Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 26
Luta


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Philip Cambridge



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O desespero atingiu até a mais estranhas terminações nervosas do meu corpo. Emily soluçava e tossia ao mesmo tempo. E a incerteza de sobrevivência era o que mais marcava seu rosto repleto por sangue. E o meu também. Eu não fazia ideia do que havia acontecido entre ela e Hedrick no enterro, e também não queria acreditar que o desgraçado tinha ido ver Emily às lágrimas enquanto ele comemorava o seu prêmio de dois cadáveres sendo enterrados à sete palmos. Hedrick fizera isso com ela, mas quando? Ele não sabia sobre os quatro elementos necessários já desenvolvidos? Como um ex Serafim não possuía esse tipo de informação? O que afinal ele queria?

Segurei Emily no colo, com receio de alguém nos escutar. A menina estava tendo longos espasmos de tosse com sangue, e seu rosto estava ficando suficientemente inchado. Suas pupilas dilatavam e a pele pálida estava quase tão branca quanto à minha. Sua boca estava roxa, e os resquícios de vida se esvaiam dela a cada segundo. E seus batimentos já enfraquecidos não pareciam serem suficientes para mantê-la acordada.

Eu estava desesperado.

Eu não conseguia pensar em nada racional que eu pudesse fazer. Mas por um momento, lembrei-me de uma pessoa.

Susan Collins. A garota médium mais improvável de um dia querer me ajudar. Mas como chegar até ela? Como chegar a tempo e salvar o amor da minha vida antes que ela morresse?

— Emily — chamei. — Emily, fica comigo, por favor, fica comigo — supliquei. De repente, senti água nos meus olhos, e eram lágrimas.

Toquei em seu rosto gelado e roxo. Beijei o alto da sua testa e a levantei no meu colo. A menina era tão leve que parecia flutuar em cima de mim. Corri em desespero, abrindo a porta do quarto. Meus poderes de cura não eram suficientes, eu não era suficiente para salvá-la.

E Emily não estava tendo alguma enfermidade que os humanos possuem, pois se o fosse, ela já estaria curada com seu elemento água. Ela estava morrendo a partir da magia.

Sua tia estava dormindo a essa hora, e muito provavelmente eu precisava agir o mais rápido que eu conseguia.

Susan…

Meu inconsciente clamava por ela, implorava numa súplica de vida ou morte.

Por favor, me ajude, pela guardiã.

Pedi, mentalmente, mesmo não tendo certeza se isso ainda funcionava depois da minha queda.

Susan, a guardiã está morrendo, muito provável que fora envenenada, por favor, me escute, ela é a filha do Senhor. Me dê suas direções, Susan. Onde você está?

Passaram-se um, dois, três minutos. Nem uma resposta. E sob meus braços, o amor da minha vida abria e fechava os olhos, como numa luta contínua de indecisão entre entregar-se ou permanecer viva. Mas algo me dizia que a primeira opção a estava agradando mais.

— Emily, fica comigo, por favor, não me deixe — implorei. Abri a porta da sua casa com a mente. Coisa que eu também não imaginei que ainda funcionasse.

Susan, eu imploro, me ajude. Susan…

Eu a amo.

E de repente, tudo clareou na minha cabeça. Meu cérebro parecia como o de um anjo novamente, de quando eu pertencia aos céus. Minha visão tornou-se mais nítida e o poder dentro de mim pareceu tornar-me mais forte.

O que era isso?

E desejei por fim encontrar Susan.

A tarefa mais difícil que antes parecia de se concluir, agora era tão fácil que eu não acreditava que estava acontecendo. Minhas esperanças se restabeleceram, e a força dentro de mim aumentou.

Meu cérebro, ou espírito, apontavam-me as direções.

Eu precisava de um carro. Sim, um carro.

Estaria Susan me ajudando?

Quebrei o vidro do primeiro carro que encontrei. Eu não fazia ideia de como dirigir — antes de sentar-me no banco após colocar Emily deitada, ainda lutando contra a morte.

— Lute, lute por favor — eu gritei, imaginando que sua audição já estivesse longe.

Liguei o carro com a mente novamente. Segundo o que me guiava, eu deveria pisar na embreagem e no acelerador, conforme soltava um e pressionava o outro. O carro andou, e eu pisei fundo no acelerador.

— Philip, me ajude — pedia Emily, grogue. Sua voz falhava. Segurei sua mão e lhe dei o pouco de energia que eu possuía. Mas de repente, não havia pouca energia. A minha energia era exatamente igual de quando eu ajudava os humanos. Mas eu não era um anjo firmemente curandeiro. Eu precisava de outros anjos ou seres espirituais para me ajudarem. Mas eles já não possuíam essa capacidade de me ouvir. Ou vice versa. Eu era um anjo caído agora. Sozinho no mundo com meus ideais e arrependimentos.

— Vai ficar tudo bem, eu prometo — eu respondi, checando se a luz verde do poder da cura ainda estava aceso em suas mãos. Se estivesse, ela estava conseguindo pegar energia de mim e manter-se um pouco mais forte, exatamente como eu fiz nas últimas vezes com ela.

Virei à esquerda e depois à direita. Segui em frente. Eu estava numa velocidade de 200km/h numa estrada que não havia ninguém. Mas algo me dizia que eu precisava ser mais rápido. O carro era guiado por mim para fazer curvas, seguir reto, fazer outras curvas, e finalmente continuar reto. As direções e o caminho iam se abrindo para mim como se o próprio destino caminhasse sozinho, limpando todas as interferências. Era Susan. Só poderia ser Susan.

E então, fui indicado a parar.

A única casa que poderia ser da médium era a repleta de plantas. Quase como uma floresta. Era velha e esquecida, que jamais chamaria atenção. Tirei Emily do carro. Seus olhos estavam fechados, e eu temia a sua morte. Embora seu coração ainda estivesse batendo, era apenas isso o que Hedrick precisava. Do seu coração batendo para o ritual.

Levei-a até a casa, e me assustei pela porta ainda estar fechada.

— Susan! — Gritei. — Susan, me ajude! Susan! Susan! — Gritei sem interrupções, sem restabelecer fôlego.

E então não pensei duas vezes em chutar a porta com força. A porta simplesmente voou pelos ares, e o estrondo do arrombo ecoou pela rua.

— O que diabos..?! — Susan, com roupa de dormir, berrou. — O que você está fazendo aqui?

Eu a ignorei e entrei em sua casa, segurando a guardiã.

— Me ajude, você não sabia que eu viria? — Perguntei, explorando sua casa velha até encontrar algum lugar que ela praticava suas sessões de mediunidade.

— Philip? Philip, é sério isso? Você é um anjo caído! Saia da minha casa! — Ela berrou, ordenando.

Encontrei uma pequena sala com um sofá no centro. Coloquei Emily ali, sem soltar sua mão.

— Não vou sair. Ela é a guardiã.

Susan arregalou os olhos.

— Por favor, acho que ela foi envenenada.

— Espiritualmente?

Eu assenti.

Ela deu a volta na sala e pegou um livro grande grosso, antigo. Ele era marrom e suas folhas eram duras e secas, preenchidas por diversos desenhos pagãos. Ela o folheou com rapidez.

— Emily — chamei, acariciando seu rosto. Ela começou a tossir novamente sangue, e sua roupa estava vermelha como o vinho. Apertei-a contra meu peito, e a menina começou a gritar de dor.

— Meu corpo — ela disse num sussurro de repente. — Está partindo — ela estava agonizando. Seu rosto agora fervia. Ela suava frio.

— Hierarquia? — Perguntou Susan.

— Serafim — eu disse, olhando em seus olhos. Eu quase consegui perceber o calafrio em seu corpo quando eu disse. Ela abriu a boca, assustada, como se suas esperanças estivessem mínimas.

Susan veio até Emily com algumas plantas e as posicionou sobre a testa, a barriga e a garganta dela. As plantas tinham um cheiro de enxofre, como a própria morte.

— Quem fez isso foi Hedrick Bertrand. — Ela disse baixinho, como se temesse o nome dele. — Eu conheço esses sintomas, eu conheço esse poder — ela disse isso enquanto fechava os olhos e inspirava o ar a sua volta. — Ele é o único anjo que consegue envenenar dessa forma.

Eu olhei para Emily, e depois para Susan.

— Susan, por favor, o que eu posso fazer?

— Fazer? Eu não sei nem como você me encontrou! E você é um anjo caído, é um inútil!

Mas eu não conseguia acreditar que tudo o que eu poderia fazer era vê-la morrer. E o que diabos aconteceu que me fez saber exatamente onde encontrar Susan? Porém, eu não cheguei aqui sem um propósito. Quando eu era um anjo, eram nos ensinado que as coisas jamais aconteciam por acontecer com os humanos, porque nada mais era que a trajetória de vida deles. E por mais que eu ainda não me considerasse um humano, eu não poderia, de forma alguma, cogitar na possibilidade de perdê-la.

— Isso vai segurar os efeitos por mais alguns minutos. Desculpa, Philip, não há nada que eu possa fazer.

— Mas eu a salvarei.

E então peguei na mão de Susan. Ela me olhou surpresa.

— Dê a mão à Emily — pedi.

A mão da menina estava suada quando a peguei. Eu ainda sentia a vida existente nela. Era minha última chance de salvá-la. E então, fechei meus olhos.

Lembro-me de aprender com meu Mestre, que nossos chakras estavam distribuídos pelo nosso corpo em sete partes. O primeiro estava localizado na base da espinha dorsal, o Muladhara; o segundo, o Svadhisthana, localizado no sacro ou baço; o terceiro, o Manipura, na região do umbigo; o quarto era o Anahata, que estava na região do coração; já o quinto, era o Visuddha, ligado à tireóide; o sexto, o Ajna estava no ponto entre as sobrancelhas, ou o “terceiro olho”; o sétimo e último era o Sahasrara, no alto da cabeça. Todos esses chakras representavam uma função vital e essencial para a sobrevivência do ser humano. Mentalmente, tentei conectar minha energia com a de Emily, junto com Susan. Era difícil, mas não impossível. Lembrei-me de como fazia quando era um anjo. Como limpava o organismo das impurezas espirituais, e como concentrava minha energia em seus pontos vitais, ou os sete chakras da espiritualidade.

A minha primeira energia foi o alcance de Muladhara, na espinha. Mentalmente, imaginei as ervas na espinha dorsal de Emily e tentei utilizar o poder de cura das plantas.

Emily gritou, chorando constantemente. Ela estava com os olhos fechados, sofrendo.

Logo depois, pulei para o Anahata, o chakra do coração. Pedi ajuda aos seres espirituais, e Susan fazia o mesmo. Estávamos nos conectando, eu começava a sentir — muito pouco — a energia escassa, ínfima e quase inexistente de Emily.

— Oh meu Deus — disse Susan, de olhos fechados. — Eles estão te ouvindo, Philip. Os outros anjos estão te ouvindo. Mas porquê?

Eu não respondi. Minha mente vagava na imensidão do seu sistema humano. Todas as partes de Emily, suplicando, necessitando de energia. E logo nossa mão começou a queimar uma com a outra. O que significava as nossas conexões. A energia do fogo de Susan: a coragem, o poder, a força e determinação. A energia da Água provinda de mim: a proteção, a cura, a honestidade e o amor. E todos os elementos do Universo e da Terra — a água, o fogo, a terra e o ar —, reunidos dentro de um só corpo, um único espírito, uma única alma, numa sincronia perfeita dentro de Emily. Eles giravam em estado de calamidade. Susan apertou mais a minha mão e franziu o cenho. Ela franziu porque sentia dor, sentia a dor que Emily estava sentindo. Eu também sentia. A dor atordoante, a dor do mal incrustada dentro da guardiã. A dor dos elementos de Hedrick funcionando a seu favor. Eu sentia, eu via, dentro de mim a força negra do Ex Serafim repercutindo e assombrando o que estava em Emily.

Ela estava se aquietando, e por algum milagre, estava funcionando. Nossas conexões — eu, Susan e Emily — estavam finalmente se sincronizando, como se a força de Deus estivesse nos guiando.

A guardiã reagia. Emily estava voltando à lucidez. A tosse foi cessando aos poucos e seus olhos com dificuldade em abrir.

— Não solte ainda — alertei à Susan. A concentração dos elementos era muito forte, se soltássemos nossas mãos agora, seríamos arremessados pra longe da guardiã — visto que seus poderes defensivos a protegiam de qualquer interferência de energia. Possuir o corpo de uma guardiã dos quatro elementos divinos era impossível para qualquer ser celestial ou não.

Segundos depois, a cor de Emily foi voltando à vida, e a calmaria dentro dela começou a restabelecer-se aos poucos. Susan ficou grogue de repente.

— Aguente mais um pouco, Susan, você consegue. — Mas nem eu estava conseguindo direito. O elementos de Emily estavam sugando a energia dos nossos chakras para curá-la, e nós é quem estávamos enfraquecendo. Mas a energia era passada lentamente, e eu já não possuía muita para dar a ela sem entrar em risco. O mesmo acontecida com Susan.

Segundos depois Susan não aguentou e soltou minha mão e a de Emily. Ela foi lançada para trás, mas não com tanta força agora. Só que eu não larguei a mão de Emily. Ela não estava completamente curada, ela ainda sentia dor.

— Philip, solte, você já está na sua reserva! — Gritou Susan do outro lado da sala. — Philip me escuta, você vai morrer se não soltar! Philip!

Eu a ouvia muito baixo, e o som de sua voz estava quase imperceptível. Eu sabia que minhas energias estavam na reserva, eu já não possuía mais força para manter-me ajoelhado. Mas talvez eu ainda tivesse forças para segurar a mão de Emily. Eu prometi a mim mesmo salvá-la. Ela tem o direito à vida mais do que eu, ela tem direito a continuar respirando, a seguir em frente nessa jornada dura de possuir tantos poderes. E Susan a protegeria se eu morresse aqui. Susan era uma médium do bem, sem segundas intenções e era muito poderosa. Eu confiava nela.

A minha visão começou a ficar turva. Estavam se esgotando a cada segundo a minha energia.

Mas nada era mais lindo do que ver a vida voltando à Emily — enquanto eu morria por ela. Nada era mais lindo que ver seu belo rosto uma última vez exatamente da forma como o conheci naquela escola. Eram dois opostos. Como a morte de uns e o nascimento de outros. Eu estava morrendo, e ela estava vivendo.

— Philip, PHILIP! — Ouvia a voz de Susan cada vez mais baixa atrás de mim, embora conseguisse notar o esforço dela e gritar cada vez mais alto.

E então Emily despertou. Seus olhos arregalaram-se, e seu primeiro e único movimento foi empurrar-me para longe dela, soltando finalmente nossas mãos.


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Notas finais do capítulo

O que acharam meninas??? Espero que gostem, um beijo gigantesco



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