Minha teoria sobre seu "amor" pelo príncipe se tornou realidade na manha de domingo. Lyra voltou para casa com uma cara que nunca tinha presenciado na minha vida. Nunca tinha a visto tão brava. Nem sabia que, biologicamente falando, ela podia ficar brava. Então quando ela chegou chutando tudo o que via pela frente e xingando palavras que não pareciam da nossa língua, fiz a única coisa sensata a se fazer nesse momento. Gargalhei.

_ Aquele principezinho de merda, metido a besta! Ai que ódio dessas pessoas!

Bufando, ela pulou no sofá e tentava descontroladamente fazer o controle da televisão funcionar. Quando se está de mau humor parece que tudo começa a dar errado. Continuo rindo para mim mesma e vou até ela. Ligo a televisão e sento do seu lado. Ela sorriu, como se estivesse se achando idiota por não ter conseguido fazer algo tão simples

_ Brigadinho Lou.

Sempre que me chamam de Louisa dou uma vacilada. Como se por instantes esquecesse que sou eu quem estão chamando. Espero que com o tempo melhore.

_ O que está acontecendo? O que ele fez dessa vez?

Ly tinha uma longa história com o futuro rei. Uma longa história de brigas e discussões complexas que eu nunca tentei e nunca conseguiria entender.

_ Nada! Ele não fez nada! Mesmo com a boca fechada ele me irrita. Eu não consigo suportar aquele sorriso malicioso idiota. Odeio ele.

Ri ainda mais. Ódio. Sei.

_ Ele me perturba desde que tinha 14 anos e fui no palácio com meu pai pela primeira vez. Papai tinha uns assuntos para resolver lá. Tentei ser amiga dele e de sua irmã, mas na primeira vez que me viu decidiu que eu seria seu saco de pancadas. Ele me importunou tanto naquele fim de semana que tive que implorar pro meu pai para ir embora. Ele aparece ás vezes quando está no tédio ou só com vontade de ser chato. Naquela época ele já era esse mulherengo ridículo. Não suporto o que ele faz com essas garotas. Não sei quem é mais idiota, ele, ou essas meninas que caiem na ladainha dele e se apaixonam. Ele não tem nenhuma responsabilidade, só sabe sair e beber. Ele é nosso futuro rei! Estamos arruinados.

_Você já contou que é completamente apaixonada por ele?

_ O que? Você está louca? Acha que eu sou idiota de me apaixonar pelo Henry? - dizia enquanto engasgava com a comida e tentava fingir uma risada forçada.- Não seja boba Lou, sou mais inteligente do que isso.

_Não se escolhe por quem se apaixonar. - levantei e fui em direção a porta- Vem no shopping comigo ou vai ficar ai?

Ela resmungou alguma coisa que nenhum ser com capacidades intelectuais conseguiria entender e tomei isso como um não.

O shopping esta surpreendentemente vazio para um domingo de chuva. Turistas lotados de compras são comuns em dias como esse. Vou em direção da livraria imediatamente. Já decorei o lugar das prateleiras, onde cada gênero fica. Hábitos da Lyra. Tento decidir se levo essa biografia de uma banda da época passada. Estou cada vez mais interessada em descobrir sobre o passado do mundo. Em Illéa praticamente não existiam livros de História, com certeza compraria alguns e mandaria para papai. Ele vai amar.

_ A banda é ótima, mas os Beatles sempre serão meus preferidos.

Ele vai andando até a estande, pega um livro e me entrega.

_ Se levar esse, não vai se arrepender. Prazer, Bradley.

_Louisa. Acho que vou levar esse mesmo. Obrigada.

O homem na minha frente tinha por volta de 25 anos, cabelos castanho claro, curtos e estavam arrumados em um pequeno topete, olhos castanhos e uma barba rala. Era alto e tinha uma voz rouca que me dava arrepios. Agradeci novamente, virei de costas e fui em direção ao caixa até que uma mão forte me segura.

_ Ei, espera. Gostaria de tomar alguma coisa? Adoraria te conhecer melhor.

Tenho certeza de que corei, mas aceitei. Fomos andando pelos corredores enquanto conversávamos sobre coisas aleatórias. Ele possui um ótimo senso de humor além de ser muito bonito. Arranjamos uma mesa e pedimos um café.

_ Você é de Illéa não é? Também não sou daqui. Já ouviu falar de Nova Gales do Sul?

Eu com certeza não sabia onde é, mas pelas suas descrições parecia um lugar divertido. " O país dos esportes radicais" disse ele. Conversamos por horas, descobri que ele se mudou para ficar perto de seu irmão e que ele é apaixonado por artes e lecionar. Trocamos telefones e ele não permitiu que fosse andando até em casa. Me levou de carro, mesmo sendo apenas duas quadras.

_Te pego amanhã às 19h.

_Segunda feira? Sabe que os restaurantes estão fechados certo?

_Quem disse que vou te levar para jantar?

Sorri. Por um momento esqueci Maxon.

Lyra estava sentada exatamente no mesmo lugar, fazendo exatamente a mesma coisa e com a mesmo posição de quando sai. Seu corpo se afundava nas almofadas e seu pé descalço ocupava a maior parte da mesa de centro. Seu olho vidrado na televisão dava a impressão de que não piscava. Tirando o pote de pipoca vazio na mesa e milhos estourados espalhados pela sala, acharia que ela realmente não tinha saído do lugar.

_ Passou a tarde afogando suas mágoas e vendo essas séries bobas?

Precisei retirar seus pés da mesa e sentar na sua frente para que ela resolvesse me olhar.

_ Se não quiser não fala, mas eu vou falar, e falar, e falar e contar tudinho sobre meu dia.

Em um piscar de olhos ela pulou, espalhando mais pipoca no chão do que já tinha, e toda animada me abraçou.

_ Pronto! Estou bem. Estou ótima pra falar a verdade. Mas sabe quem não vai estar ótima? Você. Tadinha, deve estar tão cansada e agora quer utilizar suas cordas vocais? Não precisa!! Faço questão de que você não fale mais do que o necessário! E Downton Abbey é um clássico, Não um seriado bobo!

Um silêncio se estabeleceu e ela parecia pensar em suas próximas palavras.

_ Mas então, depois de 10 horas, 2 temporadas de Downton Abbey e 3 potes de pipoca, cheguei a conclusão de que eu não posso amar ele, ele é como um irmão mais velho. Só sabe irritar. Já estou acostumada.

_ Se é o que você diz. Mas a fase de negação acaba rápido hein.

Ela me cortou imediatamente

_ Mas você não tem um dia inteiro pra me contar sobre?

Quem não conhecesse realmente acharia que ela está interessada. Comecei contando sobre o que aconteceu antes de ir para a livraria. Sabia que ela ia detestar ouvir e claro que fiz por isso. Ela já estava quase dormindo quando falei as palavras garoto e lindo. Seus olhos se abriram com uma rapidez invejável e ela veio para cima gritando " Conta tudoooooo"

_Eu estava lendo esse livro de música, quando ele chegou. Ele disse disse que preferia outra banda e então me indicou outro. Estava saindo da loja quando ele me chamou e perguntou se eu queria tomar alguma coisa. Passei tanto tempo me martilizando por causa de Maxon que acabei me esquecendo de seguir em frente. Eu ia recusar, mas aceitei. Fomos para esse café no shopping e conversamos.

_Espera, deixa ver se eu entendi. Seu primeiro encontro com ele foi em um café que não é o meu? Estou desapontada com você Lou, acho que nem quero ouvir o resto.

Ri de sua idiotice, a chamei de ridícula e continuei com a história.

_ Ele tem cara de mais velho, vai fazer 25 no final do ano, é super engraçado e tem um sorriso lindo. Temos bastante coisas em comum. Ele também não é daqui e ele ama artes. Por falar nisso, o que você sabe sobre Gales do Sul?

_Não muito. O território fazia parte de um país chamado Austrália. Não tenho ideia do que tenha acontecido, mas eles se separaram e agora são uma monarquia parlamentarista. É um país novo, não muito importante, apesar de o noivo da Princesa Victória vir de lá. Ele é de lá?

_ Sim. Ele vai me buscar amanhã e vamos sair. Antes que você fale, sim, eu sei que tudo está fechado, mas ele disse que é uma surpresa.

_Ui! Sexy e misterioso. Já gostei dele. Amanhã vai ser um dia agitado. Primeiro dia de faculdade, encontros de noite. Já começou bombando. Vou dormir. Afinal, fim de semana tem acabar uma hora. Infelizmente.

Tem momentos, quando simplesmente deito e olho para o teto, que fico desorientada com o quanto minha vida mudou do dia para a noite. Sem ter que me preocupar em botar comida na mesa, ou não ser pega em meus encontros com Aspen. Sem me estressar em me tornar a próxima princesa de Illéa ou de simplesmente estar aparecendo na televisão. Tenho uma vida agora, mesmo longe de tudo o que sempre foi importante para mim, estou livre. Sem castas dizendo o que fazer, sem nobres me falando o que dizer. Posso ser simplesmente eu. Sei que as pessoas do meu passado, quando virem o que eu me tornei, diriam que eu mudei. Não tenho mais tanta certeza. A America sonhadora, artista e batalhadora continua aqui, assim como Louisa Johnson sempre esteve dentro de mim, presa pelas circunstâncias e esperando o momento certo para sair. Só preciso acertar minha vida e poderei voltar, ou, quem sabe, eles possam me encontrar aqui, e, juntos, fingir que os últimos anos nunca aconteceram e viver como uma família normal.

Virei para o lado e adormeci.