Ainda Vou Domar Esse Animal escrita por Costa


Capítulo 29
Capítulo 29


Notas iniciais do capítulo

Fala gente! Tudo bem com vocês?
Primeiramente, gostaria de me desculpar pela demora em responder os comentários e a postar. Essa semana tive pouco tempo e alguns problemas que acabaram me esgotando um pouco. Me desculpem por isso.
Sem mais, deixo mais esse capítulo e espero que gostem. :)



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Ainda era cedo e eu não estava com sono e nem com vontade de ler. O Moacir, gentilmente, acomodou uma mesa de frente para o sofá em que eu estava e se sentou na parte oposta. A noite seria de dominó. O Animal também se juntou a nós depois de um tempo. Eu ganhei a maioria até que o Moacir se retirou para dormir e só ficamos eu e o Ricardo.

—O Moacir odeia perder. –O Ricardo falou, com um riso, quando o Moacir sumiu de vista.

—Eu sei. Ele fica rabugento e sempre corre quando jogamos buraco.

—Ele também fazia isso quando eu jogava com ele. Sempre arrumava uma desculpa para sair.

Eu o vi esticar o braço e massagear o pescoço como se estivesse com dor.

—Se quiser, podemos parar. Não quero que fique desconfortável por minha causa. –Falei.

—É apenas essa velha cadeira. Essa coisa é um terror para a coluna.

—Sente-se aqui no sofá. Tem muito espaço e podemos pegar uma das pranchetas e usar como apoio para as peças.

—No sofá? E sua perna? Você não pode dobrar ainda para puxar para cima.

—Eu posso apoiar o pé jogando uma almofada no chão ou no pufe.

Ele pareceu não gostar muito da ideia, mas se sentou no sofá, de frente para mim e colocou uma prancheta entre nós para que pudéssemos arrumar as peças do dominó.

—Como está o pé?

—Confortável. E suas costas?

—Aliviando. Esse sofá é bem melhor que aquela cadeira. Mas vamos voltar ao nosso jogo. Preciso ganhar de você para poder me gabar depois com o Moacir.

—Boa sorte.

Continuamos jogamos durante mais uma hora, mais ou menos. Ele não ganhou de mim. Até que cansamos e finalmente nos acomodamos melhor no sofá para apenas conversar. A Titília aproveitou a deixa e sumiu ao lado dele, empurrando ele um pouco mais para o meu lado do sofá.

—Cachorra folgada. –Ele reclamou.

—Até demorou para que ela subisse.

—Realmente demorou.

Ela se acomodou com metade do corpo no colo do Ricardo e ele aproveitou para cocar ela. A traidora se desmanchou no colo dele. Ela não tinha me escolhido como dona?

—Você leva jeito com ela. Já teve muitos cachorros antes, patrão?

—Tive dois quando era criança. Napoleão e Visconde. Depois deles tive apenas mais uma: Bolota.

—Só três? Do jeito que você gosta de animais, imaginei uns 20, pelo menos.

—Houve um tempo que queria arrumar mais cachorros, mas, depois que perdi meus pais, meu tio que me criou não permitiu que eu tivesse mais. Quando eu completei 18 anos e sai de casa, eu não tinha mais tempo para cuidar de animais. Minha vida se resumiu em estudar e trabalhar.

—Você saiu de casa cedo. Deve ter sido difícil para se manter.

—Nem tanto. Meus pais não eram ricos, mas tinham uma boa condição financeira e, quando morreram, ainda recebi o seguro de vida deles. Não era muito na época, mas pude me manter e dobrar esse dinheiro.

—Você deve ter se formado cedo.

—Me formei com 24 anos e logo depois fui chamado para trabalhar. Eu sempre precisava viajar muito e não tinha tempo para nada. E você? Nunca pensou em estudar? Se formar em alguma coisa?

—Eu mal terminei o ensino médio. Larguei no primeiro ano para trabalhar. Eu era nova e queria um dinheiro imediato. Por um tempo funcionou, mas hoje a maioria dos lugares pedem a conclusão de um estudo que não tenho.

—Por isso veio trabalhar para mim?

—De certa forma. Eu estava ferrada e devendo dois meses de aluguel. Acho até que conseguiria um outro emprego, mas a sua proposta de trabalho era mais rentável. Mas foi bom eu ter me decidido por esse. Aqui, ganho mais, me divirto mais e até aprendi a dirigir.

—Agora, não é? Lembro que no começo você reclamava bastante.

—Você não é uma pessoa muito fácil de lidar, preciso admitir.

—Eu sou um pouco difícil, reconheço. Mas você nunca pareceu se importar muito, pelo contrário, sempre me enfrentou.

—Você me irritava um pouco e eu sempre fui um pouco língua solta. Depois que eu falava é que percebia o erro.

Ele assentiu e ficou calado. Ficamos uns minutos calados como se assunto tivesse morrido. Eu tentei retomar o papo com uma curiosidade que eu sempre tive.

—O que há no sótão? Esse é o único lugar que eu nunca entrei aqui.

—Coisas velhas. Lembranças dolorosas. –Ele respondeu, desviando o olhar e eu pude sentir sua dor.

—Se te traz lembranças dolorosas, por que não se desfaz dessas coisas?

—Eu não posso. São uma parte de mim, mas uma parte que me faz lembrar de coisas que já não voltam mais.

Ele deve estar falando da antiga esposa dele. Eu queria perguntar, realmente queria, mas não posso falar que a Mariana me contou. Se ele quiser, ele terá que me contar um dia. E, puta que pariu, espero que seja rápido. Eu estou morrendo de curiosidade de saber o que aconteceu.

—Já está cansada, Sofia? –Ele perguntou, ao me ver bocejar.

—Um pouco, para falar a verdade.

—Quer que te ajude de uma vez para chegar em seu quarto?

—Eu estou dando um trabalho danado para você e o Moacir, não estou?

—Não muito, mas é melhor esse trabalho por uns dias do que você se arriscar e cair da escada e acabar se machucando mais.

—Eu ainda vou aprender a subir essa escada sozinha com essas muletas.

—Eu sei que vai, mas não force o pé, ao menos nos primeiros dias.

Ele se levantou e me ajudou a levantar-me. Com cuidado recolheu as muletas em uma das mãos e me deu o outro lado para me apoiar em seu ombro. Subimos as escadas e ele me deixou na porta do meu quarto.

—Eu vou estar no meu quarto. Se precisar de alguma coisa, Sofia, basta gritar.

—Obrigada, Ricardo.

—Boa noite.

—Boa noite, durma bem.

—Você também.

Eu entrei no meu quarto e fui para a minha cama. O Ricardo é um bom homem, é mais do que ele gosta de aparentar. Eu devia ter torcido o meu pé há mais tempo para que ele se tornasse mais sociável.

***

Os dias que se seguiram foram os mais tranquilos que eu já passei na fazenda. Estabelecemos uma nova rotina: O Ricardo se preocupou em cozinhar enquanto o Moacir cuidava das rondas diárias para verificar a cerca e ver se os animais estavam sendo bem tratados. À noite, nos reuníamos para jogar dominó. O Moacir, por esses dias, sempre arrumou uma desculpa para ir dormir cedo e deixar eu e o Animal sozinhos. Foi um golpe meio baixo dele, mas foi bom. Eu aprendi várias coisas novas sobre o Ricardo. Ele me contou alguns episódios de sua infância e algumas situações sobre a faculdade. Ele nunca mencionou a falecida mulher. Também não tive coragem de perguntar e nem cara. Como eu diria para ele que já sei que é viúvo?

Depois de um tempo o dominó se tornou chato e ele acabou me ensinando a jogar xadrez. Levou alguns dias para eu aprender as regras, mas ele foi paciente e me explicou várias vezes. Ainda não consigo ganhar dele, mas já sei jogar, o que é um começo.

Hoje eu já estou conseguindo apoiar o pé, mas ainda dói. Já não preciso mais das duas muletas, apenas uma é o suficiente para me locomover e subir e descer as escadas. Hoje o almoço ficou por minha conta.

—Sofia, será que já não aprendeu a deixar a maldita muleta perto de você?! –O Animal veio da sala carregando aquela coisa. Devo ter esquecido no caminho, de novo.

—Meu tornozelo já está bom, patrão.

—Está tão bom que ainda está mancando. Não abusa, Sofia.

—Essa muleta é um trambolho enorme pra eu ficar arrastando isso pela cozinha.

—Não seja por isso.

Ele saiu antes de eu entender o que ele queria dizer, mas voltou, pouco depois, com uma bengala nas mãos. De onde ele tira essas coisas?

—Veja se isso está melhor.  –Ele disse, me entregando a bengala.

—Sério? Uma bengala?

—Por que não? É melhor que você ficar forçando seu tornozelo. Ao menos te dará algum apoio.

—Sei lá, isso me lembra aqueles magnatas de antigamente. Aquelas figuras que tem nos seus livros de história.

—Antigamente era um acessório de vestuário e status, hoje é uma necessidade. Experimenta.

Eu preferi não discutir e testei aquilo. Era melhor que a muleta e mais leve. Me dava mais mobilidade. Ainda é estranho, mas quase ninguém vai me ver usando isso mesmo.

—Acho que está melhor. Obrigada, patrão.

—Por nada.

Eu achei que ele fosse embora depois disso, mas não, puxou uma cadeira e se sentou na cozinha. Odeio quando ele fica me olhando cozinhar. Isso me desconcerta, tira minha concentração.

—Você não tem que ir olhar os animais? –Perguntei.

—Já fui mais cedo. O que teremos para o almoço?

—Risoto de frango. Seu preferido, não é?

—Então você lembrou?

—Acho que sim. Nada mais justo para agradecer o que fez por mim esses dias.

Ele me olhou, com um sorriso, e acenou. Há uns dias ele me confessou que sua comida preferida era risoto de frango. Achei que seria uma boa forma para agradecer cozinhando isso na minha volta para a cozinha.

—Qual a sua cor favorita? –Perguntei, após uns momentos de silêncio perturbador.

—Como?!

—Você me disse sua comida favorita, mas não me disse sua cor.

  -Eu te disse porque você perguntou. Você também não me disse qual sua comida favorita.

—Você não perguntou.

—Mas achei que seria lógico você falar depois que eu falei a minha preferência, naquele dia.

—É pastel.

—Pastel, jura?

—Eu sou pobre. Adoro ir à feira comer aqueles pasteis de lá. Trazem boas lembranças da minha infância. E gosto de verde. Verde, definitivamente, é a minha cor.

—Eu prefiro a cor laranja.

—Você? Achei que seria algo mais sombrio. Preto, cinza, azul marinho ou marrom, talvez.

—Eu gosto de cores quentes.

—É uma boa cor.

—É.

—Doce favorito?

—Isso é um interrogatório? –Ele perguntou, rindo.

—Não. Só achei que seria bom se nos conhecêssemos um pouco. Algo além das nossas discussões sobre eventos do passado de um Brasil distante.

—Achei que gostasse das nossas conversas sobre História do Brasil.

—Gosto, mas gosto também de falar outras coisas. Você é meio fechado e quase nunca fala do seu passado e dos seus gostos. E quando vou ter o prazer de ver um de seus quadros?

—Você é impossível, Sofia. Sua curiosidade ultrapassa seu bom senso. –Ele tentou se manter sério, mas vi que estava apenas brincando.

—Poderei ver um de seus quadros.

—Acho que não.

—Acha ou tem certeza?

—Eu...

Ele iria continuar a falar, mas parou quando o João entrou pela porta de trás e o chamou. Uma cerca havia despencado e eles precisavam de ajuda.

—Vá na frente arrumando as coisas que já vou, João.

O João acenou, roubou uma maçã e sumiu porta afora. O patrão se levantou, caminhou quase ao meu lado e sussurrou próximo ao meu ouvido.

—Talvez um dia eu deixe você ver uma de minhas pinturas.

Ele saiu e eu fiquei com o arrepio na espinha por ele ter se aproximado tanto. E essa agora? Antes nem se aproximava. Agora, só porque ficou me ajudando a subir e descer as escadas acha que pode ficar se aproximando assim? Não que não seja bom, mas é estranho. Mais estranho ainda por eu começar a imaginar ele me abraçando de boa vontade e avançando com uma fungada no pescoço. Cruzes! Sai pensamentos impuros! Eu não posso e não quero fantasiar com o meu patrão.

Continua.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Obrigada por lerem.
Se quiserem, deixem vossa opinião, sugestões ou críticas.
Forte abraço e até mais!



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