Just Another Game - Jogos Vorazes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 20
Último dia viva - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Espero que goste.
Boa leitura! ♥



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 “Não tenha medo de confrontos, porque até os planetas já colidiram, e do caos nasceram as estrelas.”

 “Do caos nasceram as estrelas.”

 “Não tenha medo de confrontos.”

 Como posso ouvir você agora, mãe? Como posso deixar de temer uma coisa dessas? 

 Conseguia ouvir minha respiração, cada vez mais descompassada a medida em que o pânico tomava espaço em cada pedaço do meu ser.

 Trent ergueu as sobrancelhas numa saudação muda. De mim para Emmett. Demorou-se ao fitar meu parceiro, com o ressentimento visível em sua expressão. Garnet e Ernessa. Ele sabia que Garnet havia sido morto por Emmett e provavelmente desconfiava que Ernessa também havia sido morta pelo mesmo. Mas não. Maryah havia feito aquilo, havia acabado com a garota do 02 ainda no Banho de Sangue, e Amethyst, com sua lança, também tirou a vida de nossa aliada pouco tempo depois. 

 Aquela lembrança faz meus dedos coçarem ainda mais. Eu realmente estava com raiva. Queria mesmo matar aquela garota. No fim das contas, todos tínhamos pendências uns com os outros. Todos nós perdemos pessoas, mas eu duvidava que aqueles Carreiristas frios que estavam usando uma garotinha de seis anos - A minha irmã!— como escudo humano contassem as pessoas que haviam perdido, de fato, como pessoas

 Amethyst percebe o fogo da raiva que brilhava em meus olhos. Aquilo a diverte.

— Kaylee Donner, não é? Abaixe o arco — Ela retrai os dedos nos ombros de Kristy, que me olha terrificada.

— Obedeça — Trent balançou o machado em minha direção. — Abaixe o arco.

 Meu cérebro não conseguia formar um único pensamento, qualquer ação de ataque e defesa que não fosse sair terrivelmente errado. Não me lembrava de alguma vez em que tivesse me sentido tão inútil na vida. Lá estava minha irmã, correndo um grande risco, e eu abaixei minha arma. Eu me odiava.

 “Me perdoe, mãe. Por favor, me perdoe.”

— Sejam racionais  — Emmett cortou o silêncio que havia se estabelecido. Uma calma e casualidade espantosas em sua voz. — Acham que matar uma criança vai ajudar vocês de alguma forma? 

 Matar?! Do que Emmett estava falando? O ar pesou nos meus pulmões. Todo meu corpo congelado no horror da hipótese. Eu lutava contra as lágrimas. Engolia em seco, repetidas vezes. Era uma fraca, uma inútil, sem reação diante da possibilidade da morte da pessoa que eu mais amava no mundo.

 Mas eu não podia fazer muito. Continuava a repetir a mim mesma que não podia ser estúpida. A paralisia de medo podia ser algo bom por hora.

— Trent… — Emmett sorriu irônico para o outro garoto.  — Você sabe como isso é importante, não é verdade? O que acha que vão achar disso, hum? O público.

— Não precisamos mais nos importar com a merda do público  — Foi Amethyst quem respondeu.

 Ela parecia menos bonita, como se tivesse envelhecido anos em dias. Carregava consigo uma expressão de fadiga e chateação, tudo misturado. Seus cabelos dourados já não brilhavam tanto. Era óbvio que estava desesperada para voltar ao 01, a sua vida de luxo e conforto.

— Na realidade — Trent começou, mirando a lâmina reluzente de sua arma. — Os idealizadores serão bem generosos, com certeza. Nós suspeitamos que os reféns sejam uma espécie de troféu, um bônus. — Ele apontou a arma na direção de Kristy. Arfei por um momento. —  Quem sabe, se matarmos essa aqui… — Seu machado colocou-se em minha mira uma vez mais. — Vão nos devolver os abastecimentos que vocês dois destruíram junto com a Cornucópia.

— Tão egoístas  — Amethyst balançou a cabeça em reprovação, de forma sarcástica.

— Podemos lhes dar o que temos. Tudo. É só deixarem a garota de fora — Emmett tentou o acordo.

 Trent gargalhou. Franziu o nariz numa careta.

— Ainda é pouco.

 Como eu o odiei. Como me odiei por ter deixado aquele desgraçado do 02 interferir na minha relação com Emmett. Como me odiei por ser de fato impressionável, por ter acreditado que dentro daquele garoto, criado para ser um assassino frio, poderia haver algum resquício de humanidade. Agora, eu entendia. Emmett era uma exceção, algo especial que havia cruzado meu caminho por sorte. Ele podia ser assassino, como eu também era agora. Podia ter todo treinamento dos outros Carreiristas. Porém, permanecia humano.

 Trent girou o machado perigosamente a centímetros do rosto de Kriss. Lembrei-me de Judy. Observei as feições de terror puro estampado no rosto de minha irmã mais nova. A mescla das cenas era inevitável. A memória se distorceu. De repente, a imagem em minha mente era de Kristy. Ensanguentada, ferida, caída no chão da Arena. Me senti nauseada. O mundo girou por um instante breve. Achei que fosse desmaiar.

 Pelo canto dos olhos, tentei captar uma vaga esperança. Emmett, porém, mantinha-se tão estático quanto eu.

— Sinto muito, Kaylee — Trent deu de ombros.

 “Não, você não sente nada. Desgraçado.”

 O garoto do 02 girou o cabo do machado entre os dedos novamente. Kriss chorou. O pânico explodiu e me queimou por dentro. Arfei. Senti os olhos umedecerem, embaçando parcialmente minha visão. Não, não!

— Trent!  — Supliquei.

 Ele não pararia. Ele estava se preparando. Ah, Deus. Deus. Eu quero morrer. Queria já ter morrido. O que devo fazer? Não posso simplesmente assistir. Meus dedos apertaram o arco, prestes a ser erguido novamente. Se eu encontrar uma brecha. Se eu tiver uma chance. A direita, ou a esquerda? Em Amethyst ou Trent? Nele. Eu estava cega de raiva por ele agora. Eu só quero vê-lo morto, quero que deixe minha irmã em paz. Se eu puder apenas mirar…

 Um zunido. 

 Outro.

 Emmett fora mais veloz do que uma flecha. Em uma fração de segundo, o brilho prateado riscou o ar, seguido de outro tão certeiro quanto. O primeiro fixou uma pequena faca de arremesso no antebraço de Trent - O que segurava o machado. O segundo, uma faca no ombro, um tanto próxima ao pescoço de Amethyst.

 Rapidamente, a loira levou as mãos até o cabo da faca, largando Kristy. Arrancou a lâmina bruscamente, soltando um grunhido estridente. Ela pareceu desnorteada, como se incrédula.

 Minha flecha não tardou a ser lançada, na direção de Trent. Mas ele se atirou na grama e conseguiu se salvar facilmente. Eu estava tremendo, minha mira não era algo para se contar naquele momento.

— Kriss, corra! — Berrei.

 Nunca havia visto minha irmã correr tão rapidamente. Nem parecia ela.

 Os segundos em que gastei a observando foram cruciais para que Trent se pusesse de pé, já sem a faca presa a seu braço. Estava perto o suficiente para que meu arco se tornasse ineficiente. 

 Foi estranho. Ele me olhou e sorriu. Franzi o cenho, tão perturbada com aquela cena.

— Vai ser legal te incluir na minha lista.

— Que lista? — Muito rapidamente, olhei para o lado e constatei Kriss a uma distância razoável da batalha. O peso ficou mais leve. Eu não me importava comigo. Ela precisava viver.

— Os meus mortos.

 Perturbador era uma palavra leve. Trent era animalesco. Diabólico. E certamente presunçoso demais para o próprio bem. Ele sorriu de novo, antes de erguer o machado e lançá-lo na direção do meu pescoço.

 “Oh, uau, machados. Que ótimo.”

 Eu era veloz, ágil. Com aquilo, podia contar. Me abaixei, sentindo o sopro do golpe acima da minha cabeça, e recuei logo em seguida, quando outro golpe fora direcionado na direção do meu tórax. Eu continuava a recuar e a recuar enquanto minha mão tateava o cós da calça, onde encontrou o punhal. O barulho de lâminas se chocando na briga de Amethyst e Emmett não podia me distrair. Encontrei uma brecha no ataque e cortei superficialmente o braço de Trent. Nada que o fizesse parar. 

 Meu coração martelava forte nos ouvidos. Minha respiração, mais ofegante do que nunca. Qualquer deslize seria fatal. Recuar logo deixaria de ser eficiente.

 “Não tenha medo de confrontos. Não tenha medo de confrontos.”

 Foi então que tive aquela ideia louca.

 Após uma nova investida falha, agarrei os braços de Trent junto a seu machado. Ideia terrível. Ele era muito mais forte e era claro que dominaria a arma novamente em questão de segundos. 

 Eu iria morrer. Era meu último dia viva. Eu soube naquele momento.

 No entanto, havia uma surpresa esperando por mim. Por todos nós. 

 Eu não soube de onde veio. Apenas senti o impacto. Uma cabeçada. Eu e Trent fomos arremessados no chão. Sentei na grama, depressa. Meus olhos saltaram para o bestante. Os bestantes...

 Dois lobos negros. Um para mim e outro para Trent. Saquei o arco novamente, tão rápido. O animal fez menção de avançar, mas minha flecha atingiu seu focinho antes que o fizesse. Ele grunhiu. Meu antigo oponente já estava de pé, lidando com seu bestante particular. 

 Um grito agudo e horrível me fez olhar na direção em que antes meu parceiro e Amethyst travavam sua batalha. Emmett estava ocupado demais para olhar, desferindo golpes de espada no lobo que lhe fora designado. O grito havia vindo da garota do 01. A cena era terrível. 

 Amethyst já estava bastante ferida da luta com Emmett e não conseguia se defender. O lobo abocanhara sua coxa e a estava sacudindo, puxando, rasgando. Não havia mais chances para ela.

 Tudo estava acontecendo rápido demais. Soltei outra flecha que acertou o tórax do lobo, mas seu couro parecia forte e resistente naquela região. Com as patas, conseguira arrancar a primeira flecha com a qual lhe atingira e estava me olhando furioso agora. Trent despencou no chão a meu lado após ser acertado por algo. Eu sequer tive chances de me por de pé. 

 Tentei recuar depressa, mas ele me alcançou. Um rugido feroz, seguido de sua pata erguida. Suas garras alcançaram minha coxa direita e minha barriga. Rasgando o tecido que as cobriam. Perfurando minha pele profundamente. E eu sentia tudo. 

  Gritei de dor. Havia algo a mais ali. Eu senti no momento do golpe. Não era um arranhão comum. Havia algo, mas eu não tinha tempo para pensar a respeito.

 Minha lâmina fez um risco que cortou a face do animal na horizontal, acima dos olhos. Ele rosnou. Estava quase sobre mim. Tentou abocanhar minha perna. Rolei para o lado, finquei o punhal em seu ombro e me agarrei a suas costas com o braço livre. Outro rosnado. Estava determinado a afundar as presas em mim. Sinto seu hálito, á poucos centímetros de meu rosto. Seus olhos cor de âmbar, ferozes, decididos a acabar comigo… 

  Mantinha a mão agarrada ao cabo do punhal. Permaneci mais alguns segundos agarrada a ele num abraço estranho, tentando ganhar qualquer tipo de vantagem. O lobo se debateu, tentando me afastar. Acabei cedendo, não sem antes girar e, em seguida, tirar a lâmina de sua carne rígida. Ao invés de mais um rosnado, um grunhido de dor. 

 Cai a pouco mais de dois metros de Trent. O animal o havia ferido muito, mas eu vi a machadada fatal que o garoto do 02 desferiu na cabeça do bestante. O corpulento oponente caiu sem vida sob um Trent visivelmente exausto.  

 Meu lobo voltou depressa. Entretanto, eu estava pronta. Risquei-lhe o rosto novamente com o punhal e, quando sua cabeça virou-se para o lado, tive de me aproximar uma vez mais para que minha lâmina se fincasse em sua garganta. 

 Seus dentes agarraram-se ao meu braço. Gritei. Determinada, ainda que sentindo aquela dor lancinante, permaneci firme. Tomada pela adrenalina, terminei o serviço, rasgando seu pescoço. Meu braço fora banhado em sangue - o meu sangue e o dele. O lobo tombou para o lado, sem vida.

 Nem tive tempo de respirar fundo. Meu reflexo me fez rolar para cima do corpo do animal. Trent tentou me golpear com seu machado. Fraco demais para se por de pé, ainda estava deitado debaixo de seu bestante morto. Mesmo assim, insistia em tentar me matar. 

 Tirei o arco das costas. Armei a flecha. Foi um movimento mecânico, fácil. Tão fácil... Eu não era mais eu mesma. Tive certeza naquele minuto. A mão que segurava a haste e puxava a corda queimava como brasa, junto com o resto do braço ferido. Trent ainda tentando me atingir. Tentando, tentando e tentando. Percebi que ele parecia estar cego pelo sangue que cobria seu rosto arranhado. Num instante, porém, seus olhos se arregalaram para minha arma. Subitamente pareceu lembrar... Lembrou que a garota do 04, a pescadora, era uma arqueira.

 Seu braço ficou imóvel. O machado caído ao solo. Minha flecha o perfurou certeiramente no olho esquerdo. Seu cadáver permaneceu olhando para mim, e eu para ele. 

 Lembrei-me de Emmett, num susto repentino. 

 Coloquei-me de pé, com a sensação de tontura, a dor exagerada que aqueles arranhões e a mordida haviam me causado. Meu parceiro havia matado seu lobo, mas agora lidava com o lobo de Amethyst. Meu olhar vagou ligeiramente para a beldade do 01, um monte de carne, sangue, e coisas que deveriam estar dentro dela. Era terrível demais para ser verdade. Minha mente precisava viajar para outro lugar ou eu a perderia para sempre.

 Apenas desviei os olhos da massa de carne desmembrada que um dia foi Amethyst e caminhei para frente, sacando flechas e atirando, atirando, uma atrás da outra. Nada que o machucasse realmente, mas o meu ataque incomodou o bestante por tempo suficiente para que Emmett encontrasse espaço para um golpe letal de sua espada.

 Ele ofegava incontrolável quando o lobo finalmente caiu imóvel. Passou a costa da mão sob a testa. Não parecia mais ferido do que eu. Sabia que a maior parte do sangue em suas roupas não pertencia a ele. Sorri. Então despenquei no chão.

 Emmett não tardou a correr até mim. Eu mantinha o sorriso no rosto. Ele rasgou um pedaço grande de tecido de sua camiseta e começou a enrolar no meu braço. Doeu, mas não reclamei.

— Eles têm veneno nas garras e dentes  — Eu o ouvi dizer.  — Eu estou sentindo também. Você é forte, Kaylee. Fique comigo, está bem? Não vá dormir agora, pescadora... Preciso de você.

 Dei uma risada fraca e rouca.

— Estou bem acordada e vou continuar assim. Prometo.

 Eu era realmente capaz de cumprir aquilo? Estava sentindo tanto sono. Meu corpo inteiro formigava, adormecia aos poucos, era o único jeito de escapar da dor que já parecia ter percorrido todos os caminhos possíveis em minhas veias.

 Senti a mão de Emmett deslizar levemente pelos meus cabelos, após terminar o curativo. Ele segurou minha mão boa com sua outra mão livre. Não conseguia ver, mas sentia um pouco da movimentação. Percebi que ele parecia inquieto. Num lampejo de consciência, entendi o porquê.  

— Kriss...  — Forcei meus olhos semicerrados a abrirem-se por completo. Emmett tinha o rosto virado para o outro lado. — Onde ela está?

— Ela está vindo para cá — Minhas pálpebras voltaram a pesar, o vislumbre de um sorriso calmo e lindo que também me acalmava, antes da escuridão me envolver. — Não se preocupe. Ela está...

 Ele se deteve. Sua mão largou a minha. O toque em meus cabelos sumiu. Ouvi os passos apressados na grama. O que estava acontecendo?

 Tentei fazer meu corpo reagir, mas nada acontecia. Por alguns minutos, perdi a luta contra a inconsciência. 


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Notas finais do capítulo

Se eu estivesse lendo, odiaria esse tipo de final haha mas foi necessário, não queria incluir tudo num único Capítulo. Até a próxima! s2



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