Continuávamos a nossa busca por Bob e infelizmente não estávamos avançando muito. Nossas câmeras não apresentaram interferência. Nenhuma figura esguia e assustadora surgiu do meio das sombras. Nada. Sei que muitos pensam que estar morto significa que todos os anseios e necessidades biológicas deveriam ter cessado, não é mesmo? Talvez se eu ainda fosse um espirito navegando pelo o rio dos mortos rumo a reencarnação não sentiria fome ou cansaço... Mas sou um morto servindo Hades, logo tenho um status que transita entre “alma-penada” e “cidadão do submundo”, em resumo, posso sentir tudo que um “ser-vivo sobrenatural” está apto a sentir. Nesse momento o que sinto é: Fome! Estou morrendo de fome e isso não é uma figura de linguagem!

— Podíamos parar um pouco ... – Comecei a sugerir, contudo fui interrompido por Noir que focou a luz da lanterna primeiro no meu rosto e depois em um tronco de árvore ao lado. Na verdade, o príncipe estava fazendo muito isso, apontar a sua lanterna para o rosto dos companheiros, pelo visto o divertia apesar de nenhum sorriso transparecer em seus lábios.

— Oh! – Exclamou Noir mantendo o foco da luz na árvore.

— O que? – Resmunguei, minha fome, cansaço e também por estar quase cego pela a luz estava fazendo perder a minha educação e paciência. Pensei que o que tinha chamado a atenção do garoto das trevas foi algum inseto ou outro animal do mundo humano, já que eram coisas totalmente novas e diferentes para alguém criado no submundo.

— Oh! – Otto também direcionou a luz para o meu rosto para depois desviar.

Isso só pode ser brincadeira!

Já estava vendo pontinhos brilhantes em meus olhos.

— O que é que vocês tanto olham, afinal? – Continuou a resmungar quando miro ao meu lado e para minha surpresa ali estava uma folha de papel arrancando de algum caderno com um desenho...Ou melhor: uma tentativa de desenho. O que deu para identificar foi um ser alto (que deveria ser Bob) em meio a floresta.

— Isso deve ser uma obra de uma das vítimas... – Murmuro, lembro-me do jogo, toda a vez que encontrava uma página o Slender man aparecia do nada e começava a te perseguir, a frequência de suas aparições aumentava conforme mais páginas eram encontradas.

— Vítimas? Não! – Riu Otto arrancando a folha do desenho antes que o impedisse – Isso é uma obra do próprio Bob!

— Hã? Ele desenhou isso? – Inqueri surpreso. Afinal, aquilo parecia um desenho feito por uma criança de 5 – 6 anos...

— Você não disse que ele era professor de artes?

— Ora, o que esperava? Ele nem tem olhos para ver o que está fazendo. – Respondeu Noir em um tom monótono.

Isso era bem verdade. Ele não tem olhos, boca ou nariz... Enfim, não tem nada que possa definir como “cara”.

— Se ele não vê... Então...

— Não que ele não veja. – Corrigiu rapidamente o filho de Hades – Ele só vê de forma diferente de nós. Vocês humanos acreditam apenas no que seus olhos podem ver, não é mesmo? O verdadeiro sentido de visão é muito mais abrangente no submundo.

Ok. A conversa está se tornando muito complexa para o meu gosto... Não quero adentrar no cerne da questão: O que é visão. Na verdade, a minha dúvida é...

— E nessa outra “visão” esse desenho é bonito? – Pergunto, talvez esses garranchos para um ser sobrenatural sejam um estilo erudito de arte, sei lá.

— As obras de Bob são feias com qualquer visão que você tenha! – Gargalhou Otto. Bill assentiu silencioso.

— Essa foi uma das causas da fuga dele para o mundo humano... – Comentou Noir amassando a folha de papel e jogando fora com descaso.

Bem... Agora sinto um pouco de pena do Bob. Além de não ter cara, não valorizam o seu trabalho (por mais feio que seja).

— Com licença? Por acaso não conseguem avaliar uma arte neo-moderna barroca e com uma pintada de estilo gótico? – Uma voz estridente e levemente feminina indicou que não estávamos sós.

Agora que percebi que minha câmera estava com a imagem turva.

Ele estava aqui.

Slender Man!

— Como vocês são ignorantes! Jogando fora uma obra que pode valer milhões! Não trilhões de... Sei lá... Alguma moeda humana! Enfim, não se joga fora uma obra deste nível! – A figura esguia, vestindo um terno engomado e impecável. Rosto? Não existia. Era só uma figura oval e lisa aonde seria a sua cabeça. Tentáculos se movimentavam atrás dele, não sei bem ao certo de onde eles saiam, mas também não estava tão curioso assim para descobrir. Um dos tentáculos pegou a folha de papel.

— O que vocês querem? Argh! Estão com essas malditas câmeras! Já disse que não apareço bem em fotos! Pareço que estou fazendo careta... Eu sempre digo, melhor foto minha é de perfil! Mas ninguém nunca me escuta! Ainda mais, nem estou arrumado para ser filmado. Tenho que me pentear, maquiar... Ai que vergonha! Vocês chegaram justamente quando ainda estou com marcas de sono nos olhos... Que vergonha!

Meu deus.... Quanta besteira Bob estava falando!?

Eu esperava mais do famoso Slender man, mesmo sabendo que ele é tímido, um “artista” (com ênfase nas aspas) e professor de arte... Eu ainda tinha a esperança que ele fosse me surpreender com algo assustador.

— Aqui! – Ele me entregou um papel com um novo desenho incompreensível – Você é muito gatinho...Aí está o meu telefone... Ai! Estou corando! Ai que vergonha!

Eu encarei o papel e depois ao Bob... Nenhum tom avermelhado aparecia em seu rosto liso e pálido de modo que não sei o que de fato está ocorrendo!

Eu estou sendo paquerado pelo Slender man? Não... Por Bob?

— Se quiser me filmar eu deixo... – O sussurro ele deu podia indicar que ele deve ter dado uma piscadela. Sei lá! Isso tudo era muito estranho...

Noir pigarreou se posicionou na minha frente.

— Pare de assediar o meu... Nosso fantasma consultor! – Disse o príncipe com tom autoritário – Viemos te levar de volta para o Submundo Bob!