Um Conto de Natal escrita por FireboltVioleta


Capítulo 6
O Espírito dos Natais Passados - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas!
Esse capítulo ficou um pouquinho maior que o costume :P kkk
Espero que gostem!
Boa leitura! ♥



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"O sofrimento é o melhor remédio para acordar o espírito.

Émile Zola"

Após alguns segundos, meus pés finalmente voltaram a tocar o chão.

– Chegamos, Helena – senti o Espírito apertar minha mão.

Reabri os olhos, estonteada.

Porém, senti meu cenho se franzir quando percebi onde estávamos.

– Não deixamos a fábrica! – exclamei – nós nem saímos da mansão!

Estávamos no familiar quintal da mansão Ogden. Era impossível não reconhecer o lugar onde eu passara tantas manhãs, antes de minhas visitas cotidianas ao centro de produção.

Mas havia alguma coisa estranha ali.

A fonte parecia intrigantemente mais limpa, as árvores mais verdejantes, e a mansão – para minha surpresa – aparentava estar impecavelmente conservada e cuidada, ao contrario do que sugeria seu aspecto atual.

– Não, não saímos – a menininha respondeu, fazendo tilintar as bolinhas em seu vestido.

– Mas... – balancei a cabeça – é o mesmo lugar... mas não parece ser.

– E não é – ela sacudiu minha mão, apontando um dos bracinhos imperiosamente para frente – veja!

Vi, ao longe, a aproximação de duas figuras atravessando o quintal.

Fiz menção de recuar para desviar dos vultos, mas o Espírito me barrou, segurando meu pulso.

– Não se preocupe – sussurrou a garotinha – não poderão nos ver.

Finalmente, distingui as duas formas que vinham em direção á entrada da mansão. Uma delas era um homem troncudo de cabelos grisalhos, com uma capa que o identificava como funcionário do Ministério da Magia. A outra, que segurava firmemente a mão do primeiro, era uma criança assustadoramente familiar. Era uma menina, que guinchava, soluçante, ao lado do homem que a ladeava.

Os olhinhos azuis se voltaram para a mansão, e foi aí que eu arfei, perplexa.

– Espera... – ofeguei, vendo-os passarem por nós duas – essa menina... não pode ser... mas... eu lembro...!

– Sim, Helena. É você – a garotinha algavariou – quando era criança. Quando chegou á Ogden.

Eu lembrava vagamente do meu primeiro encontro com Howard... depois do acidente.

Acompanhamos a dupla até a varanda da mansão, onde o funcionário do Ministério se adiantou para bater na porta, segurando o ombro da minha eu criança com a mão livre.

A porta se abriu levemente, dando passagem para o rosto assustado de uma empregada.

– Bom dia, madame – cumprimentou o homem – sou Marcus Stark, da Divisão de Heranças e Testamentos do Ministério. Gostaria de conversar com o senhor Howard Ogden.

A moça estremeceu.

– Acho que ele não vai... quer dizer... – gaguejou a empregada.

– O QUE RAIOS ESTÁ HAVENDO AÍ, GUINEVERE?? – berrou alguém do lado de dentro da porta.

Guinevere, a empregada, se encolheu contra a porta, quando uma figura magra irrompeu para fora, encarando furiosamente o funcionário do Ministério.

Vi minha eu menor se agarrar á perna do homem.

– Quem é você? O que quer aqui? – cuspiu o velho, irritado.

– Senhor Ogden – Marcus já não parecia tão sereno ao se dirigir á Howard – venho da Divisão de Testamentos do Ministério da Magia.

– Bah, e daí? – resmungou Ogden – o que você quer aqui?

Os olhos do velho fitaram a garotinha tremula que segurava a perna de Marcus.

– É sobre o seu filho, senhor Ogden – Marcus tirou o chapéu da cabeça, olhando tenso para os lados – talvez pudéssemos discutir sobre isso... em particular, se possível.

Howard bufou, fazendo um gesto agressivo para dispensar Guinevere. A empregada não hesitou, entrando rapidamente de volta para dentro.

Porém, pareceu perder um pouco da irritação quando ouviu Marcus mencionar o filho.

– Que seja... entre logo, e não se demore.

Juntamente com o espírito, assisti Marcus entrar com a menininha dentro do hall da mansão.

O cenário ao nosso redor se turvou ligeiramente, fazendo todos desaparecerem. Porém, retornou á nitidez poucos segundos depois, revelando um novo momento na lembrança.

Agora, todos estavam dentro da sala de estar. Guinevere tentava, em vão, entreter minha versão criança, enquanto Howard e Marcus discutiam nas poltronas da sala.

Arfei, surpresa, quando percebi o velho Ogden sufocando um soluço, com a cabeça inclinada para baixo.

Em vinte anos com Howard Ogden, nunca o havia visto chorar.

– Quem o matou?

– Não sabemos – Marcus suspirou – mas com certeza foi um Comensal da Morte. Ele matou os dois. Os trouxas preferiram acreditar que foi um acidente.

– Não podia esperar menos de um bando de vermes – Ogden ergueu o olhar, furioso, mas ainda vertendo lágrimas, a ponto de parecer fazer com que Marcus não quisesse censura-lo, embora fosse clara a vontade do homem de o faze-lo – mataram meu filho. E nem vou poder acabar com o desgraçado que fez isso.

– Continuaremos investigando até achar o culpado – alegou Marcus – realmente sentimos muito. Foi uma grande tragédia... eram tão jovens...

– Foi aquela vadia – rosnou Howard – ela o fez entrar naquela maldita Ordem... confundiu meu garoto. E olha só o que aquela vagabunda fez!

– Senhor Ogden... – Marcus o encarou, recriminatoriamente.

– E essa coisinha – ele inclinou o queixo na minha direção – é filha dela?

– A filha deles – o homem fechou os olhos, impaciente – é sua neta, Howard.

– Não acredito nisso – Howard se ergueu da poltrona, ensandecido, negando fortemente com a cabeça – do jeito que aquela cadela era, com certeza é de qualquer inútil por aí. Meu filho não seria pai de uma... uma... criaturinha dessas. Aquela mulher o ludibriou, escute o que estou dizendo! Ela não é filha de Richard! Ela o enganou!!

– Acredite no que quiser, senhor Ogden – Marcus, por fim, também deixou seu assento, fuzilando Howard com o olhar – mas o fato é que sim, é sua neta, e você é o único parente vivo dessa menina, já que a família da mãe dela não tem condições financeiras de mantê-la – ele cruzou os braços – e se o senhor se recusar á aceitar a guarda de Helena, vamos ter que manda-lo á Azkaban por abandono de incapaz e inconformidade com a lei de guarda familiar, e toda essa sua fortuna passará diretamente para a garota, assim que por os pés numa cela com seu nome – vi-o envergar a cabeça – a escolha é sua.

Howard apertou a varinha no bolso, com ódio mortífero no olhar, mas limitou-se a mastigar uns quantos palavrões, virando o rosto para a menininha no colo de Guinevere.

– Primeiro arrancam Richard de mim, e agora querem que eu cuide dessa bastardinha – ele suspirou pesadamente – bem, se tenho que ficar com ela, que a deixem aqui. Vou mandar um dos rapazes assinar toda a merda dos prontuários pra vocês, seus nojentos – Howard gesticulou para a saída, tremulo de raiva – agora saia da minha casa e nunca mais volte aqui!

A cena voltou a se embaçar e ficar nítida outra vez.

Ainda estávamos na sala de estar. Marcus parecia ter acabado de deixar a mansão.

– Saia, Guinevere. Agora!

A empregada soltou a menininha em seu colo, apavorada, saindo correndo em direção ás escadas.

Vi-me estremecer, encarando o velho odioso diante de mim.

– A culpa é toda sua, vermezinha – ele segurou meu pulso. A menininha gritou de dor – você quer transformar minha vida num inferno? Pois eu acho que é você que vai viver lá!!

O Espírito ao meu lado fungou, percebendo o nó que se formara em minha garganta, enquanto o cenário novamente mudava de forma.

Não lembrava de meus pais. Mas uma coisa eu sabia... minha mãe era uma uma boa pessoa. Não era quem Howard alegara. Meus pais haviam morrido fazendo algo realmente bom... coisa que Howard nunca fizera.

Eu só consegui sentir cada vez mais ódio de Ogden enquanto via as cenas seguintes.

Vi-me com sete anos, olhando curiosa para o lado de fora da mansão num momento de distração, parecendo intrigada com as árvores enfeitadas que circulavam nas ruas, e com famílias ali perto, levando seus filhos para comprar presentes.

– Guinevere? – falou a menininha – será que o senhor Ogden podia dar presentes pra gente?

Guinevere me encarou de modo tenso.

– Acho que não, pequena. Melhor continuarmos esfregando o chão.

VI a garotinha tentar fazer o que Guinevere dissera, mas o chão molhado a traiu, fazendo-a escorregar e bater a cabeça no chão com um baque surdo.

Ela se levantou, chorando, com as mãos no rosto.

Guinevere pareceu querer ajuda-la, mas, para minha perplexidade, voltou sua atenção ao chão que esfregava.

– PARE DE CHORAR, DUA VADIAZINHA! – Ogden berrou do andar superior.

Encolhi-me no chão, tentando sufocar o choro...

– O que é essa sujeirinha aqui, garota? – Howard gritou para a menina de dez anos que tentava, em vão, polir uma prataria.

– Desculpa, senhor Ogden, vou limpar... desculpa! – ela soluçou, antes do velho arremessa-la contra a prateleira, fazendo pratos caírem em cima dela, quebrando-se em cacos que se fincaram em sua pele, fazendo brotar lágrimas vermelhas que se misturaram ás de seu rosto...

Todas as lembranças horríveis que eu tentava ignorar nos últimos três anos vinham em jorros diante de meus olhos, mais nítidas do que nunca.

Vi minha eu de doze anos lutando para conseguir umas poucas sobras do farto banquete que Ogden dera para os empresários de uísque...

Enquanto observava, sentindo o nó em minha garganta inchar cada vez mais, esfreguei meus braços, relembrando cada ferida, cada pancada, cada crueldade que sofrera naqueles vinte anos de serviço escravo.

– Chega, Espírito! – horrorizada, fechei os olhos para não assistir a rodada de pancadas que minha versão adolescente sofria naquele momento, presidida por um homem que Howard contratara para me castigar – não quero ver mais nada!

– Espere, Helena – a menininha não aprecia menos infeliz do que eu com o que via – só falta mais uma agora... prometo que é a última lembrança passada...

Tudo se distorceu, dando lugar á um cenário completamente novo.

Transportamo-nos para um quarto escuro, com cortinas fechadas.

Reconheci Marcus, o homem que me trouxera para Ogden, sentado ao lado de uma cama. Estava alguns anos mais velho, com rugas lhe preenchendo o rosto.

Aproximei-me para enxergar o vulto esquelético na cama.

Foi quando reconheci Ogden.

Magro, encovado, envelhecido mil anos naquela semana que culminou em sua morte.

Naquela semana, o capataz ficara responsável pela empresa, quando Howard viajou em negócios. Recebi a noticia três dias depois do ocorrido.

Foi a única semana em que eu lembrava de estar finalmente sem uma única ferida infligida por alguém.

– Não sei por que não pediu esse teste antes, Howard – Marcus balançou a cabeça – mas aqui está o que eu lhe disse... deu positivo. Helena é filha de Richard.

Howard tentou erguer o braço para segurar o papel que Marcus lhe inclinou, mas ele fraquejou em meio ao caminho, caindo desfalecido sob seu corpo.

– Ela é minha neta... – gemeu Howard roucamente.

– Você tem sorte de estar morrendo – Marcus disse de modo duro – as denuncias de sua ex-empregada chegaram apenas agora ao Ministério... você ficaria preso pelo resto da vida pelo que fez á menina... mas como sua vida já está no fim...

– Eu errei... – Ogden engasgou – só posso ver isso agora... eu olhava... para Helena... e lembrava de Richard... da mãe dela...

– Achou que a culpa era da garota? – Marcus deu uma risada amarga – você não vai ter tempo de consertar as coisas... talvez nunca conseguisse, Ogden.

Howard engasgou, arquejando e tossindo.

– Pode... poderia... falar algo á ela...?

Marcus encarou Howard.

– O que seria, Ogden?

– Diga á ela... se ela... pode me perdoar...

Não quis ver o resto da lembrança.

– Basta! – virei-me para o Espírito, desviando o olhar daquela cena patética – isso não muda nada! Jamais vou perdoa-lo pelo que ele fez comigo!!

O cenário se dissolveu, nos trazendo de volta para o meu quarto.

– Helena, se acalme... – a menininha ergueu as palmas das mãos.

– Era isso que queria me mostrar?? – rugi – pois já mostrou! Já vi o que devia e o que não devia ver, sua apariçãozinha irritante! Agora suma daqui!

Peguei o vaso do criado-mudo e o arremessei contra o Espírito.

A menininha se dissolveu antes do vaso acerta-la, esfumaçando pelo ar até desaparecer de vista.

Quando ouvi o som do vaso se espatifando, meus joelhos finalmente cederam.

Arrastei-me até minha cama, subindo nela e me encolhendo de volta nas cobertas.

Sentindo meu rosto se ensopar de lágrimas, demorei a pegar no sono.

Quando finalmente o fiz, meu último pensamento foi uma súplica para que não houvesse mais nenhum Espírito. Tinha certeza que não iria suportar.

Fútil esperança a minha.


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Notas finais do capítulo

Então? O que acharam?
Beijos e até o próximo capítulo!



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