaria de poder falar com você sobre isso, mas tive que sair para dar aulas. Tenha paciência com meu neto hoje, não sei o quanto ouviu mas essas coisas sempre mexem mais com ele do que ele admitiria… Pendurei as roupas de vocês no varal. Até mais tarde”.

Eu pego as minhas coisas notando que estavam mesmo molhadas demais para se vestir e subo para o quarto dele, as paredes metade claras, metade cinza queimado eram todas vazias, exceto por algumas prateleiras com poucos objetos que ontem eu nem tinha notado. Era estranho… Abro a porta de correr do guarda-roupas dele e noto que tudo estava bem organizado, até mesmo uma pequena pilha de roupas desdobradas na parte baixa, estava bem num canto, como se até a bagunça dele fosse organizada.

Eu sorrio de leve e pego um moletom azul e cinza todo listrado, ele era grande o bastante para cobrir até metade das minhas cochas, reparo que no lugar que deveria ter a etiqueta tinha três grupos de pontos, dois próximos e outro bem mais afastado, todos feitos com linha grossa. Eu giro a camiseta dele que eu vestia vendo que nela também tinha algo similar. Penso que deveria ser alguma indicação da cor ou algo assim, bem que explicava o fato de eu nunca tê-lo visto com roupas com cores que não combinassem, eu duvidava que ele fosse pedir ajuda para alguém pra isso.

Eu calço meus sapatos ainda úmidos por dentro e olho pela janela, o sol estava mais forte ainda, criava um feixe largo onde o pó rodopiava feito neve caindo sobre umas três caixas médias perto da mesinha dele. Eu me aproximo curiosa. Tudo que eu podia ver era uma ponta dourada do que estava lá dentro. O que seria? Eu perguntaria para ele mais tarde…

— Vai vir aqui direto, depois da faculdade? — Len aparece na porta do quarto me dando um susto.

— Sim. — Eu fecho o zíper e dou um abraço nele. — Agora é melhor eu ir se eu quiser chegar no horário… —Eu dou um passo para trás e acabo tropeçando numa daquelas caixas. —Ai… — Eu esfrego minha bunda.

— Você está bem? —Pergunta rindo e estendendo a mão para mim.

— Estou… O que é isso? —Eu pego dentre o que caíra da caixa, um troféu com um número um enorme, quando olho para ela, vejo medalhas e muitos mais deles, de vários tipos diferentes, mas a maioria era prata ou dourada, eu puxo a tampa da do lado que tinha algumas de vidro até, sorte minha que tinha derrubado a outr… Ele abaixa passando as mãos pelo chão para enfiá-los de volta na caixa.

— O que te faz pensar que você tem o direito de sair assim mexendo nas minhas coisas? — Ele vai de oito à oitenta num piscar de olhos.

— Eu só caí, não tenho culpa se você deixou essas caixas jogadas aqui no seu quarto. — Cruzo os meus braços enquanto, com a maioria do que caíra dentro, ele coloca a caixa de pé e vai recolhendo separadamente o que ainda estava ao redor.

— Exato, no meu quarto, só acho que eu tenho o direito de jogar as coisas onde eu quiser aqui dentro e se nem eu caí, não vejo nenhum motivo lógico pra você tropeçar nisso. —Agora ele tentava ver se algum caíra mais afastado.

—Olha, não foi de propósito, se quisesse tanto ver isso, teria olhado antes de você subir. — Eu bufo. — Está à sua esquerda.

—Não preciso da sua ajuda. — Ele coloca o último troféu afundando a tampa de papelão que tinha voltado para baixo.

—Eu sei que não precisa, mas isso não quer dizer que eu não possa dizer aonde está um troféu estúpido que eu derrubei. — Levanto passando raiva.

—Agora vai me dizer que as minhas coisas são estúpidas? —Ele levanta e me encara de um jeito que eu detestei.

—Se são tão importantes, o que estão fazendo aí nessas caixas?

—Não é da sua conta. — Diz entredentes.

Nesse momento eu encosto a mão na mesa e percebo que era tarde demais. Aquela luz colorida de sempre nos puxa para dentro do livro que tínhamos deixado na mesinha ontem à noite.

  “Era uma vez um maldoso anão feiticeiro que levou anos criando sua obra-prima, um espelho que numa imagem distorcida, aumentava os defeitos de tudo o que refletia à ponto de não se enxergar mais o que era belo. Para provocar discórdia em uma escala nunca vista antes, em alguns minutos, ele o elevaria até um ponto alto do céu para despedaçá-lo em milhares de pedacinhos que cairiam feito neve ao chão infectando todos que fossem atingidos pelos cacos”.

— Sabem, crianças? Cada floco de neve é como uma abelha, podem ser muito parecidas, mas são únicas. — “A avó envolve os ombros de Kai e Gerda que estavam colados na janela como sempre faziam durante o inverno”. — Cada sopro do vento que carrega a neve é um enxame de abelhas que esvoaçam procurando por sua rainha, mas e é claro que até as abelhas brancas têm uma rainha, a Rainha da Neve! Olha lá ela, a maior de todas, nunca para quieta, assim como suas abelhas. — “Aponta para um dos flocos”.

“A velha avó acaricia os cabelos dos garotos, eles eram vizinhos, suas famílias eram tão amigas que partilhavam o pequeno canteiro debaixo das janelas da lateral das casas que ficavam uma de frente para a outra, nele, junto com hortaliças, nascia uma roseira que as crianças adoravam. Suas casas eram tão coladas uma na outra que no verão bastava esticar as pernas de uma janela para a outra se encontrarem, mas no inverno, precisavam descer muitos degraus e, em seguida, subir outros tantos por causa da neve e janelas fechadas”.

— Ótimo jeito de fugir de uma discussão! — “Kai murmura”. —E até parece que algo assim existe… Aliás, eu não estou ouvindo o narrador.

— Eu não fiz de propósito. — “Gerda bufa sabendo que era inútil. Mas estranha a própria voz, já que ela estava bem mais fina”. — Também não.

— Vocês estavam tão calmos agora pouco, o que houve?

— Nada. — “Disseram juntos”.

— Bom, eu vou preparar um chá, por favor, não briguem, vocês são tão amigos…

— Eu preciso tomar um ar. — “Ele estranha o próprio corpo quando levanta, Kai sentia-se menor e mais leve, como se estivesse com quinze anos de idade novamente. Ele suspira indo para o lado de fora, estava muito frio”. — Não é que ele voltou a falar?

— Você deveria colocar um casaco. — “Sugere enquanto comprimia um dos braços contra o corpo e com o outro estendia um casaco marrom para ele”. —Não vai reclamar por eu não querer que você fique doente, vai?

“Kai bufa, o ar quente que sai por sua boca, cria uma nuvenzinha de fumaça que logo se desfaz no ar frio. Ele já nem estava tão bravo quanto aparentava estar. Gerda continuava debaixo do batente da porta agora fechada, ali, pelo menos, o vento não vinha tão forte”.

— Sabe, eu posso estar exagerando, é que têm coisas que eu… — “Ele pisca várias vezes, sentindo algo incomodar um de seus olhos”.

— O que foi?

— Acho que é um cisco. — “Ele esfrega”.

— Se for mesmo um cisco, assim vai piorar… Deixa eu ver. — “Ele abaixa um pouco e ela não vê cisco algum. Nesse momento, Kai sente uma pontada no peito, quase como se algo ali tivesse se transformado em algo sólido, mas a dor passa imediatamente”. — Len, você está bem? — “Gerda segura no braço dele, mas ele tira as mãos dela de cima dele”.

— Engraçado, né? — “Ri sem achar graça”. — É sempre a mesma coisa.

— Que mesma coisa?

— Você se intrometendo onde não deve… Preocupada com tudo. Sempre tão irritante. Meus dias estavam ótimos até você decidir ir para lá como se não tivesse casa, sendo que tem duas, e bagunçar tudo nos enfiando nesses livros idiotas que, mesmo sabendo que agora corremos risco até de morrer, você continua toda animadinha para entrar.

— Len, porque você está falando assim? — “Gerda olha no fundo dos olhos dele, mas desvia o olhar ao ver apenas frieza”.

— Que eu não sei o que eu vi em você. — “Ele encolhe o nariz”. — E eu estava aqui, quase te pedindo desculpas sem motivos, só pra não te chatear, mas agora vejo que eu deveria é parar de perder o meu tempo com alguém que está nem aí para o que eu penso ou sinto.

— C-como assim? Claro que eu me importo, eu… — “Gerda estava muito confusa, talvez por não querer entender o que ele dizia”. — Qual o problema?

— Você é o problema. Eu deveria voltar a ser um estúpido como costumava ser tentando te afastar, para te mandar de volta para sua família de psicóticos ao invés de te imaginar quase como parte da minha.

— Como parte da sua? — “Gerda pisca várias vezes e quando abre a boca para falar, vê que Kai se afastava pela neve. — Caramba Len! — “Grita da frente da casa para Kai enquanto tentava afastar seus cabelos revoltos pelo vento”. — Isso vai virar uma nevasca e você…

— E eu sou cego, é isso? — “Ele vira gritando com ela”. — Eu não vou me perder por andar em linha reta! Aliás, vá cuidar da sua vida!

— Eu estou cuidando e você sabe que não é disso que eu estou falando! — “Ela cruza os braços bem perto do corpo encarando seu amigo-irmão”.

— Sei? Então por que você não consegue me ver como algo além de “o irmão do meu amigo que eu só falo por causa dos livros”? Até o narrador diz isso.

— O quê? — “Ainda mais confusa, ela encara as costas dele”.

— Só me deixa em paz! — “Diz entre os dentes sem virar para ela”.

— Que seja! — “Gerda grita o mais alto que podia, fazendo com que sua garganta ardesse”.

— Ótimo. — “Kai diz com frieza, seguindo pelo caminho que o vento parecia lhe sussurrar”.

— Droga! — “Ela bate a porta e se deixa deslizar atrás dela”.

“Gerda abraça os joelhos pensando em como Kai podia ser tão inconsequente. Sem contar que do nada se transformou num grosso, bem pior do que antes. As coisas estranhas que dissera… Sabia que ele deveria ter razões para não querer tê-la por perto, afinal, ela sempre o colocava em situações complicadas… Suspira. Aquele olhar tão frio, tão diferente de como Kai era… O que tinha de errado com ele?”.

— Bem que você podia falar o que passa na cabeça dele! — “Resmunga com o teto”. — Eu não deveria me importar… Ele quer ficar com raivinha, que fique! Ele vai ficar bem… — “Suspira aproximando-se da lareira quentinha e olhando para a janela. A neve que caia lá fora estava mais e mais densa”. — Idiota… — “Ela veste uns dois casacos”. — Idiota. — “Enrola seu cachecol e calça suas botas de neve”. — Idiota! — “Ela sai atrás dele”.

“Gerda olha ao redor procurando por Kai. Ela suspira frustrada quando a leve trilha das pegadas dele desaparece na branquidão da neve que caia. Ela corre até o lago vendo um barco no meio dele, então sobe em uma árvore vendo que ele estava vazio. Mal imaginava que era a Rainha da Neve que que o havia escolhido levado para o seu reino”.

— O quê? — “Exclama”. — Como que se encontra alguém assim? Seguindo a neve? — “Ela ri”. — Normalmente eu acharia isso absurdo, mas… — “Segue em frente até a neve ficar densa demais para ela conseguir ver alguma coisa nitidamente”.

“Por sorte ela conseguiu avistar uma casinha não muito longe dali por causa do telhado vermelho visível da distância que ela estava. Era perfeita para buscar abrigo até poder sair novamente. Ela bate na porta com força várias vezes antes de uma velhinha abrir a porta”.

— Por favor, entre. — “Diz a feiticeira boa logo que a vê”. — Está tudo bem?

— Obrigada. — “Gerda corre para dentro batendo a neve para fora de suas roupas”. — Na verdade não muito. — “Admite”.

— Fiz chocolate quente. Você pode beber um pouco enquanto me conta o que aconteceu. — “Pendura o casaco da garota atrás da porta”.

— Tudo bem. — “A garota senta num banquinho e bebe um gole”. — Eu briguei com Le… Kai, meu amigo, e ele saiu de casa pouco antes de começar essa nevasca. Eu estou preocupada, meio que foi por minha causa… — “Ela aperta os dedos nervosamente”. — Ele tem a pele bem pálida, os cabelos escuros muito bagunçados e como está nevando, aposto que está andando por aí de olhos fechados… Por acaso a senhora o viu passar?

— Não. Eu sinto muito. — “Aperta a mão da garota”. — Você deveria descansar e esquecer um pouco disso. — “Sugere”.

— Esquecer? — “Gerda a encara confusa, só conseguia pensar que era perigoso estar perdido lá fora com um tempo daqueles”.

— Isso mesmo. — “Ela joga um feitiço na garota que cai adormecida”.

“Quando acordasse, ela não se lembraria de Kai nem de nada que vivera antes, ficando ali com ela. Ao contrário do que se podia imaginar, a feiticeira não fizera isso por maldade, o fez, apenas por gostar de usar sua magia. Ela joga um encanto sobre a casa para que a garota não visse a neve e se lembrasse de algo e Gerda viveu feliz e confortável com a feiticeira por uma quantidade de dias que não conseguia contar, pois passaram como instantes”.

— Gerda, minha menina, preparei uns bolinhos para você! — “Chama a garota que brincava com uns gravetos”. — Venha logo porque vai chover.

— Estou indo. — “Ela corre para dentro e senta correndo na poltrona que bate na estante que ficava logo atrás dela”. — O que é isso? — “Um livro púrpura cai na cabeça dela e Gerda encara a capa sentindo que tinha se esquecido de algo muito importante”.

“Ela come os bolinhos e volta para o jardim com o livro em branco nas mãos, num canto escondido, perto de uma pedra, ela vê uma flor que nem lembrava do nome, por isso se aproxima da rosa e no mesmo instante a chuva começa a cair enquanto uma nevasca acontecia do lado de fora da propriedade”.

— É melhor eu entrar… — “Mas ela nunca chegou a fazer isso. A chuva apertou deixando-a encharcada em poucos segundo. Molhada até os ossos, como no dia que viveu uma experiência estranha relacionada a uma ervilha ou então… — Ontem… Len! — “Finalmente recupera a memória e o gelo volta a tomar conta do lugar”. — E agora? — “Ela só queria sair de lá. Era o que desejava de todo o coração”. — Um coelho? — “Ela estranha e, carregando o livro, começa a perseguir a criatura até esta entrar numa moita e sumir sem explicação, quando vai ver de perto encontra um buraco que parecia ser sem fundo, mas acaba escorregando na lama e cai lá dentro”.


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Notas finais do capítulo

Aqui está, pessoas lindas /o/
Eu não faço ideia de como se divulga nesse site, então vai na sorte!



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