Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 38
Afeto


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Emily Foster



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Um cinza opaco que misturava as mais surreais sensações. A imitação quase perfeita de Philip, mas com uma crueldade e malignidade impecáveis e mortais. O ser era todo recheado pelo lado mais negro que um espírito, ou talvez uma essência pudesse suportar. Ele era tudo de profundo e obscuro de todo o universo, era o próprio mal em pessoa, era a própria escuridão dominada em um ser. Eu sentia de alguma forma nossa conexão, e aquilo me causava uma ânsia interminável de vômito.
— … Peço-lhe perdão pela entrada não tão triunfal, mas acredite querida, foi o melhor caminho que você pôde passar.
— Eu sei quem você é.
Eu já não me importava mais com as consequências.
— Oh, prevejo que sim. Você é uma guardiã. É por quem eu sempre esperei.
De repente, sua última frase saiu suave, quase como um pluma — quase como um sonhador.
— Do que está falando?
E então, outras duas formas humanas, vestindo terno e gravata apareceram ao lado de Lúcifer. Os homens vieram em minha direção em passos simultâneos, lado a lado. Eu me encolhi, tentando afastar-me. Mas foi inútil, eles já estavam há menos de um metro de mim.
Mas para a minha surpresa, quando já esperava o pior, os homens delicadamente seguraram em cada braço, impulsionando-me para cima, ajudando-me a levantar. Meu coração acelerou, e eu fiquei sem entender nada. Até que a lembrança de um mero jogo preencheu minha mente. Era tudo um jogo, é claro. Ele iria me bajular para depois me matar, como as tribos indígenas da América.
— Faça o que precisa fazer logo, eu não me importo — respondi, imediatamente. Eu estava em desvantagem, não sentia perfeitamente meus poderes; era como se eles nem estivessem em mim, de tão fraca que o lugar me deixava. Lúcifer estava relaxado, olhando-me ainda com aquela expressão sonhadora. Era como se eu fosse um prêmio raro, um artefato, uma relíquia, mais importante que ele próprio. Eu era um pote de poderes desfrutável.
— Fazer? Bem, agora eu quem pergunto… Do que está falando, minha querida?
— Do sacrifício, dos poderes que você sempre desejou mas nunca conseguiu ter. Eu não me importo. Eu não quero esses poderes, eu não quero nada disso. Eu não nasci pra isso, eu não pedi para ser escolhida!
— Emily — ele começou a se aproximar. Ao meu lado, os dois homens de terno permaneciam intactos, um de cada lado, olhando reto, como dois seguranças. — Você acha que vou te matar?
Sua pergunta me intrigou. O que?
— Sim. Você quer o ritual, você quer meus poderes.
Ele colocou um dedo no queixo, e me observou em duvida. E então ele assentiu, de cima para baixo, como se lembrasse de algo.
— Eu entendo, entendo porque pensa assim. Mas não é, nem nunca foi esse meu objetivo. Eu jamais lhe faria algum mal.
— Por que está fazendo isso? Por que está me enganando desse jeito? Não é isso que você faz, engana os outros? Vamos, não há mais ninguém aqui. Conte-me a verdade. Conte-me!
Ele sorriu.
— A verdade é que fomos feitos um para o outro.
Ele estava blefando, com toda certeza.
— Não. Não é você quem eu amo, eu amo o Philip.
— Eu sei, minha querida. Isso também estava escrito.
Franzi o cenho. No livro de Deus?
— Ele preparou um lindo destino para vocês, Emily.
Lúcifer começou a andar de um lado para outro, em passos lentos.
— Destino? Quem…? Deus?
Ele assentiu, e seu humor sumiu completamente.
— Mas não é isso que deve ser, não é? O destino de um anjo caído e uma guardiã… juntos? No que Deus estava pensando quando escreveu isso, em?
Tudo pareceu encaixar-se num quebra cabeça gigantesco. O que eu sentia por Philip, aquele sentimento inexplicável desde o primeiro dia, aquele nervosismo, aquele medo do perigo, mas ao mesmo tempo aquele desejo avassalador de tê-lo para sempre. Era o destino, conectando-nos como duas almas nascidas para se amarem. E por que… por que tudo desmoronava?
— O que está por trás disso tudo? Por que não nos deixa em paz?
— Porque você já foi minha — ele falou, furioso, olhando-me profundamente nos olhos como se uma amargura estivesse em seu peito. — Porque você me pertence, meu amor. Porque construiremos um futuro juntos, um novo céu, um novo inferno. Uma nova realidade. Porque morreremos e nasceremos. Porque…
— PARA! — Gritei sufocada. — Para com isso! Não! O que Deus escreveu é mais forte que tudo, você não é páreo para ele! A escrita dele é sagrada, você não pode jamais mudá-la. Você não conseguirá interferir no nosso caminho. Eu sou a guardiã dos céus, Lúcifer.
— Você se diz uma guardiã, mas não se sente uma. Eu sou o Philip. Eu já tenho sua alma, o seu espirito. Nos fundiremos em um só, e o que estava escrito finalmente se concretizará. Como você mesmo disse, minha querida, a escrita de Deus é sagrada, isso é verdade, não sou páreo para ele. E é a partir disso, que utilizarei-o a meu favor. Se eu ser Philip, estaremos juntos, querendo ou não Emily. Nossa conexão não é carnal, é espiritual. Você não pode negar seus sentimentos, você não pode negar o que sente por mim.
— Você não entende? Você, mesmo no corpo de Philip, não me fará apaixonada. Porque eu sei que não é ele aí dentro, é você. E eu não o amo!
Ele sorriu.
— Isso está além do seu alcance, Emily. Eu tenho tudo que o Philip tinha. Os agentes do destino só agirão conforme o solicitado. E colocará você na minha vida, para sempre.
— Não. Acha que Deus já não sabe seu plano?
— Ele não intercederá. O que foi escrito, jamais será apagado. São regras do céu. Você não tem escolha Emily.
Isso era impossível. Eu estava presa à Lúcifer, eu estava presa pelo meu próprio destino escrito. Mas eu não podia, eu não podia aceitar isso. Era Philip o amor da minha vida. O nosso amor foi escrito por Deus, foi escrito pelo sagrado. Eu não poderia deixar que Lúcifer estragasse isso tudo — como era possível isso acontecer? O que eu faria agora? Simplesmente o deixaria tomar a alma de Philip para ele até ele “se tornar” o próprio para que o destino se concretize? Isso só poderia ser um pesadelo interminável, daquele tipo que eu não conseguia acordar nunca — por mais que eu tentasse.
Lúcifer me olhava profundamente, aguardando alguma resposta minha. Enquanto isso, eu estava atordoada o suficiente para não conseguir organizar meus pensamentos. Um demônio estava roubando o lugar do amor da minha vida só para estar preso ao destino? Que linda história para se contar.
— Emily, teremos um futuro lindo juntos. Você é uma guardiã, eu sou o dono disso tudo — ele abriu os braços olhando em volta —, eu lhe mostrarei um mundo completamente diferente do que você já conhece. Você será a minha única e insubstituível mulher. Nós mandaremos em tudo e em todos, nós criaremos tudo. Um novo céu, um novo destino.
— Lúcifer, você não pode fazer isso. Deus comanda tudo.
Ele revirou os olhos como um garoto de dezessete anos. Seu estado irônico parecia ter voltado novamente. Lucifer era louco.
— Deus está mais que cansado dessa vida. Você é quem não entende, minha bela — seus elogios me enojavam. — O mal já está tomando a Terra. A escuridão já está mais que presente naquele lugar. É por isso que você deve ficar aqui comigo, você precisa ficar aqui e se proteger.
— Eu sei me proteger — menti, mas disse com tanta convicção que eu poderia até acreditar nisso.
Lúcifer riu.
— Por favor, você não compreende o que há em você. O que Deus fez foi nada mais nada menos que buscar livrar-se de tanta responsabilidade. Ele só quis escapar disso tudo para sair como vítima. — Nos olhávamos tão fixamente que era como se visualizássemos nossos pensamentos, a conexão estava sendo involuntária. — ... E eu só entrei nessa história para salvar tudo e todos.
— Salvar? Impregnando o mal pelo mundo?
Ele balançou a cabeça.
— Construiremos um império juntos. Você será minha esposa. E sob as luzes do inferno, nos casaremos. Philip não consegue mais resistir Emily. Ele está se tornando eu. Eu serei o seu Philip em breve minha querida.
— Seu DESGRAÇADO! — Corri em sua direção sem pensar duas vezes. Era inútil, eu sabia, mas o ódio dentro de mim crescia a cada fração de segundo que eu o ouvia. Soquei seu peito com força e com as duas mãos, e tudo o que senti foi uma parede rígida como de concreto. Ele estava parado, imóvel, apenas observando-me explodir com todo o ódio nele, enquanto eu o socava de forma quase ininterrupta e indiferente.
E então ele pegou em meus braços, muito sutilmente e cuidadosamente, como se não quisesse de forma alguma me machucar. Ele se aproximou e nossos rostos estavam a poucos centímetros de distância. Seus olhos sem vida penetravam os meus, e a sensação de um choque flamejante dentro de mim acendeu-se como num desespero único de amá-lo. Mas eu não o amava, não de acordo com a minha vontade. Só que tudo o que eu sentia era uma embriaguez inevitável, duas cordas forçando-se para enlaçarem-se, dois novos quebra cabeças prontos para se completarem mais uma vez. Ele sorriu muito levemente, mas seu sorriso não chegou ao seu olhar. E enquanto eu permanecia intacta, imóvel como numa hipnose, ele veio até mim bem lentamente, nossos lábios quase tocando-se...
Mas não foi minha mente ou meu coração, ou meus órgãos, ou meus sentidos ou tudo o que me tornava humana, não foi a minha impulsividade ou o meu gênio... Foi muito além de mim. Foi espiritual, profundo e inevitável.
Foi o meu destino ao lado de Philip.
O verdadeiro Philip. O Philip que dominado pela vingança desistiu de tudo para ter um amor ao meu lado, desistiu de entregar-me à Lúcifer para salvar-me, desistiu da sua própria resistência em manter-se uma pessoa ruim. Desistiu de tudo que lhe guiava para o lado ruim. O Philip que escolheu amar-me acima de si mesmo e seus ideais. O Philip verdadeiro a quem Deus prometeu-me, criou para mim. O Philip que o destino nos uniu, o destino nos tornou. O Philip que ninguém jamais substituirá.
O meu amor.
— Você nunca será o Philip, e eu nunca vou te amar.
E quando eu disse isso, Lúcifer afastou-se ainda devagarinho, olhando-me sério e com a expressão devastada. Havia decepção e dor em seus olhos, havia algo quebrando-se dentro de si; havia também uma necessidade quase desesperadora de fazer-me amá-lo, mas tanto eu quanto ele sabíamos que ele não poderia fazer isso. Não com a guardiã. Meus elementos me protegiam, meus poderes cuidavam de mim. E eu sabia que havia algo como uma barreira natural de separar-nós um do outro. Ele era o perigo, ele era um demônio, um habitante do inferno; eu era a guardiã, a protetora dos poderes divinos.
E nesse momento eu entendia perfeitamente o que significavam os meus poderes. Qual era o real significado deles e da força que eles possuíam. O rei dos infernos não poderia me machucar — e ele sabia disso. O rei dos infernos era fraco contra os poderes do céu. Ele era fraco contra mim.
— Você já foi minha — sua voz saiu baixa e sem ânimo. A sua dor poderia ser ouvida por mim, se eu buscasse escutá-la. Ele sofria.
— Não...
Ele assentiu.
— Sim, mas ele me castigou.
— Ele quem? Do que está falando?
Ele lançou uma risada abafada e sem humor. A expressão de dor era evidente.
— Deus. Deus colocou outro homem no seu caminho. Colocou o Philip. Porque ele sabia... Ele sabia que você era a pessoa mais importante na minha vida


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Notas finais do capítulo

E então liiiindas?! Me contem o que acharam!! A opinião de vocês é muiiiiiiiito importante pra saber se estão gostando *-* Um beijo colossal



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