Zugzwang escrita por MB


Capítulo 32
Capitulo 32


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por todos comentários e pessoas que favoritaram a história! Significa muito! Um agradecimento especial pra Lola Matos, que recomendou a história! ♥
Espero que gostem:



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Não havia ninguém no quarto além de Charlie. Não culpou Spencer, afinal, ele não vivia por ela. Charlie se sentou e retirou o aparelho de seu dedo, deixando cair ao seu lado, assim como o que estava em sua veia do braço esquerdo. Esticou os braços e olhou diretamente para seus pulsos, onde aquele homem havia feito diversos cortes profundos, ao ponto de Charlie ficar tonta e só quando ela estava a pondo de dizer adeus, ele estancava o sangue e tratava dos machucados. As cicatrizes estavam elevadas e ela sabia que alguém acharia que ela tinha feito aquilo consigo mesma. Olhou para seu antebraço e conseguiu lembrar-se da sensação de quando ele encostou um pedaço de ferro quente lá por mais tempo que ela podia aguentar. Não se lembrava de quantas vezes havia desmaiado, ou por perder muito sangue, ou por simplesmente não aguentar mais a dor.

Mas a tortura psicológica era a pior. Quando não a machucava fisicamente, combinava a privação de necessidades fisiológicas com falas cheias de angústia e violência, e ameaças que nunca chegavam a acontecer. Isso a enlouquecia, o fato de nunca saber se algo iria acontecer. Gritava com ele, suplicava para parar ou fazer alguma coisa que acabasse com a tensão que a fazia sentir o tempo todo. 

Estaria mentindo se dissesse que não pediu para ser morta.

Foi uma das vezes em que estava no canto de uma das salas daquele apartamento abandonado. Não tinha para onde se mover, e mesmo que tivesse, não teria forças. O homem brincava com um cano de ferro comprido que havia acabado de esquentar. Ele usava grossas luvas enquanto ameaçava encostar o ferro em Charlie, que estava encolhida, tentando segurar o choro enquanto sentia uma onde de calor em certos pontos e quando abria os olhos, via o homem rindo com o desespero dela. 

Charlie ficou feliz quando percebeu que as enfermeiras haviam lhe dado banho enquanto ela estava desacordada. Não sabia como iria entrar no chuveiro com tantas memórias horríveis sobre aquele lugar. Passou a mão pelos cabelos enquanto relembrava que ele a bateu com o pedaço de cano, quando Charlie se esperneou para que ele parasse com aquilo. 

Ela começava a respirar fundo e segurava os lençóis, tentando lembrar-se da voz de Spencer dizendo que ele estava morto, mas só se lembrava da sua própria, pedindo, enquanto tentava não se afogar nas lágrimas:

— Me mate. Por favor...

Ele riu quando ouviu aquilo. Riu de uma maneira que fez Charlie abrir os olhos por um momento, a fim de ver como era a feição daquele homem, que se divertia ao ver a pessoa que ele dizia amar estar machucada. 

Charlie começou a chorar de verdade quando se lembrou como ele se ajoelhou à frente dela e passou o polegar pelos seus lábios, antes de fazê-la se levantar.

— Tenho uma surpresa pra você. - ele sussurrou. - Lembra-se do rosto da sua irmã?

Aquelas palavras ecoavam no cérebro de Charlie, que tentava arranhar as cicatrizes em seu pulso com as unhas. Ela se curvou, querendo parar com a dor em seu estômago e o desconforto da coluna vertebral. Tentava puxar o ar desesperadamente, e se sentiu extremamente aliviada quando percebeu que os cortes voltavam a sangrar. Ele não precisava a matar, Charlie conseguia fazer isso sozinha. Estaria livre dele para sempre.

Mas então sua maldita memória viu Frances sendo esfaqueada. No estômago e em seguida no coração.

Charlie começou a chorar mais, fazendo o lençol branco e o cobertor azul ficarem manchados de vermelho. Estava encolhida, com os braços envolvendo seu abdômen.

— Pooh... - ela murmurou, usando o apelido de criança da irmã, que em certa idade só usava roupas desse personagem.

Spencer se assustou com aquela cena.

Correu até Charlie e segurou seu rosto entre suas mãos, fazendo-a olhar nos olhos deles por um bom tempo, até que as lágrimas parassem de cair. A boca dela ainda aberta, puxando o ar pesadamente. Era como se não se tocasse que fosse Spencer ali. Ele encostou suas testas.

— Estou aqui. Você está salva. Somos só nós dois, ok? - sussurrou, eles ainda com os olhos abertos. Os de Charlie desesperados enquanto os de Spencer cheios de preocupação. A feição dela ainda era de aflição extrema. Ele a abraçou em seguida, fazendo Charlie afundar seu rosto no ombro de Spencer. Ele continuou sussurrando para ela e citou rapidamente algumas partes de alguns poemas favoritos dela.

— Só a gente. - ela repetiu, quase que perguntando.

— Só, amor, só a gente. - ele concordou e colocou uma das mãos no rosto de Charlie, ela virou o rosto levemente e beijou a palma dele, se sentindo extremamente aliviada. Spencer beijou sua testa e foi quando viu os pulsos dela. - Charlie... - olhou preocupado. Era como se ela só percebesse aquilo naquele momento. 

— O que...? - ele agora segurava sua mão.

— Vou chamar a enfermeira. - Spencer se virou, completamente esquecendo do botão ao lado da cama, que servia exatamente para isso. Charlie não soltou da mão dele. - É um minuto. - Spencer disse com o coração na mão e soltou a mão dela. A mesma enfermeira com quem ele havia conversado um tempo antes passou, e ele a chamou, lembrando-se de seu nome, Annelise. Ela arregalou os olhos ao ver Charlie assim, com os braços para frente, sem saber o que fazer.

Algum tempo depois seus pulsos já estavam enfaixados, assim como as unhas mais cortadas. Spencer andou até perto da cama de Charlie e a observou naquele estado com lágrimas nos olhos.

— Charlie. - chamou. Ela se virou com os mesmos olhos encharcados, parecendo espelhos dos dele. - Eu te amo, só saiba disso.

— Eu sei, Spence. Me desculpe.

— Não se desculpe. – ela a envolveu em seus braços, fazendo seu rosto ficar apoiado em seu peito. - Não se desculpe, amor.

Com a cabeça apoiada na dela, sentir os braços fracos de Charlie ao redor de seu corpo, o fez chorar mais. 

— Eu te amo, Charlie, eu te amo tanto. - ele sussurrou a abraçando com mais força. 

— Eu também te amo, Spence. - ela respondeu, não se afastando. - Eu sinto muito. Por não poder agir com um ser humano normal, me desculpe... Você não precisa ficar aqui.

— Eu vou ficar aqui o tempo que foi necessário. E você não tem que se culpar por estar assim. Meu amor, você só tem que conversar. Foi você quem disse, lembra? Que quanto mais se fala sobre algo, menos traumático fica.

— Quando vou poder ir pra casa? - foi a única coisa que falou. Spencer soltou o ar, claramente chateado.

— Eles haviam dito no fim dessa semana, mas o psicólogo vai mudar de opinião, provavelmente. - ele respondeu e Charlie continuou com a feição seria, não podia culpar ele por achar isso. - Não ache que estou aqui por obrigação, ok? Eu só quero te ver bem.

— Obrigada, Spence. Acha que eu posso sentar no sofá? - ela apontou com a cabeça para o móvel atrás dele. - Não aguento mais ficar nessa cama. Estou há quase sete dias aqui.

Ele fez que sim e a ajudou a descer, tomando cuidado. Já sentada em um canto do sofá, ela olhou para Spencer, olhava para as pernas dela, percebendo os diversos machucados e hematomas que não tinha percebido.

– Não estão tão fracas. - ela disse. O “tão” fez Spencer contrair os lábios antes de se sentar ao seu lado, e não pôde deixar de sorrir quando sentiu os dedos dela em seu cabelo. Reid encarava a cama onde segundos atrás ela arranhava os pulsos com as unhas, no lugar onde Blauman havia feito a mesma coisa. Ela continuava a mexer nos cachos bagunçados de seu cabelo.

— Seu almoço já está aqui, eu esqueci de te falar. - Spencer murmurou baixinho.

— Não estou com fome. - ela respondeu e ficaram um tempo em silêncio. - Sabe o que deveríamos fazer?

— Hm? 

— Ir em um museu. Faz séculos que eu não vou a um. 

— Certeza que quer ir comigo? - ele brincou. - Sabe que não vou parar de falar um minuto.

— Não existe melhor trilha sonora que sua voz. 

Ele sorriu um pouco.

— Posso te perguntar uma coisa? - Spencer olhou para ela, que tinha um mínimo sorriso em seus lábios. Ele não soube explicar o alívio e felicidade que sentiu ao ver aquilo.

— Pode.

— Quando percebeu? Que queria ser mais do que minha amiga.

— Uau, Spence... - ela sorriu e olhou para os lados, tentando pensar. - Foi tão gradativo e natural... Mas quando eu quis parar de negar, foi quando a gente voltou do café no dia seguinte da festa de Halloween e você me chamou pra dançar.

— Então se eu tivesse te beijando naquela hora você não acharia estranho? - ele sorriu e pegou uma das mãos dela.

— Iria agradecer, na verdade. E você?

— Quando eu percebi? - ela fez que sim. - Quando vi você chegando aqui em Quântico, também no Halloween.

— Ah, Spence, por que só não me beijou naquela hora? Seria tão romântico. - ele riu suavemente e beijou rapidamente a ponta do nariz dela, quando ouviu seu celular tocar. Charlie alcançou para ele, já que estava na mesa ao lado do sofá.

— Feliz Natal, Pretty Boy! - Morgan disse quando Spencer atendeu.

— Feliz Natal, Morgan. - ele respondeu sorrindo, assim como Charlie que conseguiu ouvi-lo.

 - Você fez falta na ceia, Reid. - Derek continuou, claramente seguindo ordem dos outros sobre o que falar. - Henry só falou de você. 

 - Oh. - Spencer sorriu mais. - Senti falta dele também.

— Seus presentes ainda estão aqui e Garcia está pedindo para falar que comprou um vestido pra Charlie e...

— E eu comprei uma saia linda pra ela. - Garcia tirou o telefone da mão de Morgan e contou um pouco receosa. - Blake e JJ combinaram os presentes dela e não me contaram o que é. Como ela está...?

— Bem. Mandou feliz Natal.

— Reid, como assim "mandou feliz Natal"?!

— Oh. - ele arregalou os olhos. - Oh, eu não avisei? Ela acordou na madrugada de ontem pra hoje.

— Meu Deus, Reid! Eu te mato! Cadê sua memória para nos avisar?! Sabe quanto chorei por ela não estar com a gente ontem? - Charlie conseguiu ouvir ela praticamente gritando e abriu a boca, sem acreditar naquilo. - Ela ficaria mal por ver pessoas? Ela deve estar frágil e... Eu sei que normalmente o contato humano...

Spencer olhou para Charlie, que balançou a cabeça positivamente, mas ele viu uma ponta de receio na maneira como ela se moveu.

— Tudo bem, Spence. - falou sem acreditar muito em si mesma.


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