Tempestade escrita por Bunnat


Capítulo 4
Outono


Notas iniciais do capítulo

Outono faz parte da peça Estações de Vivaldi. Sério, vale a pena ouvir, principalmente o outono.



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Não entendo a palavra rivalidade.

Já vi muitas vezes atribuída junto à amizade e à mulher, mas ainda é incompreensível para mim. Como se tivesse fugido do meu dicionário particular, mas nunca saísse do dos outros, num indeterminado esconderijo perto do canto da boca lidado a garganta e formando gomos presos que sufocam essas pessoas.

Uma querida tia que ajuda financeiramente de vez em quando me contou que é isso que se passa entre meu avô e meu irmão. Porém ela enfatizou que não era no sentido saudável da palavra. Se é que palavra pode ficar doente.

...

Só existe uma única coisa que faz meu irmão perder o controle: nosso avô. MEU avô, como ele gosta de destacar, mas é dele também. A tal rivalidade.

Vovô dá apoio financeiro essencial com o aluguel e compras mensais, a cada mês o auxilio diminui para que aos poucos fiquemos independentes, foi um pedido meu. Ele gosta de ajudar, sem querer receber em troca e é inteligente, mas sua arrogância e outras peculiaridades fizeram Leo não simpatizar tanto com ele.

Hoje à tarde nós vamos almoçar, é aniversário de morte de nossa avó e todo ano comemos com o vovô.

– ‘Tá pronta? – Leo já estava irritado...

Sai do quarto e rodopiei meu vestido, o giro fez meu cabelo esvoaçar. A sorte de ter cabelo ondulado é que ele naturalmente parece mal arrumado, então bagunçar um pouco mais não muda muita coisa.

Esperamos na rua próxima ao nosso flat, logo vovô viria nos pegar e levar pra onde eu quisesse ir.

Falando do diabo, o carro alugado dele chega.

– Se não é minha netinha favorita? Oi minha pequena e Leopold.

– Não me chame de Leopold!

Melhor entrar logo no carro, antes silêncio do que eles discutindo.

Não demorou pra chegar ao restaurante. Tinha ouvido Vivaldi hoje de manhã, então comida italiana para continuar com o gostinho q ele tem. Massas também são meu prato favorito. Junta fome com vontade de comer e pronto!

A melhor coisa de Le’ rest in food é que tem self-service, igual a poder me levantar e ignorar aqueles dois. Só os aturo separados, pois é o único momento que entendo-os... Um pouco pelo menos.

Antes realmente conversávamos e relembrávamos como vovó era. Um pouco triste e ao mesmo tempo aconchegante esses momentos. Porque não tinha algo sério, era só nós, numa conversa meio superficial, mas não era desagradável, não tinha porque ser. Não tem até hoje.

– Lluvia vai querer buffet não é? Bem vou pedir a la carte, mas se quiser eu divido com você também.

Começou... Nem me dou o trabalho de prestar atenção. Vovô pronuncia meu nome e um agrado junto é igual à confusão com Leo. Como um gatilho, e eles ficam nessa até tudo o que poderia ser um encontro bom ficar explicito que nunca será.

Vovô me parece o príncipe do Lago dos cisnes... apaixonou-se por uma moça, mas foi seduzido por outra. A diferença é que ele voltou para a primeira e tiveram seu romance. Gosto de comparar essas histórias por serem tão mentirosas quanto verdadeiras.

Tudo contado acontece, só que ao mesmo tempo tudo tem um jeito de voltar aos eixos, voltar a ser uma história de amor que enfrenta barreiras e não sacrifícios sem sentidos. Burra Odette!

Já tinha pego comida e a bebida estava na mesa. Hora de atacar!

– Lluvia, não pensa em aceitar ir pra faculdade que administro? Integrei um excelente programa de musica que se encaixa com seu talento. Além de ser particular e ser de graça para minha netinha, o quarto do dormitório deve dar dois do cubículo que Leopold arranjou para vocês. Ele tentou o máximo, mas nem isso é o suficiente as vezes. – vovô... Sempre como superior. Na minha opinião ele gosta de brincar de Deus e seus fiéis sou eu.

– Ela não vai. – dessa vez Leo soou mais calmo, não que isso tirasse seu ar intimidador. Não gosto dele dar respostas por mim, por mais inevitável que seja, ele merece um chute na canela bem dado por agir assim.

– Essa mesma resposta vinda da pessoa errada. Pois bem, desta vez eu tomarei outras medidas e que você, – eu o senti apontando para Leo, mas só o mirou. A intensidade pode ser assustadoras nessas horas. – inútil, não responderá e eu receberei meu sim.

Essa declaração é preocupante. Como todo prepotente, mas cauteloso, ele não afirmaria e ameaçaria ao mesmo tempo se realmente não tivesse algo a manga. Isso me preocupa muito.

– Logo é outono... – vovô ganhou meu olhar agora e não desviei até o fim do almoço.

...

Eu adoro o outono.

É uma época especial. Mais colorida que a primavera, mais seca que o inverno e mais calorosa que o próprio verão. Ela reúne todas as estações invejosas em cada essência que transparece na imensidão de vermelho fogo até um amarelo distorcidamente claro. Uma variedade tão atrativa que se tornou minha favorita.

Outono é o favorito do vento também. Por mais que lhe agrade espalhar pétalas e cheiros refrescantes primaveris, só no Outono ele pode brincar e implicar com donos de casas com quintais. Uma pequena vingança pelo meu pequeno flat.

Vivaldi soube captar o outono na peça das quatro estações. Parecia inicialmente como a primavera distorcida e logo junta com pitadas de inverno e verão com seus violinos bem pensados. E o primeiro violino enfatiza ainda mais ao subir e descer o tom volatilmente, tanto em ritmo quanto em tempo.

Na verdade eu seria uma pessoa que deveria odiar o outono, pois é uma época de tudo ao redor ser agradável, mas quando se trata de si mesmo é uma agitação (um furacão de folhas, onde o olho é o mundo e os rodopios são si mesmo). Essa estação possui o um agridoce tristonho, como se as árvores chorassem folhas de fogo e incendiassem a terra para uma espécie de renascimento, talvez como um vulcão.

Há mais uma coisa que amo no outono: o vermelho.

Aiai... Estou quase adormecendo...

– Lluvie!! Cheguei! – Ah, Leo. Já prevejo ele brigar comigo... Mas é normal, é da época.

Estou deitada no meio da sala, perto do piano de armário (acho que sujei ele um bocado). Mas é da época.

– Lluvia! Su-sua idiota!! DENOVO!!? – pra que o choque? – Quando vai parar com isso? Chega! – ele grita muito – Llu! Tá acordada? Anda, abre os olhos!!

O pedido foi tão gentil e seguido de sacudidas que não pude ignorar.

– Por que todo ano você faz isso?

Pois eu quero ser vermelho também.

– Pare de se machucar assim! Quer essa cicatriz pra sempre?

Claro! É importante! Bem entre minhas panturrilhas, perto dos ligamentos do joelho, todo ano eu gosto de voltar com minhas cicatrizes, de voltar ao vermelho.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Eu demorei por falta de interesse, não de inspiração... mas acho que logo sai outro.



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