Camomila escrita por MsBrightside


Capítulo 6
Capítulo 3 — Sobre Margaridas e Camarões.


Notas iniciais do capítulo

Olá!!
Demorei sim, eu sei. O botão de excluir a fic sambou pelos meus dedos muitas vezes (costumo achar tudo que escrevo uma porcaria) mas acabei superando essa fase e cá estou. Espero que gostem do capítulo e caso tenham algo a salientar, não se acanhem, mandem um reviewzinho! Beijos!
Obs: Meu notebook não está querendo carregar o banner do capítulo. Assim que eu conseguir colocar, estará aí.



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SOBRE MARGARIDAS E CAMARÕES

Confio na teoria que o amor pode ser mais perigoso que o ódio. Quando estávamos juntos, sentia que meu coração e meu corpo virariam uma coisa só em uma explosão de sentimentos. Seu rosto estava em todos os lugares da minha mente, tocar seu corpo fazia parte dos meus sonhos mais perversos e a necessidade de beijar sua boca até que revirasse meus sentidos todos se tornou constante. Eu não posso esquecer daquele olhar sobre mim que me revelava tudo sobre ele. Tudo sobre quem ele foi e quem seria daqui para frente. Ele me amava também e talvez esse tenha sido o estopim da nossa ruína.

 

Depois do episódio do corredor, cada um se trancou em sua respectiva casa com sua respectiva mágoa. Porém, naquela noite, Cecília só precisou de um gole de leite quente com canela para pegar no sono ao lado de Hector, seu cachorrinho. Fred, por outro lado, permaneceu acordado por mais uma noite, enquanto pensava no futuro e se perguntava como pagaria suas contas. Mandou uma mensagem para Lisandra, sua secretária, dizendo que o consultório voltaria a funcionar no outro dia.

Pouco a pouco, as engrenagens que os conduziam para uma vida normal começavam a ser acionadas.

De manhã, após um café rápido e de calçar seus tênis de ginástica, resolver correr pelo quarteirão, a fim de recuperar o velho hábito de se exercitar. Porém, não correu mais que alguns metros por conta do cansaço excessivo. Seu corpo mostrava os sinais de meses de péssimos hábitos alimentares. Desistiu da corrida e então se preparou para voltar ao consultório. Pensou no trabalho que Lisandra teria para ligar para todos os pacientes e reagendar datas para continuar os respectivos tratamentos e terapias, enquanto ele só resolveria alguns pagamentos pendentes. Enfim, Fred estava pronto. Pegou alguns livros na estante e colocou em sua bolsa, deu os últimos ajustes em sua aparência e assim, deixou seu apartamento.

Ao mesmo tempo, Cecília também deixava o seu. Precisava procurar emprego, ir ao supermercado e estudar alguns assuntos da faculdade. Prometeu que tentaria sofrer menos e até agora, o dia estava suportável. Estava cansada de terminar suas noites bêbada e chorosa. Cansou de carregar aquela dor de estimação.

— Bom dia… – Fred disse sonoramente, mas foi diminuindo o som enquanto lembrava do dia anterior.

— Bom dia, Fred – Cecília retribuiu e sua boca sorriu ao dizer o nome dele. Era a primeira vez que ela sorria. — Como está hoje? – Ambos andaram em direção ao elevador.

— Melhor, com certeza. E você?

— Melhor.

 Do quarto andar ao térreo, ambos permaneceram em silêncio. Fred queria dizer algo, mas ao mesmo tempo, não queria ser evasivo. Assim que chegou ao térreo, se despediram com um aceno de cabeça e se moveram para caminhos diferentes. Antes que o perdesse de vista, Cecília resolveu perguntar o que assolava tanto sua mente.

— Hey, Fred? – abraçou os próprios braços, envergonhada. — O que aconteceu com ela?

— Longa história. Você aceita uma carona? – a menina disse sim e ambos caminharam até o carro.

 

*** 

— O suicídio era iminente – Fred olhou-a, incrédulo e furioso, duvidoso. 

— Eu não praticava violência doméstica. Fui um bom marido. Eu sou apaixonado – disse, só não sabia se era a verdade.

— Se sua mente só te mostra isso, sinto informar que no lugar dela, eu também me mataria – jogou o resto de seu cigarro aos ventos e se pôs fora do carro. Ele suspirou, seguiu a moça.

— O que você quer dizer, Cecília? – perguntou, segurando seu braço. Se emburrou e Fred riu. Era linda.

— Não é só sexo. Não são só beijos. São dias, Frederico. Histórias. Sinais que você deixou passar. Ela só tinha 22 e a sociedade já dizia que a vida dela tinha acabado – quase cantarolou.

— Agora você vai dizer que ela só quer um homem que a carregue no colo? Eu conheço Lily Allen.

— Está explicado: que tipo de homem escuta Lily Allen? – sorriram.

A menina se despediu, com um rápido aceno de mão e Fred percebeu que tinha um objetivo ainda, precisava voltar para o trabalho. Voltou para o carro e logo partiu, rumo ao consultório.

Achou engraçado o fato de como o lugar parecia exatamente o mesmo. Na verdade, era o mesmo, mas com tantas mudanças em sua vida, não imaginava que os móveis se manteriam no mesmo lugar. Ultimamente, parecia que cada partícula de seu dia criava vida e fugia dele.

As paredes brancas seguravam um papel de parede em um tom azul-claro, com mosaicos de formas geométricas distorcidas. Ouviu dizer que aquilo estimulava os pensamentos, de alguma forma. As grandes janelas estavam abertas e as cortinas dançavam por conta da brisa, fazendo um vulto no ar de um tom marfim. Em um canto, havia uma bancada com chás, café e revistas de variados assuntos e no canto oposto, havia a mesa de Lisandra, sua secretária. Telefone, computador e alguns prontuários podiam ser encontrados ali. Sonoramente, ela o despertou de seus devaneios.

— Bom dia, senhor! – disse, um tanto alegre — Fico feliz que tenha decidido voltar ao trabalho.

— Eu também fico – sorriu, de um jeito sincero. — Algum cliente pra hoje?

— Hum… Alguns ficaram de ligar para confirmar, mas te passo os horários para sua sala, sem problemas.

— Obrigado, Lis.

Se dirigiu à bancada dos chás e preparou um de camomila, para se preparar para mais um dia de trabalho. Assim que terminou, entrou em sua sala, onde rapidamente foi invadido por lembranças.

O dia se passou tão devagar que Rosa não podia acreditar que tinha apenas vinte e quatro horas. Depois de preparar toda a surpresa, se chateou ao receber a ligação de Fred, que cancelou tudo dizendo que ficaria no consultório até mais tarde. Mas não, ela deixaria passar de hoje. Vestiu sua roupa bonita que havia comprado especialmente para ocasião: um vestido rosa de cetim. Penteou seus cabelos do jeito como ele gostava e se despediu dos pais, carregando a caixinha em seu bolso.

O ônibus não tardou a chegar, pelo contrário. Pelo menos algumas coisas ainda contribuíam com ela. O caminho até a Lapa não era tão grande, mas sua ansiedade fazia parecer que era do outro lado do mundo. Ensaiou mais algumas vezes em sua mente o que diria e tudo parecia pronto. Assim que o ônibus parou na estação desejada, correu até o consultório de seu namorado.

 — Ele está ocupado, Rosa. Preciso saber se ele pode te dar atenção agora – disse Lisandra, diante dos pedidos da menina.

— Por favor, Lisie. Eu só quero lhe fazer uma surpresa. Prometo que não vou atrapalhar, não é minha intenção – suplicou, torcendo o rosto de infinitas maneiras.

— Não sei… - Lisandra respondeu, receosa. Mas ao observar o desespero da menina, resolveu autorizar — Tudo bem, vai lá. Mas se eu perder meu emprego, saiba que você irá me sustentar.

Feliz, apenas se debruçou sobre a mesa da recepcionista e beijou-lhe o rosto, agradecendo.

Caminhou até a sala de Fred e entrou, sem bater ou ser anunciada. Ele, que parecia concentrado e tão sereno, quase não notou que ela estava ali. Mas quando seu cheiro se tornou presente, nem precisou levantar os olhos para saber quem havia lhe agraciado com tal surpresa.

— Rosa Que surpresa boa— sorriu e ela também. - O que faz aqui, meu amor?

De imediato quis se levantar para ir até lá e abraçá-la, mas a menina ordenou que ficasse sentado enquanto falava. Caminhou até ele, ficando ao seu lado e tirou um papel de sua bolsa, meio rabiscado. 

"Deixar-me te conhecer foi a maior honra que alguém já disponibilizou a mim. Agora, não quero fazer outra coisa que não seja te amar. Quero que acorde com meus beijos e com cheiro de camomila na cama, quero te afagar com meu carinho para que nunca se sinta sozinho, amor. Sou completamente sua e há dias venho ponderando sobre a maravilha que seria caso você fosse eternamente meu."

Ouviu atentamente, tentando segurar o coração vacilante dentro do peito. Ele não queria que Rosa dissesse as palavras, mas ela diria. Queria ter arrumado um jantar, uma banda e ter escrito um texto, mas ela foi rápida e infinitamente melhor que ele.

— Casa comigo, amor? - se ajoelhou, com os olhos marejadosPor favor.

Ele chorou, sem conseguir se segurar. Na verdade, nem tentou. Queria que a pequena mulher a sua frente visse o quão lindo foi aquilo. Arrastou-se até a gaveta de sua mesa e puxou, vagarosamente, tirando uma caixinha. Ele a pediria em casamento, estava tudo arranjado. Os dois sorriram diante do fato e a menina esticou os dedos para o compromisso que começava a ser selado.

— Eu te amo tomou Rosa para si, a mesma o abraçou com as pernas.

— Pra sempredisseram em uníssono.

Não conseguiu conter a emoção em seus olhos, ao lembrar dos momentos. Mesmo que não participasse ativamente, Rosa o estimulava somente por respirar e por estar ali, sempre o cuidando. Às vezes achava que havia perdido a capacidade de se cuidar sozinho.

Caminhou até sua mesa, depositando sua maleta e em seguida, ligou o computador. A foto dela surgiu na tela, estava linda, como sempre. Seus cabelos pretos ainda estavam longos, presos em um rabo de cavalo. Ela vestia uma saia rosa com detalhes em crochê e uma camisa branca, com uma estampa de flores, combinando com o jardim em sua volta. Mesmo que a fotografia fosse um tanto antiga, pôde perceber que mesmo com a mudança, a mulher ainda carregou aquela inocência no olhar até o dia de sua morte.

Lembrou-se que seus cabelos foram cortados, quando o vento batia, eles dançavam pela nuca da garota, algo que Fred gostava tanto. Seu corpo estava mais robusto, diferente de quando a conheceu, pois era muito magra. Continuava linda, mais atraente como nunca. Queria tê-la amado melhor.

E por mais tempo.

Em um porta-retratos, mais uma fotografia. Agora era em seu casamento. Novamente, estava linda como nunca! "Ah, Rosa…" o homem pensou, enquanto trazia a foto para perto, sem conter as lágrimas

Fred estava nervoso. 

As horas avançavam e cada vez mais a igreja se enchia de convidados e parentes de ambos os noivos. Será que ela o abandonaria ali, bem no altar? Teve dúvidas. De repente, começou a pensar em seus atos, tentando encontrar algo que justificasse o atraso de sua querida — talvez — futura esposa.

— Ela virá, meu filho. Tenha calma, noivas costumam demorar mesmoDona Alicia consolou o filho, que foi incapaz de ouvir os conselhos da mãe.

 Em um lapso, caminhou até o lado de fora da igreja e sacou o celular do bolso. Rosa não atendia, resolveu tentar sua sogra, mas caiu na caixa postal mais uma vez. Larissa, sua cunhada e amiga atendeu quando ele quase desistia.

Larissa? Graças a Deus! Por favor, me diga que Rosa está com vocêele quase chorava.

— Bom Ela está

— Que voz é essa? Aconteceu algo? respirava um pouco mais aliviado.

— Fred Eu acho que você vai ter que vir aqui.

Não esperou muito. Assim que ouviu, caçou seu carro no estacionamento e seguiu para a casa dos pais de Rosa, onde estariam aprontando-a. Em sua mente, diversas coisas o torturavam, fazendo-o pensar que sua menina não lhe amava mais.

Ao chegar, encontrou o primeiro andar vazio e um choro baixinho vindo do segundo, acompanhado por algumas vozes. Sem hesitar, subiu, encontrando com sua sogra no meio do caminho.

— Onde ela está, Eleonora? - disse, de maneira turbulenta.

— No quarto. Ela não quer que a veja assimdisse a mulher que apresentava um penteado pomposo, visivelmente escondia algo.

— Assim como? - não esperou a resposta por muito tempo. Quando a mulher se distraiu, terminou de subir as escadas e entrou no quarto de Rosa, que chorava copiosamente no colo de sua irmã.

A pele branca de Rosa estava coberta por elevações disformes avermelhadas. Seus pés estavam inchados, assim como as mãos e seus dedos — constatou assim que chegou mais perto.

Seus lábios também pareciam infláveis. Olhou em volta e reparou os petiscos. Camarão. Alergia. Fred sorriu levemente.

— Vou deixar vocês conversarem - Larissa disse, em um tom enciumado. Mas mesmo assim, se retirou de maneira sutil.

— Além de estar detestável, você me viu vestida de noiva, Frederico! Meu casamento vai ser um fracassochoramingou, aninhando-se no colo de seu amor.

— Rosa, olhe para mim— paciente, ele envolveu o rosto juvenil da mulher em suas mãos, acariciando o mesmo enquanto se deixava levar pelo cheiro de pêssego daquela pele — Você é linda. Maravilhosamente linda. Você está casando comigo, não precisa impressionar mais ninguém. Eu sei que esse é um dia pelo qual você sonhou por um bom tempo, então não deixe estragar por um mero detalhe. Você sempre será a mulher mais bonita da festa para mim. E sempre a que eu quero levar para casasorriu, arrancando um longo suspiro da moça.

— Você jura?

— Sim, meu amor. Eu juroabaixou-se, massageando levemente o pé da garota e calçando os sapatos da mesma. Selou os lábios de sua futura esposa e tratou de acompanhá-la até o altar.

Sorriu mais uma vez com a lembrança. Limpou as lágrimas que antes caiam copiosamente. Ele não apagaria as lembranças daquele lugar, só precisava achar um jeito de mudar o gatilho que elas ativavam.

De alma lavada, resolveu abrir a lista de pacientes do dia.

***

Depois do susto inicial, Cecília parecia anestesiada. Era estranho não sentir, não chorar. Pela primeira vez algo parecia realmente sério.

Checou seu celular. Era o décimo torpedo que enviava para Lúcio. No fundo, sabia que nenhum deles seriam respondidos, mas a esperança era a única coisa que podia confiar agora. Mesmo que fosse impossível, não queria pensar nas burradas que cometeu por um falso amor, queria apenas sentir aquela xícara de chá aquecer suas mãos. Algo tinha que ser morno no meio desse inverno devastador.

O inverno sempre acaba com tudo.

Camomila, pela primeira vez, para fazer esquecer.

Desistiu da peleja e resolveu ir embora. Antes, pagou pelo café e por algumas balas de goma. Seu lar não ficava tão longe da cafeteria, pelo menos. Aos poucos, pensava em como se manteria morando ali. Não queria e não podia voltar para casa, seu pai foi bem claro ao dizer que se a menina saísse por aquela porta, o adeus seria definitivo e eterno. Como a boa menina que era, obedeceu.

— Uma flor para alegrar seu dia, linda menina – ouviu, segurou a margarida que lhe ofereceram.

Margaridas. Suas flores favoritas.

— São as minhas favoritas – disse, em um tom tristonho.

— Por que isso te faz triste? – o curioso perguntou.

Havia uma mesa de madeira escura e resistente, um pouco gasta por conta de fatores externos, imagino. Um toldo listrado de vermelho protegia aquelas lindas flores do sol, além de oferecer um conforto melhor para Seu José, o simpático florista, assim como a placa arredondada de cor dourada apontava. O homem parecia ter idade avançada, mas o animo de vida era como o de uma criança de sete anos. Cecília admirou isso, por um tempo esqueceu de como a vida lhe parecia ingrata.

— Ele sempre me deu rosas… Ou tulipas. Eu sorria, mas eram as margaridas. Ele nunca soube – quase choramingou, estava sensível.

— Triste, de fato. Porém Rosa nunca saberá a beleza das margaridas. Ela também se foi.

Cecília não entendeu, mas preferiu assim. Apenas deu-lhe dinheiro suficiente para todos os buquês de margaridas que queria e levou todos eles com dificuldade, até chegar em seu apartamento.

Não podia abrir a porta, suas mãos estavam cheias e sua bolsa bem fechada. Não queria abrir a porta, não havia ninguém que pudesse ajudá-la dentro. Nem fora e talvez, só do outro lado da porta. Caminhou até a porta de seu vizinho, percebeu que o mesmo não estava em casa. Não havia camomila. Deixou seu corpo escorregar pela porta e suas flores caírem ao redor daquele corpo que nem mais imaginava habitar.

Seu celular vibrou, mas não pensou em atender. Mesmo que fosse Lúcio, não havia muita coisa que pudesse fazer por ela, mesmo que de certa forma, a responsabilidade por tudo fosse dele também. O choro foi a pior parte, pois já não havia lágrimas, só um alto e seco soluço, que ecoava gerando um eco pelo corredor. Não sentiu vergonha, em seu peito dolorido, não havia espaço.

Depois de algumas horas, escutou o barulho do elevador e viu a figura alta e desengonçada sair dele. Frederico. Se parecia surpreso, não demonstrou. Aos poucos e um pouco desconfortável, apenas se juntou a ela. Não perguntou nada, mal observou os olhos vermelhos da moça, apenas teve cuidado para não amassar as margaridas.

— Ele estava feliz, sabe? Junto com a mãe, fez bolo de milho. Eu senti o cheiro assim que cheguei a porta, na época não sabia o quão bom era morar naquele lugar. Tudo era feito por nós. No café da manhã havia pães, bolos, milho na espiga, café, leite diretamente da nossa vaca, a Núbia... - riu, discretamente — No almoço também havia muita fartura e música. Meu pai sempre me chamava para cantar com ele, uma música bem repetitiva e calma, dizia o meu nome e como eu era bonita em seus braços. A música dizia que a palavra pai era a mais bonita que saía de minha boca... Pois bem, eles aprontaram tudo para o meu comunicado, eu estava apaixonada por Lúcio. Por mais que eu fosse a garotinha do papai, ele permitiu que Lúcio me namorasse, desde que fosse debaixo dos olhos dele… O problema aconteceu. Eu queria mais, queria a cidade grande. Queria uma vida como minhas amigas distantes levavam. Eu disse que ia embora. Disse que abandonaria a mãe, ele, Joaquim e Eraldo, meus irmãos, para viver um amor no Rio de Janeiro. Ele me proibiu, eu disse que não tinha o direito, pois já era crescida. Então ele me olhou com decepção, mas Lúcio segurou minha mão de um jeito forte. Ele bastava, pensei. Então arrumei minhas roupas em uma bolsa e beijei a testa da minha mãe, que limpou as lágrimas em seu avental. Eu não queria aquela vida. O pai me acompanhou até a porta, pediu por favor. Disse que não queria viver sem mim. Eu o beijei na bochecha e disse que todos ficaríamos bem, mesmo sabendo que não, no fundo. Ele disse que se eu saísse, teria que ser para sempre. Então eu saí. Eu saí, Fred... Eu saí e agora não tenho ninguém. - se debruçou sobre o homem, que apenas a abraçou e deixou que chorasse.

Não sabia que sentimento era aquele que brotou em seu coração, mas Fred quis chorar quando viu Cecília daquele jeito. Aquela história o comoveu, o estado dela mais ainda. Queria protegê-la, sentiu em seu olhar o quão frágil e sozinha estava, não queria que a fizessem mal. Mas ao mesmo tempo, não sabia se podia cuidar de alguém, pois nem sabia cuidar de si. Entre milhões de pensamentos, foi despertado quando ouviu o choro cessar. Ele nem a conhecia.

— Por que margaridas? - perguntou, tentando quebrar o silêncio que não era tão ruim assim.

— Por que não margaridas? - respondeu, o deixando com sorriso no rosto.

— Acho que deveríamos tomar um chá. Preciso de contar mais sobre o péssimo marido que eu fui e como obriguei minha esposa a apelar para o suicídio – estranhamente, havia um tom de humor em sua voz.

— Parece um programa muito bom – colocou seus cabelos coloridos para trás e riu, concordando.

Um chá, dois. Se houvesse uma ressaca de camomila, chamaríamos de paraíso. Havia música boa, biscoitos que desmancham na boca e um papo descontraído de vizinhos que resolveram juntar suas dores. Um psicólogo destruído por um casamento de mesmo caráter, que perdeu o amor de sua vida e Cecília.

Cecília, que tinha apenas seu nome de concreto na vida. Era uma metamorfose ambulante, assim como Raul prefere ser. Mas ela não queria assim, talvez. Não sabia ser possível que alguém se apaixonasse por todas as suas nuances.

Quando a noite caiu, olharam juntos para o céu. Conversaram sobre como o azul escuro é mais reconfortante que o claro e em como tudo se encaixa bem. A noite é escura, feita para dormir e descansar e essa proporção impressionou-lhes.

Admiraram o quão inteligente era quem criou todos os gostos e costumes da gente e riram de toda aquela baboseira. Depois conversaram sobre a profundidade do conceito de universo e como somos nada no meio de tanta coisa que acontece por aí. Ela sorriu para ele e ele viu o quanto era bonita quando estava feliz. Queria que fosse assim sempre.

— Minha esposa morreu – disse, como se acabasse de acontecer. De fato, acontecia toda hora. Toda hora Rosa morria.

— Eu sinto muito… - Cecília replicou, realmente sentia — Você acha que o universo segue um plano, Fred?

— Talvez.

— Mê de um exemplo - pediu, agora encarando-o.

— Tudo bem... - pensou um pouco — Para toda vida que morre, há uma vida que nasce - sorriu, ao concluir o pensamento.

Cecília pensou, era quase verdade. Da última vez que assistiu TV, ouviu que a população mundial havia diminuído, ou algo relacionado a batatas, não lembrava bem. De qualquer forma, não discutiu. Em algum lugar, aquilo poderia ser verdade. Talvez, tal fato aconteceria diante de seus olhos.

— Como Rosa era? - perguntou Cecília, de repente.

— Linda. Era gentil, doce e inocente. Tinha bom coração… Eu que não.

— Eu quero que seja assim. Independente de qualquer coisa. - seus olhos marejaram, seu coração quase saía do peito.

Fred a olhou, confuso. Mas dentro dos seus olhos, ele viu. Viu o mesmo quando Rosa parecia sempre de mal humor. Viu o mesmo quando começou a sentir o cheiro de banana frita e caramelo durante a madrugada. Viu nos olhos de Cecília o mesmo motivo pelo qual Rosa chorava assistindo programas sobre nascimento de bebês no canal de mães.

Cecília não estava só.

Ele a olhou e já não havia lágrimas nos olhos dela. De um jeito carinhoso, acariciava o próprio ventre.

Decidiu que talvez seja hora de seguir em frente.


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Notas finais do capítulo

Obrigada!



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