*Ivye

Naquele momento a única coisa que eu queria era esmagar a cabeça estúpida de Dan contra a parede.

Como se minha missão não fosse difícil o suficiente sem ele agarrando Lucy! Ok, tecnicamente, ela que agarrou ele, mas ele continua sendo um idiota. Se tivesse me ouvido desde o começo não estaria no meio dessa loucura toda.

Observei atônita, enquanto Dan afastava Lucy com as mãos em seus ombros e me olhava de queixo caído. Aquela situação já era constrangedora demais, mas tudo tem como ficar pior.

Lucy, sem mais nem menos, motivo, causa, razão ou circunstância começa a chorar. A chorar mesmo, a ponto de soluçar e seu nariz escorrer. Dan a ajuda a se sentar, tão confuso quanto eu enquanto Lucy continua chorando.

–Lucy... –Dan diz calmamente, depois de um tempo. –O que houve?

Ela limpa o nariz com a manga da blusa e olha para o nada durante alguns instantes. Depois sua visão cai diretamente sobre mim, como se ela estivesse me vendo, e eu paraliso momentaneamente. Mas então ela volta a olhar para Dan e sussurra, ainda chorando:

–Você não sabe... –mais soluços. –Como tem sido difícil desde que ele foi embora.

–Seu ex-noivo? –Dan pergunta.

–Não, o traficante dela! È claro que é o ex-noivo, seu idiota! –exclamo, simplesmente porque estou sentindo muita raiva e Dan é o único ser em que posso descontar isso, afinal ele é o único que me vê.

Ele revira os olhos e Lucy recomeça a falar:

–Sim... Todos os dias, desde que ele partiu eu tento entender onde eu errei. O que fiz para ele me deixar assim. Eu pensei que... que você, talvez, pudesse me fazer esquecer, pelo menos por um instante... Mas é claro que você não faria isso. Você é bom demais para tirar vantagem do sofrimento de mulheres estúpidas. –ela diz, sorrindo entre as lágrimas.

Minha mente começa a funcionar rapidamente. Estava mais perto que nunca de completar minha missão. Naquele exato momento, Luke estava num avião com destino a Califórnia, se perguntando por que diabos seu assento tem um ventilador acima de sua cabeça, como se o ar condicionado do avião não fosse frio o suficiente.

Eles iriam se encontrar breve, era apenas questão de tempo. Tudo estava entrando nos eixos, mas e se... Quando se encontrarem, Lucy estiver tão magoada que não será capaz de se apaixonar? Eu nunca havia ouvido nada do tipo, mas nossa profissão não vem exatamente com um manual de instruções!

Percebo o olhar de Dan sobre mim, me pedindo ajuda.

Mas pela primeira vez, desde o inicio dessa confusão toda não sei o que dizer. Não suporto a intensidade do olhar do meu melhor amigo sobre mim e desvio o olhar. Ouço-o suspirar, e um silêncio mortal toma conta da pequena sala de Lucy.

–Lucy... –diz Dan, cortando o silêncio. Sua voz falhando, seu olhar ainda pousado em mim. –Eu sei que, nesse momento, você se sente num beco sem saída. Sei que pensa que essa dor que você sente agora vai te acompanhar para sempre, mas não vai. O tempo passa, e as coisas mudam. Sei que parece clichê, mas é verdade. A dor acaba se transformando em alegria e o sofrimento em memória. Vai passar, Lucy. Mas enquanto não passa, você tem que ser forte. E, além disso, algo me diz que... Alguma coisa muito boa vai acontecer com você. É só uma questão de tempo.

Então meu olhar e o de Dan se encontram e nós trocamos um breve sorriso cúmplice. E esse pequeno gesto é suficiente para afastar toda a minha frustração.

–Talvez você tenha razão, mas eu... Eu simplesmente não consigo ser tão positiva nesse momento. Desculpe pelo beijo, Dan. Foi um ato impensado, de verdade. –Lucy diz, secando as lágrimas. –Eu vou ir pro meu quarto e me trancar lá até o fim do ano, que é provavelmente o tempo que eu vou levar para superar essa vergonha.

Ela se levanta e vai até o quarto. Assim que ela fecha a porta, Dan sussurra.

–Antes que você me mate, foi ela quem me beijou, você viu!

–Relaxa, Dan. Eu sei disso. Logo, logo tudo será resolvido. –eu respondo, com a mente em Luke. –Agora, me conta logo.

–Contar o que? –ele pergunta com aquele olhar confuso que me faz ter vontade de perguntar se ele é lento assim mesmo, ou finge ser.

–Eu conheço você, aconteceu alguma coisa! –exclamo. –Alguma coisa muito boa... Como foi o encontro com a tal Kate.

Então eu testemunho a cena mais ridícula do universo:

Dan dá um longo suspiro e seu olhar logo assume outro brilho. Ele se deita no sofá e agarra uma almofada, que trás até seu coração e aperta.

–Foi tão... Ah, Ivye, foi tão... AH! –ele exclama e suspira ao mesmo tempo.

Para alguém cujo trabalho é lidar com pessoas apaixonadas, é de se esperar que eu saiba lidar com uma, certo? Errado.

Minha primeira reação ao ver Dan naquele estado é rir. Rir até meu fôlego acabar e meus pulmões arderem. Sei que fui longe demais quando Dan joga uma almofada na minha direção, o que não muda nada, já que ela me atravessa.

–Dá para parar de rir e me deixar falar?! –ele pede, e eu digo que sim.

Mas enquanto Dan conta sobre uma praia e um por do sol, sobre uma garota de cabelos loiros e olhos verdes, e um beijo fenomenal, a única coisa na qual consigo me concentrar são seus olhos.

Enquanto ele fala de Kate, os olhos de Dan assumem um enorme brilho apaixonado, e sua boca se curva em um sorriso enorme.

Nunca havia visto meu amigo tão feliz. E não posso evitar me sentir muito feliz por ele, mesmo sabendo que ele está quebrando todas as regras.

E também não posso evitar me sentir tremendamente culpada. Culpada porque há algo que Dan não sabe e que eu não tinha forças suficientes para contar a ele...

Cupido havia me procurado.

Estava em um café em Londres, na mesa ao lado de Luke, esperando que ele tomasse uma decisão que iria mudar sua vida para sempre, quando ele apareceu. Ele simplesmente se materializou na cadeira á minha frente, tremendo poder que fazia minhas mãos tremerem um pouco.

–Quem é você? –eu tinha perguntando, com a voz tremula.

–Oh, Ivye, me poupe das cordialidades. Você sabe quem eu sou, é muito esperta e sensata, diferente de seu amigo Daniel. Você sabe que ele está numa enrascada, não sabe? –ele havia dito, a voz grave causando tremores na pequena mesa.

–Eu... –comecei a dizer. Queria defender Dan, queria mesmo, mas eu sabia que não devia mentir para o próprio Cupido. E eu também sabia a diferença entre o certo e o errado, o permitido e o proibido. –Eu sei. –completei.

–Ótimo. Então é bom que saiba que, se Daniel não parar com sua fantasia amorosa enquanto ainda é tempo, ele vai acabar muito, muito machucado. Você não quer ver seu amigo assim, quer Ivye? –ele perguntou, o olhar intenso sobre mim, e eu sacudi a cabeça em um não.

–Então você sabe o que tem de fazer. –ele completou, mas eu ainda estava confusa.

–Perdão...?

–A partir de agora, você tem outra missão. Tem que afastar Daniel de Kate. Se você conseguir isso, tudo se resolverá. –ele disse, e para enfatizar isso, ergueu a mão até Luke e uma brisa suave se formou. De repente, Luke levantou da mesa, com a passagem em mãos, a decisão tomada.

E quando voltei o olhar á cadeira a minha frente, não havia nada. Cupido se fora.

E agora, como eu poderia separar Dan e Kate depois de presenciar toda a felicidade dele? Não podia fazer aquilo com ele, não depois de tudo que havíamos passados juntos.

O único modo de proteger meu amigo é fazendo algo que eu nunca havia feito.

Quebrando as regras.