Zodíaco escrita por Ágatha


Capítulo 2
Meu amigo mitológico salta de dez andares




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Saindo do elevador, ouvi os gritos.

Minha entrada no andar coincidiu com a saída da vizinha pela porta.

– Ah, Hayle. Meu Deus, acho que eles vão se matar. Desculpe, mas já ia chamar o síndico.

– Ah, vou cuidar disso dona Lúcia – digo rapidamente enquanto enfiava a chave às pressas pela porta. Ao ouvir o barulho, a gritaria cessou, entretanto ainda ouvia soluços.

Escancarei a porta e encontrei minha mãe chorando ao sofá, com Eric em pé, claramente irritado e vermelho.

– O que tá acontecendo? – pergunto.

Os dois me encararam. Minha mãe enfiou o rosto entre os joelhos.

– O que você fez? – pergunto outra vez, aumentando o tom e apontando pra Eric.

Ele arregalou os olhos, sua expressão transformando-se em ira pura.

Minha mãe levanta-se, secando o rosto inchado.

– Hayle, vai pro quarto.

Eric no mesmo instante explode uma risada forçada.

– Aahh, claro. Vai mandar ela pro quarto, aí tudo fica bem. – percebo que o rosto dele também está inchado, mas provavelmente de alguma agressão, porque o inchaço se resumia apenas ao lado esquerdo do rosto.

– Alguém quer me fazer o favor de CONTAR O QUE ESTÁ ACONTECENDO? – explodo, realmente irritada.

– Então saia daqui Eric. – minha mãe diz, entretanto ambos continuaram me ignorando.

– Eu não posso, nem vou. – ele devolve, fechando os olhos.

Minha mãe parecia estar a ponto de despedaçar.

– Certo. – ela respira forte– eu vou contar pra ela, se você for embora.

– Eu duvido. – ele ri, revidando – e ainda não vai me deixar entrar aqui. Claro.

– Contar o que? – pergunto, aproveitando-me da situação.

– É sobre o fato de você saber meu nome desde antes de me conhecer – Eric diz rápidamente. Minha mãe pareceu estar a um passo de engasgá-lo nesse momento.

– NÃO ABRA A BOCA, ERIC JONES – ela volta a gritar.

– Como você sabe disso? – fico instantaneamente assustada. Nunca tinha sequer pensado nisso perto de Eric.

Eric anda um pouco, passando ambas as mãos no rosto, como quem tenta acalmar-se.

– Você sabia – ele aponta rispidamente para minha mãe – desde os primórdios, quem eu era. Você sabia, que uma hora eu, ou qualquer outro, teríamos que voltar. Não me culpe. Nada disso nem sequer é nossa culpa. Você vai fazer ela me odiar se tentar contar, então, por favor. Saia.

– ELA É MINHA FILHA. – minha mãe insistia em gritar.

Eric leva as mãos ao rosto, ainda mais irritado com os gritos. Anda até a sacada, às pressas, e empurra a porta para o lado com tanta força que o vidro se estilhaça quando toca a parede. Meu corpo permanece em estado de choque. Tenho vontade de chorar.

Eric vem até mim e me abraça, encaixando o nariz em meu ombro. Seu corpo está quente. Evito olhar para minha mãe enquanto ele me abraça, porque o abraço de volta, não tão forte, mas o abraço.

Então ele se desfaz do abraço e se direciona para a sacada, em três passadas rápidas, e salta.

O tempo nunca desacelerou tanto quanto nessa foto, marcada para sempre em meu álbum. Minha mãe sequer olhou. Eu olhei. E eu senti. E eu corri. Corri, dando não três passadas, mas ao que pareceu, infinitas, em direção a sacada, à janela quebrada, ao vazio, à cidade. Eric saltou. Eric sumiu. Bati com tanta força na madeira do parapeito que quase tive medo de cair. Quase. Meu único medo transformara-se em desespero. E meu único verdadeiro amigo não caíra. Não estava lá, no chão, dolorosamente onde deveria estar. Um animal tomara a vista do chão, um ser tão imenso que fazia as casas parecerem ridículas, os prédios tanto quanto. Um animal maior que qualquer coisa. Um dragão.

Um dragão negro, azul petróleo, brilhava e ascendia na chuva. Parecia impossível, mas estava ali. Sua sombra engolia a cidade abaixo. A nostalgia tomou conta de meu interior como uma onda. O mesmo sentimento do dia da lanchonete, do livro, do velhinho, do enfarto. Apesar da escuridão que emergia com o pôr do sol, ele era visível. Apesar da chuva, ele voava. Apesar de Eric ter partido, eu o sentia, em cada parte do ser colossal que havia ali surgido.

Virando para trás, minha mãe não estava mais lá. Quase a alcancei no corredor, mas trancara-se no quarto, como uma adolescente de quinze anos, fugindo dos pais.

E aqui estou sem entender nada. Pouco adianta bater na porta do quarto de minha mãe, porque ela não abrirá. Como uma adolescente de quinze anos.

Voltei para a sacada. Dessa vez demorei a chegar ao parapeito, por medo. Medo, de quê? Não, não de cair. Medo de olhar para baixo. Sim, já olhara antes, mas a mente humana engana a si mesmo diante de tanta dor, não? Eric talvez esteja lá mesmo. Ele saltou.

Arrisquei um olhar lento para baixo, porém nada incomum. Sem Eric, sem dragões. Sem ninguém para me explicar. No horizonte, era possível ver a criatura gigantesca, surreal.

Corri para meu quarto, deitando-me na cama de qualquer jeito. O incomodo de deitar-se com os tênis não é mais tão grande quando chego em casa e os problemas dela parecem serem maiores que os do curso. Sinto meu rosto quente, e lágrimas a escorrer. A incidência dessas lágrimas acarreta em uma ira maior do que qualquer anterior. Nada fora explicado. O que sei é que Eric brigou com minha mãe, e aparentemente eu sou o motivo. Parte de mim queria saber o porquê, mas parte também queria olhar para o teto e fingir que estava tudo bem, porque não havia tensões, fora simplesmente repentino. Hoje mesmo havia visitado Eric na floricultura e parecia tão normal, dócil de certa forma. E agora havia sumido de forma incompreensível.

O que eu tinha visto, de fato, acontecer?

– Ele está bem. – uma voz alta o suficiente para não pertencer a minha cabeça fala.

Uma garota alta permanecia parada em um canto do meu quarto. Não a tinha visto antes, e tenho quase certeza que ela não estava ali, por algum motivo do tipo, meu quarto não é tão grande a ponto de eu não perceber uma pessoa nele.

– Como entrou aqui? – pergunto.

– Hayle, eu sei que está confusa. Eu não vou te machucar. Sou amiga de Eric.

Ela se aproxima. Tem cabelos tingidos de um rosa claro, não muito grandes. Suas roupas estão meio rasgadas, como a calça jeans e a jaqueta.

– Saia daqui. Quem é você? – torno-me arisca, afastando-me. Não tenho mais paciência para quaisquer acontecimentos.

Ela desiste de se aproximar, mantendo-se no mesmo lugar. Sua expressão não é assustadora.

– Me chamo Lisa. E como já disse, sou amiga de Eric. Sim, Eric, da floricultura. Desculpe aparecer assim, de verdade. Sei que Eric não falou de mim...

– É, não falou – interrompo-a – Olha, eu só quero descansar. Você está aqui há quanto tempo? Eric trouxe você?

Ela respira bem fundo, mas não parecia irritada.

– Não. Eu vim sozinha. Estou aqui há dois minutos. Eu sei que sua mãe não irá te explicar, e Eric tão pouco irá voltar cedo. Então eu preciso ficar aqui. Posso me sentar?

Olhei-a por uns instantes, assentindo então. Simplesmente não senti nada que a colocasse como um perigo, a partir do momento em que citou Eric. Meu corpo ainda tremia, muito, o suficiente para eu não conseguir reagir sem chorar.

Ela sentou-se na beirada da cama. É naturalmente loira, tendo suas sobrancelhas muito claras, e uma incidência de raiz clara também. Seu cabelo é fino, assim como seus traços. Magra de uma forma exagerada, entretanto com uma cor saudável, a partir das cores da cidade que refletiam seu rosto. A luz do quarto estava apagada, mas pouco medo tive dela. Meu medo estava nos últimos três minutos.

– Desculpe se parecer estranho, mas peço que apenas escute, tudo bem? – ela diz, respirando e fechando os olhos com minha confirmação. – Vou pegar água para você se acalmar.

Já havia água no quarto, como se ela esperasse que algo assim fosse acontecer. Me oferece o copo. O bebo, trêmula.

Passam alguns minutos. Lisa foca em suas unhas, volta e meia olha para mim. Meu coração diminui os batimentos, aumentando algumas horas quando olho para a janela e a visão volta para minha mente. Estou ficando louca. Sim, estou. Não quero pensar nisso, mas tenho. São as únicas coisas que passam em minha cabeça por certo tempo.

– Posso começar? - Lisa pergunta. Fecho os olhos e assento com a cabeça. - Bom, vamos lá. Seu nome não é Hayle. Você é conhecida por ser Diana Luné.

[...]

“Eu e Eric fazemos parte de um clã de magos, também chamado de Casa. Há alguns anos possuíamos uma grande quantidade de poder devido á extração desse em minas próximas. Entretanto, uma Casa da região via injustiça em termos tamanho Poder apenas por nossa localização ser mais favorável. Esse sentimento levou eles a revoltarem-se contra nós.

Você chegou no meio da guerra. Era nova, assim como os outros. As constantes mortes de nossa Casa nos forçavam a recrutar qualquer um que demonstrasse características mágicas, fossem elas bem desenvolvidas ou não.

Você aprendeu tudo o que lhe ensinaram muito bem para uma garota de doze anos. Logo tornou-se uma das mais próximas de Alec, nosso maior mago. Isso causou desconforto de algumas pessoas, e suponho que isso deve ter levado-a a agir. Você costumava participar da inteligência de nossa casa, mas nosso problema necessitava ação, poder e inteligência.

Com os diversos ataques, nossa Casa pereceu e nosso poder foi roubado, armazenado em um cofre no território inimigo. Existia uma mensagem em frente ao cofre, que ficava visível em todos os ataques que investíamos neles. Mas ninguém decifrava seu segredo.

Certa noite, você foi até eles. O relato de Eric é que ele sabia que você estava invisível, você o deixou saber, em seus sonhos. Então você foi até o território inimigo, parou diante da caverna onde as portas eram o próprio cofre, e leu a mensagem para Eric em sua mente, outra vez.

A mensagem dizia apenas isso: "O segredo que o contém nunca deverá ser mantido por ninguém".

Dessa maneira, você abriu o cofre com inteligência, poder e agilidade. Conjurou um feitiço de perda de memória, absorveu todo o poder e o devolveu à nossa Casa. O segredo ainda estava em sua mente, então cortar a telepatia com Eric foi necessário. No dia seguinte, acordou no sofá sem nada conhecer, e a guerra estava terminada.

A inteligência concluiu que seria melhor para você partir. Feitiços de perda de memória são névoas em nossa mente. Eles não formam falsas lembranças. Logo, você poderia lembrar-se do segredo do cofre, e talvez isso causasse sérias consequências. No momento em que acordou, já tinha Eric em mente. O feitiço já estava fraco.

Você voltou pra casa com alguns feitiços a mais. Suas características mágicas foram modificadas para nenhuma Casa lhe recrutar. Entretanto, ao longo dos anos, a incidência de magos aumentou, afetando os feitiços, e novamente você está vulnerável.

Outros magos cuidaram de você ao longo dos anos, após sua partida. Eric fora o último deles. Percebera que logo você teria que voltar, no momento em que você sentiu sua forma espiritual, e lembrou seu nome. Todos sabiam que isso aconteceria, mas não tão cedo. Não tão cedo.”


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Notas finais do capítulo

Talvez você tenha percebido que misturei tempos verbais [é isso? é, acho que é] diferentes. Tipo o pretérito e o passado, ah, não sei. Não gosto de português. Vou por em palavras melhores.
Em diálogos, eu coloquei coisas presentes, do tipo "eu digo". Mas quando Hayle estava apenas narrando, eu usei outro tempo verbal (que eu não sei qual é porque sou burrinha sim) do tipo "Corri para meu quarto" em vez de "Corro para meu quarto". Porque eu achei melhor assim e fim de história.
Se isso te incomodou, comenta sobre. De verdade, to tentando melhorar isso, mas escrever é muito complicado. :(
Espero que tenham gostado. A explicação dada por Lisa é só o começo das mais diversas dúvidas que surgirão. (: