Olivia escrita por Loren


Capítulo 6
Varinha




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***

—O que fazia lá?!- ralhou minha mãe, em alto e bom tom perto do meu ouvido

—Eu havia me perdido e estava te procurando.- eu disse enquanto massageava a cabeça por conta dos tapas que ela havia me dado.

—Como você consegue se perder no Beco Diagonal?!

—Como você consegue perder sua filha?- eu perguntei, com um sorriso de lado.

Ela me olhou por um momento que pensei que seus olhos iriam me fuzilar e me transformar em ovos fritos.

—Seja mais cuidadosa. Eu estava com pressa e achei que ainda estava segurando. Só percebi que não era você quando cheguei no banco.

—E o que era?- perguntei, curiosa.

—Uma coruja.

—Você confundiu minha mão com uma coruja?!

—Ah, Olivia, por favor! Eu estava com pressa!

—Eu tenho penas por acaso?- perguntei, de sobrancelhas arqueadas.

Adorava irritar minha mãe com coisas que, no fundo, ela achava engraçado, mesmo que por fora estivesse uma pilha de nervos achando que era perigoso demais. E graças que as brincadeiras desse tipo nunca a deixaram histérica até aquele ponto.

—Desculpe! Está bem?! Eu devia ter percebido!- ela disse por fim, estendendo os braços para o alto quando paramos. Deixei uma risada baixa escapar.- A coruja tinha as penas mais macias que sua pele.

—Mãe!

—Mas é verdade! Se você se cuidasse um pouquinho mais, nada disso teria acontecido.

—Vou ignorar a demonstração de amor que você tem por mim.

Ela deixou os braços caírem e sorriu. Abraçou-me delicadamente e afagou os meus cabelos.

—Fiquei preocupada.- ela sussurrou.

—Desculpa, mãe.- eu disse, retribuindo o carinho afastando-me dela e beijando-a no rosto.

Ela suspirou.

—Bem, agora, vamos terminar de uma vez as compras. Antes que anoiteça.

Eu assenti e dei meia-volta. Estava em frente aquela loja escura e mal cuidada.

—O que é...

Loja de Varinhas Olivaras.— disse minha mãe ao meu lado.

Olhei para ela, atônita. Ela sorria para a vitrine, com os olhos vidrados em outro mundo, outra época, outras lembranças.

—Vamos, querida. Vamos comprar sua varinha.

***

Entrei na loja atrás da minha mãe e prendi um espirro quando o vento da rua varreu a poeira intocada do local para o ar. Era organizado, afinal, havia bem pouca mobília. Correndo os olhos, descobri que além da mesa e da cadeira, haviam duas poltronas de cada lado do recinto, com o estofado cor de vinho e a madeira escura coberta por uma camada de poeira. Minha mãe estava parada, diante da mesa e alongava-se para ver o fundo da loja, através dos corredores. Como eu tinha visto antes, eram várias caixinhas empilhadas nas estantes que chegavam ao teto. Em outro canto, havia um jarro de flores em uma mesinha redonda.

—Mãe?

—Olivaras!- ela chamou.

Ninguém respondeu.

—Olá?!- ela chamou mais uma vez.

A resposta veio com um estrondo. Esperamos alguns segundos e surgiu de um dos corredores à direita um senhor muito magro, encurvado e enfiado em um terno maior que si. Um tufo de cabelos brancos escondia as orelhas e as sobrancelhas, deixando a mostra os pequenos olhos claros como água cristalina. Rugas dominavam a pele do seu rosto e tinha mãos de dedos finos e longos com pouquíssimos calos e unhas bem cortadas. Limpava as mesmas com um pano surrado e andava em passo lento com os olhos baixos.

—Desculpem-me pela demora. Estava arrumando e catalogando as novas varinhas. Quem posso ajudar?- ele perguntou com voz baixa e ao levantar os olhos, tomou uma expressão de espanto.

Lá vem, pensei.

—Nicole?! O que fazes aqui?! Deveria estar na Itália!- exclamou com voz esganiçada.

Deitei a cabeça para um lado. Ele assustar-se que era minha mãe eu já havia me acostumado, mas como ele sabia que estávamos Itália?!

—Hogwarts.- ela respondeu com um sorriso melancólico e passou um braço pelos meus ombros.

Ele desceu o olhar e arregalou os olhos como pratos de sopa.

—Por Merlin... Como está crescida!- ele sussurrou.- É tão parecida com seu pai.- ele disse e voltou a sorrir.

—Obrigada.- agradeci.

Ele conhecia meu pai?! Como, se minha mãe o conheceu na Itália e nunca mais voltou para a Inglaterra?

—Bem... é um prazer revê-las.- ele juntou as mãos, olhou para as estantes e virou-se novamente.- Um momento.

Ele entrou no corredor do meio e subiu por uma escada. Pegou uma das caixinhas, sacudiu-a perto da orelha e desceu. Quando já estava a nossa frente mais uma vez, ele pousou a caixinha retangular anil amarrada com um fita amarela e após desfazer o laço e retirar a tampa, dali tirou uma varinha.

—Macieira. Núcleo Tripa de Dragão. 33, 5 cm. Inflexível.- ele disse como se estivesse lendo uma receita de bolo.

Estendeu-me com total delicadeza e ao pegá-la... Não senti nada.

—Vamos! Mexa!- ele pediu.

Quando a balancei, o vaso de flores partiu em direção ao outro extremo da loja e espatifou-se em mil pedacinhos.

—Desculpe!- pedi, horrorizada.

—Ah, acontece sempre!- ele me acalmou e colocou a varinha de volta no lugar.

Voltou a se enfiar em um dos corredores (último a direita) e voltou com duas caixinhas.

—Laranjeira. Núcleo Fios de Cabelos de Sereianos. 30 cm. Flexível.

Desta vez, balancei em direção ao bancos de madeira e concentrei em fazê-los se mexer. Resultado: transformaram-se em pó.

—Carvalho. Núcleo Cascos Triturados de Unicórnio. 18 cm. Inflexível.

Queria que os vidros da vitrine ficassem limpos, mas o máximo que consegui foi fazer eles ficarem rachados.

—Ah, desculpe, desculpe, desculpe!- eu comecei a murmurar e colocando a varinha de volta na mesa.

—Não se preocupe, a loja já passou por coisas piores.

Minha mãe tirou a varinha da bolsa dela, ajeitou-a de forma delicada em direção aos vidros e murmurou.

Reparo.

As rachaduras desapareceram tão rápidas quanto cortes a cicatrizar. Ela guardou a varinha e levantou os olhos para mim. Parecia apreensiva.

—Uau!- sussurrei.- Não sabia que podia fazer isso!

—Você também fará.- disse Olivaras.- Só precisa da varinha certa.

Ele voltou a desaparecer nos fundos da loja e desta vez, demorou alguns minutos para voltar. Eu e minha mãe esperamos em silêncio. Ela olhava para a loja como se fosse uma velha amiga. Seus olhos brilhavam. Então, ele voltou e observava a caixinha nas mãos intensamente.

—Esta está aqui há décadas.- ele tirou a tampa lentamente e pegou a varinha com as pontas dos dedos.- Experimente.

Meus dedos formigaram e meu corpo esquentou. A visão embaçou e uma rajada de ar bagunçou meus cabelos. Quando tudo ficou calmo, respirei como se não o fizesse há muito tempo.

—Ah... Sabia que deveria pertencer a alguém especial.- ele sorriu e retirou a varinha das minhas mãos tão sigilosamente que quase não a senti deslizar pelos meus dedos.

—O quê...

—Oliveira. Núcleo Tendão de Hipogrifo. 31 cm. Meio flexível.

—Eu me lembro desta...- sussurrou minha mão atônita para o velho.

—Sim.- ele sorria como se soubesse de algum segredo que não soubéssemos.- Como eu disse, está aqui há décadas.

—Você... Experimentou esta?- perguntei, confusa.

—Eu tinha onze anos a primeira vez que vim aqui. Essa foi a primeira que tentei.- ele tinha os olhos fixos na varinha.

—Que coincidência!- eu exclamei.

—Não existem coincidências, senhorita De Angellis.- o senhor nos observava com um sorrisinho de canto.- A varinha escolhe seu dono. Ela devia esperar alguém com quem pudesse se identificar.

—Mas o que tendão de hipogrifo e oliveira tem a ver comigo?- perguntei quase rindo.

—Há muitas opções. O que sei de hipogrifos é que, antigamente, representavam o impossível e o amor nos mitos e cantos da Roma Antiga. Enfim...- ele deu de ombros.- Vão levar?

***

—Aproveitem.- disse Tom, deixando duas tigelas de sopa fumegantes nas nossas frentes e saiu.

Após a compra da varinha, passamos na Floreiro e Borrões (agradeci mentalmente por aquele homem não estar mais lá), compramos pergaminhos, tintas e penas em uma loja de objetos para escritórios e passamos na loja dos caldeirões (o vendedor apenas me deu um sorrisinho e voltou toda a atenção para minha mãe). No momento em que entramos na loja de roupas da Madame Malkin, tive um desejo enorme de voltar para a rua, mas a mesma senhora baixinha, gorducha e sorridente se aproximou rapidamente com seus passos curtinhos.

—Nicole!- exclamou bem alto quando viu minha mãe e lhe deu um abraço tão apertado que pude ver que os olhos dela quase saltavam para fora.- Há quanto tempo, querida! Onde esteve? Por onde andou? Há anos eu não a vejo! Nem mesmo uma carta!

—Eu sei, eu sei. Me desculpe, senhora Malkin. Mas tive alguns probleminhas.- ela riu nervosa.

—Sou problema?- perguntei, cruzando os braços e arqueando uma sobrancelha.

Claro que estava brincando, mas podia sentir que havia algo de estranho nos "probleminhas" da minha mãe.

—Você?- estranhou a senhora, fazendo uma careta.

—Minha filha. Irá para Hogwarts.

—Oh, meu Merlin! Que maravilha, Nicole! Muito prazer em conhecê-la, mocinha. Pensando bem, já nos conhecíamos!- ela disse, retirou a fita dos ombros e começou a tomar minhas medidas.- Eu bem que te achei parecida com alguém quando te vi.

Minha mãe me olhou com os lábios apertados, as sobrancelhas juntas e uma pergunta nos olhos. Eu apenas sorri nervosa dando de ombros.

—Amanhã nós passamos na loja para pegarmos seus uniformes e aproveitamos para comprar os malões que não tivemos tempo.- disse minha mãe baixinho e levou a colher para a boca.

Estava sem o chapéu e a capa, deixando a mostra os cabelos presos em um coque e os ombros ossudos baixo o vestido preto. Havia poucas pessoas no salão, mas todas conversavam em sussurros. Era um pouco perturbador o escuro iluminado por algumas poucas velas e o silêncio quebrado por vozes que pareciam tão distantes. Eu não tinha a mínima vontade de comer.

—Muito bem.- ela deixou a colher na tigela e me olhou com os olhos caramelados.- O que houve?

—Você disse que ia me contar.

Ela suspirou e passou as mãos pelo rosto. Se eu não estivesse tão ansiosa e curiosa, teria esquecido do assunto, mas aquilo tinha a ver comigo. Era a parte da história da minha mãe que ela nunca havia me contado. Uma boa parte, aliás.

—Não podemos...

—Não. Mãe, por favor.- eu implorei.

Ela me olhou por alguns segundos e assentiu, inspirando fundo. Inclinou-se mais sobre a mesa e começou a relatar a história com os olhos fixos na madeira da mesa.

—Eu nasci em uma vila afastada de Londres. Meus pais eram trouxas.

—O que é...

—São aqueles que não tem magia. É raro trouxas terem filhos bruxos, mas acontece se a família de um dos dois, pai ou mãe, tem descendentes da magia. Enfim... Recebi a carta de Hogwarts e meus pais ficaram assustados com a ideia, mas no fim, aceitaram. Nos instalamos aqui por algumas semanas e depois fui para o colégio. No dia primeiro de setembro de 1953. Foram ótimos anos.- ela sorriu melancólica.- Depois, eu saí do colégio e fiquei bem em dúvida do que queria fazer. Trabalhei em vários lugares. Desde o Beco Diagonal até ao mundo trouxa. Então, em 1970 eu decidi ir para a Itália. Há meses eu treinava a língua e sempre quis ir para lá. Conheci seu pai e decidi ficar.

—Por que eu nunca conheci meus avós?- eu perguntei, ainda confusa com a história tão curta.

—Já estavam mortos quando eu fui embora.- ela disse e seus olhos marejaram.- O mundo bruxo estava em guerra. A mesma acabou quando você nasceu, em 1980. Graças a Harry Potter.

—A quem?- eu perguntei atônita. Seria coincidência demais...

—-Harry Potter. É a criança mais famosa do mundo bruxo. Foi graças a ele que...- ela hesitou.- Você-Sabe-Quem desapareceu.

—Quem?

—Era o bruxo mais temido e odiado. Era ele o responsável pelo medo e desgraça que acontecia.- a voz dela estava mais baixa e seus lábios tremiam ao falar.

—Mas esse é o seu nome?- ela negou com a cabeça.- Qual é?

Ela se aproximou e me olhou nos olhos. Estavam vermelhos e encharcados. Estava ansiosa para chorar.

—Voldemort.- sussurrou.

Um arrepio percorreu minha nuca.

—Ele matou muitas pessoas. Muitas pessoas. Trouxas e bruxos. Era horrível, querida. Horrível...

—Por isso você queria ir para Itália? Estava fugindo?

Ela assentiu.

—Sempre quis conhecer a Itália, mas não tinha oportunidade. Quando a guerra começou, comecei a juntar dinheiro até conseguir o suficiente para sumir daqui. Eu não tinha mais ninguém. Seus avós tinham sido mortos e... Eu não tinha mais nada.- ela abaixou a cabeça e fungou baixinho.

Podia ver as lágrimas descendo seu rosto.

—Mas... E eu? Digo... Papai era bruxo?

—Não. Ele era trouxa. E morreu achando que eu era normal. Você sabe...

—Acidente nos vinhedos.

Ela apertou os lábios com total força e as lágrimas escorriam cada vez mais rápido. Estava quase pensando em parar de pedir para ela me contar, mas ela continuou sem eu dizer coisa alguma.

—Era para você ter ido para Hogwarts ano passado.- arregalei os olhos.

—E por que não fui?

—Porque eu não deixei. Não te contei. E queimei as cartas.

—Mandaram mais de uma?

—Lembra-se do ataque de corujas que teve no ano passado em Siena?

—Elas levavam as...

—Sim, mas depois do primeiro dia de aula, pararam.

—Por que não me contou?

—Eu não queria voltar. Estava muito bem na Itália. Estávamos felizes.-ela respirou fundo e limpou as bochechas com as costas das mãos.- Não sabia o que iria encontrar quando voltasse. As imagens daquela época ainda estão vivas em minha mente. Estava com medo. Pretendia continuar daquele jeito até o dia que você teria, supostamente, se formado em Hogwarts, mas Dumbledore apareceu. Ele deve ter sido avisado que uma aluna não havia ido no primeiro ano.

—Então ele decidiu por si mesmo ir avisar.

Ela assentiu.

—Seria seu segundo ano, mas como só está um ano atrasada, irá para o primeiro ano de qualquer jeito. Espero que...- ela levantou o olhar das mãos sobre o colo.- Não esteja brava comigo.

Sorri.

—Não estou, mãe. Só acho que não precisava me esconder tudo isso. Foi há muito tempo.

—Sim... Há muito tempo...

Manteve-se em silêncio o resto do jantar. Ao terminarmos, subimos para o quarto e ela jogou-se na cama de baixo enquanto eu tirava os tênis.

—Não se esqueça de escrever a carta para Charlotte.- ela murmurou com o rosto esmagado no travesseiro.

—Mas como vou mandar?

—Deixe em cima da mesa que amanhã eu cuidarei disso.- virou-se para o lado da parede e não disse mais nada.

Era um quarto pequeno. Na parede direita a da porta, havia uma outra porta e uma mesa e cadeira. Do outro lado do quarto estava a beliche e de frente para a parede da porta, a janela. E ao lado da porta um armário pequeno. Todos os móveis eram de madeiras escuras e que rangiam ao menor toque. Tirei um pergaminho, um pote de tinta e uma pena. Enquanto a luz da lua entrava pela janela, acompanhada dos roncos da minha mãe e da precária luz de uma vela, me pus a escrever. Não sabia bem o que dizer para Lotte. Não podia dizer a verdade por completo, então, omiti algumas partes. No fim, deu-se por ser apenas algumas linhas.

Querida Lotte,

Desculpe-me por esta carta que veio do nada e pelas faltas no colégio e no curso, mas digamos que... Estou de viagem. Minha mãe foi transferida para Londres e eles exigiram a presença imediatamente. Vamos nos mudar para cá. Ela já até conseguiu matricular-me em um novo colégio e primeiro de setembro já estou indo para lá. Talvez ela volte para a Itália para fazer a mudança. Irei visitá-la e manter contato o quanto eu puder.

Com carinho,

Olivia De Angellis Leone.

Observei o trecho por alguns segundos e suspirei. Não havia muito o que dizer, de fato. Não conseguiria criar mentiras para ela e por um lado, não era totalmente mentira o que eu havia escrito. Sem melhores ideias, dobrei o bilhete e deixei em cima da mesa. Fitei as sacolas com os novos materiais por alguns segundos e exausta, subi a beliche e deixei meu corpo cair na cama com o barulho de madeira rangendo. Meu sono veio com o vento que entrou pela fresta da janela e apagou a chama da vela tão suave quanto a ponta da minha pena arranhando o pergaminho.

***


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