Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 43
Missão


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Emily Foster



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 Philip soltou a adaga no chão, e sua mão foi direto para a marca, tampando-a, como se sentisse dor. Eu estava acabada.

 — Me desculpa — disse Philip, enquanto reprimia um grunhido. 

 — Está tudo bem — o cadáver abaixo de mim tornou-se branco repentinamente. Claire estava boquiaberta, como se ainda estivesse viva sentindo a dor. — Obrigada — eu o abracei, fraca.

 — Vamos, os outros chamarão reforços. 

 — Philip, — olhei pra cima, buscando seu olhar — você está bem? 

 Começamos a caminhar, e Philip, com dificuldade, andava em passos lentos.

 — Está tudo bem. Você precisa descansar, temos que achar uma caverna. 

 — Caverna? 

 Eu olhei em volta e algo me dizia que não havia caverna alguma.

 — Sim, há uma caverna dentro da floresta. Só temos que ser rápidos e tentar não esbarrar com nenhum anjo ou bruxa. 

 Eu assenti. 

 Mas Philip estava estranho. Ele parecia muito cansado e com muita dor. Enquanto caminhávamos, ele discretamente colocava a mão na cicatriz, que embora não aparentasse nenhuma mudança, ela parecia incomoda-lo. 

 Eu poderia questioná-lo novamente, mas sabia que ele não iria me dizer a verdade — porque ele não queria de forma alguma me preocupar. Tirei essa conclusão quando em todas as vezes que o perguntava se ele estava bem, ele afirmava que não havia nada com o que me preocupar. 

 E isso só me preocupava ainda mais.

 A floresta era densa, fria e escura. O sol de Summerland estava escondido entre as árvores altas de eucalipto e tornava tudo ainda mais sombrio. O cinza opaco no ambiente me assustava, tal como a neblina que dificultava a visão. O lugar mudara bruscamente de uma hora pra outra — e Philip parecia cada vez mais fadigado ao meu lado, caminhado vagarosamente, entretanto com a máxima proteção possível. Ele segurava a minha mão com firmeza, e me deixava o mais próxima possível dele — e nossos corpos iam se chocando algumas vezes.

 Passamos por uma parte onde só haviam arbustos. A floresta parecia interminável — como tudo nesse lugar. De onde me lembro, no sonho, essa floresta era exatamente assim, e eu só me lembrava disso tudo até a parte em que alguém me lançou no chão, fazendo-me acordar num susto.

 Mas desta vez tudo estava sendo pior. Seres sobrenaturais estavam atrás de mim, e me culpavam pela invasão de Lúcifer ao céu. E de fato, era a minha culpa. 

 Porém, o maior terror de tudo, era eu mesma. A energia e a vontade assustadora de aniquilar todos os que nos ameaçavam jamais havia ocorrido dentro de mim. A força que eu sentira pela primeira vez; a carga pesada, e arrepiante de poderes que de uma hora para outra estabeleceu-se em mim; a minha capacidade prematura — e ainda assim muito inexperiente — de avançar pelo chão de uma forma bruscamente veloz atrás do meu objetivo; e a vontade de matar

 Fora como se eu virasse um animal, sedento pelo sangue e sedento pela proteção da minha família. Eu poderia facilmente ter me tornado uma leoa, atenta quanto aos cuidados com a sua cria; eu poderia ser uma tigresa também; na verdade, eu poderia ser qualquer animal extremamente feroz que buscasse proteger seus amados acima de tudo. 

 Acho que realmente há algo assim dentro de mim. Se Claire continuasse o trabalho — antes de Philip aparecer e matá-la antes dela me matar —, eu poderia morrer alegre por ter ajudado, de certa forma, Philip. E por ter afastado pelo menos Myrela do nosso campo de visão, dando-lhe alguma chance de escapar com vida. 

 Eu não me importava em viver. Eu me importava em nunca mais vê-lo na minha vida. Quando eu o olhava, eu não sentia apenas amor. Eu sentia a nossa conexão firmada, inquebrável. Eu queria, eu deveria estar ali. Era exatamente ali o meu lugar — junto dele, para sempre. 

 Mas não era essa a sensação de para sempre que eu gostaria de ter. Ainda havia algo no pulso de Philip que me incomodava profundamente. Eu não o amava menos — eu só temia. Por tudo. Eu temia por ele, eu temia por nós, eu temia pelo nosso para sempre

 Deus o perdoou, porém não abriu as portas do céu para Philip. Ele não era bem vindo lá. Ele era bem vindo ao inferno, que é exatamente onde sua alma está agora — e onde ela permanecerá para sempre caso a marca não seja retirada. 

 Não sabíamos como retirá-la até agora — e o nosso para sempre, e a paz de Philip pós morte parecia uma realidade cada vez mais distante, cada vez mais impossível. E a avalanche de terror só persistia dentro de mim como uma bomba que está prestes a explodir. Estávamos juntos carnalmente, porém, espiritualmente nossos destinos estavam tornando-se opostos, como duas pessoas que seguem caminhos distintos, como dois seres que seguem suas vidas sem olhar para trás — porém esquecem que é ali que deveriam estar.

 A sensação de que tudo iria acabar dentro de mim me apavorava. E como eu iria conseguir viver sem ele? 

 — Philip — chamei-o.

 Ele me olhou.

 — Sim, amor?

 — Eu tenho medo.  

 Philip não respondeu. Mas poucos segundos depois, avistei algo que parecia ser uma gruta — e caminhamos até lá, apressados. 

 Ele entrou primeiro, checando o lugar em busca de algum inimigo. Quando percebeu que tudo estava limpo, ajudou-me a entrar também. 

 A entrada era baixa e de difícil acesso. Rochas gigantescas formavam algo parecido com uma oca, mas muito mais realista e detalhada. Depois que se passa pela entrada, a gruta torna-se mais alta e aconchegante, porém, muito silenciosa. 

 Eu tive medo de quebrar o silêncio por um momento, mas Philip parou de frente para mim e segurou meu rosto, olhando meus olhos e os encontrando mesmo com a escassa fresta de luz que chegava pela pequena entrada.

 — Amor — ele acariciou minhas orelhas com as duas mãos —, vai ficar tudo bem. Não se preocupe. 

  Suspirei.

 — Não precisa dizer para eu não me preocupar. É impossível. Você está com essa marca, anjos estão sendo colocados para fora do céu, Lúcifer está atrás de nós e…

 — Shh…

 Ele colocou um dedo indicador na minha boca. Eu reprimi um choro — eu estava muito nervosa, e o pressentimento ruim dentro de mim só aumentava.

 — Eu não vou deixá-lo tirar você de mim. Nunca, entendeu? — Ele se aproximou, nossos olhos conectados, duas bilhas alinhadas. — Eu te amo, Emily. Eu sempre amei, e sempre vou amar. E se algo ruim acontecer, eu vou atrás de você onde você estiver. Não importa o lugar, eu a encontrarei. — Ele segurou na minha mão e a beijou suavemente, sem tirar os olhos dos meus. 

 Eu me aproximei o máximo de seu rosto, buscando sua boca — numa luta constante entre reprimir as lágrimas e deixá-las cair de uma vez. Nos beijamos profundamente até ouvirmos um barulho de goteira e sobressaltarmos, atentos. 

 Philip novamente checou o lugar, que não era muito grande — só o suficiente para abrigar umas três pessoas — e não havia nada. 

 — Vai chover — disse ele, é melhor continuarmos aqui até contatarmos Susan. 

 Isso me interessou.

 — Susan? Como a encontraremos… não estamos em um lugar… mágico?

 — Sim, mas Susan é uma médium, ela sente as coisas e muito provavelmente sentirá nossas energias.

 Lembrei-me da última vez que a vi. Estávamos todos do lado de fora da casa, quando uma mulher extremamente bela e assustadora — Lisandra — apareceu no meio de uma cratera gigantesca. E depois disso, só me lembro de algumas palavras até ser lançada no inferno, ou talvez na parte menos pior dele. 

 — Susan está com seus amigos — eu disse, e Philip imediatamente olhou para trás.

 — O que? — Ele ficou boquiaberto, assustado.

 — Lisandra e Gabrielle. 

 — Lisandra está com vocês? — Ele só se atentou para um nome.

 — Ela caiu. 

 Philip olhou para frente de repente, fitando o vazio, como se buscasse alguma lembrança.

 — Ela caiu aonde?

 — Em frente a casa de Susan, ou próximo. 

 Ele arfou.

 — Não… Lisandra não é legal — ele explicava isso de forma estranha. — Ela é uma maníaca e manipuladora.

 — Ela é assustadora também. Mas ela… chorava quando perguntou sobre você.

 Ele me fitou.

 Ele lançou uma risada nervosa.

 — Claro, eu estava no inferno. 

 — Ela gosta de você, não é?

 Quando eu perguntei isso, Philip me olhou diferente. Ele pareceu surpreso. 

 — Desde quando éramos anjos. 

 Engoli em seco. Eu não me lembrava de quando era um anjo, e não me lembrava da relação que eu tinha com Philip, não me lembrava de Lúcifer tentando me seduzir enquanto eu só o repugnava — e também não me lembrava de Lisandra dando em cima do meu namorado de outras vidas.

 E então uma onda de ciúmes e raiva cresceu dentro de mim. 

 Mas não era culpa de Philip estar com eles novamente. Eles caíram juntos, mas com intenções diferentes. Pelo menos Philip, até me ter completamente apagada da sua memória por Lúcifer e ser convencido por Lisandra e seus amigos de que ele caiu em busca dos meus poderes. 

 Até tudo dar errado — e nos apaixonarmos mais uma vez.

 — Você teve algo com ela? 

 Eu realmente estava agindo como uma adolescente ciumenta e insegura — mas eu realmente era ciumenta e insegura.

 — Não — ele riu e no mesmo instante ficou sério. — Amor… eu não sinto nada por ela a não ser ódio. Ela mentiu para mim, todos mentiram para mim.

 — Gabrielle pareceu ser uma boa menina.

 — Gabe de fato é. Mas ainda possui muita influência de Lisandra. Não é cem por cento confiável.

 Eu respirei fundo. Será que estava tudo bem com Susan?

 — Precisamos de Susan urgentemente. — Disse ele, espiando para o lado de fora. — Ela é uma iniciante, talvez nos deixem permanecer aqui.

 — Iniciante? 

 — Alguma descendente de bruxa. Se souberem que somos acompanhantes, talvez confiem em nós, porque confiam em Susan. Mas nós, sozinhos nesse lugar, é quase um suicídio. Essa é a terra delas, o mundo delas. Você é uma descendente de anjos, e eu, um anjo caído. Ou seja, somos menos que indesejados aqui. 

 — Somente bruxas ou descendentes são bem vindas aqui, então?

 Ele assentiu.

 Tudo isso só me dava mais pavor. Eu estava em um campo minado. 

 Philip pegou algumas madeiras com plantas largas que estavam no chão, e num gesto rápido e prático, conseguiu tampar grande parte da entrada, caso alguém passe por ali acidentalmente nos encontre. Ele só deixou uma pequena fresta para entrar um pouco de luz e não ficar um breu total. 

 — Bom, — ele parou na minha frente, e segurou minhas duas mãos — vamos ter que canalizá-la, temos que, mentalmente, alcançá-la de outra dimensão.

 Eu o fitava, perplexa.

 — E como faremos isso? 

 — Tudo está conectado, Emily. Nossas energias com a da natureza, nossas energias com a de outras pessoas, e tudo que está ao redor torna mais fácil ser misturado. Nossas energias nesse momento estão misturadas, veja — ele olhou para nossas mãos entrelaçadas —, nossas energias estão unidas, porque nos tocamos. Agora só precisamos pensar exatamente na mesma coisa para sincronizarmos perfeitamente. 

 Eu não sentia absolutamente nada dentro de mim, mas de certa forma, sentia algo diferente enquanto tocava a mão de Philip. Então, já que eu não sabia exatamente o que era, a denominarei como energia mesmo. 

 — Feche seus olhos — pediu ele, e assim eu o fiz. — Pense em Susan, chame-a…

 — Parem — uma voz grossa e desconhecida quebrou o silêncio de poucos segundos. Quando me virei, reprimi um grito.

 Havia um negro com olhos quase perturbadamente amarelados. Eram assustadores, medonhos ou tudo o que envolva pavor e desespero em uma pessoa. Ele usava um terno completamente branco, e uma luz avassaladora e intensa envolvia-o.

 Mas o que mais me assustou não foi isso. Surgindo de suas costas, havia uma sombra gigantesca em formato de asas. Elas não pareciam ser algo palpável e sim algo espiritual, e tinham um tamanho tão grande que ela atravessava o teto da gruta — e parecia estar longe de terminar.

 — Sam, você também foi mandando pra cá… — Disse Philip. Ele estava relaxado, embora sua guarda não diminuísse por causa disso.

 — Há coisas ruins acontecendo lá, Philip. Eu não era para estar aqui, porém, você não é mais um anjo, e Emily não possui um anjo da guarda, ainda.

 Ele olhou para mim, seus olhos me analisavam. 

 — Você então foi mandado de propósito? 

 — Sim.

 — Como posso confiar em você? — Perguntei, interrompendo o diálogo.

 — Minhas asas ainda estão conectadas, ainda sou cem por cento soldado de Deus. Ele me enviou pessoalmente para guiá-los. 

 — O que faremos aqui? — Perguntei.

 — Você fará. 

 Eu fiz cara de dúvida.

 — Você tem um dever agora, Emily.

 — Que dever?

 — Você conjugará Lúcifer até Summerland, e todos os seres sobrenaturais daqui serão obrigados a detê-lo para sempre. Caso contrário, Deus terminará de uma vez com a luta entre o bem e o mal. 

 Philip enrijeceu, e um medo atingiu brutalmente seu rosto.

 — O que isso significa? — Perguntei.

 — A morte de todos os seres já criados em todo o universo. Inclusive tudo e todos.


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Notas finais do capítulo

A coisa tá ficando tensa... E o que vocês estão achando meninas?? Me falem nos reviewsss!!! Espero q estejam gostando!!!! Beijooooos *-*



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