Chaos escrita por Diane


Capítulo 18
Capítulo 18 - Duas piras




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Perspectiva de Ilithya

 

Ilithya já tinha percebido que havia algo errado quando não ouviu Raphael gritar de pavor. Ser acordado de madrugada e receber a noticia que Christine era sua filha era o suficiente para fazer até o mais corajoso dos homens gritar. E rezar muito, logo depois.

Ela cruzou o corredor rapidamente, ela já sabia que tinha algo errado. A porta estava aberta, a do quarto dele. A incrível mania que Christine tinha de abrir as coisas e não fechar depois. Ilithya revirou os olhos.  

Ilithya sufocou um grito quando se aproximou da porta aberta. O piso, antes negro, estava preto e branco, como um tabuleiro de xadrez. A mesma cor em que estava na visão que Érebo o mostrou. Dias atras, Raphael estava hospedado em um quarto co m piso preto e branco, mas Ilithya o fez mudar de quarto. Maldita visão.

 Ela não queria levantar os olhos do piso. Já sabia como aquilo iria terminar.

 Não, não, pelos deuses, não. Eu já perdi Aimée, minha irmãzinha, meus pais estão mortos. Já é o suficiente de tortura pelo resto da minha vida. Por favor, ele não.

 Ela olhou na direção da cama.

 Tinha uma adaga enfincada no peito de Raphael. Christine estava parada, olhando para a cama em choque. Pobre criança.

 Os lençóis, antes brancos, estavam vermelhos.

 Por quê?

 Talvez ainda ele não estivesse morto. Era uma esperança idiota, mas sempre há uma esperança. Ilithya se precipitou sobre a cama e reduziu a adaga a cinzas, não sem antes reparar no T marcado a ouro sobre o cabo. A feiticeira colocou as mãos sobre o ferimento e canalizou o seu poder de cura sobre ele. 

 Lágrimas escorriam dos seus olhos e ela tinha quase certeza que estava gritando "Volta, pelos deuses, volte", igual uma louca. Suas mãos estavam gelada, raios brancos e finos rodeavam os seus dedos. 

 "Ele não está morto, ele não está morto".

 Os fiapos brancos de energia percorriam o corpo inteiro dele.

 "Você consegue curar tudo Ilithya, tudo", pensou. Certa vez, ela pressionou a mão arrancada de uma menina contra o cotoco que era o pulso e conseguiu fazer a mão da menina voltar e funcionar perfeitamente. Já curou Aimée quando ela tinha perdido praticamente todo o seu sangue. 

 "Eu consigo".

 E então ela tentou mais uma vez, mais uma, e mais uma. Ela suava frio, mas mesmo assim, continuava, se concentrava em Raphael e observava suas mãos se cobrirem de fios brancos novamente, e novamente. O branco dos fios criava contraste contra o sangue seco, deixando-a desesperada. 

 E ela tentou novamente, e novamente. 

 A visão dela já estava ficando embaçada, mas mesmo assim ela continuou. O ar zunia com eletricidade. 

 Ilithya continuou tentando até alguém puxa-la para longe do corpo. Mikhail. Os olhos puxados e esverdeados dele estavam avermelhados. Ele a abraçou. 

 — Não dá mais, Ily. Ele está morto.

 — É minha culpa — Ela soluçou — Eu devia ter ficado aqui, mais saí lá fora por alguma idiotice. É minha culpa.

 — Não é. 

 — Eu não tenho mais ninguém nesse mundo. Meu pai, minha mãe e Aimée estão mortos. Raphael...

 — Você ainda tem eu, seu melhor amigo insuportável, e as pragas irritantes que são seus sobrinhos.

 Ilithya se soltou dele e virou, encarando a parede. Tudo era melhor do que a cena atrás dela. Ela já conseguia ouvir as pessoas, do lado de fora, sussurando:"O que aconteceu?", "quem morreu?", "oh!". É tão engraçado, parece que qualquer desgraça atrai um enxame de jumentos. 

 — Vou para o meu quarto — Ela disse para Mik  — E talvez eu vá matar alguém, depende. 

 Ela estava descendo as escadas para ir para seu quarto quando barrou com Ilithya. Suas mãos chegaram a tremer de ansiedade. Um pequeno gesto e o degrau abaixo de Trivia viraria pó, e uma certa loira iria ter uma longa queda pela frente. 

 — Eu sinto muito — Os olhinhos dourados estavam faiscando de maldade — Eu pensava que seria muito complexo mas me decepcionei. As pessoas não são os melhores combatentes enquanto dormem.

 Não. Faze-la cair seria muita bondade. E não era adequado. Até o ser mais burro iria perceber que foi ela, e talvez isso até começasse uma rebelião no exército de Trivia. 

 E bom, de qualquer forma, Ilithya não tinha muita certeza se podia matar Trivia com uma queda. Rowena estava em estado Bela Adormecida ainda e Trivia ainda continuava com aquela maldita imunidade. 

 Ela teria que aguardar. Ilithya sorriu para Trivia e continuou descendo as escadas para o seu quarto. Cerou as mãos e os lábios, para impedi-la de cometer alguma idiotice. 

 — Amanhã terá duas piras funerárias para você ir — Trivia gritou e gargalhou.

 Então, ela decidiu que Trivia não iria passar nem mais uma semana respirando. 

 

Perspectiva de Alec.

 

Alec recostou a cabeça na poltrona e girou o punhal na sua mão. 

 Ele estava apenas esperando. A partir do momento que a maldita bruxa mencionou duas piras, Alec mandou Vanessa ir dormir no quarto de Mary, armou umas armadilhas divertidas nas portas, tanto do quarto de Nessa como no que ela estava. Só havia duas pessoas no mundo que Ilithya amava e Trivia poderia querer matar.

 Ele e Vanessa. 

 Mas de qualquer forma, ele duvida seriamente que Trivia iria querer matar Vanessa. O alvo era ele. Certamente ela iria supor que ele fosse se dopar de calmantes para lidar com o luto e iria entrar facilmente manda-lo para o Além. Trivia não era o ser mais genial do mundo. Ela nunca iria pensar que ele estaria ali, sentado na poltrona, escondido pelas sombras do quarto e a única coisa que tinha debaixo dos cobertores era um ursinho de pelúcia gigante de Vanessa.

 Seria muito decepcionante para Trivia quando ela removesse o cobertor e se deparasse com um lindo ursinho sorrindo para ela. 

 "ppelo menos tente permanecer vivo, já que é a única coisa que você sabe fazer bem. Você teve a oportunidade perfeita de mata-la no deserto, mas só conseguiu voltar fatiado. Se ele está morto, é porque você falhou". 

 Ele girou o punhal novamente. 

 Aí seria bem simples, um pequeno arremesso e um punhal se cravaria em um feiticeira idiota. Depois  ele pegaria a estava que estava ao seu lado e iria arrancar a cabeça dela. E ver se Trivia conseguia sobreviver sem a cabeça. Será que a cabeça voltaria a se grudar ao corpo ou ela permaneceria morta? Curioso. Mas de qualquer forma, ele iria ver a qualquer instante. 

 A maçaneta da porta tremeu levemente o trinco destravou. Alec ficou quieto, imóvel, apenas observando, naquele canto do quarto ninguém iria vê-lo a menos que olhasse muito atentamente, mas naturalmente o assassino estaria focado demais olhando a cama. As pessoas sempre vêem o que querem ver. Patéticas.

 Quem entrou no quarto não foi Trivia, foi James, o amante idiota dela. 

 Alec se sentiu terrivelmente decepcionado, ele esperava acertar um punhal nas costas de Trivia. Mas tudo bem, ele iria mandar o corpo do amante idiota dela com um lacinho na porta dela. 

 Jaime estava segurando um punhal dourado e reluzente. Sem marcas que indicassem que pertencia a Trivia. 

 Ele se aproximou da cama, muito lentamente, andando daquela forma sem som que só feiticeiros podiam fazer. Alec pensou em levantar e estrangular aquele cara. Mas iria fazer muito barulho, feiticeiros sempre fazem muito barulho enquanto lutam e aquele cara era tão velho quanto Ilithya, e de qualquer forma, ele não iria tentar a sorte. 

 James puxou os cobertores e então deu dois passos para trás ao se deparar com um ursinho sorrindo para ele.  

O feiticeiro nem teve tempo de superar a surpresa do urso. Ele olhou para baixo, apenas para ver uma lâmina despontado de seu peito antes dele cair morto no chão. 

 Alec se levantou lentamente, ainda sorrindo. Removeu o punhal dele e virou o cadáver de barrica para cima. E depois só foi colocar uma luva e pegar o punhal da mão do bruxo morto e cravar nele mesmo, deixando até a mão inerte próxima ao corpo. Ele arrastou o corpo até a porta, para Ilithya transportar para a porta de Trivia. Depois foi só pulverizar o sangue no tapete. E o tapete, também.

 O vampiro pegou o celular e ligou para Ilithya.

 — Titia, tenho um presente para você. 

 Alec virou para se voltar para a poltrona. O espelho grande na parede refletiam ele, com as luvas negras respingadas de sangue, os olhos avermelhados de chorar por Raphael e o corpo caído ao seus pés. Por um instante, não era ele que o encarava através do espelho. Era Chaos. Sorrindo e com olhos dourados brilhantes.

 O vampiro mostrou o dedo do meio para o deus do Caos e foi dormir. Surpreendentemente, ele dormiu tranquilamente, sem precisar de nenhum calmante. Talvez fosse apenas a exaustão mental.

 No dia seguinte, James apareceu morto na porta de Trivia. Tudo indicava que era um suicídio, tinha até mesmo as digitais dele na adaga cravada em seu coração. Todos assumiram que era o estresse  que a guerra causou nele, tinha o deixado neurótico. Ou talvez o amor que ele tinha por Trivia não era correspondido. Mas certamente era um suicídio. 

 E sim, tinha duas piras funerárias queimando durante a madrugada, exatamente como Trivia previra. Mas uma das piras era do amante dela. 

 

 Perspectiva de Christine. 

 

 

Certa vez, quando eu tinha seis anos, acreditei que tive o pior aniversário da minha vida. Minha mãe tinha comprado um bolo de doce de leite e tinha sanduíches com patê de sardinha para servir. E eu sempre detestei doce de leite e sardinha. Ninguém da minha escolinha tinha vindo — Percebam, sou anti-social desde criança. Então eu fingi chorar, na verdade, fiz um escarcéu, para minha mãe comprar outro bolo e salgadinhos decentes. Depois, mais tarde, Layla chegou e eu não passei meu aniversário sozinha. 

 Eu pensava que nada poderia ser pior que sanduíches com sardinha e bolo de doce de leite. Ah, mas como eu estava enganada.

 Lá, sentada no chão, oculta pelas sombras de uma árvore e vendo a pira funerária queimar, cheguei a conclusão que dificilmente eu teria um aniversário tão ruim quanto esse. 

 "Está bem?" Alec perguntou por telepatia "Quer que eu vá aí?".

"Meu pai está morto e você pergunta se estou bem?" Gargalhei."Volte para o seu quarte, onde você é útil e tente matar Trivia. Oue pelo menos tente permanecer vivo, já que é a única coisa que você sabe fazer bem. Você teve a oportunidade perfeita de mata-la no deserto, mas só conseguiu voltar fatiado. Se ele está morto, é porque você falhou". 

Senti ele construir uma parede mental e me ignorar. Ótimo. 

Continuei olhando para as chamas da pira e comecei a me sentir mal. É, Raphael podia ter sido o meu pai de sangue, mas ele foi como uma pai para Alec. E eu meio que joguei tudo encima dele. As vezes sou cruel quando estou com raiva.

  — Como você reagiria se soubesse que sou sua filha? — perguntei para as chamas.

 Quando eu era mais nova, falava para o meu reflexo no espelho as coisas que eu não podia dizer para ninguém, diários são arriscados, qualquer um pode ler, e pessoas geralmente nunca querer ouvi-la e ficam felizes quando você se ferra, ou então não se importa. 

 — Provavelmente enfartaria — continuei — Tudo bem, eu também enfartaria se soubesse que tinha uma filha igual a mim. Será que você iria querer matar Nyx, ou iria agradecer por ela deixar você livre de um praguinha igual eu?

 Eu estava me sentindo idiota, mas continuei. 

 — Ah, mas você devia se sentir feliz. Dificilmente iria achar outra filha tão inteligente como eu. Passei em primeiro lugar no curso de medicina em Harvard. Sou praticamente genial em tudo, sabe. Sou praticamente uma das feiticeiras mais poderosas que existiu, pelo menos na teoria. Sou levemente psicopata, mas isso pode ser ignorado. Você também não era um santo  — Revirei os olhos  — Eu nunca imaginei que você fosse meu pai. Quase matei você de estresse quando ainda me dava aula. É, por pouco eu não fui patricida.   

"Christine, você necessita urgentemente de um psiquiatra.", pensei. 

— Lembra de quando você fingiu ser meu pai naquele hospital de Las Vegas? Isso foi as Parcas sendo irônicas comigo. Eu nunca desconfiaria. E então, quando enfim descubro que você é meu pai, você morre. As Parcas me detestam. 

 Então fiquei parada encarando as chamas. 

 Droga, o que eu iria fazer? Me vingar de Trivia, é claro. Mas como, a filha da meretriz estava praticamente invulnerável. Tinha que acabar com essa invulnerabilidade. Aí a torturaria, queimaria, arrancaria pedacinho por pedacinho dela. Depois eu iria colocar em uma caixinha de presente e mandar para Érebo. 

 — Você vai morrer de frio — Thanatos disse, se aproximando e se sentando ao meu lado.

 Di immortales, ainda bem que eu estava quieta à um bom tempo, se ele tivesse chegado à alguns minutos atrás ele teria me pegado conversando com uma pira funerária. E isso seria vergonhoso. Ele iria me infernizar por toda a eternidade. 

 — Se tantas coisas já tentaram me matar, não vai ser o frio que vai conseguir. 

 Ele levantou as sobrancelhas para mim. 

 — Está pensando em como matar Trivia? 

 — É, e também estou pensando em como as Parcas me odeiam — confessei.

 — Elas geralmente odeiam todo mundo — Thanatos falou.

 Decidi que em algum dia, eu iria colocar fogo nas saias das Parcas. 

 Ficamos lá, parados, olhando a pira queimar. Eu devia estar muito mal, muito mesmo, se até Thanatos estava com pena de mim. 

 — Você quando era o deus da morte, sabia quem iria morrer e quando? — perguntei.

 — Sim — Ele não olhou para mim quando respondeu.

 — Ainda lembra de qual de nós vai morrer? — Perguntei.

 Automaticamente, uma imagem veio na minha cabeça: A velhinha andarilha que olhou para mim e disse que via a sombra da morte em mim quando eu estava voltando da faculdade. Balancei a cabeça. Devia ser só ma velha maluca que estava alucinando. É, mas depois ela desapareceu do nada. Pensando bem, talvez fosse uma velhinha louca, ou na pior das hipóteses, algum deus ou espírito que resolveu me infernizar. 

 — Sim. 

 Dei quase um pulinho. 

 — Pelos deuses, fale!

 — Ah, não. Lembra da história de Acrísio?

 Assenti.

 Acrísio era o avô de Perseu. Certa vez ele ouviu uma profecia que dizia que ele seria morto pelo seu próprio neto. Então ele prendeu sua filha, Dânae em uma torre alta e feita de bronze para ninguém engravida-la. Mas não adiantou, Zeus entrou na forma de uma chuva de ouro e Dânae ficou gravida de Perseu. Acrísio jogou a filha em um baú no mar, mas ela conseguiu sobreviver e Perseu nasceu. Anos e anos mais tarde , depois de Perseu matar a medusa, conseguir Pégaso e etc, ele estava em uma competição de disco. E quando ele arremessou o disco, o disco acertou a cabeça de Acrísio, que morreu. 

 E a profecia foi cumprida.

 Thanatos passou o braço envolta dos meus ombros. Normalmente, eu teria o socado, mas ele talvez tenha sido a única parte razoável que restou da minha família.

 — É, Acrísio fez de tudo para evitar morrer e no final, ele morreu por causa disso, pelas coisas que ele fez para evitar a morte. Talvez se ele não tivesse jogado Perseu e a filha em um baú no mare simplesmente tivesse criado o menino como neto, ele não teria morrido dessa forma. Quem faz as profecias se realizarem são os humanos.  Se eu falar quem vai morrer, essa pessoa pode tentar se livrar da morte e vai acabar morrendo por isso e de uma forma pior, talvez?


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Notas finais do capítulo

Vamos lá, demorou cerca de uns quarenta dias para postar de novo. Sério, perdoem, tenho que estudar Quimica, Física, Matemática e etc para Olimpiadas Cientificas e não estou tendo tempo.

Beijos, acho que o próximo não demora tanto.