Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 28
Guarda


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Philip Cambridge



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Emily estava linda.

Seus olhos azuis estavam brilhando, e pareciam cada vez mais vivos. Senti-me claramente satisfeito por notá-la tão bem, e a sensação de papel cumprido foi o que restou dentro de mim. Não posso dizer que os efeitos desastrosos da escassez de energia haviam ido embora, eu sentia a falência do funcionamento do meu organismo bem evidente, mas eu me sentia extremamente bem, mesmo não tendo certeza se Emily ainda me temia. Pelo menos eu consegui ver seu rosto mais uma vez.

Susan é que estava muito estranha. Ela me olhava sério, embora eu ainda sentisse seu humor magnífico dentro de si, ela ainda tentava parecer irritada comigo. Porém, ela sabia que não estava dando muito certo, visto que também parecia feliz em me ver vivo. Susan era uma mulher misteriosa por fora, mas muito divertida por dentro. Havia dois anos terrestre que não nos víamos, até porque, não precisei mais da sua ajuda. A médium normalmente é convocada pelos Anjos quando há algum problema em completar a sua missão, como por exemplo, manter contato entre o protegido e o ser espiritual, ou quando está além da capacidade do Anjo de realizar tal tarefa. A médium ajuda muito quanto à isso.

Porém, eu sentia a decepção nela. Eu gostava muito de Susan. Já completamos missões juntos desde que ela tinha vinte de dois anos terrestre, e lembro-me bem da primeira vez que eu pedi sua ajuda. A menina mal conseguiu acreditar que estava frente à um ser celestial, e seu trauma e necessidade de costume durou alguns meses. Mas hoje estou diante de uma mulher extremamente experiente, e com a energia magnífica do fogo dentro de si, que contagia qualquer um.

— Sério, se você não me der uma porta até amanhã, eu vou caçar você — seu dedo indicador ainda estava apontado para mim, e eu estava com o sorriso enorme lançado para Emily. Ela sorria também, e eu fiquei contente por ser correspondido.

— Está tudo bem com você? — Perguntou Emily, um pouco tímida.

Eu assenti, mentindo. Mas ela era esperta e sabia que só fiz aquilo para não preocupá-la.

— Philip, está mais que na hora de você descansar — disse Susan.

— Eu estou bem, vou ficar bem. Já estou me recompondo.

Emily apareceu com três xícaras e deu-me uma. Ela tremia. Em seguida, trouxe o café e nos serviu.

— Obrigada — agradeci.

Susan lançou-lhe um sorriso, que rapidamente tornou-se algo mais sério quando olhou para mim.

— Emily — chamei, olhando em seus olhos. A menina pareceu nervosa quando ouviu minha voz, e então tomou um pouco do café, olhando para mim atentamente. — Você sabe quem fez isso, não sabe?

Emily olhou para Susan, que a olhou de volta. Logo, as duas olharam para mim. O olhar de Emily estava concentrado, mas assustado. A xícara tremia levemente em sua mão, e ela a largou assim que percebeu que eu vi.

— Hedrick — sua voz saiu baixa, quase num murmúrio, e falhou no final.

Eu respirei fundo e senti dor no fígado.

— Ele quer machucar você. Muito. O que aconteceu há algumas horas atrás foi só uma pequena demonstração do que ele é capaz. — Ela assentiu. E eu olhei para Susan. — Susan, você ensinou à ela algo sobre os anjos?

Eu imaginava que sim.

— Falei sobre as hierarquias e os elementos.

Eu sorri de leve, mais calmo ao saber que Emily já sabia de algumas coisas.

— Hedrick é esperto, Emily. Ele vai querer se aproximar de você…

— Foi ele quem matou meus pais? — Ela perguntou, e seus olhos encheram-se de lágrimas. — Por favor, me diga… eu preciso saber.

Fechei meus olhos e olhei para baixo, hesitando em responder.

— Sim.

As lágrimas que se formavam nos olhos de Emily caíram, e a menina levantou, levando a xícara consigo. Ela virou de costas, como se tentasse passar por isso sozinha, embora eu soubesse que a pressão na cabeça dela estava ficando cada vez pior. Emily estava sofrendo de uma forma sádica e cruel. Eu quase conseguia sentir a sua dor quando olhava em seus olhos.

— Eu preciso ir — disse ela, olhando para baixo, ainda de costas. — Já são quase 5:00 da manhã, e a tia Celeste acorda cedo.

Mas todos nós sabíamos que Emily estava arrumando uma desculpa para ir embora.

— Eu a levo — eu disse, levantando-me. Emily me lançou um olhar de agradecimento, e Susan ainda me fitava séria. E eu sabia exatamente o que isso significava.

Emily se despediu de Susan e agradeceu novamente. A porta da casa de Susan ainda estava jogada no chão, completamente quebrada. E ela me olhou feio quando tivemos que passar pelo buraco da entrada, onde existia uma porta.

— Ah, para… sua porta nem era tão resistente assim. Foi melhor assim.

Ela revirou os olhos e me deu um soco leve no braço. Emily riu lindamente.

Enquanto íamos em direção ao carro que eu roubei, Emily arqueou uma sobrancelha, e eu quis entender exatamente o que significou.

— Carro bonito — ela disse, segundos depois.

— Ainda estou aprendendo — respondi, coçando a testa e não sabendo exatamente como contar que esse carro não era meu. Preferi omitir.

Enquanto eu dirigia de volta à sua casa, Emily permanecia em silêncio. E eu só a olhei algumas vezes quando eu precisava checar o retrovisor do seu lado. A expressão da menina era séria, porém ela estava muito nervosa.

— Obrigada — ela disse, minutos depois. — Obrigada por me salvar mais uma vez…

Eu sorri e a olhei por poucos segundos. Seus olhos brilhavam, mas não no sentido bonito, e sim, porque ela estava prestes a chorar novamente.

— O que você estava fazendo no meu quarto? — Sua pergunta tinha tudo para parecer grosseira, mas saiu o mais calma e compreensiva possível.

— Você me chamou, Emily. — Respondi.

Ela me olhou, em dúvida.

— Você estava pensando em mim, não estava? — A pergunta era muito constrangedora, mas só assim para ela entender.

— E porque isso é motivo para você aparecer? Quer dizer — ela percebeu que sua voz se elevou —, como você sabia que eu estava pensando em você?

— Porque estamos conectados. Se você pensa em mim, eu escuto… eu sinto você me chamar, Emily — eu diminuí a velocidade, para conseguir olhar em seus olhos.

Ela estava meio séria, mas as lágrimas de antes haviam secado.

— Como assim… conectados?

E eu parei o carro em frente à sua casa.

— Porque eu sou o seu Anjo da Guarda, Emily. Quer dizer… — fechei meus olhos, e escutei a veracidade das minhas palavras saindo de mim. — Eu era… eu é quem protegia você quando você era uma criança.

Ela abriu a boca, e eu quase senti o estrondo das batidas do seu coração se intensificarem. Ela respirou fundo e desviou o olhar para baixo. A menina estava perplexa, ou apavorada. E eu realmente não tinha me decidido se fora uma boa ideia contar isso agora para ela.

— O seu toque… era você nas noites que eu tinha pesadelo…?

Agora sim, suas lágrimas escorreram pelas suas bochechas rosadas. Era angustiante vê-la chorar.

— Era eu quem protegia você. E ainda… sou eu — sorri levemente, tentando amenizar seus nervos.

— Por isso eu senti algo diferente quando nossas mãos se tocaram — ela olhou para as minhas mãos, e seu primeiro e único gesto foi pegá-la. O toque de Emily era bem quente e aconchegante. Ela observou minha mão e de repente, enlaçou a minha mão na dela, fechando os olhos. Eu fiz o mesmo, e senti mais uma vez, minha protegida perto de mim. Como nos velhos tempos.

— Por tantos anos você estava perto de mim. Por tantos anos… — Disse-me ela, ainda com os olhos fechados — por tantos anos eu tive você perto de mim…

— Mas você não me via — eu disse.

— Eu sei, mas eu sentia você, como eu sinto agora.

E então ela abriu os olhos e olhou para mim. Seus lindos olhos azuis pediam mais do que um simples toque. Eles queriam mais do que um simples olhar, mais do que uma simples demonstração de conexão.

Eu não tive escolhas, e estava feliz por isso. Estava feliz por meu coração parecer tão fraco e tão forte ao mesmo tempo, estava feliz por ela estar tão perto de mim — a tão poucos centímetros, estava feliz por ela estar sorrindo e finalmente derramando lágrimas de felicidade, e eu estava feliz acima de tudo por estar vendo a minha protegida e o meu amor, viva.

Eu me aproximei de Emily, e ela fez o mesmo. Estávamos tão perto que eu sentia sua respiração perto de mim. Nossa aura estava surpreendentemente sendo envolvida, como se o próprio Universo estivesse me dando mais uma chance, como se nada nem ninguém pudesse ser forte o suficiente para quebrar essa conexão de anos atrás. Ela era minha, e minha missão, mesmo depois de ter sido expulso do céu, era protegê-la. Mas dessa vez, eu não fazia porque eu era obrigado por um ser Superior, eu fazia porque eu queria. Era a minha vontade própria — tê-la em meus braços.

A ponta do nosso nariz se tocou e sua respiração tornou-se mais ofegante. A minha também. Seu cheiro inebriante de jasmim espalhou-se por minhas narinas. Eu a queria, e queria muito. Seu rosto também era quente, e a necessidade de sentir sua boca tornou-se maior dos que a minha capacidade de não me envolver.

E então nossos lábios se tocaram, e uma explosão de sentimentos inevitáveis vieram à tona. O quebra cabeça pareceu encaixar-se finalmente, as últimas peças se uniram e completaram a palavra cruzada, a mistura dos seus elementos com o meu formaram-se mais que simples sentimentos, formaram a chave perfeita para aquele cadeado. A chave do conhecimento e da verdade. A chave que dizia que nós dois fomos feitos para estar ali, naquele momento. A chave que o destino havia me dado, e uma trajetória que eu deveria seguir, com ela.

Nossas línguas faziam movimentos lentos, mas rápidos. Era difícil acompanhar a velocidade do desejo, da necessidade de continuar mais tempo ali. Sua língua era quente, macia e delicada. Sua aparente insegurança a deixava com um efeito ingênuo, mas pronto para experimentar tudo — absolutamente tudo — o que eu estava disposto a mostrá-la. Porque ela não era insegura, só nunca havia sentido o lado em que reconhece sua capacidade única de ser forte.

E então, depois de alguns segundos explorando sua boca, o turbilhão pareceu cessar — só por um pequeno instante. E embora eu quisesse continuar ali uma vida inteira, nós dois sabíamos que o perigo estava à solta, e ambos tínhamos coisas a fazer agora.

— Fica comigo? — pediu ela, com os olhos fechados enquanto a ponta do nosso nariz se tocava bem de leve. Ela reprimia um choro.

— Eu sempre farei o melhor pra você — respondi. Porém, embora Emily quisesse ter ouvido outra resposta, ainda assim, ela me abraçou fortemente, como se tivesse vencido todas as barreiras que lhe impediam de agir dessa forma.

— Eu te amo, Emily Foster — Eu disse por fim, abraçando-lhe.

— Eu te amo, Philip Cambridge.

Respondeu ela, olhando em meus olhos.

E então, depois de avistarmos o sol prestes a nascer, Emily se assustou.

— Eu preciso ir — disse-me ela, com expressão de dor. — Obrigada de novo.

E então ela sorriu lindamente.

Eu lhe dei um último beijo, até a menina sair do carro e voltar para a sua casa.

E eu estava feliz. Pela primeira vez, sentir-me como um humano e não como um ser espiritual me deixou com vontade de seguir em frente, vontade de viver. Porque desde que caí, senti todas as minhas forças, físicas e espirituais esvaírem-se sobre meus dedos, e não eram apenas os efeitos de estar morando em cima de um terreno que já pertenceu à uma igreja que me deixavam fracos, era a minha própria consciência que estava tornando a minha convivência na Terra algo muito, muito difícil. Mas com Emily… a sensação de estar no lugar onde deveria estar, que era exatamente do lado dela, protegendo-a contra o mal e contra as forças que poderiam vir a atacá-la — inclusive os meus próprios “companheiros de queda” — era um sensação muito forte, ela me dominava, tomava conta de todas as partes do meu corpo. Era a minha alma trabalhando a favor da minha consciência.

Eu vaguei novamente pelas estradas que estavam prestes a serem clareadas pelo nascer do sol, e sabia exatamente para onde deveria ir nesse momento: deveria voltar para Susan, a médium e minha melhor companheira de missões, e que, mesmo depois de saber da minha queda, não negou uma conexão de energias comigo, e não negou vivenciar algumas experiências durante a nossa conexão de elementos — necessária para conseguirmos doar nossas energias para Emily — comigo. Eu precisava ir até ela.

Quando entrei na rua da sua casa, Susan já na porta — ou no buraco que havia uma porta — me esperando. Ela já sabia que eu viria muito mesmo antes de levar Emily em casa. Ela estava com um braço cruzado, enquanto no outro, sua mão estava ocupada segurando uma caneca provavelmente de café.

Ela me fitou por longos instantes, sua expressão era séria, como a de uma mãe que estava prestes dar uma bronca no seu filho. E em seguida, ela abriu os braços, puxando-me para si, prendendo-me num longo e aconchegante abraço.

Ela me olhou de baixo.

— Pensei que tivesse me deixado, seu idiota — ela me deu um soco no peito.

Eu soltei uma risada.

— Como poderia deixar a minha médium favorita?

— A sua única médium. A única que conseguiu entrar em contato — ela lançou uma piscadinha. — Sério, agora me dá uma porta — ela apontou de novo aquele indicador para mim.

E eu ri.

— Senti sua falta Susan.

Ela sorriu.

— Eu também.

Mas de repente, seu olhar tornou-se sério, e a mulher, antes de qualquer movimento, colocou a caneca de café em cima da mesa, voltando a me olhar.

— Agora, explique essa marca, Philip.


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Notas finais do capítulo

O que acharam meninas??? Espero que gostem!! Comentem ou divulguem!!! Beijos lindas, até a próxima *-*



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