Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 14
No Teatro


Notas iniciais do capítulo

pois é, meninas... Mais um capítulo, aqui. Madame Giry aparecendo hoje!
Boa leitura, e nos vemos nas notas finais.
PS - seja bem vinda, Tiete Drama Total, a mais essa fic do Fantasma!



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Erik aguardou pelas moças junto à porta, impaciente: ele dissera cinco horas, e esperava que cumprissem o tempo!

Para sua satisfação, faltavam cinco minutos para as cinco horas quando a porta do quarto das jovens se abriu; Gabrielle saiu na frente, usando o vestido azul-escuro que era seu favorito. Em seguida, Annika deixou o quarto, e o Fantasma perdeu totalmente o fôlego ao vê-la: trajava um vestido que ele ainda não vira, azul como seus olhos – aquele tom que estava entre o gelo e a cor do mar – de mangas longas e largas que finalizavam numa delicada renda branca. Os ombros ficavam à mostra, com o decote adornado por delicados bordados brancos; o corpete – também azul – marcava a silhueta perfeita, e possuía pequenos botões brancos em seu fecho. Os cabelos dourados estavam soltos – ele nunca a vira assim – e caíam enrolados pelos ombros e costas, as mechas mais curtas anelando-se graciosamente ao lado do rosto, emoldurando as feições de fada. Uma echarpe branca enrolava-se nos ombros e colo da mulher, ocultando em parcialmente as belas formas que o vestido exporia. Magnífica, foi a opinião do Fantasma que, por um instante, desejou toma-la nos braços e beijá-la até perder o fôlego.

Respirando fundo para banir pensamentos tão absurdos, o homem executou uma elegante reverência, como o mais perfeito cavalheiro. Beijou a mão de Gabrielle e, então, a de Annika. Seus olhares se encontraram, e por um breve instante instalou-se forte magnetismo entre ambos. Annika também não passava incólume à atração do Fantasma que, a despeito da máscara quase assustadora sobre o lado direito do rosto, era um belo homem, com aqueles olhos dourados, rosto de feições fortes, cabelos negros como tinta, penteados para trás. A pele era muito clara – mais clara até que a da moça – e os trajes formais que vestia ressaltavam ainda mais o porte orgulhoso, elegante e forte do músico. Era impossível não se sentir atraída por aquele homem, que parecia ser a perfeita encarnação da força masculina.

Mas seus olhares não se prenderam um ao outro por mais do que uns breves segundos, ao fim dos quais Erik se recobrou e cumprimentou:

– Estão belíssimas, minhas damas. – e assim dizendo, abriu a porta para ambas, conduzindo-as até o coche. A neve parara, e já não estava tão frio, o que tornou o percurso particularmente agradável; em certo momento, porém, a carruagem balançou ao passar por uma pedra e, perdendo o equilíbrio, Annika (sentada ao lado do Anjo, a certa distância dele) acabou por ser jogada em seu colo. Erik – aceitando as desculpas da moça, que estava muito constrangida – nunca admitiria o quanto gostara daquele contato.

*

Madame Giry abriu um enorme sorriso ao ver Annika; já estava acostumada às visitas da criança, mas não esperava que sua irmã mais velha aparecesse no teatro tão cedo! Levantando-se da cadeira onde se ocupava com um bordado, correu a abraçar as jovens:

– Minhas meninas! Como é bom vê-las! – ela segurou Annie pelos ombros, para vê-la melhor – como está bonita, criança! As duas estão! Mas... Erik deixou-a vir, Annika?

– Ele nos trouxe, Madame – respondeu a mulher mais moça, divertida ante a surpresa da outra – acredite, eu também quase não acreditei. Mas ele me pediu, ou melhor, ordenou que viesse, então... Aqui estou.

Antoinette cruzou olhares com a filha, que arqueou as sobrancelhas de modo sugestivo. Há meses vinham estranhando a gradual mudança em Erik, e o fato de ele ter trazido a moça para a Ópera começava a confirmar suas suspeitas; Annika reparou naquele gesto, e não gostou do significado que viu nele. Entretanto, a menina Giry tratou de distrair a outra moça, dirigindo-se a ela e a Gabrielle:

– Ah, é a primeira vez que Annika vem ao teatro! Ela tem de ver tudo! – e segurou a mão das duas. Ia puxando-as quando o ar constrangido de Annie a fez parar e perguntar – você não quer vir?

– Adoraria – respondeu a criada do Fantasma – Mas é que...

– Annika – Madame Giry lhe tocou o ombro protetoramente – acho que nós duas precisamos conversar. Meg, você e Gabrielle podem se divertir juntas; eu tenho muito a falar com esta menina.

Entendendo sobre o que a mãe desejava falar à senhorita Anjou, a bailarina conduziu uma curiosa menina consigo, indo ambas para os bastidores onde a verdadeira magia, aquela que possibilitava o surgimento de cada apresentação, realmente acontecia.

Sozinha com a viúva, Annika suspirou e, levemente apreensiva, perguntou:

– Há algum problema, senhora?

– Sim, querida, há. – e tomou-a pela mão – vamos conversar em minha sala de visitas, onde teremos privacidade.

Foram para os aposentos pessoais de Madame Giry, acomodando-se no sofá cor de vinho da pequena e aconchegante sala da senhora, que contava com dois sofás, uma mesinha de centro, cantoneiras com vasos de flores e uma estante de livros, além da indispensável lareira. A senhora fechou a porta e, com olhar compassivo, dirigiu-se à mais jovem:

– Eu conversei com Erik, criança. Sei o que lhe sucedeu, após a morte de sua mãe. – Annika corou até a raiz dos cabelos, e teria saído dali se a outra não a impedisse, abraçando-a protetoramente – eu sinto tanto, querida!

– S-sente? – perguntou Annie, surpresa – pensei que teria repulsa por mim e por Gabrielle!

– Porque foram escravizadas e vendidas por pessoas cruéis? Francamente, Annika... – ela meneou a cabeça e sentou a moça, acomodando-se ao lado dela – você tem vergonha de seu passado. Age como se cada um estivesse olhando para você e acusando-a. Até quando vai deixar este passado persegui-la?

Dando de ombros, a loura respondeu:

– Sou uma meretriz, Madame. O que sou está refletido em meus atos. Não quero me expor à vergonha de verem minha humilhação.

– Refletido em seus atos? – perguntou Antoinette, levemente irônica – Pois o que eu vejo é uma dama. Uma dama um tanto reservada, é certo, mas uma dama. Sua fala, sua postura, seus gestos... Tudo em você diz que se trata de uma mulher de classe, não de alguém que enfrentou as provações pelas quais passou.

– Se for uma brincadeira, Madame, é muito cruel. – declarou a jovem, ressentida, mal acreditando nas palavras da mulher. – Erik já esgotou minha tolerância com atos cruéis.

– Acha que eu seria cruel com a filha de Adelle? – perguntou a outra, acariciando o rosto da moça, que poderia ser sua própria filha. – Falo apenas a verdade, minha menina. Você é admirável, não apenas por ter suportado o que suportou, mas por não ter se deixado abater e contaminar pelo mundo em que viveu. – ela ergueu o rosto de Annie – nunca baixe o olhar diante de alguém, pois você vale vinte vezes mais do que a mais bem-educada das damas de uma corte. Não se sinta menos do que realmente é.

– E o que eu sou, Madame? – ela não compreendia a admiração da outra mulher. Tudo o que fizera fora sobreviver!

– Uma heroína. Uma mulher com uma força inacreditável. Não se envergonhe de quem é, nem abaixe a cabeça diante de ninguém. – insistiu a viúva – nós vamos sair por aquela porta, para que eu a apresente à gente do teatro, e você não vai baixar os olhos, nem se envergonhar. Ninguém sabe de seu passado. Além disso, você é minha protegida, e isso será o bastante para calar qualquer comentário. Sente-se mais segura, assim?

Emocionada com as palavras da senhora – fruir de tais cuidados e atenções era quase como sentir sua mãe junto a si – a mulher mais jovem anuiu com um leve sorriso, aceitando a mão que a outra lhe estendia.

– Obrigada, Madame. Ninguém nunca me dirigiu palavras tão gentis.

– Você é filha de Adelle, alguém a quem admirei e amei como minha própria irmã. Na ausência dela, se quiser, e me considerar digna de tanto, poderei ser sua mãe. – respondeu Antoinette – pelo menos tanto quanto me permitir que o seja.

Ante aquelas palavras, Annika só não chorou porque já não sabia mais como fazê-lo. Ainda assim, seus olhos secos há anos marejaram e arderam quando ela apenas assentiu com o mais lindo sorriso, para não revelar sua voz embargada.

Pelo resto da tarde, Antoinette apresentou sua nova protegida ao pessoal do teatro: atores e atrizes, músicos, figurinistas, cenógrafos, técnicos de palco, bailarinos... E o leve retraimento da jovem, que evitava qualquer toque físico, era tomado apenas como o recato natural de uma jovem bem-educada; todos foram extremamente gentis, e se encantaram com aquela moça inteligente e elegante, que conversava livremente sobre os mais variados assuntos, dominando literatura, teatro, história e música, entre outras artes. Muitos a adoraram, outros a invejaram, mas ninguém ousou destratar a nova protegida de Madame Giry. Porém, foi apenas ao falar com os músicos da orquestra, que estavam ensaiando, que Annie foi convidada a demonstrar seu talento; tímida, a princípio, tocou melodias simples ao piano, antes de deixar que o feitiço da música a levasse para longe dali enquanto suas mãos voavam sobre as notas, impressionando a todos.

Observando de longe, oculto nas sombras, Erik abriu um sorriso satisfeito: por algum motivo que lhe era desconhecido, satisfazia-se com a felicidade de Annika, e o triunfo dela o enchia de felicidade. Mas ele nunca poderia ter esperado o que viria a seguir, pois alguns dos cantores do coro começaram a cantar, acompanhando a melodia do piano... E Annika, ainda enfeitiçada pela melodia, ergueu sua voz junto à deles! Uma voz soprano-lírica, pura e cristalina! Não tão aguda e potente quanto uma soprano-ligeiro (como Christine), mas com mais “cor” e menos volumosa do que uma soprano-dramático, era a voz perfeita para executar volaturas e trinados das mais diversas composições... É claro, a voz de Annie era completamente destreinada, mas, para os ouvidos aguçados do Fantasma, estava bem claro o potencial daquele canto tão despretensioso que, sem querer, revelara uma beleza inesperada. A voz dela aqueceu o coração de Erik, ao mesmo tempo em que o fez doer com a lembrança de sua amada cantora... Como podiam coexistir duas emoções tão diferentes, e igualmente intensas, dentro do mesmo coração?

Confuso, sentindo um misto de admiração, felicidade e dor ao contemplar sua jovem criada, ele deixou as coxias e seguiu para seu camarote, sentindo aquele familiar aperto no peito que, dessa vez, vinha acompanhado de uma empolgação aparentemente desmotivada. Ah, precisava aliviar aquela dor, e apenas a música podia fazer isso; àquela hora, o anfiteatro estava vazio, de modo que ninguém ouviria quando ele começasse a tocar. Pegou seu violino e, com uma necessidade que não sentia há mais de quatro anos, começou a tocar. Não tocou algo planejado, músicas existentes, mas uma melodia que ia compondo à medida que a executava, sentindo o poder de criar retornando a si. Eram sons intensos, ora alegres, ora melancólicos, mas todos muito fortes e vibrantes, que refletiam exatamente os sentimentos do Fantasma. Tocou com tanta intensidade, com tanta entrega que, quando o violino afinal silenciou, deixou-se cair num dos bancos estofados, esgotado emocionalmente, mas numa profunda paz, como se a música houvesse carregado consigo toda a perturbação. Agora, havia apenas aquela deliciosa paz, e um rosto em sua mente. Surpreendentemente, não era o rosto de Christine, que o assombrara por anos, mas sim, o de Annika... A bela, irreverente e surpreendente serva que, aos poucos, parecia estar se tornando cada dia mais sua senhora, e cada dia menos sua criada.

*

Quando se aproximou a hora da apresentação, Madame Giry acompanhou Annika até o camarote cinco, onde Gabrielle e o Fantasma já aguardavam. O Fantasma recebeu a jovem como o mais perfeito cavalheiro, beijando-lhe a mão e puxando-lhe a cadeira para que se sentasse. Ele parecia tão... Calmo! Gentil, cordato, cavalheiresco... Não lembrava em nada o homem dos acessos de raiva, dominador e agressivo. Não lembrava em nada o homem que já lhe dissera palavras tão duras e mentiras tão cruéis.

– Boa noite, Madame Giry, Mademoiselle Anjou. – saudou, ao que a viúva respondeu:

– Boa noite, Erik. – ela começou a andar de costas, para sair – Tenham uma boa apresentação, os três.

– Obrigada, Madame – disseram os três em uníssono, enquanto o Fantasma assumia seu lugar ao lado de Annika, fora das vistas dos demais espectadores. Para Gabrielle, aquilo tudo já se tornara habitual, mas para a irmã mais velha, trouxe um aperto de saudades... Ela se lembrou de quando era uma garotinha, e sua mãe a trouxera àquele mesmo teatro, em seu aniversário de dez anos, para assistir A Flauta Mágica, de Mozart... Fora uma única vez, pois não tinham dinheiro para esbanjar com idas ao teatro, mas jamais esquecera a magia, o encantamento e a beleza que haviam ficado gravados não em sua mente, mas em sua alma.

– Parece divagar, Mademoiselle – a voz de Erik a tirou de seu devaneio – posso perguntar o que se passa em sua mente?

– Lembranças, Monsieur... Nada que vá julgar interessante, decerto.

– Poderia se surpreender – disse o músico, fixando as chamas douradas de seus olhos nela, provocando um estranhamente agradável calafrio na moça – a menos que sejam lembranças muito pessoais, é claro.

Annika sorriu brevemente e encarou Gabrielle, que lhe devolveu um olhar de encorajamento... Afinal, por que não? Ele estava tentando ser gentil. Aquele era o modo “Erik” de se desculpar pelo dia anterior, ao que parecia.

– Pensava em quando minha mãe me trouxe aqui, assistir A Flauta Mágica. Lembrava como me encantei com tudo, e como parece não haver mudado nada. – ela o mirou de alto a baixo – a não ser a companhia, é claro.

– Preferia outra pessoa, senhorita? – perguntou ele, e seu tom tinha um misto de ameaça e diversão.

– Decididamente, não. – respondeu a moça. Sabia que aquele diálogo civilizado era apenas uma breve trégua, mas estava gostando daquele jogo: parecia muito melhor do que confrontar o artista, que estava sendo particularmente agradável naquela noite.

A apresentação se iniciou, e logo o prelúdio fez arrepiar-se a pele da moça, com a força e intensidade da música. Amava aquela arte acima de tudo, e o poder que cada nota exercia sobre si era avassalador; Erik o percebeu ao ver o brilho fascinado, quase hipnotizado no olhar de sua bela criada, a qual se encontrava totalmente perdida no encanto musical que se desenrolava diante de seus olhos. Satisfeito, ele fitou Gabrielle, que lhe arqueou as sobrancelhas de modo sugestivo antes de desviar o olhar na direção de Annie, querendo que o Fantasma enxergasse o óbvio. E ele enxergou: pois Annika, assim como ele, encontrava na música a única cura para os pesadelos que trazia dentro de si, para os tormentos que a assombravam. De certo modo, eram iguais: proscritos, massacrados pelo mundo, criaturas da escuridão que só na música – a abençoada música – conseguiam encontrar paz para suas mentes fervilhantes e corações perturbados. Isso o agradou, e despertou ainda maior vontade de conhecer mais sobre a jovem de cabelos dourados, sentada ao seu lado. Talvez, o que começara como uma vingança pudesse vir a se tornar um laço bastante interessante...

Ele nunca poderia suspeitar do quanto estava certo e, ao mesmo tempo, como se enganava quanto à natureza de tal laço.


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Notas finais do capítulo

E então, minhas flores? Acertei no capítulo?
Parece que as emoções de Erik afloraram de uma vez, e não houve jeito: compor foi a única forma de extravasá-las... Annika tem um jeitinho todo especial de enlouquecer o Fantasma, afinal.
E Madame Giry? Que acharam da atitude dela?
Quanto ao nosso casal de cabeças-duras, estão se sentindo cada vez mais atraídos, e uma ligação surge, sem que percebam... Será que param por aqui as tentativas mútuas de "assassinato"?
Deixo vocês com beijos enormes e um milhão de agradecimentos pelos comentários recebidos até aqui.
PS - preparem-se para mais Garotos do Beco, no próximo post, e Annie sendo Annie ao tentar provar a Renard que ainda é uma deles. Deixem reviews, ok?
kisses



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