Camomila escrita por MsBrightside


Capítulo 4
Capítulo 2 — Fins e Meios.


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá!
Bom, eu demorei, não é? Mas se acalmem que eu tenho uma explicação. O capítulo está pronto faz tempo, mas acabei por ficar sem a fonte do computador porque tenho problemas com fios e esse tipo de coisa. Fora que aconteceram certas coisas e enfim, tudo contribuiu. Mas nesse domingo trago mais um capítulo para vocês, espero que gostem! Agradeço pelos acompanhamentos, comentários e todo apoio que todos vocês dão a história, obrigada mesmo, sem vocês, "Camomila" nem sairia da minha mente.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/658576/chapter/4

 

FINS E MEIOS

Talvez alguém tenha me prendido em algum filme milenar. Fui presa em uma época que não vivi. Presa em espartilhos, lealdade, brigas por um trono e povos com fome. Presa na época onde eu juraria minha lealdade e me ausentaria de almejar uma posição de soberania ou tirania. Nós éramos assim, eu o entreguei meu coração e prometi segui‐lo a qualquer lugar que fosse. Eu não quis ser uma rainha, quis ser sua rainha ou qualquer coisa que pudéssemos ser, juntos. Eu sonhei com cada detalhe, cada momento, todos os filhos nobres que lhe daria e cada beijo roubado, mas não sonhei em ser tola.

Mas essa era a vantagem de ter sonhos. Essa é a essência de sonhar.

Sonhar e seu eterno jogo de esconde‐esconde.

Permanecer a deriva em um mar turbulento era demais para o coração de Cecília.

Tentar entender porque Rosa decidiu partir tão cedo, também era demais para o resto de sanidade que Fred conservava. Ambos permaneciam absortos em seus martírios e xícaras de chá, mas agora isso não era tão relevante assim. Dizem que você pode se viciar em certo tipo de tristeza e cada vez mais isso era provado.

Os olhos de Fred pairavam sob a menina amedrontada, ora sobre seus cabelos coloridos, ora sobre seus olhos, que se movimentavam ligeiramente lhe atribuindo diversas expressões. Ele queria saber se deveria ficar ou ir embora, mas tinha medo de lhe proferir alguma palavra.

— Você não deveria invadir a casa das pessoas assim. A propósito, aceita uma xícara de café? — Ele não sabia se a menina estava sendo irônica ou sincera.

— Eu… Me desculpe, eu só queria devolver o cachorro. O síndico não gosta de animais perambulando por ai… — disse, em um tom culpado. Ela lhe estendeu uma xícara com café, pela metade.

— Eu também não gosto de pessoas perambulando no meu apartamento, mas, tudo bem. Não serei mal agradecida, seja lá qual for sua intenção.

Ele retrucaria, mas preferiu pensar no que fazer em seguida. Ela era uma menina nova e aparentemente possuía algum tipo de problema, o que o fazia ter pena e querer ajudá‐la, mesmo que isso fosse um tanto difícil. Decidiu terminar de tomar seu café e depois caçar o rumo de seu apartamento.

Cecília suspirou, parecia enclausurada dentro de seu próprio corpo e Fred sabia bem como era se sentir mal dentro da própria pele.

— O que houve? — perguntou, mas ainda com um pouco de receio.

— Não é uma pergunta um tanto aleatória e não específica?

— Você deve saber do que eu estou falando, — puxou uma das cadeiras e se sentou — ou não sabe?

Respirou, tensa.

— Sofrer é fácil, sabe? Ficar com a vida estagnada nos problemas e no fator “sentir falta” é melhor que realmente se empurrar para frente… Eu finquei uma âncora no fundo do mar e cada dia ela fica mais difícil de arrancada, mais pesada. Quando você não se mexe, nada faz muito efeito, ruim mesmo é quando começa a andar e tudo te coloca para trás… Eu só cansei de viver as mesmas noites pelos mesmos motivos… — inspirou, parecia um pouco mais liberta. Ela ainda não o olhava e apresentava uma expressão bem contraditória.

— Quais motivos?

— Quer saber? Não importa. Você é só um cara que invadiu meu apartamento, você pode me dar licença? — disse em um tom agressivo, na verdade, ela permanecia agressiva.

Como proceder? Ele apenas catou seus resquícios de dignidade do chão e foi expulso do lugar pela menina que agora chorava e repetia diversas vezes a frase “você não é meu amigo”. Sabia que tinha culpa nisso, se puniu mentalmente enquanto envergonhado tentava achar as chaves em seu bolso. Quando entrou em sua fortaleza à prova de coisas do mundo afora, ele só fez colocar a chaleira para esquentar a água do próximo chá e foi concluir alguns afazeres.

Dissolveu rapidamente o chá na água fervente e engoliu um pouco do líquido que o deixava confortável. Fred não sabia se um dia poderia explicar sua relação com a camomila, mas sabia que o deixava bem, mesmo que por um tempo. Enquanto sentia aquele gosto e a calmaria chegar ao seu coração, ele se permitia lembrar de Rosa um pouquinho. Seu cheiro ainda permanecia entranhado nas paredes e ele odiava o quão isso era clichê. Porém, cada dia que por mais difícil fosse, seu coração tentava subir mais um degrau na etapa de conformismo.

Respondeu alguns e‐mails, assistiu documentários sobre narcotráfico, desculpou‐se com clientes sobre sua falta de compromisso ultimamente e finalmente caiu no sono enquanto lia novamente o final de O Bem, O Mal.

Lá fora o calor do verão do Rio de Janeiro assolava a pele de quem ousava a andar pela cidade, mesmo que a noite. Uma brisa ainda passeava contemplando e abençoando a todos de vez em quando. Fred adentrou o bar e riu da aparência que parecia mais de um botequim inglês, porém, a quantidade e variedade de bebidas o fazia ter esperança em que a noite seria boa.

Aos vinte e um anos, Fred não mostrava comportamento parecido com os outros de sua idade. Andava sozinho, conversava com os mais velhos, falava de política e deixava a barba crescer. Carrega um exemplar de Orgulho e Preconceito debaixo do braço, o que era uma tentativa de parecer culto mais um desejo de terminar aquela leitura. Um dos seus lemas mais aplicados era sempre unir o útil ao agradável e assim ele conheceu Carla.

Carla era uma mulher independente, ou, pelo menos, aparentava tal poder. Sentada do outro lado do bar enquanto bebericava um Martíni e sugava um charuto, ela o viu. Seus olhos grandes e negros se despertara e como nos filmes que assistia quando mais nova, eles se encontraram de uma maneira singela e bem expressiva. Não demorou muito até que ele chegasse perto e aceitasse a bebida que ela ofereceu.

— Tem certeza que tem idade o suficiente para frequentar bares como estes? — perguntou a mulher, interessada em respostas.

— Acredita mesmo que eu possa ser menor de idade? — bebericou tal bebida que nem lembrava o nome, mas era doce em sua boca.

— Não. Não nesse sentido. Idade está na nossa mente e esse bar sustenta parte da escória classe média de idade avançada. Você deveria aproveitar as mulheres bonitas

— Vejo que estou fazendo exatamente isso! — espiou as coxas torneadas que a mulher apresentava.

No auge de seus quarenta anos, Carla Silvera conseguiu se consolidar em sua carreira como advogada e defensora pública. O Rio de Janeiro era um de seus passatempos atuais, ela já conhecia meio mundo e todas as pessoas. Ela era bonita o suficiente para encantar qualquer pessoa e inteligente o suficiente para fazer isso do jeito sério. Seus cabelos negros eram presos em cascata, deixando‐os cair pelos ombros. Se vestia de maneira sensual e se portava dessa maneira, fazendo transparecer tal atributo tão natural. Sua pele negra combinava com seus olhos e a fazia não parecer mais nova e tão pouco mais velha, mas sim, adequada. Adequada a qualquer aventura que Frederico ousasse sonhar.

— Posso perguntar o que uma moça como você faz em uma espelunca dessas? — ele tentava fazer o tipo conquistador, mas sabia que isso nunca foi o seu forte.

— Não sei ao certo. Gosto de observar isso aqui — sorriu com a língua entre os dentes.

“Isso aqui”?

— Isso aqui. É sucinto, sabe? O jeito como procuram tanto o amor e acabam chegando ao fundo do poço. Eles despejam histórias de amor em garçons e eu gosto de ver e me divertir, é tão patético. — suas palavras tomavam forma de desdém.

— Você está destruindo o motivo de vida da maior parte das pessoas no mundo — sorriu em seguida, mas agora ele direcionava um pouco mais de atenção a ela.

— Você não acha tolo correr atrás de uma promessa de uma vida com “sabor de fruta mordida” por conta de um sentimento tão falho? — ele riu ao entender a referência e a respeitou mais por isso — O amor está nos olhos de quem ver e eu posso senti‐lo por você hoje e sentir por outra pessoa amanhã. Porém, todos incluem regras e um tabu enorme confidenciando esse sentimento apenas a uma pessoa e te obrigam a aturá‐la pelo resto da vida. Será que dura todo tempo assim ou é conveniência? Eu só não quero viver a minha vida sendo arrastada pela vontade de ter alguém do lado apenas para satisfazer tradições ultrapassadas e mesquinhas

Fred não concordava com nada dito por ela, mas, mesmo assim, soube entender e respeitar sua opinião. Ele admirava esse tipo de pessoa que o fazia agir assim e nesse momento, Carla ganhava pontos.

— Tese interessante, — disse algo, finalmente para quebrar o silêncio — mas esse sentimento tem sua beleza. É bom viver em busca de algo assim, te faz nunca perder a esperança.

— Talvez você tenha razão, só acho perda de tempo quando o mundo te oferece tantos tipos de prazeres

Pela primeira vez ele constatou o quanto amava o vermelho do batom dela.

Fred odiava ser acordado por batidas na porta.

Seja quem fosse, poderia esperar tempo suficiente para que ele jogasse um pouco de água no rosto e escovasse os dentes. Em menos de dois minutos, Fred estava de frente para a porta e Eva estava ali, sorridente, como quem esperava alguma coisa.

— Pelo menos finja que está feliz em me ver, Frederico — disse, enquanto chegava mais perto para um possível abraço.

Não disse nada, apenas a abraçou como um menino que encontrava a mãe depois de muito tempo. Mesmo que mais velha, Eva se parecia com Rosa e sua beleza confortava Fred, em vez de perturbá‐lo. Ele agradecia mentalmente por vê‐la, enquanto ela pensava apenas em resgatá‐lo do luto iminente e decorrente.

***

Hoje ela prometeu que faria tudo diferente.

Levantaria, comeria e elogiaria o vestido novo de sua mãe e, que mesmo depois de meses, visitaria a mesma. Prometeu que faria coisas além de ficar jogada no sofá, se entupindo de comida que provavelmente não a deixaria viver até os setenta.

A verdade é que ultimamente isso nem tem sido mais tão cotado.

No fim do dia, ela se encontrou mais uma vez voltando de uma cafeteria com o seu décimo quinto cigarro do dia entre os dedos. Cecília era pura nicotina, destacando seus malefícios e quem sabe, benefícios. A noite caiu como uma luva para seus sentimentos e lamúrias e agora, apenas deixava seus pés lhe carregaram para sua casa, onde a diversão e sentimentos, compactados, não tinham fim. Poderia ser uma coisa boa, afinal.

Havia exatamente um mês desde que ela saiu da casa de seus pais e decidiu morar sozinha. Não sentia falta deles e a verdade é que se sentia bem culpada por isso. Entretanto, qualquer pessoa parecia lhe querer melhor que eles. O porteiro de seu prédio quando olhava para suas pernas marcadas de cigarro, o menino do doze, que sempre a olhava de cima a baixo e cochichava com seu amigo, que morava provavelmente no quinze ou treze. Às vezes, pensava em se divertir com ele mas garotos não podiam lhe dar o que ela queria.

Mas afinal, o que Cecília queria? Aposto que nem a pobre sabia. Sabia que colocar alguém no lugar de Olavo seria como se enxugar depois do banho com uma toalha molhada.

Mas também não queria ficar sozinha. Não queria passar por toda a solteirice de novo. Não queria encontros, sexo sem compromisso, ter que fingir algo para impressionar alguém porque esqueça isso de “ser você mesmo”, pelo menos com ela, isso nunca funcionou. Não queria ter a responsabilidade de conquistar ninguém e na verdade, todo esse pensamento futurista já estava fazendo sua mente rodar, junto ao movimento fatídico do elevador.

Colocou seus pés para fora da caixa de aço e assim que avistou sua porta, percebeu alguém ali, parado, a espera. Bufou, reconheceu seu rosto de imediato e estranhou também, pois o mesmo cara que tentou invadir seu apartamento mais cedo, estava tentando arrombá‐lo neste exato momento. Ela correu até a porta, o afastando. Porém, assim que colocou sua cabeça para funcionar e suas narinas para funcionar, entendeu o sentido de tudo.

— Que isso? Não acredito! Você de novo? — quase gritou, enquanto Fred sinalizava para que ficasse quieta.

— Droga, deixa de ser idiota, garota! — exaltou‐se, mas logo se recompôs. — Você não sente o cheiro? É de gás escapando! Onde estão suas chaves?

— Merda… — sussurrou enquanto tateava seus bolsos a procura da chave. Sem sucesso.

Fred balançou a cabeça de forma negativa e se afastou da porta. Em seguida, jogou seu corpo contra a mesma três vezes antes de afrouxar suas fechaduras e abrir espaço para que entrassem. A menina entrou primeiro, tateando as paredes do apartamento em busca do interruptor. Assim que o encontrou, foi afastada do mesmo.

— Você não sabe que não pode acender as luzes quando tem gás escapando? — sussurrava e ela não entendia o porquê.

— Gênio, aprendeu isso onde? Filmes de ação?

— Sim, e mais: se eu não estivesse aqui, explodiria o prédio inteiro — ressaltou, fazendo a garota bufar.

Enquanto ele ia até a cozinha fechar a válvula, Cecília se certificou de abrir todas as saídas de ar e resgatar o pequeno cachorrinho — que estranhamente ainda não havia um nome — do seu quarto. O cheiro a deixava tonta e ela se sentia imensamente mal por ter esquecido tudo assim. Não queria ter responsabilidades e não queria uma vida dessas, cada vez mais ela se convencia que não havia recomeço após aquele fim.

E se sentia egoísta pois sabia que não era a única que se sentia assim.

Ele voltou da cozinha e aparentemente havia conseguido executar sua tarefa. Sem pensar duas vezes, Fred puxou a menina que segurava o animal no colo, todos foram em direção da saída do lugar. Assim que conseguiram, ambos pararam no corredor, a fim de descansar um pouco.

Cecília sentia seu pulmão pesar, mas nada comparado a todo estresse que sentia agora. Só queria chorar e colocar tudo pra fora, mostrar que seu mundo caía e que ninguém se dispôs a segurar com ela. Era tanta coisa, tudo tão pesado, parecia estar presa dentro de si, trancafiada, na verdade. Sentia também que ninguém nunca poderia fazê‐la sair para ver o sol novamente. Então, assim que saíram, apoiou seu corpo na parede do corredor e ali começou a expor todas as suas mágoas. Começou a chorar copiosamente, soluçando e sussurrando palavras desconexas.

Fred a fitou por um momento, sentindo seu coração apertar à medida que os olhos dela faziam o mesmo para segurar tais lágrimas. Ela escorregou seu corpo pela parede, esperando que a mesma a segurasse pelo atrito até chegar ao chão, como nos filmes onde a mocinha é decepcionada e acontecem aquelas cenas atrás das portas. Ele a deixou chorar, os mais nobres diziam que se esvaziar era bom para a alma, porém, da mesma forma sabia que entrando no mérito de liberdade, a mesma oferecia dois tipos de gritos: os quebradores de correntes ou o percursor delas.

Caminhou a sentou‐se ao lado da jovem menina, observando a cena com um requinte de receio e impunidade. Em seu pescoço estava preso uma corrente em um tom de dourado, que estava um tanto desbotada por dentro das amarrações, o que aparentava ser uma joia aparentemente banhada à ouro, justamente como umas pessoas se mostravam valiosas por fora e obsoletas por dentro. Como qualquer material não simbólico. Mas em seu íntimo, Fred não a julgava assim. Ele apenas queria conhecer tal garota e descobrir as tristezas que segregavam seu coração.

O pingente dizia “Cecília”, aquele poderia ser o nome dela ou somente o nome do motivo pelo qual chorava. Porém, isso agora poderia ser a mesma coisa. A menina chorava por vários motivos e alguns deles era a possível perda de sua alma e consequentemente, sua sanidade.

Ao ver o movimento de seu seio se encher e se esvaziar novamente, ao ver aquelas lágrimas que serpenteiam e cortam a alma, Fred lembrou de Rosa. A sua Rosa. A única preciosidade que ele já teve o prazer de possuir na vida. Lembrou‐se e se entristeceu, como de costume, que nunca mais ouviria aqueles sussurros abafados atrás da porta.

E ali, naquele corredor escuro e abafado, eles choraram.



 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Camomila" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.