Apenas uma dívida escrita por Pandrita


Capítulo 6
Capítulo VIII - Frágil e exposta




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Trinta minutos se passaram e as luzes da sala permaneciam apagadas. Era sua deixa, o caminho estava livre. Mina checou a cama pela última vez para ter certeza que o lençol estava bem posicionado, caso o contrário, na hipótese de sua mãe acordar e ir até seu quarto, os travesseiros, por baixo do lençol, poderiam denunciá-la. Ao confirmar, abriu com cautela a porta, saiu e fechou com o mesmo cuidado.

Para seu alívio, a luz do quarto de seus pais também estava apagada, o que indicava que eles realmente estavam dormindo. Como conhecia cada canto de sua casa, não teve qualquer dificuldade em se deslocar na escuridão para chegar a saída. Usou novamente a cautela tanto ao destrancar a porta quanto para abri-la, mas o rangir do objeto foi extremamente alto.

Extintivamente, Mina fechou os olhos e mordeu os lábios. Estava tudo acabado, seu plano fracassou antes mesmo de começar. Mas, para sua sorte, a casa permaneceu em silêncio. Soltou um suspiro de alívio, recompondo-se, e voltou a ativa. Passou pela porta e a fechou depressa na tentativa de não fazê-la ranger. Funcionou, trancou satisfeita e saiu determinada.

Iria ao show e ninguém a impediria.

O evento estava acontecendo no estacionamento do shopping a algumas quadras de sua casa. Olhou para o ponto de ônibus vazio e, em seguida, para o relógio em seu pulso. Naquela altura, o show já havia começado, chegaria tarde, precisava pensar: a rua estava sombria, andar não parecia ser a melhor opção, entretanto, não fazia ideia de quanto tempo o ônibus demoraria a passar e poderia ser vista pela janela de algum vizinho durante a espera.

O melhor a ser feito era evitar o risco. Respirou fundo e começou a andar. Meia hora depois, Mina já conseguia escutar as batidas altas e o coro da plateia, entre gritos, acompanhando a música que tocava. Pouco tempo depois sorriu ao avistar a entrada. Ainda havia uma pequena fila com as pessoas sendo revistadas pelo segurança para que pudessem entrar.

Parou de andar e tateou o bolso verificando se ainda continha o ingresso. Ao confirmar, ajeitou o cabelo deixando-o por cima dos ombros e também ajeitou sua blusa, de alça da cor vinho, deixando-a mais solta, pois estava presa propositalmente na cintura de sua calça jeans preta. Sorriu, contente por ter escolhido seu vans vermelho escuro, extremamente confortável. Após a breve reparada em seu look, Mina se aproximou do local e esperou na fila como os demais.

Olhou novamente para o relógio, estava realmente tarde, torcia para que Rosy não tivesse ido para casa. A espera estava consumindo-a, era a primeira vez que havia feito algo tão imprudente. A adrenalina se fora e o medo permaneceu, temia ser pega. Olhava sempre para os lados para verificar se não havia alguém conhecido, afinal, qualquer uma pessoa de seu bairro poderia estar por ali, mesmo que praticamente todos fossem idosos e, o restante, pais ocupados demais com suas crianças para saírem de seus lares aquela hora.

Por um momento, a imagem de sua mãe descobrindo a verdade, que o que estava na cama de sua filha era travesseiros e não ela, assustou-a. Seu corpo estava praticamente se movendo sozinho, para fora da fila, no intuito de ir para a casa, mas Mina segurou na grade impedindo a si mesma.

A escolha já estava feita e ela iria até o fim.

— Ingresso, por favor. — o segurança pediu.

Ela demorou um pouco para desligar de seus pensamentos, mas logo se recompôs e puxou o ingresso dourado. O segurança verificou duas vezes o bilhete e sussurrou algo no ouvido de seu parceiro que assentiu e disse:

— Venha comigo, por favor.

Mina o seguiu sem contestar e entraram no estacionamento. O local estava lotado de pessoas pulando e cantando no ritmo da música e bebidas eram jogadas de um lado para o outro. Tentou ver quem era os artistas da vez, mas conseguia enxergar apenas borrões distantes. O cheiro doce de droga pairava pelo ar misturando com os de cigarro e essência. Mina fungou o nariz algumas vezes sentindo-o irritado, esbarrou em um casal e, em seguida, pisou em alguém deitado no chão.

Não estava gostando nenhum pouco do ambiente.

O segurança subiu as escadas ao lado da parede, um pouco afastada do tumulto. Os dois seguranças, que guardavam aquelas escadas, abriram espaço para que ela continuasse seguindo-o. Após as escadas, seguiram um corredor estreito que continha grades. Mina olhou para o chão e se surpreendeu: conseguia ver perfeitamente a sincronia das pessoas curtindo o show.

Com suas mãos para cima, pulando e gritando, elas transmitiam uma emoção impossível de ser descrita. Era apaixonante, envolvente. Sentia, até mesmo, uma vontade de se jogar no meio de todos, mas ficaria apenas na vontade. Olhou novamente para o palco e se perguntou em pensamentos se esse clima era transmitido para o palco, se os cantores sentiam todas essas adrenalinas com muito mais intensidade, afinal, eram eles que as provocavam.

— Moça. — o segurança chamou sua atenção, após sair de uma pequena salinha. — Eu a deixo por aqui. Apenas siga em frente e não tire o crachá. Desculpe o transtorno, achamos que não chegaria mais ninguém da ala VIP. — concluiu entregando o objeto.

Ele aguardou que ela colocasse-o no pescoço, e se foi. Antes de continuar a andar, Mina observou seu crachá. Ele era quadrado, azul, com as letras VIP amarelo ouro. Ela sorriu, sentindo-se extremamente importante, e avançou. O corredor parecia não ter fim, mas quanto mais seguia mais se aproximava do palco. Ao chegar, outro segurança guardava a porta. Ao olhar o crachá, ele cedeu espaço e abriu para que ela entrasse.

Havia mesas, cadeiras, bebidas — com e sem álcool —, mulheres e homens sentados, observando o show e balançando a cabeça, conforme o ritmo, de forma sem graça. Por um momento, Mina ponderou voltar e se juntar a multidão em baixo de seus pés para voltar a sentir aquelas sensações boas, mas precisava encontrar Rosalya.

Olhou envolta, mas não a avistou. Andou pelo local olhando de relance para o trio que cantava Pop Rock no palco, eles estavam extremamente perto, realmente era uma vista muito privilegiada, mas, ao mesmo tempo, sentia-os longe, era como se existisse apenas eles e sua plateia. De uma certa forma, aquilo a deixava feliz.

Desviando o olhar e voltando a procura de sua amiga, um corredor estreito chamou sua atenção. Ela passou por algumas pessoas e seguiu pelo corredor. Havia uma porta à direita, quase no final, com uma folha improvisada escrita "camarim". Lembrou-se de Rosy comentando sobre ser cunhada de um dos integrantes da banda e, na esperança de encontrá-la, ela entrou sem bater.

Decepcionou-se nos primeiros segundos, ela não estava lá. Apenas um garoto ruivo afinando sua guitarra e outro, de cabelos brancos, escrevendo em um bloco de notas, encontravam-se no local, deduziu-os sedo Castiel e Lysandre. Os dois a olharam com cara de tédio esvaziando sua vontade de perguntar qualquer coisa a eles.

— Posso ajudar em alguma coisa? — Lysandre perguntou com uma voz que lembrava-a de Shakespeare.

— Uma garota chamada Rosalya esteve aqui? — perguntou relutante.

— Sim, por quê?

— Não é nada...Mas ela já foi para a casa? — perguntou agarrando-se a alguma esperança.

Ele apenas assentiu com a cabeça. Mina sentiu-se deprimida, realmente havia sido uma péssima ideia ter ido ao show. O cheiro de cigarro estava impregnado em seu corpo, mal havia chegado, já se sentia cansada e sequer encontrou seus amigos, a noite ia de mal a pior. O melhor era ir para casa antes que fosse pega.

— Obrigada. — agradeceu e, em seguida, preparou para fechar a porta.

— Espere. — pediu. — Você não seria a Mina?

— Seria sim, por quê? — ela respondeu desconfiada.

— Ah, é você! — exclamou Castiel, entrometendo-se.

— Como assim “é você”? E como sabem meu nome? — Mina perguntou séria e autoritária.

— Como não saberia? Rosy tagarelou o tempo todo sobre uma tal de Mina não vir ao show. Ela está puta contigo — disse revirando os olhos e voltou sua atenção a guitarra.

— Pena não ter chegado um pouco mais cedo, teria encontrado com ela. — Lysandre respondeu com delicadeza.

— Por acaso vocês não poderiam dizer que eu estive aqui? Duvido que ela acredite em mim amanhã... — sussurrou a última parte.

— Não é problema meu. — Castiel respondeu com rispidez.

Lysandre apenas deu de ombros e voltou a anotar em seu bloco de notas. Pareciam que ambos haviam perdido o interesse em seus questionamentos o que deixou-a extremamente irritada. Ela fechou a porta com força e saiu batendo o pé. Detestou a si mesma por ter imaginado, por um milésimo de segundo, que eles seriam legais com uma estranha.

Voltou pelo mesmo caminho, deixando que seu inconsciente a guiasse e, em instantes, estava do lado de fora seguindo o caminho para casa.

— Duplinha de áraque. Apenas abrem shows e já ficam se achando, bando de egocêntricos. — continuou murmurando consigo mesma.

Após ter andado a metade do caminho, assustou-se ao avistar sua vizinha Gertrudes perambulando pela rua que estava prestes a passar. Seu coração esfriou, não podia ser vista ou todo seu esforço iria pelos ares. A senhora parecia a procura de algo, provavelmente um de seus sete gatos havia fugido novamente.

Mina, aproveitando a desatenção da senhora, retornou a rua anterior na tentativa de não ser vista. Sabia que agora não podia voltar pelo mesmo caminho, por isso, virou em um beco que também era um dos caminhos para a sua casa.

— Ela não me viu, não me viu, não me viu... — sussurrava freneticamente.

— Mas eu vi.

Mina pulou para trás assustada. Melody apareceu a sua frente, seus lábios sorriam de uma forma horrenda como se estivesse prestes a cometer um assassinato. Aquilo a assustou muito mais que o aparecimento repentino da garota. Mina relembrou o ocorrido de ontem, Melody terminaria o que havia começado. Não podia deixá-la intimidar, por isso, buscou forças para demostrar que não tinha medo, mesmo com Melody a encarando com sua expressão de assassina.

— É, também vi sua cara deprimente. Mas por hoje chega — tentou passar pela direita, mas Melody a bloqueou, tentou pelo outro lado e Li apareceu, tentou novamente e Charlotte também apareceu para brincar.

— Não irá a lugar algum sem antes terminarmos nosso trabalho.

Um murro seguido de um ponta pé surpreendeu Mina, ela olhou horrorizada para Melody. Após compreender, sentiu raiva da covardia da garota, os dois havia sido de Li.

— Que gracinha. Sabe que irá perder e pede para elas façam o seu trabalho sujo.

Melody estralou os dedos e foi a vez de Charlotte espancar Mina que rapidamente foi ao chão. Aproveitando a situação, Melody começou a chutá-la, sem parar, como se a cada grito, a cada dor que Mina sentia deixava-a extremamente feliz e animada a continuar. Melody sorria, sorria alto como se fosse a melhor diversão de todos os tempos. Até mesmo Charlotte e Li ficaram assustadas.

— Mel, chega. — pediu Li segurando seu braço.

Sua respiração estava ofegante, seu sorriso foi diminuindo. Ajeitou as mechas de cabelo que caiam em sua testa, grudenta de suor, devido ao esforço que havia feito para chutá-la. Ajeitou o vestido curto e disse:

— Agora, estamos quites. Nada de mexer com meu lindinho. — falou com voz manhosa e bagunçou o cabelo de Mina de uma forma meiga enquanto estampava seu sorriso falso.

Mina desviou de sua mão mesmo sentindo dores insuportáveis. Estava com nojo daquela garota. Melody não ligou, mandou um beijo para Mina após uma piscada como se tudo não passasse de uma brincadeira, e se foi.

— Li, estraga prazeres. — resmungou Charlotte antes de seguí-la.

Assim que ficou sozinha, Mina tentou encontrar uma melhor posição, mas o mínimo movimento exercia muito de seu esforço. Descansou por alguns segundo e tentou novamente, mas, dessa vez, uma sombra se aproximou rápido, seus olhos não conseguiram acompanhá-la. Mina fechou os olhos temendo ser Melody novamente, mas os abriu de forma inesperada ao sentir seus lábios arderem.

Nathaniel estava limpando seu sangue.

— Alguém já lhe disse que você dá muito trabalho? — ele suspirou de forma cansada enquanto limpava seu sangue com um pequeno pano branco.

Surpreendendo-se com aquela atitude, Mina o olhou espantada e, antes que pudesse controlar, seus olhos começaram a lacrimejar. Desviou o rosto, mordeu os lábios e fechou suas mãos com força para impedir que as lágrimas caíssem. Não iria fazer qualquer drama na frende de seu inimigo.

Nathaniel de súbito a envolveu em um abraço surpreendendo-a.

Ela ficou petrificada, não podia acredita naquele gesto, mas era tarde demais. Agarrou-o com força apertando sua camiseta, escondeu seu rosto no ombro dele e chorou baixinho permitindo-se acreditar, por alguns segundos, que aquele abraço era sincero. E, mesmo que fosse mentira, era o que mais precisava naquele momento.

Nathaniel a apertou para si, pegou-a no colo, com extremo cuidado, e a levou para o carro. Mina se aconchegou sem qualquer resistência. Sentia dor, mas não reclamou. Colocou a cabeça em seu peito como uma criança indefesa, estava exausta, queria apenas ir para casa. Dentro do carro, Nathaniel mandou que Denis, seu motorista, os tirassem do local.

Ela permaneceu no colo dele durante todo o percurso, com seus olhos fechados, sua mão apertando fortemente a camiseta e, antes de ser domada pelo cansaço, sentiu as mãos de Nathaniel afastar mexas de sua franja e acaricias suas bochechas. Talvez fosse o cansaço pregando mais de uma de suas peças, ou sua imaginação, mas sentiu suas bochechas arderem no local em que ele tocou pela última vez.


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Notas finais do capítulo

“Quanto tempo podemos continuar com isso?” — Christina Perri feat Jason Mraz-Distance



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