Nunca gostara de despertar por incômodos externos. Era inconveniente, fazia com que acordasse menos animada do que gostaria. Seu nariz coçava muito. A preguiça e sonolência dificultavam sua vontade de dissipar o incômodo, convencendo seus braços a ficarem onde estavam e condenando-a àquele sofrimento eterno.

Mas não queria continuar sofrendo. À medida que seus sentidos voltavam, ela percebeu que a coceira em seu nariz era causada. Alguma coisa fina roçava contra sua pele, alguma coisa fina e maleável.

Juntou toda a coragem e disposição em seu ser e tentou erguer a mão direita, mas havia algo sobre ela. Seria a esquerda então. Transferiu sua força para o outro lado e ergueu o braço livre. Coçou, enfim, seu nariz e libertou-se do incômodo. Mas a coisa causadora continuava ali. Abriu os olhos castanhos sonolenta e olhou para baixo.

Estava apoiada em seu pokémon, que dormia tão profundamente quanto ela mesma antes. Era quente e confortável, mas nada tinha a ver com sua situação, ele não incomodava seu nariz. Olhou para o outro lado, e encontrou o problema. Uma mecha lisa e vermelha estava mais erguida que o resto do cabelo de Silver. Do jeito que ele estava, apoiado sobre o ombro dela com a cabeça encaixada em seu pescoço, ficava perfeito para que aquele fio a perturbasse.

Ele não era desconfortável. Estava perfeitamente acomodado à ela, que se surpreendeu a perceber que o segurava junto a si. Ainda estava coberto pela toalha, mas devido à estarem dormindo esta escorregou um pouco. Seu ombro estava descoberto, assim como parte de seu torso. Lyra sentiu o rosto esquentar. Queria soltá-lo, mas se ele acordasse naquela situação ela temia que pudesse se tornar ainda mais estranho e constrangedor. "Dormimos... Abraçados." Pensou ela, sentindo até mesmo a voz de sua consciência tremer.

O garoto se ajeitou preguiçosamente ali, descansando as mãos no próprio colo e ajeitando o rosto. Ela o olhava de cima. Estranha a paz que ele parecia transmitir, a tranquilidade. Vendo assim ele parecia ser suportável. Os fios vermelhos e lisos estavam arrumados graças à ela tê-los penteado antes de caírem no sono. Lembrou de como vê-lo sonolento a deixara igualmente sonolenta. Foi um longo dia de treino.

Alisou o cabelo dele com delicadeza, afastando-o de seu rosto. Sentiu-o macio escorregando por entre seus dedos. Era engraçado, um garoto de cabelo comprido. Era um tom de vermelho bonito, ele devia ter um pokémon de fogo, combinaria com ele. Afastou sua franja e começou a juntar atrás de sua cabeça, imaginando como ele ficaria de cabelo preso.

Brincando com os fios ruivos de Silver, ela se perdeu. Acabou se entretendo demais naquilo. Jogava a franja de um lado para o outro e fazia diferentes combinações, lamentando apenas não poder prender o cabelo dele já que sua destra estava presa às costas do garoto. Decidiu colocar o cabelo dele todo para trás de novo, tocando seu rosto e puxando delicadamente os fios para trás.

– O que você tá fazendo?

Ele questionou ainda com os olhos fechados, surpreendendo-a. Seus olhos vermelhos ficaram visíveis ao final da frase, encarando-a sérios. Silver ergueu a mão e segurou a dela, afastando-a de seu rosto e sentando corretamente, deixando livre o braço de Lyra. O rosto dela voltou a ficar vermelho.

– E-eu só... Você estava tão... Eu só queria...

– Tsk, tanto faz.

Silver bocejou e se espreguiçou. Detalhe que ele esquecera foi de que estava com a toalha e ela já estava torta, então quando esticou os braços para cima, o tecido apenas escorregou. Os olhos castanhos de Lyra apenas percorreram o tórax desnudo até o rosto do garoto. Ao perceber que estava exposto, ele puxou a toalha e cobriu a frente do corpo como pôde.

Lyra não conseguiu deixar de esboçar um sorriso. Naquele momento ele aparentou ser tão frágil, estava tão constrangido que, apesar de também ter ficado com vergonha, ela riu. Riu até ouvir protestos irritados de Silver e do Typhlosion que despertaram.

Ele se enrolou na toalha e cobriu o rosto até a metade, resmungando como ela era irritante, inconveniente e intrusa.

– Mas foi você que se mostrou! - Riu - Você que-ri-a ser visto!

– O que?! - Ergueu o rosto, vermelho, até acima da toalha - Por qual motivo eu gostaria que você me visse?!

– Sei lá, você é estranho. - Lyra mostrou a língua e ergueu a mão direita, bagunçando a franja dele e colocando na frente de seu rosto - Para de ser tão... Sensível.

– Eu não sou sensível! Você que é... Arg!

Então ele lhe deu as costas. Lyra suspirou e levantou batendo nas roupas para tirar a poeira. O sol começava a nascer atrás das árvores. Apanhou, próxima à fogueira extinta, a camiseta do garoto. Ajeitou nas mãos e voltou até onde Silver estava. Ele parecia não estar prestando atenção, então Lyra decidiu ajudá-lo, talvez ele ficasse mais tranquilo.

Vestiu-o com a camiseta. Passou a gola até que a cabeça dele voltasse a ficar visível. Ele tentou virar para impedí-la, mas estava tão enrolado na toalha que ela conseguiu descer a peça até sua cintura.

– Você precisa largar essa toalha, Silver.

– Não! Você precisa me deixar em paz! - Foi engraçado como ele tentou soltar os braços. E falhou.

– Será que eu tenho que fazer tudo sozinha?

Silver a encarava ofendido. Era divertido, ela não continuaria se não fosse. Segurou a toalha e a puxou para que ele terminasse de colocar a camiseta. Nunca viu alguém encaixar os braços em algum lugar tão depressa quanto ele se vestindo.

– Pronto, pronto, tá tudo bem agora.

– ... Grr. - Lyra arqueou as sobrancelhas. Ele havia simplesmente virado para ela e rosnado antes de levantar do chão irritado.

– Silver... O que exatamente foi isso?

– Isso o que?

– Você... Rosnou?

– Só me deixa em paz!

O rosto dele estava vermelho de novo. Lyra sorriu para o garoto e se aproximou dele. Silver recuou tenso, parecia pronto para rosnar novamente. Ela optou por um caminho mais tranquilo, para que tudo ficasse bem. Por um momento se preocupou com a possibilidade d'ele estar realmente ofendido ou desconfortável.

Parou ao lado dele e segurou seu rosto delicadamente com as mãos. Ficou na ponta dos pés e alcançou o rosto dele. Em um gesto simples e breve, ela beijou a bochecha de Silver. Sentiu a pele morna contra seus lábios, uma sensação agradável, embora breve, que fez com que ela mesma ficasse com vergonha por um momento.

Afastou-se dele e encarou a face rosada do garoto em silêncio, tendo o olhar dele virado para o próprio. Parecia de fato menos irritado, parecia mais sério. Ele segurou as mãos dela e as afastou de seu rosto, mas de um jeito diferente daquele que ele costumava usar para afastá-la. Segurou sobre o pulso com os polegares nas palmas das mãos dela. Era suave, era gentil.

Estavam estranhamente próximos. Podia sentir o próprio coração acelerar gradualmente à medida que o momento se estendia. O vento soprou e agitou seus cabelos soltos, mas conseguiu tirar o chapéu de sua cabeça na intenção de levá-lo consigo. Antes que ela pudesse protestar, ele soltou uma de suas mãos e apanhou o objeto no ar.

Lyra pressionou os lábios. De alguma forma o olhar dele naquele momento a intimidava, mesmo que pouco, apenas por ser diferente do normal. A respiração pesava e ele ainda não tinha soltado sua outra mão. Até que colocou o chapéu sobre sua cabeça e o abaixou até que cobrisse seus olhos.

Ela não esperava por aquilo, então demorou para arrumar o chapéu. Quando finalmente o fez, ele estava de costas. Havia pego sua mochila e tinha o Feraligatr hesitante ao seu lado. Ele ergueu a mão direita e acenou sem olhar para trás.

– As aulas acabaram essa semana. Me avise se decidir ir pra Indigo Plateau, você tem o meu número.

E foi embora.