Ainda Vou Domar Esse Animal escrita por Costa


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Fala pessoal! Como havia dito, mais um capítulo. Espero que gostem. :)



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Já havia dois dias que não via o Ricardo e o Moacir sempre enrolava pra falar dele. Isso, realmente, não me cheirava bem. Eu, agora, estava limpando o quarto do Animal e, admito com um pouco de vergonha, reparando na decoração e nos objetos que ele tinha. É um quarto estranho, parece quarto de hotel. É muito impessoal. Não tem um quadro, nenhuma foto, nenhum objeto de coleção, nada!

–Se já terminou, saia.

Tomei um susto que quase derrubei o livro que estava na mão. O Ricardo entrou no quarto como um animal. Ainda bem que não sucumbi à minha curiosidade de começar a futricar nas gavetas do armário.

–Já. –Coloquei o livro no local, recolhi minhas coisas, mas não me contive e parei na porta. –Senhor?

–O que foi?

–Onde esteve esses dias? Quer dizer, você sumiu e eu fiquei fazendo o almoço e as outras refeições à toa.

Ele me olhou surpreso por um momento, acho que estava tentando acreditar que eu realmente havia perguntado aquilo. Mas foi só por um momento mesmo, seus olhos se voltaram em ódio para mim antes de responder:

–Eu te pago para trabalhar ou para fazer perguntas? O que faço ou não é problema meu e somente meu. Mesmo que eu não estiver, você fará suas tarefas. É para isso que foi contratada. Agora saia!

Ele praticamente me jogou pra fora e bateu a porta atrás de mim. Mal humorado! Eu desci para a sala resmungando e com uma raiva que até esbarrei no Moacir pelo corredor.

–Tá distraída, Sofia?

–Desculpa, Moacir, mas aquele animal me tirou do sério.

–Deixa eu adivinhar: Você perguntou mais que o necessário e ele te expulsou?

–Como sabe?

–Eu escutei a violência com que ele bateu a porta. Foi despedida?

–Não...Bom, não sei. Ele me expulsou de lá.

–Não foi. Sorte que ele está de bom humor.

–Bom humor?! Ele está com um humor do capeta!

–Acredite, ele está de bom humor. Vá fazer o almoço e não pergunte mais nada para ele. É um milagre que ainda não te mandou embora.

Eu decidi seguir o conselho dele e fui fazer o almoço. Hoje teríamos uma macarronada com almondegas. Será que ele gosta de queijo ralado? Poderia colocar um pouco de veneno lá. Um ótimo tempero pra um animal...Melhor deixar esses pensamentos psicopatas de lado e terminar logo isso.

***

Terminei e estava com uma aparência ótima a minha macarronada. Dessa vez ele não poderia dizer que está parecendo com vômito. Por falar nele, lá vem aquela besta com as pisadas mais pesadas que passo de cavalo. Ele está irritado. Ignorei e o servi, como sempre. Estava com os cabelos molhados, se vê que acabou de sair do banho. Não sei porque anda sempre tão formal, sempre de calça jeans, camisa social e botas. Porra, está calor! Ele está na casa dele, pra essas formalidades? Será que não tem umas camisetas, umas bermudas? Eu mesma estou com uma saia e uma baby luque e estou derretendo aqui. Impossível essa criatura não sentir calor.

–Por que tanto me olha? Sou algum quadro, alguma obra de arte para ficar me admirando? –Ele me perguntou e, só então, percebi que não havia tirado os olhos dele desde que chegará. Posso morrer agora de vergonha?

–Er... Desculpa. –Disse, simplesmente. Nem tentei formular uma desculpa. Sabia que iria me enrolar e ficaria pior.

–Suma daqui! –Ele ordenou, sem me olhar.

Eu sai de lá. Que mico! Depois dessa, vou até sossegar por um tempo. O que ele vai pensar? No mínimo que sou uma tarada. Não quero ser mal interpretada, se ele vier pra cima, darei um chute bem dado no meio das pernas dele.

***

O evitei pelo resto do dia e, incrivelmente, ele ficou em casa, ficou enfurnado na biblioteca. Nem passei por lá. Sei que ele vai xingar, mas limpo amanhã. Queria poder me esconder em meu quarto, mas a fome está gritando e eu preciso me alimentar, só estou com o almoço. Fui para a cozinha e preparei um belo sanduiche de alface com um ovo frito, dormido do almoço, que achei. Sentei-me em uma das cadeiras e comecei a devora-lo.

–Ainda acordada? –Ele, aquele animal, apareceu e ainda me deu um susto que me fez engasgar.

–Estou. Estava com fome. Algum problema de eu fazer um lanche ou também é contra? –Perguntei, depois de umas tossidas.

–Não, de forma nenhuma. Pode se alimentar o quanto quiser. Quero meus empregados bem fortes para trabalhar. –Ele disse, com ironia.

–Por que precisa ser sempre tão grosseiro? –Perguntei, sem pensar, e ele fez uma cara de surpreso.

–Não sou grosseiro, sou sincero. É diferente. –Disse, pegando um copo de água e se sentando na cadeira de frente para a minha.

–Então controle sua sinceridade. Umas mentirinhas caridosas, vez ou outra, não farão mal e fará seus empregados se sentirem bem.

–Posso tentar.

–Te fará bem. Seja mais gentil.

–Vou começar, então. Adorei a arrumação que você fez hoje na biblioteca.

–Obri... Espera aí, eu não arrumei ela hoje.

–Ops, uma mentirinha caridosa. –Ele confidenciou, sorrindo de lado e sem mostrar os dentes.

Levantei-me, furiosa.

–Não sei por que ainda perco meu tempo com você. Um animal sempre será um animal! –Falei mais alto antes de sair de lá e ir para ir ao meu quarto. Virando o corredor ainda escutei uma risada dele na cozinha. Insuportável! Ainda bem que amanhã é minha folga e não precisarei aguentar isso.

***

Acordei de mal humor. O episódio da noite não me fez bem e passei grande parte da noite imaginando uma continuação para aquela discussão e respostas geniais que poderia ter dado. Odeio ter essa imaginação fértil. Enfim, levantei-me depois das 10. É minha folga e não sou obrigada a ficar trabalhando hoje. Queria poder ir para a cidade, mas ainda não recebi o meu salário e não tenho dinheiro para o ônibus. O jeito será andar por aí e me afastar dessa casa.

–Sofia, bom dia! –João me cumprimentou ao me ver passar perto do estábulo.

–Bom dia, João!

–Quer que eu colha algo na horta para você preparar o almoço?

–Não precisa. Hoje estou livre, leve e solta. É minha folga.

–E o que ainda faz por aqui? Vai pra cidade se divertir, ver a família.

–Não posso. Eu estou sem grana.

–Que chato isso. O jeito é ficar por aí então.

–É. Mas, só de ficar livre da escravidão daquela casa, já estou feliz.

–Te entendo. A minha folga é só daqui a 2 dias. Estou ansioso por isso.

–Passa rápido, se o Animal não encher o saco.

–Impossível ele não encher, mas nos acostumamos.

Ficamos ainda um tempo conversando até o Ricardo aparecer com cara de poucos amigos. Já vi que levantou com o pé esquerdo.

–João, me prepara o Bolívar. –Ele ordenou.

–É pra já patrão. –João disse, antes de sair apressado.

Ficamos só eu e ele ali e, admito, estou desconfortável. Ele não para de me olhar de um modo estranho. Estou começando até a me sentir pelada.

–O que ainda faz por aqui? Não é a sua folga? –Ele perguntou, de modo ríspido.

–É, patrão, mas não quero sair. Posso ficar aqui ou isso é contra o seu agrado? –Perguntei.

–Pode ficar, mas coloque uma roupa mais decente para andar por aqui. Essa sua camiseta e shortinho tirará a atenção dos meus empregados e não quero confusão em minhas terras.

“Minhas terras”, falou igual ao Scar. Esse cara é o Scar do Rei leão, não é possível. Tem até a cicatriz. E agora essa de ficar controlando o que visto. Nem meu namorado é!

–Não se preocupe, sei bem me defender e minha roupa não é indecente.

–Para a cidade grande não, mas o pessoal daqui não está acostumado com esses trajes. Está avisada, não quero confusões entre meus empregados por sua causa ou estará na rua.

Eu iria rebater, mas o João chegou com um cavalo completamente negro que me tirou a atenção. O cavalo é lindo!

–Pronto, patrão, aqui está o Bolívar. –João disse.

–Segure-o para mim. –Ele ordenou.

João assim o fez e o Animal subiu no lombo do pobre cavalo antes de sair em disparada e sumir de vista. Cara estranho.

–É um belo animal. –Falei.

–Espero que seja o cavalo. –João disse, brincando.

–Claro que é o cavalo. Não seja bobo. Que raça é?

–Quarto de milha.

–Sempre gostei de cavalos, pena que nunca tive a oportunidade, o dinheiro e o tempo para aprender a montar.

–Se o patrão permitir, um dia eu te ensino a montar.

–Então nunca vou aprender.

–Quem sabe um dia. Milagres acontecem. –Falou, rindo.

–Talvez... João, eu reparei que essa propriedade é grande, mas não vi nenhuma criação de gado. Só tem esses animais mesmo?

–Só. Ela é grande assim porque o patrão não quer vizinhos e nem muito empregados. Eu e os outros temos mais trabalho reforçando e reparando as cercas das fronteiras do que cuidando dos animais.

–Esse cara é estranho. Um espaço desse tamanho sendo desperdiçado só porque ele quer se isolar.

–Também acho desperdício de espaço, mas as terras são dele.

Nesse momento chegou o Moacir e nos cumprimentou antes de falar com o João:

–João, se vier alguém procurar o Ricardo, ele saiu de viagem e não tem data para voltar.

–Tá ótimo, seu Moacir, mas acho que não vai aparecer ninguém não. Nunca aparece.

–Mas se aparecer, despache.

Ele concordou e o Moacir já ia se afastando. Agora encuquei. O que tem hoje para poder aparecer alguém? Corri atrás do Moacir.

–Moacir, querido. –O chamei e comecei a caminhar ao lado dele.

–Querido?! O que foi dessa vez, Sofia? Você não é tão carinhosa assim comigo...

–O que tem hoje de especial para aparecer alguém aqui?

–Então é isso? Você só quer uma fofoca?

–Fala, Moacir. Desde que cheguei aqui o Animal não recebeu visitas e nem ligações. O que tem de especial hoje?

–Você vai ficar na sua e promete não falar nada para o Ricardo?

–Prometo.

–Hoje é o aniversário dele.

–O quê?! Por isso ele esta de mau humor?

–Sim é, mas finja que não sabe de nada. Ele não gosta de comemorar essa data.

–Por quê?

–Por que não gosta, menina! Deixa de curiosidade. De todas as empregadas que já passaram por aqui, você é a pior... Se continuar assim ele vai te despedir.

–Que despeça! Eu não deixarei de questionar as coisas só porque um patrão não quer.

–Sofia, Sofia, você ainda vai se enrolar com isso...

–Quantos anos?

Ele parou e me olhou com a expressão incrédula.

–Você não desiste?

–Não. Quantos anos?

–49, eu acho.

–Só? Eu dava uns 55, 60 anos pra ele. Está tão acabadinho...

–Sofia!

–Tá, desculpa. Esqueci que não gosta que fale mal dele. Você é gay?

O Moacir parou e me olhou com uma cara de riso.

–Pareço?

–Você defende tanto o animal e atura tanto as rabugices dele que dá pra desconfiar de algo.

–Não sou. E, para te deixar mais tranquila, sou divorciado e tenho uma filha de 23 anos. Acredita agora?

–Acredito.

Continuamos andando, calados, mas não me aguentei e tive que perguntar mais:

–Você vai fazer festa para ele?

–Não, ele não gosta nem que lhe deem os parabéns.

–Que cara chato! Adoro quando é meu aniversário. Receber os amigos, me divertir... Que sonho! Pena que falta muito ainda.

–Você, ele não.

–E se fizermos uma festa surpresa. Posso te ajudar com o bolo.

–Não, Sofia, desista!

–Vocês são uns chatos.

–E você é alegre demais. Agora vá aproveitar o seu dia de folga e me deixe trabalhar que tenho coisas para fazer.

Ele foi para a casa e eu fiquei ali, parada, tentando entender porque esse pessoal é tão mal amado.

***

Eu passei o resto do dia acompanhando o João. Aprendi muito sobre o trato dos animais. Incrivelmente, ninguém apareceu e nem ligou para a fazenda. Parece que se esqueceram do aniversário do Ricardo. Também pudera! Animal do jeito que é deve ter afastado a todos.

De noitinha, eu fui para a casa e comi uma gororoba que o Moacir havia feito. Ainda era cedo e não queria ir para o meu quarto. Ficaria entediada. O Moacir, então, me emprestou um velho rádio, enorme e pesado, que eu liguei na sala e coloquei em uma estação qualquer para passar o tempo. Sentei-me no sofá e comecei a apreciar as músicas.

***

–Ei, acorda! –Fui acordada por um chacoalhar suave em meu braço. Ao abrir os olhos percebi que ela o animal e levantei em um pulo.

–Me desculpa. Acabei adormecendo aqui. Que horas são? –Perguntei, assustada, enquanto desligava o rádio. Sei que ele não gosta de barulho.

–São vinte pra meia noite. –Me respondeu, com uma suave calma que me assustou.

–Desculpa pela música.

–Sem problemas. Mas vá dormir na cama pra não ficar com o corpo dolorido. Esse sofá é duro. –Falou. Ele está se importando comigo? –Não quero que você fique lerda amanhã no trabalho por sentir dores. –Pensei cedo demais.

–Boa noite, patrão! –Falei.

–Boa noite, Sofia!

–A propósito, Feliz aniversário, Ricardo! –Falei e vi o queixo dele cair no chão com aquilo. Corri de lá o máximo que pude para não dar tempo dele rebater. Ponto pra mim. Deixei-o sem palavras. Essa noite dormirei tranquila. Dá-lhe Sofia!

Continua.


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