Tempestade escrita por Bunnat


Capítulo 3
Blues


Notas iniciais do capítulo

Blues e morangos.... :9



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Hoje sim é domingo.

Leo está em casa, cansado de ontem ficar um turno extra no seu trabalho, e eu aqui fora na loja de conveniência da esquina. Yogurte é a melhor forma de enganar o estomago, então dois pra ver se engana bem. Depois seguir pra matar tempo na loja de musica do shopping.

***

Ah...... Esse lugar é tão limpinho e parece tão superficial, mas dá pra ver em como os instrumentos são tratados que há um leve gosto além do dinheiro que eles dão. Sr. Francis é bem ganancioso e não perde a chance de vender um de seus instrumentos de alta qualidade, mas ele também aprecia musicistas. Deixando sua principal fonte de lucro a disposição para curiosos ou crianças ousadas. O diferencial da loja é justamente permitir tocar o quanto quiser (sem estragar é claro) e é por isso que não o critico tanto com sua forma desleixada de vender essas belezas.

Nem precisei me aproximar muito, já ouvia um blues na guitarra. Vontade de estalar os dedos, mas me segurei até entrar. Só que aí não me contive e me mexia no compasso. Divertido, o balançar de cabeça faz-me sentir o volume do meu cabelo.

– Veio cedo até. Caiu da cama? – Sr. Francis e seu humor velho. Apenas lhe sorri de educação e procurei quem tocava.

A cada passo para o interior da loja sentia aumentar o som.

Imaginei croc-spaniels ritmados balançando suas orelhas cacheadas conforme o blues e um cowboy mastigando uma folha de capim dançando desengonçado, horas parecia imitar Elvis, outras imitava o andar de um pato. Sentia-me como esse cowboy e nem ligava.

Se não tivesse nojo da boca dos outros pegaria uma gaita e o acompanharia, mas o que eu podia fazer era me juntar ao pequeno conglomerado de gente ao redor e apreciar com bons estalos em minhas mãos.

Era um jovem negro, mas não saberia dizer se é ou não mais velho que eu. Ele sabia o que fazia com aquele som, sabia muito bem que estava conquistando todos ali e infelizmente, eu não fui a exceção. Me perdia nos seus dedos ágeis, ele sabia como fazer, se sabia.

O sorriso exageradamente branco se destacava, assim como suas unhas um pouco mais claras e bem curtas. Troquei o cowboy por um cacto dançante, o som estava ficando seco, como se ele tivesse esquecido e lembrado ao mesmo tempo o que estava tocando. Provavelmente foi quando abriu os olhos e viu que tinha mais gente se juntando. Ficou com vergonha.

Ele terminou com um deslize nas cordas, volatizando o som.

– Impressionante! – Sr. Francis.... – Então, vejo que gostou da guitarra, pois saiba que não temos muitas no estoque. Se eu fosse você, levaria agora.

Segurei a risada. Esse homem podia ser mais sutil.

– Obrigada senhor, mas ainda vou olhar outros modelos. – Que voz rouca, precisa de pastilha.

Ele devia ter esnobado Francis.... Agora vai ter um atendente no pé dele.

– Certo, certo. Enerst!! Vem cá inglês!

Um jovem baixo e parrudinho saiu do meio das flautas espalhadas na parede e chegou correndo. Bastou trocar olhares com seu chefe que ele já tinha entendido. Faltava se pendurar no ombro. Enerst era bem dedicado, pra ele combina bastante com músicas da brilhantina, como se se ele ouvisse fosse mudar totalmente e mostrar quem é de verdade.

Soltei um risinho, não deu pra segurar ao ver o rapaz Blues ser arrastado para o setor de guitarras.

Muito bem, acabou o show. O que eu posso tocar hoje? Piano? Violão?.... Melhor assobiar enquanto penso.

Hoje a loja está com uma clientela mediana. Uma jovem mãe e sua filha pequena escolhem um uquelele, pensando ser um violãozinho; Um rapaz gordinho comprando um violino, ele usa suspensórios e tem um olhar de orgulho; Uma senhora curiosa entrou, provavelmente vai sair logo; Um casal de roqueiros caretas e espalhafatosos estavam negociando o preço do teclado (boa sorte pra eles); O rapaz do Blues parecia cansado ao voltar pra onde estava tocando; Jeanne masca um chiclete, matando tempo no seu horário de trabalho; Um garotinho franzino com short azul olhava para as trombas e cornetas maravilhado em como brilhavam.

– Você é uma estátua? – Terra chamando, por que pessoas falam? Podiam ficar quietas e assim poderia ter meus devaneios de observação.

Era o rapaz do Blues. O olhei meio irritada, sem a guitarra ele perdia o encanto.

Girei nos calcanhares, senti minha blusa bufar um pouco com isso, então para minha saída triunfal de hoje, vou aos rodopios.

Voltando... O garoto ainda estava lá. Ele me lembra um pouco o Leo... Queria tocar a música dele de novo. A vontade aumentou quando olhei o violão no meio dos meus rodopios. Deveria tocar... só um pouco não faria mal, Francis deixa, vou tocar baixo pra não chamar a atenção...

Mas tocar a música do meu irmão não é algo que eu queria. Ela é dele e só eu posso tocar. Melhor não tocar, ao menos não essa. Por ele... por mim.

Optei pelo piano então.

Começando de um dó a outro, sinto o som de um piano de cauda bem afinado, isso me causa suspiros. Foi o estopim para me deleitar em Bach, Pour deux Claviers em C menor.

Uma criança andando apressada num caminho colorido e entrelaçado com uma mata escura, ela segue rápido como se um monstro viesse logo atrás. De companhia duas fadinhas de estrelas tentam o acompanhar ao mesmo tempo de desviam de galhos negros em seu caminho. Parece não ter fim, mas eles chegam num penhasco onde o fundo dele tem um mar de marmelada espessa e deliciosa. Eles se jogam. E no fundo do mar melado, o menino se lembrava do gosto de panquecas e as fadinhas se afogavam. Com a ajuda de uma bengala doce flutuando, ele a agarra e com as fadinhas presas em sua camisa e suspensório, ele sai vivo da marmelada. Olha pra cima e nuvens de pó de chocolate faziam nevar. Rapidamente tudo ficou congelado e com cheiro de cacau. As fadinhas tinham morrido e no fim ele está sozinho.

Simples assim, sozinho, rápido assim como o inverno.

Pausa, estou suando um pouco. Fiquei empolgada, não?

– Meu deus... – saiu como um sussurro rouco... rouco como já tinha ouvido.

O rapaz do Blues me encarava meio espantado. Acho que ele não esperava minha brilhante performance, Bach faz isso, compassos simples, mas impressionantes.

O olhei nos olhos e o tempo parecia correr um bocado, sentia Beethoven chegando, este descaso de ser humano, devia ficar quieto.

Melhor sair antes que ele abra a boca de novo e me obrigue a socializar. Mais um giro de calcanhares de saída e saí rápido da loja, com o maldito Beethoven em minha mente, me dava vontade de correr como uma criança. Anda, hora de fazer essa saia longa de velha balançar e meu cabelo desgrenhar.

O pior de Beethoven, é que se o deixa tomar conta de você, se torna um adolescente e pensa que o mundo é seu e em sua garganta está o universo, mesmo com quedas tem uma reviravolta gloriosa e perfeita que a vida real não possui. Beethoven, seu cínico.

Paro.

Já estava longe do shopping, tinha ido parar no parque. Parque seria elogio... é apenas um balanço capenga e um quintal com flores e uma árvore enorme.

Fiquei com o pé atrás em me sentar... vai que quebra e eu tenho que pagar, quando se adulto isso acontece... e cada vez mais você não quer levar a culpa de algo, seja o que for. Mas... ainda sou nova nesse mundo, vou sentar sim!

Hora de ouvir... o vento. O vento deve ser o mais ancestral dos sons, sempre lá e cá, em todo lugar ele está. Sopra, suspira, acalenta e troveja junto com tempestades. Ele deveria ser o mais fomos dos músicos e ter a sua devida importância, mas, como de costume, é ignorado. Uma coisa que eu gosto no vento, é seu favoritismo por altura ou então contracenar com as folhas das árvores. Vento também é ardiloso, levantando saias e me descabelando mais, mas é só uma de suas pequenas diversões. Espero que hoje não fique bravo e traga um furacão.

Ouvir o vento é o mesmo que perder a noção de tempo, mais um motivo pra gostar dele, acelera o dia.

***

Já estava ficando tarde e por mais que umas crianças tenham tentado me tirar do balanço, eu as ignorava, não era hora de ser mãezona. Os postes já estavam acesos e o vento suspirava na sua incansável canção. Estou sem relógio, mas das sete já passava. Não quero ir pra casa... Virar mendiga parece tão tentador agora.

– Lluvia? – meu nome... Ah! Prof. Leonard. – O que faz aqui há essa hora? Sabe que vem tendo casos de estupro aqui perto.

Estupro? Que perfeito... Cidade pequena e levemente deserta, tinha que ter um estuprador. Sorte o professor estar aqui. Sorte de mais... Será que é ele? Sempre acaba sendo a própria pessoa que avisa que é a malvada da história... Mas, por outro lado, eu conheço ele bem e ele me conhece pra saber que nem homem nem mulher me interessam. Então, mesmo que o fosse, um estuprador não apreciaria isso e ele também sabe que eu fugiria lhe dando um chute no saco. É, ‘tá tudo bem.

– Vou te acompanhar.

Professor Leonard combina com Beatles, com resquícios de Lucy in the sky with diamonds junto com uma boa mistura do album apple. Mas sempre que havia silêncio, ele parecia incomodado. Ao meu lado ele sempre ficava incomodado.

– Entrou em outra orquestra? – não era uma boa pergunta no momento, até porque, ele sabia que eu não entraria em nenhuma outra que não tivesse um maestro decente como ele. – Hunf... foi uma pergunta idiota. Mas... então...

Pra mim deu. Peguei o celular e coloquei o Beatles que tanto combina com ele, mas não Lucy e sim Strawberry fields forever.

A noite amena agora estava cheia daquele som. A voz saindo melancólica, mas com a memória do passado de um dos integrantes da banda, como uma lembrança sabor morango, amarga e docinha. Essa música é pra sentir falta da terra natal, mas ainda ter orgulho de ter seguido em frente, seguido um sonho, ou ao menos tentado. É um ritmo simples, como se fosse quando fossemos morrer e ver a nossa vida num piscar de olhos, mas esse piscar é longo e como um morango. A lembrança da infância faz você se sentir imaturo, mas não do jeito ruim e sim do jeito que nunca deveria ter esquecido. Só que quando a música acabar, vai ser como se tudo voltasse e fora apagado o morango que tanto queria saborear mais.

Lembrei do Yogurte de hoje de manha, ele veio a calhar com o sabor de frutas vermelhas, como só tinha comido isso o dia inteiro, ainda tinha o gostinho q eu sentia pelo meu nariz ao mesmo tempo.

Estava entregue. Na base da escada de emergência, me despeço do Prof. Leonard com um gesto simples de tchau, sem sorriso. Ele retribui e segue seu caminho, assim como eu o meu.


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Notas finais do capítulo

Qualquer erro... foi porque n revisei mesmo, que nem os outros... tenho preguiça...
Well, comentem se gostaram se odiaram '3'
mas independente, por um tempo pelo menos, não vou cobrar comentarios, já que isso é mais pra mim mesma que pra outras pessoas. NAO q eu n goste que leiam, se n nem postaria, neh?

......bjs.....



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