Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 32
Livro


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Emily Foster



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Havia mais que chuva do lado de fora do colégio. Era praticamente uma tempestade. Os dias em Washington eram visivelmente bipolares. Ora fazia sol, ora chovia… ora ficava nublado, como se o próprio tempo estivesse indeciso se chover ou fazer sol seria uma boa ideia. Hoje não era um dia diferente, a não ser pelo fato do ar em torno desse colégio estar estranhamente mais “místico”, e as pessoas de certa forma, cochicharem entre si quando me olhavam. É claro que sempre fui a estranha da escola, mas dessa vez, com todo o documentário na pequena cidade sobre o ocorrido com meus pais, minha fama só aumentava.

Alguns vieram até mim, com seus pêsames. Outros simplesmente me olhavam fixamente até eu precisar desviar o olhar por constrangimento, sem dar uma única palavra. E alguns ainda assim acenavam, com um olhar meio tristonho, como se dissesse um sinto muito em silêncio. Mas a verdade é que ninguém gostava mais de mim só pelo ocorrido. Mas pensar que me odiariam mais também não fazia sentido algum. Talvez só estivessem surpresos por eu aparecer tão cedo de volta às aulas, antes mesmo da missa do sétimo dia.

Mas eu não tinha intenção alguma de voltar aos meus cálculos matemáticos ou às aulas incessantes e sem sentido de biologia. Meu único objetivo era chegar até a biblioteca. Mas antes que eu pudesse passar pelas enormes portas que guardavam livros mais antigos que meu ancestrais, Melanie encontrou-me a caminho, e surpresa, perguntou:

— Emily! O que está fazendo aqui…?

Eu lancei-lhe um pequeno sorriso.

— Preciso me distrair.

— Você está indo… — ela olhou para a única porta em minha direção. — Para a biblioteca?

— Sim… ler uns livros, ocupar a minha cabeça… acho que me fará bem.

Melanie sorriu, mas eu senti mais um olhar de pena do que de alegria. Talvez Melanie só estivesse tentando parecer legal, mas eu a conhecia o suficiente para reconhecer suas expressões de longe. Ela estava lamentando por mim, mas tentando disfarçar a sua dor com um sorriso. Melanie tinha essas coisas, buscava sempre nos agradar até nos dias mais tristes, e seu senso de humor realmente levantava a energia do lugar, por mais curioso que parecesse. Eu precisava de pessoas assim, como Melanie, espontâneas e divertidas. A combinação perfeita para uma grande amizade.

Quando o segundo sinal tocou alertando que já estava mais que na hora dos alunos já estarem em sala de aula, Melanie apressou-se para a aula, visto que a Senhora Pandora muito raramente deixava entrar com quinze minutos de atraso.

E então eu vaguei para a única porta a minha frente. A porta gigantesca da biblioteca, onde uns iam para dormir, alguns para se agarrarem nas últimas estantes e outros para matarem aula.

Quando abri a porta, todos me olharam. Como se não bastasse ter feito um imenso barulho por causa da fechadura quase quebrada, eu acabei tropeçando na pequena subida que dava para o gigantesco acervo de livros.

A Sr. Cecília pareceu surpresa — bibliotecas não eram o meu forte, e raramente eu vinha aqui. Ela abaixou os óculos na altura do nariz, e olhou por cima deles. Sua expressão ficou mais séria conforme eu me aproximava. Como todos diziam, ela odiava esse trabalho, e mais ainda quando tinha que atender algum aluno.

Eu reparei no seu cabelo enrolado em um coque até a altura da cabeça, que dava uma ligeira impressão de estar extremamente apertado. Minha cabeça até doeu quando reparei nele.

— O que quer, querida? — Perguntou ela, forçadamente educada.

— Quero ir na sessão de ocultismo.

Quando disse isso, ela encostou na cadeira, não tirando os olhos de mim. Eu entendia esse espanto todo: além de ninguém ir nessa sessão, eu tinha fama de bruxa ou sobrenatural nesse colégio, e me verem numa sessão de ocultismo, só aumentaria ainda mais a minha super fama de satânica, pagã, etc. Com a Sr. Cecilia não pareceu diferente. Ela demorou uns cinco segundos para processar sua próxima resposta.

— Não está querendo ir lá só porque há lendas…

— Não. Eu não acredito nessas coisas. Só preciso encontrar alguns livros para a minha pesquisa — menti, e muito provavelmente ela sabia que eu estava mentindo.

— Bem… você está sozinha?

Ela olhou por cima dos meus ombros.

— Quer mesmo entrar lá sozinha?

Eu revirei os olhos, como se não me importasse. Então ela deu de ombros, levantando as sobrancelhas.

— Preencha isso aqui — ela me deu um papel com várias perguntas e uma caneta. Demorei menos de um minuto para responder todas. Eu não estava prestando muita atenção.

Ela me levou até uma sala enorme, que ficava lá no fundo a biblioteca. A sala era trancada por dois cadeados que ela demorou quase dois minutos para encontrar as chaves. Lá dentro, havia mais de cinco estantes lotadas de livros antigos. A cor do lugar era monótona, sombria e estranhamente familiar.

— Pronto. Você tem 10 minutos para escolher o livro e ler aqui.

Eu assenti, e ela saiu pela porta atrás de mim.

Quando eu vi imensidão de obras por autores anônimos, eu não fazia ideia em qual parte procurar. Mas a parte mais estranha é que eu preferi olhar em todas as estantes primeiro, em cada prateleira, em cada canto, buscando algum que me chamasse atenção. Mas todos pareciam ter as mesmas características: grosso, folhas amareladas e escuros.

“Ocultismo no século XII”, “Paganismo”, “Lados ocultos”…

Eram diversos temas, um mais assustador que o outro. Mas nenhum deles me chamava atenção.

Seis minutos depois, eu já estava com fadiga por algum motivo que eu não fazia ideia. A sensação de cansaço estava começando em mim, como se o oxigênio estivesse escasso, e uma leve tontura parecia puxar-me para baixo. Por um momento, comecei a suar frio, e o ar também parecia mais grosso, obscuro. E nenhum dos livros, nenhum dos títulos parecia ter o que eu precisava. Eu não tinha mais nada pra fazer ali.

De repente, antes que eu pudesse sair da sessão de ocultismo, ouvi um barulho. Era de algo que havia caído. Era o barulho de um livro caindo.

Dei meia volta e rapidamente voltei para as estantes, indo e voltando repetidas vezes, olhando em cada uma delas. Até que era chegou a última estante. E lá estava.

Era um livro muito grande, talvez o maior que tivera visto ali. Possuía uma cor vinho escura, aparentemente muito envelhecida. Havia muita poeira nele. Tanta poeira que eu não consegui ver o que estava escrito na capa. Eu avancei em direção a ele lentamente, e então eu o peguei.

E tomei um susto, imediatamente largando-o no chão, onde fez um outro barulho semelhante. A sensação que o livro causou em mim foi talvez a mais difícil de explicar em toda a minha vida. E a mais curiosa é que ele me deu… choque. Choque… como se de algum forma, aquele livro não me quisesse ali. E uma estranha sensação de poder… de… magia que eu jamais tivera sentido prevaleceu, disparando completamente não apenas meu coração mas todo o meu fluxo sanguíneo.

— Emily? Seu tempo acabou! — Gritou Cecília da porta.

Rapidamente ignorei a reação do livro e peguei-o ainda assim. Dessa vez, ele não me deu choque como antes, o que já me satisfez.

Saí da sessão de ocultismo e busquei a mesa mais próxima de mim. Quando coloquei o livro na mesa, ele realmente parecia maior do que já era.

O livro não possuía um título como os outros. Não havia nada em sua contra capa. Ele era completamente liso na frente e atrás, e sua moldura espessa aparentemente de couro tornava-o um pouco mais consistente. Esse livro nunca me chamaria atenção, se não caísse misteriosamente no chão. Se isso aconteceu, era muito provável que possuía algo ao meu interesse.

Quando o abri, uma nuvem de poeira formou-se.

Demônios”. Era a única coisa escrita na primeira folha, com uma caligrafia à mão, parecida com as canetas antigas de penas. Fora o fato muito estranho da cor ser de um vermelho escuro como o sangue.

Virei a página. Outra nuvem de poeira.

O sangue dado, o sangue necessário. A troca necessária. A dor necessária. O desejo atendido”.

“Foram anos de lutas, anos de dor, anos de tristeza. Anos de arrependimento. A fera estava solta, a ferida estava exposta, e meu sangue inteiro em torno de mim. Havia uma chama reluzente clareando parte do lugar. O que antes era natureza, agora é o fogo que tomou conta. Eu não estava vivo, mas minha alma, ainda sim.

Era o inferno pessoal.

Era o demônio próximo à mim.

O lugar era saboreado por espécies raras de serpentes e ratos. No centro, havia uma mesa com pontas extremamente afiadas. E em cima, estava eu, de mãos e pernas presas por correntes que queimavam-me conforme eu me movia. Um simples movimento, e o cheiro de carne queimada — da minha carne — voltava.

O demônio chamou seus recrutas. Novos integrantes expulsos do céu. Eram cinco no total. Cinco carnes enganadas, cinco carnes em busca de poder, cinco carnes malditas que fugiram do paraíso. Cinco carnes que o pertenceriam para sempre.

Suas vestimentas eram honrosas. Capas negras e vermelhas, obscuras. Eu observei nos olhos de cada um deles. Cada um a poucos momentos da mais temível hora: a hora do pacto. Duas meninas se entreolharam, aparentemente assustadas, os olhos eram ferventes, calorosos. O grupo era apenas de meninas, mas as outras não pareciam se importar com o que estavam fazendo. Elas pareciam confiantes, como se soubessem com certeza o que estariam prestes a fazer.

O demônio mais temido apareceu novamente. Dessa vez, sua aparência era a de um garoto de sete anos. Ele portava consigo uma faca — a faca da morte, a faca do pacto ou a faca da marcação. Essa faca possuía um grande emblema em seu cabo de ferro, um símbolo único e destinado apenas àqueles que deram sua alma, prenderam-na no inferno. Ele olhou nos olhos de cada um, recitou uma pequena cantoria, onde eles deveriam fazer o mesmo. A cantoria era em outra língua desconhecida. Medonha. E então, segundos depois, Lúcifer cortou o pulso da primeira mulher. Enquanto o sangue dela escorria de maneira descontrolada, todos permaneciam cantando num ritual sádico e mortal. A garota reprimiu um grito de dor, avermelhando-se brutalmente conforme os espasmos começavam — os espasmos da morte. Ela caiu no chão, e de dentro da sua boca, uma fumaça branca e espessa saiu dela, entrando no demônio. Sua alma havia sido retirada.

Em seguida, o cabo da faca na mão de Lúcifer pegou fogo, e seu símbolo, incrustado no outro pulso da mulher. Ela gritou mais fortemente com a dor, e o símbolo do pacto começou a formar-se.

Ele o fez com todas as cinco. Todas numa mesma trajetória.

Minutos depois, um outro grupo entrou. Um grupo diferente, que me chamara a atenção. Eram cinco também, porém com duas mulheres e três homens. Uma das mulheres possuía um longo cabelo negro, e uma atitude voraz, quase selvagem.

— Viemos por ela — disse a mulher. — Dê-nos os poderes, e lhe daremos nossa alma.

Lúcifer riu, entretanto, não disse nada.

O mesmo aconteceu com cada um deles. Um deles era baixo e frágil, quase impotente. O outro era um pouco mas alto, possuía cabelos muito loiros. E por último, o mais alto de todos. Era o único com olhos grandes e cinzas claros. A cor cinza jamais referia-se à cor dos olhos para mim, até aquele garoto estranho aparecer. Ele possuía um ar superior, quase como invencível, embora não mostrasse isso seus olhos. E Lúcifer deu uma atenção especial à ele.

E mais uma vez, o ritual fora feito, e o pacto concretizado. A alma de todos fora retirada e guardada para o demônio. E enquanto isso, eu buscava não me mexer ao máximo.

A hora da marca chegou, e o emblema fora exposto no pulso esquerdo de cada um.

De novo avistei o símbolo. O símbolo da morte e do sofrimento.

Eu só conseguia lamentar por todos eles. Pobres almas em busca de poder.

Pobres anjos.”

Enquanto eu tentava conter o nervosismo e a ânsia de vômito dentro de mim, virei a página. E foi quando tudo piorou. Meu corpo enrijeceu-se, meu coração começou a bater de forma completamente descontrolada. O ar escapou de mim…

Quando eu vi.

Quando eu vi o mesmo símbolo do pulso de Philip no final da página. E abaixo do desenho, dizia:

Emblema do pacto com Lúcifer, que possui controle total da alma do amaldiçoado”.


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Notas finais do capítulo

E aiii o que acharam meninas? Comentem ou divulguem, mas me digam o que acharam!!! =) Espero que gostem!!! Nessa época de festas ando meio enrolada pra escrever, mas vou tentar ao máximo manter atualizado!!! Beijos enormes lindas, feliz ano novooo!!!



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