Impasse escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 3
Capítulo 2




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Rolei na cama antes de me levantar e esfreguei os olhos com a claridade que vazava por entre as frestas da janela. Me debrucei para fora e peguei meu celular no chão, jogado em cima da camiseta que eu estava usando ontem, e encontrei uma mensagem não lida da minha mãe, enviada hoje às 7 da manhã e dizendo que tudo bem eu ficar para dormir na casa dos meus amigos. O relógio me dizia que já passava um pouco das onze da manhã e a casa silenciosa indicava que Tia Molly e Tio Arthur já haviam saído para algum lugar.

Joguei as pernas para fora da cama e me espreguicei antes de vestir a calça jeans que também estava no chão. Não me importei em calçar os sapatos ou vestir a camiseta e me encaminhei ao banheiro que havia ao lado do quarto do Ron, onde dormi aproveitando sua ausência. Meu próximo destino era a porta do outro lado do corredor, que eu abri já sabendo que seria inútil bater e anunciar minha chegada.

–Bom dia! - Cumprimentei quando acendi a luz e me joguei deitado nos pés da cama de Ginny para acordá-la. - Hora de levantar.

Ela estava deitada de bruços e se virou devagar para cima enquanto resmungava algo que não consegui entender.

–Acordar para que? - Perguntou puxando o edredom e cobrindo o rosto.

–Para tomar café comigo. - Falei enquanto puxava sua coberta e o descobria de novo. - Já é quase meio dia.

–Convide minha mãe, ela adora tomar café com as visitas. - Recusou e se virou novamente para fugir da claridade.

–Então ela não deve gostar de mim, ou não me considera mais uma visita, porque saiu.

–Nem eu gosto das pessoas que me acordam, Harry. - Comentou ainda sonolenta. - Cadê o Ron?

–Acho que ainda não chegou.

Esperei que ela se mexesse e isso não aconteceu, então me manifestei de novo.

–Vamos, levante. - Pedi sacudindo um pouco sua perna.

–Tá, já vou. - Respondeu sem se mexer. - Saia para que eu me levante.

–Não, você vai dormir de novo. - Neguei rindo, pois eu já conhecia esse truque.

–Anda, Harry. Estou só de camiseta. - Insistiu, ainda na mesma posição e sem dar sinais de que iria se mexer.

–Entendo que seja decepcionante para você, mas não estou interessado em olhar. - Zombei e ela riu um pouco antes de finalmente se virar.

–Cara chato. - Reclamou. - E folgado. - Completou quando viu que eu estava confortavelmente deitado logo abaixo de seus pés. - Vou ao banheiro e já volto.

Esperei onde estava enquanto ela se levantava da cama vestindo apenas uma camiseta larga que terminava logo abaixo do bumbum e se dirigia ao banheiro ao lado de seu quarto, de onde retornou usando também um short.

–Vem. - Chamou parada na porta e eu me levantei para acompanhá-la até a cozinha.

A casa onde eles moravam era a mesma que eu frequentava desde criança, então tudo era quase tão familiar para mim quanto para eles. Ela foi direto à geladeira, de onde voltou com um pote de geleia e uma caixa de leite, e eu me encostei na pia para ela passar por mim e deixar tudo sobre a pequena mesa no centro do cômodo.

–Quer panquecas? - Perguntei quando ela foi novamente até os armários.

–Quero. - Aceitou e se virou para mim com duas xícaras nas mãos. - Pega os pratos atrás de você, por favor.

Fiz o que ela pediu e preparei nosso desjejum enquanto jogava conversa fora. Ginny fez café suficiente para nós dois e nos sentamos com uma pilha de panquecas quentes e duas xícaras cheias entre nós.

–Essas panquecas são incríveis. - Elogiou passando um pouco de geleia no segundo pedaço.

–Obrigado, mas tudo que eu faço é incrível. - Contestei convencido.

–É por isso que ninguém nunca te elogia, Harry, você sempre faz isso sozinho.

–Quem disse que ninguém me elogia? - Questionei cético e ela riu.

–As pessoas que te conhecem direito, pelo menos, já devem saber que fazer isso é meio perda de tempo.

–Sua mãe me elogia com frequência. E ela me conhece muito bem. - Defendi meu ponto de vista.

–Mães não contam.

–E por que não?

–Sua mãe também sempre elogia o Rony. Quer motivo melhor que esse? - Argumentou, muito convincente.

–Verdade, mãe não conta. - Concordei e ela acenou enquanto mastigava, de um jeito que diz claramente “como eu disse”.

Comemos em silêncio por alguns minutos até que eu me lembrei de algo sobre o que deveríamos ter conversado ontem e acabamos esquecendo:

–Falou com a Luna? - Perguntei e ela me olhou confusa. - Sobre a viagem. - Esclareci.

–Ah, sim. Ainda não falei, vou encontrá-la na terça e confirmo. Mas não estava já tudo certo?

–Ela me disse que provavelmente estaria livre, mas que iria confirmar na semana passada. - Informei enquanto ela tomava um gole de sua bebida.

–Se ela não puder, vamos só nós três. - Opinou dando de ombros.

–Claro, mas precisamos comprar as coisas para levar, então é bom saber ao certo quantas pessoas serão. - Expliquei e ela assentiu.

–Eu faço as compras depois que falar com ela, não tenho nada para fazer essa semana mesmo. - Se ofereceu.

–Nenhuma resposta ainda? - Quis saber, me referindo à sua busca por um consultório que a contratasse para exercer a profissão.

–Nada. Acho que eles ficam relutantes porque eu acabei de terminar a faculdade, e também aqui não tem muitas opções. - Explicou e eu concordei. - Meu pai se ofereceu para abrir um consultório para mim na capital, naquele prédio onde ele tem as salas comerciais.

–Me lembro onde é. E por que você não aceitou? É uma oportunidade e tanto para começar a carreira. - Opinei, impressionado com a oferta.

Apesar de ficar apenas há uma hora de carro da capital, nossa cidade não oferecia muitas oportunidades para algumas profissões. Arquitetura era uma delas, mas eu tive sorte e consegui um emprego legal na unidade local de um escritório bem conhecido por lá.

–Eu não disse que não, só que vou esperar mais um pouco e ver se realmente não consigo nada por minha própria conta aqui na cidade mesmo. - Justificou sua negativa.

–Entendi. Mas é seu pai, Ginny, não há nada demais em aceitar. - Argumentei não vendo muito sentido em sua relutância.

–Eu sei que não, só que antes eu quero tentar sozinha, sem ajuda de ninguém. - Explicou com paciência.

–Muito honrado. Nem parece você. - Desdenhei e ela me jogou um guardanapo.

–Idiota. - Me ofendeu enquanto eu ria.

Ouvimos o barulho da porta sendo destrancada e momentos depois a voz de Ron chamou da sala:

–Gi?

–Na cozinha. - Respondeu alto o suficiente para que ele ouvisse.

Escutamos seus passos no chão de madeira e ele entrou sorridente no ambiente para nos fazer companhia.

–Bom dia, pessoal. - Cumprimentou muito feliz, com um sorriso no rosto, e puxou a caneca de Ginny para ele, dando um gole antes de colocá-la na mesa.

–Bom dia. - Ela respondeu enquanto puxava sua bebida de volta para ela.

Quando ela fez isso ele se virou e pegou a minha, também bebendo um pouco.

–Devolva. - Ordenei reavendo meu café.

–Vocês estão muito egoístas hoje. - Comentou se acomodando na cadeira e pescando uma panqueca do centro da mesa. - E o que você já está fazendo aqui essa hora?

–Dormi aqui. - Expliquei e ele assentiu. - E se eu babei no seu lençol me desculpe.

Ginny me acompanhou na risada enquanto ele fazia uma cara de nojo teatral.

–E a sua noite, Roniquinho, como foi? - Ela perguntou irônica.

–Muito melhor que a de vocês, tenho certeza. - Respondeu com superioridade e nós dois reviramos os olhos com desdém. - Minha noite foi memorável.

–Tomara que a dela também tenha sido. - Ginny alfinetou e nós dois rimos novamente.

–Bem, trocamos telefone e já marcamos o próximo encontro. Então acho que a dela também foi. - Defendeu-se mostrando o celular para dar mais credibilidade ao fato.

–Que orgulho! - Ela comentou irônica.

–E como é o nome da moça? - Perguntei mantendo o assunto.

–Hermione.

–Como? - Ginny e eu perguntamos juntos e com o cenho franzido.

–Hermione. - Respondeu rindo um pouco. - Não é tão estranho, vai. - Defendeu.

–Não é mais estranho que você defendê-la, realmente. - Comentei e os dois riram.

–E quando é o próximo encontro?

–Sábado que vem.

–No dia da nossa viagem? - Ginny questionou com a sobrancelha arqueada, como um desafio.

–É aniversário dela e fui convidado. Não pude falar não. - Justificou-se dando de ombros.

–Mas a gente já tinha combinado isso há semanas. - Argumentei e ele me olhou como quem se desculpa.

–Não precisam desmarcar pro mim. Eu sei que comigo seria bem mais legal, mas vão os três. - Opinou sendo convencido.

–Mas é claro que vamos, ou você acha que a gente vai perder o final de semana porque você está de quatro pela moça do nome estranho? - Ginny confirmou e eu acenei concordando.

–Onde estão papai e mamãe? - Perguntou à irmã, mudando de repente o foco da conversa.

–Não sei, quando acordamos eles já tinham saído.

Ele assentiu antes de se levantar e se virar.

–Ok, vou dormir um pouco.

Sem nos dar tempo de responder saiu da cozinha e nos deixou sozinhos novamente.

Ginny e eu terminamos nossa refeição sem pressa em meio a uma conversa agradável, e nos despedimos alguns minutos depois quando ela me acompanhou até a garagem para que eu fosse embora. Cheguei em casa e encontrei meus pais deitados juntos no sofá da sala assistindo um filme, assim apenas me livrei dos sapatos e me juntei a eles para aproveitar o resto do domingo.

Na terça-feira pela tarde continuei sentado na sala de reuniões anotando os primeiros detalhes do projeto que tinham acabado de me passar quando senti meu celular vibrar no bolso da calça e o display indicar que era Ginny me ligando. Aproveitei que todos já haviam saído da sala e levei o aparelho ao ouvido.

–Oi, Gi.

–Oi, Harry. - Cumprimentou e pelo barulho em volta ela provavelmente estava em algum lugar movimentado. - Acabei de me encontrar com a Luna, ela disse que não vai.

–Por que? - Perguntei interessado e parei de escrever para esperar sua resposta.

–Aconteceu algum problema na empresa, algo assim, e ela vai precisar trabalhar. - Se lamentou enquanto me respondia.

–Justo essa semana, já tínhamos combinado tudo. - Também me lamentei. - E agora, já era o final de semana?

–Acho que sim. E meus pais recusaram alugar a casa para um aniversário por causa disso. - Comentou e eu ouvi a porta do carro bater e o barulho em volta cessar.

–Então vamos nós dois. - Sugeri, me encostando mais confortável na cadeira e mudando o celular de mão. - O que acha? Já estava tudo certo mesmo, pelo menos não desperdiçamos o final de semana.

–É, acho que é uma boa ideia. - Comentou pensativa. - Por mim tudo bem, e assim nos divertimos também. - Decidiu por fim. - Já que vamos mesmo assim eu passo no mercado e compro as coisas para levarmos.

–Ok, se precisar de ajuda me liga. - Ofereci.

–Quer algo em especial? - Questionou e eu escutei o carro sendo ligado.

–Não que eu me lembre, compre as mesmas coisas de sempre. - Neguei ao mesmo tempo em que um colega acenou para mim de fora do corredor, me chamando. - Estão me chamando e preciso ir, Ginny.

–Ok, me liga quando der para combinarmos os horários. Beijos. - Se despediu.

–Te ligo a noite, beijos. - Confirmei e desliguei o telefone, voltando ao trabalho.

Liguei de volta para ela quando cheguei em casa e combinamos de que na sexta-feira eu sairia do trabalho direto para sua casa para viajarmos no mesmo dia e passar o final de semana inteiro nas montanhas. A cidade era bastante turística, e apesar da baixa temporada os finais de semana por lá sempre eram divertidos e animados, mesmo com o clima frio quase constante.

No dia marcado me despedi dos meus pais pela manhã avisando que estaria de volta no domingo a noite, informei onde e com quem estaria, e fui para o trabalho com minha mochila de roupas já devidamente guardada no porta malas do carro. Saí do escritório alguns minutos antes do meu horário normal e cheguei à casa de Ginny um pouco mais cedo do que o combinado, então é claro que ela ainda não estava pronta.

–Oi, Tia Molly. - Cumprimentei quando sua mãe abriu a porta para me receber.

–Olá, querido. Como vai? - Retribuiu meu abraço e me convidou para entrar.

Conversamos por uns cinco minutos antes de Ginny aparecer na sala com uma mochila jogada nos ombros e os cabelos soltos.

–Oi, Harry. - Cumprimentou sem me olhar direito e já se dirigindo à mãe, sentada ao meu lado. - Mamãe, onde estão as chaves da casa?

–Na primeira gaveta do escritório, deixa que eu pego para você. - Se ofereceu e me pediu licença antes de sair.

–Quer ajuda com a mochila? - Perguntei, mas sem me levantar do sofá.

–Não precisa, só me ajuda a levar as coisas que comprei para o carro.

A acompanhei até a cozinha e me espantei com a quantidade de sacolas sobre a mesa.

–Você fez compras para um mês? - Perguntei irônico, mas ela pareceu não perceber meu tom.

–Não, só comprei algumas coisas diferentes para comer. Você e Ron acham que todo mundo consegue viver só de Doritos e Gatorade. - Deu de ombros pegando metade das sacolas e deixando o restante para mim.

–Ron saiu? - Perguntei enquanto descia os degraus em direção à garagem.

–Sim, disse que sairia com o pessoal do escritório hoje.

Acomodamos tudo no banco traseiro do carro e voltamos para pegar as chaves e sua mochila que haviam ficado na sala.

–Aqui. - Tia Molly ofereceu a ela um molho contendo algumas chaves. - Todas as chaves de lá. Não se esqueçam de trancar tudo quando saírem. E me avisem quando chegar.

–Fique tranquila, mamãe, trancaremos tudo e ligaremos para você. - Se despediu da mãe com um abraço e se afastou para que eu fizesse o mesmo.

–Tchau, querido. E dirija com cuidado. - Recomendou quando me abraçou brevemente e se virou para nos acompanhar até o lado de fora da casa.

–Eu escolho a música. - Ginny determinou enquanto caminhávamos até o veículo estacionado em frente.

–Nem pensar, seu gosto é péssimo. - Neguei categoricamente.

Nos acomodamos nos bancos dianteiros do meu carro enquanto ela argumentava minha negativa e acenamos para sua mãe, que retribuiu o gesto. Liguei o som e selecionei a pasta do meu pen drive que tocaria nas duas horas e meia de estrada que se estendia a nossa frente, e rumamos para nossa viagem de final de semana.


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Notas finais do capítulo

E então?
A história inteira foi pensada em torno de duas cenas, e é no próximo capítulo que uma delas acontece.
Ansiosa para saber o que acharam. Comentem, vou amar saber a opinião de vocês.
Até o próximo,
Beijos!



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