Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 25
Adeus


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Emily Foster



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O tempo passava lamentavelmente lento de mais. Os segundos gritavam sob meus tímpanos, e o meu fluxo de sangue ordenava constantemente que nada dentro de mim estava normal. E de fato, nada estava. Havia dois dias que presenciei a cena mais horripilante, sádica e marcante em toda a minha vida. Claro que as palavras eram fúteis, pequenas e longe do real significado da dor, porém, não havia nada mais a fazer para trazê-los de volta. Eles se foram. Quando fui questionada pelo perito, a última coisa que eu queria fazer era responder um longo questionário de perguntas sobre o corpo. E ter dezessete anos me fazia nada além de uma dependente. Em uma cidade de Washington, minha tia Celeste — irmã do meu pai — já estava a caminho, consciente de tudo.
Mas quando eu ainda aguentava manter-me de pé e não afundar constantemente em lágrimas, lembrei-me da resposta do policial ao ser questionado sobre o acidente.
— Não sabemos ao certo o que aconteceu. Não houve rastros, não houve falhas, não houve nada. As digitais contidas eram a de seus próprios pais. Ao que tudo indica, foi um suicídio.
Ouvindo dessa forma, as coisas desabavam. E no momento, a minha única e grande suspeita era de Philip. O anjo caído.
A decepção era tão grande e tão dolorosa, que eu poderia morrer muito facilmente caso alguém me convencesse de que a vingança seria indiferente. Só que Philip, embora possuísse um jeito terrivelmente sombrio e misterioso e eu sentisse algo muito perigoso quando estava perto dele, ele nunca me deu motivos para realmente desconfiar dele. Digo, ele não estava no colégio quando aconteceu o assassinato, porém, eu insistia em acreditar — até lutava — que não poderia ter sido ele, de forma alguma, não poderia. Mas algo me dizia que além disso tudo, ele possuía informações. Informações valiosas não só sobre quem ou o que fez isso com meus pais, como também, informações sobre mim.
No enterro, tudo fora mais difícil ainda do que eu esperava. Os caixões foram coberto de rosas brancas e vermelhas. Alguns amigos dos meus pais também foram, e me deram consolo enquanto a parte do adeus chegava cada vez mais próxima. A dor dentro de mim era tão forte e tão pesada, que eu não sabia se sentia mais desejo de vingança ou se simplesmente largava tudo e lamentava para sempre a morte dos meus pais. Minha garganta sufocou de vez quando o padre recitou as últimas palavras.
E os anjos rezarão por eles, como Deus os abençoará, acolhendo-os a seu lado sagrado, disse o padre. E nesse momento, Philip novamente surgiu-me à cabeça. O que significou aquela última frase? Ele já desejou meus poderes? O que me garantiria que ele não ainda desejava?
Você está viva, respondeu uma voz na minha cabeça. Uma voz só minha. O meu eu interior. Único.
E então os caixões se foram, afundados em um buraco gigantesco que por muito pouco, não entrou mais uma. Eu queria ir com eles.
Melanie me abraçou assim que não suportei outra remessa continua de lágrimas.
Mas de repente, em meio ao nevoeiro da manhã, por trás dos arbustos, vi uma pessoa conhecida de pé. Era Hedrick. Seu olhar mortal observava tudo, nas mais íntimas partes. Eu me assustei de repente. Não éramos amigos, ele se aproximou abruptamente de mim no colégio e agora estava… no enterro dos meus pais. Como diabos ele sabia sobre isso? Ele e Philip não pareciam ter uma visão simpática um do outro, e a rivalidade entre eles ficou clara, então não tinha como ele saber ou talvez até mesmo, se interessar em vir. Será que a Stohenthill inteira já sabia do ocorrido? Espera… mas isso não mudava o fato dele estar aqui. E o pior de tudo, a sensação que eu tive é que ele não estava ali pela minha parte sentimental, e sim, como um vigilante.
— Mel — chamei, soltando-a. — Acho que vou pra casa.
— Eu levo você, sua tia está conversando com os outros, acho que ainda vai ficar bastante tempo.
Não.
— Acho melhor não, Mel. Talvez seja inconveniente da minha parte ir embora sem ela… até porque, ela cuidará de mim a partir de agora.
Se Melanie visse Hedrick, ocorreria um questionário imenso, e eu pretendia antes de tudo, pressioná-lo.
— Certo, então. Eu preciso terminar os trabalhos do Sr. Harper — ela revirou os olhos e fez uma careta. — Sério, ele é maluco, quer que a gente faça um resumo de um milhão de páginas. Isso é falta de sexo! — Ela soltou uma risada, e eu acompanhei, rindo também.
— Obrigada, Mel — dei-lhe um último abraço sincero, até a menina dar meia volta e partir.
Estava tudo confuso de mais na minha cabeça. O que significava que eu precisava agir. Caminhei até Hedrick, o menino pareceu ainda não me notar enquanto eu permanecia com meus passos lentos sob a grama.
Poucos segundos depois, ele tirou a mão do bolso, e pareceu cochichar alguma coisa. Mas quando olhei para seu lado, não havia ninguém próximo à ele.
— Hedrick? — Fingi surpresa quando estava há poucos passos de distância.
O menino não pareceu surpreso quando me viu. Seus olhos estavam vazios, sem emoção alguma, e a frieza — que lembrou-me de Philip — estava visível em sua expressão.
— Olá, Emily — ele sorriu. Mas não foi um sorriso simpático. Foi um sorriso escuro, malicioso e com uma certa segunda intenção. Eu não estava imaginando coisas. O menino de normal nada parecia, o que aumentava ainda mais as minhas suspeitas visto que sua súbita aproximação não tornava as coisas mais fáceis para ele.
— O que está fazendo aqui? — Tentei perguntar formalmente, mas a minha pergunta saiu com uma pontada de grosseria.
Ele lançou um sorrisinho.
— Só vim confirmar algumas coisas — disse ele. Meu coração disparou. O que diabos era esse garoto? Será que ele era um anjo também?
— Confirmar o quê em um enterro?
Ele ficou sério de repente, como se estivesse incomodado com meu pequeno questionário. Estava tudo estranho de mais. Hedrick não me olhava nos olhos, sua atenção era única e exclusiva do local onde estava acontecendo o enterro dos meus pais. O que ele queria aqui? E por que eu me sentia tão fraca e impotente quando estava perto dele? Porque a sua — acredite se quiser — energia parecia consumir a minha com uma facilidade ridícula?
— Se você não se importa, preciso ir — disse ele fazendo uma careta como se quisesse dizer que sentia muito. Mas ele era tão sonso que eu conseguia ver claramente o sarcasmo na sua expressão.
— Me importo sim. Me importo porque você veio ao enterro sem ao menos ser convidado. O que você quer, Hedrick? — Na última vez, quando perguntei isso à Philip, tive uma surpresa resposta.
— Primeiro, eu não vim para o enterro dos seus pais. — Ele arregalou os olhos enquanto falava. — Eu nem sequer estava com vocês quando estava acontecendo, o que não garante nada que eu vim aqui só por sua causa. Segundo, eu não quero nada que eu já não o tenha, logo, isso não inclui o que você está pensando. E terceiro, eu vou embora agora, e sem me questionar novamente, aceite meus pêsames como a provável inconveniência da minha parte em ter me encontrado aqui.
Eu me calei, buscando analisar as suas palavras novamente. E elas ressoavam segundos e segundos em minha cabeça enquanto o menino sumia pelo nevoeiro. O cemitério já estava assustador o suficiente, e agora, completamente sozinha e longe de todos, eu me sentia mais solitária ainda.
A verdade é que eu ainda não estava pronta para dizer adeus, quem dirá buscar respostas intermináveis que mudariam talvez pra sempre a minha vida. Mas o problema é que eu não podia deixar as minhas emoções me dominarem completamente. Eu não sabia com quem estava lidando. Um universo de anjos de repente foi incluído na minha rotina — fora o fato de eu ser uma tal de guardiã e que esses meus poderes nada mais eram que os poderes que Deus quis colocar em mim. E como se não bastassem eu sentir coisas horríveis quando parecia estar tendo alguma nova mudança dentro de mim, eu ainda precisava lidar com as dúvidas, a morte dos meus pais e uma possível convivência entre anjos.
Eu definitivamente estava entrando em desespero. E a vontade de simplesmente desistir de tudo estava ficando cada vez maior. Os meus problemas não eram apenas problemas que iram passar. Era um fardo que eu teria que carregar até o resto da minha vida.
Nesse momento, eu já não via mais Hedrick. O menino já havia ido embora, e mais uma vez, fracassei com meus próprios pensamentos. Porém, eu ainda não sabia o que Hedrick queria de verdade.
Mas eu estava com medo.
Com muito medo.
A tia Celeste me abraçou quando me viu. E a idosa parecia visivelmente mais jovem toda vez que eu a via. Tia Celeste tinha 56 anos — dez anos mais velha que meu pai —, morava em Washington com alguns primos, mas todos maiores de idade, sem nenhum tipo de dependência dela. Não sei ao certo com quem ficou o apartamento que eles moravam, mas algo me dizia que Drake e Jake resolveram vendê-lo depois dela claramente mudar-se para cá de vez. É claro que agora era ficaria comigo talvez para sempre, ou até quando eu resolver o que serei da vida. Todavia, eu não possuía nenhum tipo de vínculo especial com ela, e muitos menos costumávamos nos falar na ceia de natal quando ela passava conosco. O que era difícil de acontecer.
A única vez que me recordo de ter tido uma conversa um pouco maior com ela, foi quando perguntei sobre sua escolha em não ter filhos ou marido. Ela me respondeu que uma mulher jamais precisa de um homem ou de filhos para ser uma mulher, mas não foi nesse sentido de independência que eu havia perguntado. Eu perguntei no único sentido de puxar conversa com ela, visto que minha mãe já havia me chamado atenção por eu nunca conversar na ceia de Natal. Para quem não acreditava em datas sagradas, eu até que me saía muito bem em não cumprir com as regras.
Segundo o relatório, meus pais se mataram. A evidência de nenhum resquício ou mínimo rastro de cogitar a possibilidade de algum assassinato era o que estava escrito em palavras bonitas na folha de papel preenchida por longas linhas, o que me irritava ainda mais. Meus pais tinham total consciência de suas vidas. Eram felizes, faziam planos — planos comigo. Eles jamais se matariam. Eles amavam a vida deles.
Eu não queria ir para casa. Mas segundo Celeste, seria importante que eu começasse a lidar com a minha nova vida o quanto antes. Mas eu não estava com cabeça ou força suficiente para voltar a viver. A sensação que eu tinha é que nada mais me estava a não ser a solidão eterna e eterna. E o labirinto o qual eu estava me perdendo era maior e mais elaborado do que eu imaginava. Eu estava presa nele, sufocada nele, e em volta, seres sobrenaturais, assustadores e severamente sedutores me cercavam.
Eu estava no meu quarto, tentando reorganizar minha cabeça. Olhei para a caixinha de música em cima do meu armário, e imediatamente eu a quis na palma da minha mão.
O objeto flutuou até mim com uma severa facilidade. Mas em seguida, fui socada por uma pontada na barriga que fez-me agachar severamente. De repente, havia sangue em minha boca.
O que?
Corri para o banheiro, assustada. Meu coração estava acelerado, e embora a vontade de permanecer sangrando até a morte fosse extremamente atraente, eu não me contive em ir me limpar. Meu nariz também sangrava, e algo me dizia que foi justamente por causa do uso do meu poder.
Mas isso nunca havia acontecido antes.
O que estava acontecendo?
E então, Philip me veio à cabeça. De forma muito repentina, o menino foi o primeiro a quem eu pensei nesse momento. E não fora a primeira vez. Ultimamente, quando me sentia em perigo, Philip era o único em quem eu conseguia pensar em meio à dor, mas eu não fazia ideia do porquê pensar em alguém que eu temia tanto quanto me atraía.
Engoli a saliva, sentindo o gosto amargo do sangue descendo com ela. Eu estava tonta. Talvez fosse a minha anemia, ou talvez fosse apenas um cansaço. Ou talvez ainda fosse o efeito dos remédios que o hospital obrigou-me a tomar devido ao meu trauma.
Você vai superar, eu insista em dizer em voz alta para mim mesma, evitando qualquer tipo de contradição da minha criativa mente.
Passará rápido, disse ela de novo, dessa vez sorrindo no meu subconsciente, feliz em voltar a falar comigo. Mas a Emily racional não dizia isso. A Emily que possuía poderes sobrenaturais e era a esquisita do colégio não quis dizer isso. A verdade é que essa dor jamais cessaria.
A não ser a vingança.
Fechei meus olhos, desordenada com meus próprios pensamentos.
E então o seu toque mais uma vez me veio à cabeça. Seu rosto afinado, pálido, com as bochechas rosadas e seus olhos únicos, penetrantes, desafiadores. Quando os olhava, eu via tudo, eu sentia tudo, eu sabia que poderia conseguir tudo. Eu era despida por eles, lindos acizentados, quase transparentes. Minha visão ficou turva e meus pensamentos quase adormecidos pela exaustão só conseguia ver seus lábios perfeitos, seguidos numa trajetória feita à mão, desenhada sob todos os cuidados do universo. Era uma figura angelical, intocável, jamais alcançada. Embora fosse um anjo caído desesperadamente sedutor, sensual e perigoso, ele ainda possuía todas as características gratificantes que seu Criador um dia lhe proporcionou. Philip era um anjo bom. Era tudo uma máscara. Uma máscara que ele mesmo criou, uma máscara que ele mesmo quis colocar. Uma máscara sombria, fechada, obscura, provinda das profundezas do mal. Mas sua realidade era outra. Sua máscara era perigosa, não ele. O menino que eu vira no hospital, que esteve comigo durante todo o meu tempo de recuperação, era o verdadeiro Philip. O Philip que eu me apaixonei. Lá não havia máscara, não havia mentiras. Eu vira sua alma naquele dia. Eu vi seus verdadeiros olhos.
Mas de repente, o mundo inteiro parou. Eu abri meus olhos uma última vez, certificando-me de que tudo estava bem até cair de vez no sono.
E eu o vi.
Sob a sombra da noite, ele estava recostado à janela do meu quarto, observando-me atraentemente com seus olhos misteriosos. Eu reprimi um grito, pois estava ciente de que se eu gritasse, ele teria que ir embora.
— Philip…
Eu disse, sem conseguir formar uma frase. Ele estava angelicamente perfeito. Ele usava apenas uma calça jeans comprida, seu peitoral musculoso, definido e sexy estava à mostra, como uma verdadeira provocação. Eu o queria, eu o desejava. E ele parecia perceber isso.
— Vim o mais rápido que pude — disse ele, novamente frio, quase sem expressão facial.
— O que?
Perguntei, desnorteada.
Não durou dois segundos após falar que minha boca encheu-se de sangue novamente. Tapei minha boca com a mão, segurando o vomito. Corri para o banheiro novamente.
— Emily! — Philip correu até mim, e quando percebi ele estava logo atrás.
Eu tentei poupá-lo de ver a cena constrangedora de eu tentar cuspir o sangue, mas ele muito provavelmente viu tudo.
— Eu estou bem — sussurrei, com dificuldade. De fato eu estava, mas a minha cabeça doía, e tudo o que eu queria era dormir. Eu me sentia no mundo dos soníferos.
— Emily o que aconteceu?
Respirei fundo. Philip pousou sua mão sobre minhas costas. E seu toque novamente…
— Eu só movi um objeto e senti um pontada no estômago e…
Vomitei sangue. Muito sangue. Eu estava sufocando. O ar escapava de mim conforme meus olhos iam se fechando. Eu estava com medo.
— Emily — ele segurou meu rosto, apoiando-me em seu colo. — Emily, presta atenção. Você esteve com Hedrick hoje?
O nome do menino me despertou por alguns segundos.
— Sim. No enterro…
Tossi, soluçando. Algo se espalhava dentro de mim. Mas meu corpo rejeitava.
Sufoquei.
E tudo ficou negro.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Espero que gostem!! Beijooos *-*



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