Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 24
Proteção


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Philip Cambridge



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/662252/chapter/24

Eu estava exaustivamente cansado quando cheguei à cabana. Os outros anjos me esperavam na sala, reunidos em bando, como se aguardasse a minha palavra final sobre nossa derrota. Não estávamos derrotados, afinal, porque não jogamos nenhum jogo. Eu não permiti que jogassem nenhum jogo. Desde que caímos, nosso objetivo era matar a guardiã e através de um ritual com magia negra, arrancar seus poderes divinos de dentro dela. Porém, tudo deu errado. Eu não quis entrar nesse jogo, e como jogador principal, se não há jogo, não há derrota. Mas não era esse tipo de derrota que me referi, foi a derrota para com Emily. Eu fui derrotado com ela. Não consegui proteger seus pais, ela descobriu tudo cedo de mais — e por mais que eu quisesse contar tudo logo à ela, não foi do jeito que eu esperei —, e a menina me temia. É claro que iria me temer. Como não temer alguém que questionou as ordens do homem mais adorado do mundo inteiro, Deus?
A questão era que esperavam de mais do meu lado ruim. Já matei inúmeros, fui expulso do céu e tenho um pacto com Lúcifer. Um pacto de sangue que me concede alguma força como “humano” ou ex anjo. E em troca, eu devia-lhe nada mais que os poderes da ordem divina, que controla o destino, que manipula os anjos, que move o céu e a Terra, que pertence unicamente ao ser mais poderoso de todo o universo: Deus. Tornei-me um anjo caído. Caí do céu e tive a minha confiança abalada completamente. Jamais verei o reino de Deus novamente — e tudo por sede de poder. Mas o pior é que eu não mais queria isso. O pior era que, ver a insanidade das coisas que aconteceram com os pais dela, por algum motivo, despertou-se algo dentro de mim. Quando cheguei à sua casa — depois de pressentir algo horrível —, dei de cara com seus pais mortos, sem nenhum rastro de vida, sem nenhum rastro de humanidade, apenas a espiritualidade. E vi, no olhar dos mortos, a esperança de proteger a filha uma última vez. E morreram ao serem questionados sobre a presença de Emily. Não sei se foi Hedrick, mas desconfio dele ou de seus amigos. Naquele dia — há dois dias atrás aproximadamente —, voltei para a cabana para informar aos outros sobre os sons estranhos. Eu sabia que Emily ficaria bem com Hedrick, porque sentia tudo o que a menina sentia. De alguma forma muito esquisita e que eu não pretendo contar aos outros anjos, quando Emily está em perigo, eu sinto. E por isso sempre estou nas horas certas e nos lugares certos.
Porém, a menina não podia saber disso agora. Ela não poderia saber que de certa forma, temos um vínculo que nem eu consigo explicar. O destino está agindo de uma forma estranha, as leis universais parecem estarem agindo contra mim. Eu caí dos céus para ser uma pessoa ruim, com o anseio único e convicto de dominar o céu e libertar todos os anjos, tomando assim uma nova ordem. Mas agora que cheguei tão perto… algo que nem mesmo quando eu era um anjo despertou-se em mim. Uma sensação de missão. A minha missão. A minha missão de proteger a guardiã, e não mata-la. É claro que quando eu era um Anjo da guarda, minha missão se baseava em proteger as crianças contra o mal, mas não é assim que está acontecendo. É mais forte, mais profundo e mais delicado. Eu vejo Emily como uma pedra preciosa, uma joia rara sem proteção. E em volta dela, milhares de ladrões procurando unicamente ela.
Ela estava desprotegida. Ela precisava de mim. E eu precisava dela — meu coração implorava por estar com ela.
— Ela descobriu — eu disse, enfim.
Os outros não pareceram surpresos.
— Ela sabe tudo sobre nós? — Perguntou Lisandra, calma de mais para dizer a verdade.
— Não. Não sabe que queremos matá-la, quer dizer, ela sabe algo sobre os anjos que caíram e sabe sobre ser uma guardiã.
— Ela sabe que é a guardiã dos poderes divinos? — Perguntou Gabe, os olhos arregalados.
Assenti.
— Mas ela não sabe da profecia completa. Não sabe que é a terceira e última tentativa de Deus, não sabe que é imortal…
— E não sabe que precisamos dos seus quatro elementos dominados — finalizou Lisandra.
Engoli em seco.
Lisandra é cruel. Malígna e cruel. Mas já fomos muito próximos. Desde quando ainda éramos anjos, costumávamos conversar sobre a forma que os humanos lidavam os problemas — e como suas escolhas, livres escolhas, interferiam em seus atos ou em seu destino. O caminho deles por muito tempo já fora traçado, porém, isso não significa que problemas decorrentes de suas escolhas na vida não irão surgir. A verdade é que todos achavam que possuem controle sobre o destino, e de fato, possuem. Mas da mesma forma que você pode ganhar um dinheiro no futuro com seu esforço, o destino inevitavelmente pode colocá-lo na trilha conforme seus atos. Só que os humanos não entendiam isso, ou como funciona. Muitos deles simplesmente acham que o destino é algo terrivelmente certo, escrito numa pedra e sem mudanças. Já outros acreditam que conseguem escrevê-lo conforme seguem a vida. No final, ele não é uma linha reta, já traçada. Ele é escrito conforme o universo entende que é o melhor para você. É aí que surge a interessante ideia do “mundo dar voltas”. É apenas o destino colocando você no melhor lugar. O lugar do aprendizado, das escolhas que você deveria ter tomado. O destino é a resposta sobre o seu caminho traçado, certo ou errado.
Mas no entanto, eu não poderia culpar Lisandra por todos os erros. A maior ideia de rebelar-se, questionar-se sobre nossos tratamentos partiu dela, mas a escolha foi unicamente minha. Eu decidi fazer isso com os outros, eu decidi que matar uma inocente só pelo que tinha dentro dela, era a melhor forma de ser forte e provar isso para os outros. Mas isso não me importava. Provar. Provar? Provar, por que? E pra quê? Pra que eu deveria sacrificar meus milênios no céu, sendo um dos melhores anjos protetores, só para ser livre e sentir… sentir a dor de ser algo próximo de um humano? Por que tudo parecia pequeno e insignificante? Mas a resposta da minha última pergunta estava clara na minha frente. Enquanto para os outros, a derrota significava a descoberta de Emily sobre quem ela realmente era — e isso partiu de mim. Para mim, a “derrota" significava decepcionar a pessoa que tornou-se o meu único e exclusivo sentido de permanecer aqui na Terra. Não fui forte ou rápido o suficiente para proteger os pais da Emily. Eu falhei com ela.
Dez minutos depois, Erick falou:
— Não podemos desistir assim. O poder nos pertence, Emily está em nossas mãos.
Eu o fuzilei os olhos, mas ele não percebeu.
— Não iremos desistir, Erick. Mas acho que a melhor escolha é Philip continuar perto dela e... — Lisandra engoliu em seco, deu uma pausa como se as palavras em seguida lhe enojassem — Protegê-la de Hedrick.
— Não podemos deixá-lo pegar a Emily antes de nos. Ela precisa dominar os 4 elementos primeiro. Philip, você faz ideia em qual elemento ela está?
Balancei a cabeça, confuso.
— Emily não quer me ver. Ela me odeia — Eu disse, bufando.
— Então você precisa falar pra ela que ela está correndo risco de vida. Hedrick é ágil e esperto, Philip. Ele se aproximou de mais! Ele pode estar com ela nesse momento!
— Não está — respondi, sem querer.
Os outros me olharam em duvida.
— Como sabe disso? — Perguntou Lisandra.
— Prefiro acreditar nisso — eu disse por fim, tentando não transparecer a verdade em meus olhos. Eu sabia que ela estava bem. Porque eu também estava.
Lisandra revirou os olhos, como se achasse minha resposta fútil de mais. E eu também não esperava alguma reação diferente. Lisandra não se preocupava com os sentimentos alheios — para ela, o que importava era que seus planos estivessem nos conformes. E nesse momento, para ela, estava tudo desandado. Na verdade, eu não a odiava. Ela sempre teve esse jeito arrogante, malévolo, mas no fundo, eu insistia em acreditar que a Lisandra que um dia pertenceu ao céu — antes de criar ideias mirabolantes de fuga —, ainda existe.
— Você precisa continuar com ela — disse Gabe, poucos minutos depois que subi para o meu pequeno quarto na cabana. Ficar sozinho me acalmava.
Quando virei para ela, a menina parecia menor do que já era. Sua aparência de quinze anos — embora possuísse 234 anos celestiais — estava mais evidente. Gabe tinha um porte muito magro, cabelos dourados, como o ouro, e compridos até a cintura. E seus olhos eram tão azuis quanto os de Emily. Olhando desta forma, parecia genuína, mas possuía uma gigantesca força dentro de si.
— Eu sei que preciso. Mas Emily vai aprender a se cuidar.
Ela inclinou a cabeça.
— Vai simplesmente largar tudo? Olha onde chegamos. Contestamos, caímos… perdemos nossas asas… — Ela permaneceu com a boca aberta, como se fosse continuar a falar, mas de repente, tudo o que fez foi permanecer me fitando. — Você não… — Ela fechou os olhos, lutando contra as próprias palavras. — Você não quer mais, Philip?
E eu voltei a olhá-la, depois de longos segundos fitando o chão. Ouvir a verdade em voz alta tornava tudo mais difícil. E talvez, até estranho.
— Gabrielle, essa é uma situação…
— Você se apaixonou, não foi? — Olhando-a assim, eu poderia jurar que vi um olhar de pena.
— Eu não a amo, Gabrielle — soltei uma risada falsa. — O que irei fazer agora é ficar atento quanto à Hedrick. Ele não pode se aproximar mais da Emily, ou descobrir quais poderes ela já dominou.
— Philip, nos conhecemos muito antes de eu conhecer Lisandra. — Ela insistia. — Eu conheço você há muito tempo.
— Você está blefando! — Respondi.
— E você está mentindo para mim.
— Foi a Lisandra que mandou você vir me pressionar?
Ela franziu o cenho.
— Não, não foi ninguém. E não sou nenhum capacho da Lisandra! Ela só é minha amiga, como é de todos aqui. Eu vim por conta própria, porque todos estão notando um Philip que jamais mostrou ser em todos os séculos como anjo. Philip, ela é a guardiã… ela pertence à Deus. Ela pertence ao controlador de tudo, e justamente, a quem nos viramos contra.
— Não tenho escolhas — respondi.
— Então é verdade… você a ama.
A melancolia e decepção em sua voz era clara.
— Conte a todos, me mate, mas lembre-se… Não vale a pena.
Gabe de repente pareceu que ia chorar.
— Eu não contarei à ninguém, Philip. — Sussurrou ela. — Eu prometo.
E então eu a olhei, surpreso.
— Por que, se já tirou sua conclusão?
Agora ela é quem parecia surpresa.
— Porque se você a ama, não há nada que possamos fazer.
A menina saiu da sala, e eu não pude ver sua expressão.
Porém, eu precisava colocar as coisas no lugar. Se eu realmente seguisse o meu coração, meus amigos agora eram inimigos. Eles querem matar a Emily, mas eu não podia agir conforme eles. Eu não conseguia imaginar-me agredindo-a, ou prejudicando-a de alguma forma. Era mais forte que eu, era um sentimento avassalador, sombrio, profundo e poderia dizer que até cruel.
Desde os céus, os quatro anjos sempre foram meus melhores amigos. Lisandra, Gabe, Zack e Erick. Todos com personalidades distintas, visões distintas e companheirismo distinto. Em todas as missões, trabalhávamos juntos, agíamos juntos e terminávamos sempre juntos, como um verdadeiro grupo, leal e sincero.
Mas tudo tornou-se mais tenso quando Lisandra escutou boatos sobre um livro sagrado que estava perdido na Terra. Segundo ela, o livro falava sobre um novo guardião, mas dessa vez, seria uma mulher. A última tentativa de Deus em proteger seus poderes. E logo a notícia se espalhou. Os anjos ficaram ansiados, nervosos e extremamente curiosos. Muitos questionaram, porém foram perdoados, outros simplesmente não se importaram, não acreditando mais na capacidade humana de lidar com o sobrenatural e místico. Todavia, o nosso grupo só pensava em como aqueles poderes poderiam ser usados para mudar os céus, ou talvez, até mesmo o destino dos anjos submissos. Agimos rápido, causamos um alvoroço interminável nos céus. Lutaram contra nós, mas todos conseguimos viver. E o nosso castigo? A queda.
Só que jamais contamos nossos planos ou deixamos a entender. Caímos pois questionamos o livre arbítrio, a forma como deveríamos obedecer. Mas por trás disso, havia o desejo e objetivo único de matar a guardiã, e com a ajuda de Lúcifer e um ritual, tirar-lhe todos os poderes.
A crueldade me enoja. Eu não estava pensando, não estava refletindo. Já matei inúmeros seres das trevas, que alguma forma, tentavam entrar nos céus. Mas dessa vez, não tratava-se de matar mais um ou mais uma. Tratava-se de matar da única mulher que despertou em mim a vontade de conceder minha vida em troca da dela. Emily.
Sua inocência, gentileza, calma e serenidade devem ter contribuído para isso. Não consigo acreditar que fora apenas obra do destino. Seria até insuportável acreditar. Perdi minhas asas com o intuito de ganhar seis. E então, apaixonei-me perdidamente pela minha própria caça. Que ironia, não?
Eu poderia estar confuso quanto às coisas que vinham acontecendo. Quanto desde ao desejo quase sedento do sangue da guardiã até a vontade única e incontestável de protegê-la de todo o mal. Mas de uma única coisa eu tinha absoluta certeza: eu iria protegê-la do mal com a minha própria vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam meninas? Comentem! Espero que gostem!! Grande beijo ^^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anjo Mau" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.