Zugzwang escrita por MB


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! (:



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Eram três e quinze da manhã quando Charlie decidiu que ficar se revirando na cama não adiantaria nada. Pegou seus livros da faculdade e começou a ler, para passar o tempo. Já havia lido aquele quase duas vezes e não se cansava de saber os detalhes que os professores não passavam na aula sobre o corpo humano. Terminou a oitava temporada de How I Met Your Mother e não queria começar a nona, com medo que a série acabasse logo. Saiu do quarto, tentando ser o mais silenciosa possível, pensando que os agentes estariam mortos de cansaço e não queria atrapalhá-los, no momento em que Reid pensou a mesma coisa.

Agora eram quatro e meia e Charlie e Spencer estavam no restaurante 24hrs do hotel.

— É essa? – ele perguntou, mostrando uma carta entre o indicador e o dedo do meio. Era um dos Valetes.

— Wow! – Charlie se mexeu na cadeira, abismada, alternando seu olhar entre o agente e a carta. – Você precisa me ensinar!

— Não, não! – ele riu, parecendo orgulhoso do truque, havia observado rapidamente um artista de rua que parecia fazer aquilo há anos, e era a primeira vez que Spencer tentava reproduzir. – Um mágico nunca revela seus truques, lembra?

— Qual é! – ela tomou mais um gole do seu café, limpando sem graça com a língua um pouco do creme que ficou em seu lábio superior. – Pra quem eu vou contar?

Apesar de seu tom ser bem humorado, os dois sentiram uma pontada de tristeza no peito. Charlie estava sozinha, afinal. Sem a irmã, sem seus pais ou parentes próximos.

Estavam sozinhos naquele espaço com poltronas vermelhas e algumas mesas redondas espalhadas. No final do cômodo havia algo como um bar, com bebidas alcoólicas expostas nos armários de vidro, mas não tinha nenhum atendente lá. A jovem que os serviu, saiu em seguida, sem se preocupar em deixar o lugar sem ninguém responsável.

— Sabia que o café pode prevenir Alzheimer? – ele franziu as sobrancelhas enquanto compartilhava a informação e se distraiu pela expressão de Charlie, que, ao contrário dos outros, não assentiu e falou “agora eu sei”, achando bizarro o modo como ele disparava informações. Ela fez que sim enquanto limpava a boca com um guardanapo, lembrando-se dessa informação.

— É, eu li isso em algum site, mas não sei qual... Que foi? – Charlie sorriu envergonhada quando percebeu o olhar perdido do agente sobre ela.

— Nada. – ele sorriu de volta. – Você me lembra Maeve.

— Quando algo ou alguém te lembra outra pessoa, é mais seu cérebro tentando preencher os momentos que gostaria de passar com ela. – Charlie deu de ombros. – Às vezes é algo tão banal que faz essa pessoa voltar pra sua memória, que nem fez sentido.

— Ambas eram médicas.

— Ainda estou estudando para ser.

— Inteligentes.

— Não sou tanto. – ele iria protestar, mas Charlie o interrompeu. – Pare de criar relações, Spence... De vez em quando só é preciso seguir em frente.

— Eu acho que não quero seguir em frente

— Nem eu. - pela primeira vez desde que aqueles agentes lhe contaram o que estava acontecendo ela sentiu o peso verdadeiro, que logo se transformaram em lágrimas que ela tentava, por tudo, conter. - Mas eu acho que é preciso...

Sua voz estava falha e se xingou por ter terminado o café tão cedo, assim poderia disfarçar a onda de tristeza que a invadiu. Piscou inúmeras vezes tentando secar as lágrimas e forçou um sorriso para Spencer, fazendo uma cair.

— Merda... – Charlie sorriu fraco e limpou a bochecha. Spencer se levantou, sentando-se na poltrona ao seu lado. – Por favor, não. – apesar de tudo, a garota sorriu agradecida, mas negou com a cabeça. Não precisava de alguém lhe achando fraca, ou reconfortando-a apenas por dó.

— Você precisa falar. – Reid fitou seus olhos por um tempo, mas desviou o olhar para as duas canecas brancas vazias.

— Você também.

— Não mude o foco para outra pessoa.

— Certo, você faz perfis. – os dois balançaram a cabeça positivamente e Charlie cruzou os braços, se envolvendo no suéter. – É só que... Não acho que é justo ficar um momento sem sofrer ou pensar na minha mãe e Frances, porque... Cara, o mundo é uma bagunça... Eu só quero sair do fundo do poço, mas não é o certo.

Ela resumiu o que sentia máximo possível, até parecer totalmente patético, e respirou fundo aguardando a reação do agente, que não falou nada por um tempo, só concordou surpreso por entendê-la tanto.

— Não pode se culpar.

— Como? – Charlie alcançou sua caneca e a inclinou, querendo ver se havia algo a mais.

— Ciência tem uma resposta, só não sei agora.

— Algo me diz que isso é raro. – ele sorriu tímido e assentiu. – Deve estar bêbado de sono. É possível sabia? Falta de sono pode causar um prejuízo mental e físico similares ao excesso de álcool. Piores, em alguns casos.

Spencer iria responder, e logo entrariam em uma sessão de “você sabia que...?”, mas seu celular interrompeu, fazendo um barulho irritante enquanto vibrava na mesa.

— Ei, Morgan. – ele atendeu, colocando o cabelo para trás da orelha. – Não, estou acordado. Não voltaram para o hotel? Por que não me...? Ok. Estamos indo.

— O que aconteceu? – Charlie se levantou, assim como Spence.

— Ele conseguiu um nome. Aquele Ritzman? – eles deixaram algumas notas de baixo valor embaixo das canecas e saíram do restaurante. Charlie concordou com a cabeça. – Ele trabalhava para o suspeito, um tal de Robert Kutner. Era o líder, mandava nas outras pessoas da equipe por ser rico, forte e ameaçador. Ritzman mal sabia o que fazia naquele shopping.

— E agora?

— Vamos pegar as informações dele e ir procurá-lo. – já estavam no estacionamento. Dos milhares de carros pretos que estavam ali, os dois se dirigiam para o único que reconheciam.

— E por que eu estou indo?

— Talvez o reconheça, saiba coisas mais pessoais e eu não posso te deixar sozinha, lembra? Coloca o cinto, por favor. – Spencer deu a partida e em pouco tempo já estavam lá.

JJ estava sentada na mesa, ao lado de Morgan que se apoiava com uma das mãos. Hotch olhava atentamente para o monitor onde Penelope parecia que digitava mil palavras por segundo. Rossi estava sentado em uma das cadeiras, assim como Blake.

— Ok, o nosso pequeno gênio chegou. – Garcia falou, e respirou fundo antes de começar a passar os dados de Robert Kutner – Tá, Kutner vivia com as duas irmãs, pai e mãe... Uh... Matou as irmãs Rachel e Courtney quando elas tinham quinze e vinte e três, respectivamente. Ficou preso por três anos.

— Idade similar de Frances e Charlie. – Hotchner olhou para Spencer, que agora organizava alguns papeis na mesa.

— Alguém agredido sexualmente na família? – JJ perguntou.

— Sim! Robert ligou para 911 em uma noite alegando que o pai tentava abusar de suas irmãs. As autoridades acharam que ele estava mentindo... Ele tinha um histórico surpreendente por conta de mentiras. No fim, acharam que era mais uma de suas brincadeiras e ninguém foi a casa dele.

— E não era brincadeira. – Rossi olhou para as outras pessoas da equipe. – Não conseguiu salvá-las e...

— Desculpe interromper, senhor – Penelope bateu na câmera com uma de suas canetas de pompom -, mas quando Kutner as matou, ele disse que “era o único jeito de acabar com o sofrimento delas”. O avô dele tinha um hospital, que passou para o pai dele, que morreu há quase dois meses, e agora está sendo supervisionado por Robert, mas ele não aparece lá desde o enterro do pai. A mãe faleceu quando ele tinha dez anos.

— Onde ele está agora? – Spencer levantou o olhar da mesa.

— Não tem nenhum imóvel no nome dele. Espera... Aqui diz que Kutner foi diagnosticado com câncer há nove anos e faz quimioterapia desde esse tempo... – parecia que todos copiaram a expressão de estranhamento de Garcia.

— Desculpa, mas tem certeza? – Charlie desviou o olhar de Spencer quando ouviu a informação e se sentiu horrível ao interrompê-los, mas se lembrava do que havia lido e ouvido.

— Sim, nove anos, por que? – Garcia digitou mais um pouco. Reconhecera a garota das fotos que recolhera quando apresentou o caso à equipe.

— O máximo que alguém passou fazendo quimioterapia foi o que...? – ela olhou para baixo, mexendo nas mãos e pensando. – Sete anos em uma frequência não tão alta. Os médios tiveram que suspender o tratamento porque estava eliminando as células boas do organismo do paciente. Os efeitos colaterais do corpo sem essas células estavam quase maiores que os da própria doença.

— Não, ela está certa. – Reid interrompeu Hotch, que estava a ponto de discordar de Charlie. – O tratamento excessivo pode fazer isso.

— Veja – Charlie começou a explicar, com todos os olhares sobre ela, incluindo de Spencer que parecia analisar cada palavra. – Os medicamentos usados no tratamento se misturam com o sangue e são levados para quase todo o corpo, destruindo as células doentes que podem, ou estão formando o tumor. Mas em um tempo muito grande, se o tratamento não destrói células cancerígenas, as boas começam a ser, além dos órgãos que começam a ser danificados. Nove anos é... muita coisa.

Charlie estava com as sobrancelhas arqueadas enquanto explicava e continuou assim até que a equipe assentisse, entendendo o ponto dela.

— Então esse cara está fingindo. – Blake se virou para o monitor onde Garcia alternava o olhar entre Reid e Charlie, sem se preocupar em disfarçar. – Consegue verificar em quantas sessões Kutner foi?

— Durante dois anos. – Penelope respondeu quase imediatamente. – As outras sessões já estavam pagas e marcadas, mas ninguém nunca apareceu.

— Sendo dono de um hospital é fácil ter esse tipo de poder. – JJ assentiu. – Mas por que ele faria isso?

— Talvez quisesse se proteger do pai. – Reid tirou as mãos do bolso. – Acha que se estivesse fraco, o pai não iria atrás dele.

— Mas ele nunca foi por Robert. – Rossi se virou para o outro agente.

— Algumas pessoas ficam paranoicas. – Spencer continuou. – Também teria a desculpa de estar nas sessões caso alguém desconfiasse dos crimes.

— Por que começar os sequestros há pouco tempo? – Blake também se virou para ele.

— Uma data, talvez. Garcia...?

— Li seu pensamento, pequeno gênio. – ela sorriu. – O dia em que a primeira caçula foi sequestrada foi alguns dias depois que o pai morreu.

— Você disse que não achou nenhum imóvel no nome de Robert, certo? – Hotch voltou a olhar para o monitor, onde Penelope assentiu. – Procure no nome da mãe, irmãs, no do pai, talvez.

— Isso vai levar alguns minutos, senhor... Opa, não! Subestimei minhas capacidades! – Morgan riu de canto. – Tem uma casa fora da cidade no nome do pai, James Kutner. Foi comprado há quase vinte anos, reformada há dez e está abandonada desde então. Estou mandando o endereço e a planta da casa, juntamente com a foto de Robert Kutner para o celular de vocês.

— Ok, obrigado, Garcia. – Hotch assentiu e se virou para o resto do time.

— De nada, boa sorte e desligo. – ouviram a voz nervosa de Penelope e a tela do monitor voltou a ficar preta.

— JJ vai no carro com Morgan e Reid, levem Charlie de volta pro hotel, vai estar mais segura lá. – Hotch pegou sua arma de cima da mesa e os três agentes assentiram e saíram da sala com Charlie. – Rossi, Blake...

~*~

Charlie já estava no hotel, andando de um lado para o outro do quarto, sem conseguir entender como os agentes pareciam tão calmos. Eles por outro lado, estavam com seus coletes a prova de bala e as armas preparadas para qualquer movimento.

O lugar parecia um cubo no meio do mato. Apesar de estar quase amanhecendo, as árvores cobriam a luz do sol e a única fonte de luz ali eram as sirenes dos carros pretos de FBI e de um da SWAT, parados por todo o perímetro da residência.

— Estamos prontos para invadir. – Hotch saiu do carro e andou até a porta da frente junto com JJ, Reid e alguns membros da SWAT. Morgan, Blake e Rossi estavam correndo até as portas dos fundos.

Não precisaram arrombar a porta: já estava destrancada. Ao contrário do que acharam, a casa estava mobiliada e não parecia nada abandonada: o sofá estava bagunçado, como se alguém estivesse acabado de sair de lá. Não havia TV ou nenhum tipo de aparelhos eletrônicos. Os agentes não ficaram surpresos quando perceberam que nem instalação elétrica havia. Eles se dividiram em cada cômodo, com as lanternas e armas apontadas.

— Nada aqui. – Hotchner anunciou, se referindo ao andar de baixo inteiro. Morgan apareceu na cozinha, entrando pela porta dos fundos.

— Rossi e Blake estão revistando o jardim com os outros. – informou-os e apontou para a escada, onde Reid já subia, atrás de um membro da SWAT.

Parecia uma casa normal. O andar de cima com dois banheiros: um, Spencer imaginou, para Kutner e outro para as garotas que ele fazia de prisioneiras. Todos limpos e arrumados, como se ele quisesse cuidar delas. “Vazio”, ele informou e seguiu para outro cômodo. Era um quarto com uma cama de casal bagunçada, com o lençol, cobertas e travesseiros jogados em cima. Revistou os armários e não achou nada, até tirar o colchão do lugar. Spencer abriu uma sacola preta, encontrando armas, facas, produtos químicos e acessórios para curativos.

Ouviu Morgan dizendo que a casa estava vazia e desceu um tempo depois com a sacola, encontrando os outros agentes parados próximos à porta de entrada, fixados no telefone na mão de Blake.

— Robert, abaixa a arma...! – Reid reconheceu a voz nervosa de Charlie. – Como você entrou no hotel...?

— Ele mudou o MO. Ainda bem que essa garota é esperta... – Blake disse enquanto corriam atrás de Spencer, em direção aos carros.


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Notas finais do capítulo

Comentem! Até o próximo :*



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