Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 31
Queima


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Philip Cambridge



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Meus olhos vagaram pelo aposento. A casa permanecia precariamente de pé, entretanto, algo me dizia que essas madeiras logo, logo iriam falhar.

Falhar.

Era a palavra que mais ressoava de forma constante na minha cabeça. A culpa pela morte dos pais da Emily aumentava a cada segundo, e o ódio por Hedrick crescia de maneira jamais sentida por mim antes. Era um ódio que vagava por cada parte do meu corpo, era um desejo estrondoso de matá-lo e fazê-lo pagar pelo o que fizera. Eu não fui cuidadoso o suficiente para evitar a morte dos pais dela, eu falhei.

E ainda, ele machucou quem eu amo.

Ele fez sofrer a única mulher que me faria largar tudo, absolutamente tudo por ela. De forma inimaginável, a minha mente, o meu coração, a minha alma, estava mais que conectada à ela. Mas nosso amor era perigoso, e talvez, loucura aos olhos de Susan.

Susan, a médium, ou talvez a humana mais conectada aos espíritos achava tudo uma loucura. Um anjo caído — ou um demônio, como ela insistia — e uma guardiã. Unidos num mesmo elo, numa mesma trajetória. Um amor proibido, pecaminoso, louco, segundo ela. Eu entendo perfeitamente seu sentido de ver as coisas. Um demônio é banido imediatamente na vida de qualquer ser conectado à Deus. Um demônio merece ser exilado para as profundezas do inferno, sua alma deve queimar até formar o máximo de poeira possível, até tornar-se um nada, e então, o pouco que restou de sua alma deve ser lançada no vazio.

O vazio está muito além do purgatório, céu ou inferno. Era muito mais que o destino marcado para sua alma. Se ela for pro céu, seu destino é viver em paz. Se ela for para o inferno, seu destino é sofrer e sofrer, até que alguém interceda por você. Se você for para o purgatório, a espera nada mais é que sua única solução para não deprimir-se profundamente e perder-se nos próprios pensamentos e lembranças omitidas. Agora se você for para o vazio, a própria palavra é incapaz de expressar devidamente o significado. O vazio nada mais é que o modo morto da sua alma. Digo, enquanto nos outros locais, você se sente vivo, no vazio, você é a inexistência. O vazio é o nada onde sua alma percorre os cantos como um zumbi, ou a sensação de estar vivo, mas na verdade, estar completamente perdido de si mesmo. Você vaga pela escuridão para sempre, sem rumo, sem conexão com outras almas, sem sentido de estar ali. A solidão é a maior dor que um ser, vivo ou morto, pode sentir. E no vazio, a solidão é a definição imediata para a palavra.

Esse é o destino de um demônio. Ou talvez, um dos destinos. O inferno ainda é o mais certo, mas quem vai para o vazio, há sempre um motivo muito especial para isso. Segundo alguns boatos, o vazio pode ser pior que o inferno. E era exatamente onde eu queria Hedrick agora. No vazio infinito. Sem rumo. Sem destino. Sem escolhas ou qualquer sinal de salvação.

Senti mãos nos meus ombros, mãos firmes.

— Bom de te ver de volta, Phil.

Era Zack. Ele parecia um pouco mais velho agora.

— Conseguiu localizar Hedrick?

Segundo eles, eu estava caçando Hedrick. O que não era uma mentira completa. Mas eu estava com Emily. E eles não podiam nem sonhar com isso.

Gabe apareceu da cozinha. Quando ela me olhou, um breve tremor momentâneo passou por mim. De repente, a sensação que eu tive era que Gabe estava tendo problemas em conter-se. Eu entendia. Gabe sempre fora um pouco mais frágil que o resto do grupo. E sua lealdade à Lisandra, principalmente, não facilitava as coisas.

— Ainda não — respondi.

De repente, ouvi barulhos de saltos junto com o ranger da madeira velha. Lisandra apareceu na escada, com os cabelos presos até o alto da cabeça. Fazia tempo que não a via assim. Seu olhar mortal de sempre estava evidente, e sua expressão, nem um pouco simpática.

Lisandra ainda me odiava por desconfiar que eu estava apaixonado por nada mais nada menos que o principal motivo por termos aberto mão do céu.

— Novidades?

Ela lançou um sorriso falso, e pegou um pedaço do hambúrguer de Zack.

— Nenhuma — respondi por fim.

Ela revirou os olhos.

— Você ficou dois dias foras, Philip. Tem certeza que não possui nenhuma informação?

Ela permaneceu me fitando, e eu fiz o mesmo. Ela me encarava não com os olhos, mas com o ódio dentro de si.

— Sim, Lisandra. O que sabemos é que Hedrick é muito, muito forte.

— Soube do pacto?

Eu olhei para Gabe, que foi mutilada com o olhar por Lisandra.

— Que pacto?

— Nada importante — respondeu Lisandra rapidamente.

Eu aguardei Gabe.

— Gabrielle, por favor. O que estão escondendo de mim?

Olhei em volta.

— Não há nada para esconder, Philip — disse Lisandra. — O que sabemos sobre Hedrick, você também sabe. A questão é que também há um pacto entre Lúcifer e ele.

Eu levantei.

— O que? Lúcifer fez um acordo também com Hedrick? Espera… então Hedrick deve parte dos poderes ao demônio também?

Lisandra assentiu.

— Por isso acho que ele tem muitos poderes. Precisamos ser rápidos. — Dessa vez ela olhou em volta, como se preparasse cada um. — Precisamos matar logo a garota, independente dos seus poderes estarem avançados ou não.

Eu levantei subitamente, deixando-me levar pelos instintos.

— Não podemos, Lisandra. — Disse Erick. — Nosso acordo era os poderes completos da menina.

— Eu não quero saber! Se vocês não me seguirem, eu farei tudo sozinha! — Gritou ela. — Sério que vocês não estão preocupados com esse acordo idiota? Se Hedrick conseguir entregar Emily à Lúcifer antes de nós, o que acha que ele fará conosco? Acha que permaneceremos como integrantes do seu grupinho de anjos caídos? Ele aniquilará todos nós, e nos jogará no inferno, como pobres idiotas!

— Então deveríamos fazer um acordo com Hedrick — disse Zack.

Enquanto isso, eu e Gabe apenas ouvíamos. De repente, falar de Emily dessa forma — como uma simples “caça” era nauseante e doloroso de mais para mim. Eu preferia morrer a vê-la sofrer. Lisandra franziu o cenho para Zack, como se esperasse que ele continuasse com a ideia.

— Se conseguíssemos trazer Hedrick para nós, seríamos mais fortes. E iríamos todos nós atrás de Lúcifer.

— Isso nunca vai funcionar — eu disse, tentando cortar a ideia. — Acha que Hedrick perderá a chance de conseguir todos os poderes da Emily?

— Para ele conseguir todos, ela precisa avançar todas as habilidades, o que pelo visto, está longe de acontecer — disse Lisandra. — Mas Hedrick parece estar com sede de poder. Ele quer ela logo, ele quer ela já. E nós também.

— Você sabe sobre o livro Lisandra — disse Erick.

— Não precisamos entregá-la agora — ela sorriu maliciosamente.

E dessa vez, eu senti que o rumo da conversa não estava nada saudável. E iria piorar. Em breve.

— Como assim? — Perguntou Gabe.

Lisandra abriu ainda mais o sorriso.

— Vamos sequestrá-la, forçá-la a desenvolver as habilidades e depois… — ela olhou para mim, bem profundamente nos meus olhos, como se fosse um gesto direto para me machucar. Ela sabia o que estava fazendo, e estava fazendo muito bem. — Iremos matá-la.

Nesse momento, senti minhas mãos automaticamente fecharem-se em punho. Foi num gesto rápido, e a sensação é que eu poderia explodir a cabeça de Lisandra com um simples e rápido movimento. Seu plano sempre foi esse. Agora tudo fazia sentido. Esse tempo todo, Lisandra estava testando a minha capacidade de ser ruim. E testou até onde eu conseguia me envolver. Eu talvez conhecia Lisandra melhor que qualquer anjo caído nessa casa. E ela estava jogando. Como sempre. Mas dessa vez… eu não estava jogando com ela.

— Qual é o plano? — Perguntou Erick, parecendo entusiasmado.

Eu olhei para Gabe, que parecia assustada e estranhamente insegura.

— Não precisaremos mais de Philip. Agora quem irá agir, será eu. Tentarei falar com Hedrick, e se ele não colaborar, tiraremos Emily da vidinha sem graça dela e a traremos para cá. Onde tudo é mais bonito — ela soltou uma gargalhada.

As coisas tornavam-se cada vez mais surreais para mim. A minha mente vagava constantemente, buscando ajuda, buscando alguma solução, mas nada parecia vir à tona. A sensação extrema e horripilante era que o circo estava se fechando. Estávamos cercados. Emily estava cercada por anjos caídos com poderes e experiências inimagináveis. Emily estava em perigo. Em completo perigo. E tudo estava prestes a piorar com Lisandra se metendo em tudo — desde o inicio, ela se metia, mas dessa vez era diferente… dessa vez ela estava lá. Era na prática. Ela estaria lado a lado com Emily, que, sem saber como funciona o mundo da magia, não teria nem chances de se defender. O que diabos eu deveria fazer agora? Tentar protegê-la contra o mau, ou ensiná-la como as coisas funcionam, e ajudá-la a evoluir seus poderes para ter algum tipo de defesa contra eles, caso eu não esteja por perto?

A questão é que se eu ajudasse Emily a evoluir seus poderes, eu estaria entregado-a de bandeja para os outros anjos — inclusive Hedrick. Mas por outro lado, até onde esses poderes divinos são capazes de chegar para defender a sua portadora — defender a sua guardiã? Se eu a ajudasse a evoluí-los, ela conseguiria defender-se de todas as ameaças e viver normalmente? E se eles fossem mais espertos? É claro que a experiência muda tudo, confunde tudo. E os anjos, arcanjos, serafins e sabe-se lá quantas classes já estavam na Terra em busca da guardiã, possuíam muito mais que alguns poderes com eles. Eles possuíam experiência de milênios, que nada nem ninguém poderia dar a ela.

Emily era forte. Extremamente forte. Não só por causa de seus poderes, mas possuía um espírito e uma alma muito forte. Porém, ela tinha dezessete anos. O que ela sabia sobre lutas, ações, movimentos… e enfim, o que ela sabia sobre tantas coisa que só o tempo poderia ensiná-la?

Eu precisava ajudá-la. Para o bem próprio dela. Mas ao mesmo tempo, eu precisava de um lugar para protegê-la, eu precisava de um lugar especial longe de tudo.

— Summerland — disse Susan, duas horas depois que tivemos uma pequena reunião onde Lisandra inventou um novo plano.

Eu estava na casa da médium, em busca de ajuda — como sempre —, e respostas.

— Summerland? O paraíso das bruxas?

Ela assentiu.

— Susan, eu sou um anjo caído. Quer dizer, só por eu já ser um anjo, as bruxas me odiariam. Imagine agora que eu caí. Elas acham que sou um demônio!

Ela revirou os olhos.

— Você terá eu como sua iniciante.

Para entrar em Summerland, você precisava ter uma iniciante. Alguém que te indicasse para lá. Não era tão fácil quanto as lendas.

— Que conexão você tem com as bruxas?

Ela deu um peteleco na minha cabeça — como nos velhos tempos.

— Eu sou descendente de uma! Você não sabe disso?

Eu parei e tentei lembrar-me de quando ela mencionou isso.

— Nossa, você é ótimo com lembranças! — Ironizou ela. — Mas enfim… eu posso tentar.

— Isso irá pedir muita energia…

— Eu consigo… e é provável que você consiga entrar. As bruxas sabem da guardiã. E respeitam isso. Elas emprestariam o lugar algumas vezes para vocês treinarem.

Isso estava tomando um rumo finalmente bom. Segundo Susan, eu deveria ajudar Emily a evoluir os seus poderes, já que como uma guardiã, ela precisaria para o bem próprio. Ela falou algo sobre ser uma tradição também, todas os guardiões terem de fato, evoluído os seus poderes e só assim concluindo a missão que ela chamara.

Eu faria de tudo para protegê-la. E a ideia de Emily ter um nova forma de se proteger me agradava — e muito.

Susan foi para a área cuidar das plantas. Enquanto isso, deixou uma pilha de livros velhos em cima da mesa para eu ler em algum lugar seguro — onde nenhum ouro anjo tenha acesso. Segundo ela, os livros citam os guardiões de Deus na Terra algumas vezes como responsáveis pela proteção dos poderes divinos, e suas trajetórias complicadas durante a vida.

Mas a impressão que eu tinha era que não era ali que eu iria encontrar respostas. Livros vagos, poderosos mas… ínfimos de informações verdadeiramente secretas não me levariam à lugar algum que eu gostaria de chegar. Eu queria terminar com isso, exterminar os outros anjos e finalmente, quebrar o pacto com Lúcifer.

De repente, uma pequena ardência no meu pulso esquerdo me chamou atenção.

Um sobressalto.

Agora, não era mais uma ardência, queimava. Queimava muito, e por um momento, senti falta de ar. A energia escureceu, e as coisas pareceram mudar de tamanho. Algo estava errado. Era a marca. Ela estava em carne viva como se comesse minha pele.

O cheiro de carne queimada flutuou no lugar. E a dor alucinante preencheu todo o meu corpo, cada pedaço, cada pequena parte. Era uma dor jamais sentida desde a queda. Era uma dor interminável.

A marca de Lúcifer brilhava, como as próprias chamas do inferno me chamando. Eu gritei até meus pulmões já não aguentarem, até o ar escapar-me por completo. Eu gritei alto, alto de mais, porque sabia que era ele.

Ele estava me chamando.

Lúcifer estava me chamando.


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Notas finais do capítulo

O que acharam meninas? Espero que gostem! Comentem, divulguem!!! Beijos enormes!!!!



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