Olivia escrita por Loren


Capítulo 4
Perdida




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***

Parecia infinito aquelas voltas que minha cabeça dava e as ânsias que eu sentia. Certo momento, fechei os olhos para evitar aquelas sensações esquisitas. Quando senti que ia desmaiar e minha cabeça ia explodir, paramos. Abri os olhos e nem me importei em perguntar onde estávamos ou estranhar a cidade cinzenta e as pessoas andando apressadas pelas calçadas. Apenas me virei para trás e senti a ânsia chegar até a boca. Vomitei todo meu café da manhã. Minha mãe me dava uns tapinhas nas costas e colocava de voltar no lugar os fios que escapavam. Depois de alguns cinco ou sete minutos, levantei a cabeça e minha mãe me deu um lenço tirado de não sei de onde. Percebi que segurava sua bolsa bege, escondida baixo a capa.

—O... O que foi isso?- eu perguntei, limpando a boca e sentindo meu estômago fraco.

—Aparatação. Provavelmente, você vai estudar no sexto ano. - ela disse e me estendeu uma garrafinha d'água.

Ao invés de perguntar o que era aquela estranha palavra, virei o líquido na boca e depois cuspi, tirando o gosto ruim. Ela se virou em direção à rua e ficou parada na frente do beco. Repeti a dose mais duas vezes e fui atrás dela. Estávamos em outra cidade, com outras pessoas e outro clima. Um ventinho gostoso percorreu minha nuca, diferente do sol que tinha na Itália. De repente, um estalo brotou em minha mente.

—Você conversou com o diretor do colégio de Siena?!

—Claro, disse que estávamos de mudança.- ela não me olhou para responder, na realidade, olhava para todos os lados.

—Não me despedi de Charlotte!- eu bati na minha cabeça.

—Você pode escrever uma carta para ela, não se preocupe. Diga que foi uma viagem de emergência.

Me senti mal no mesmo instante por não ter me despedido da minha querida colega francesa. Ela iria me dar uns bons tapas quando fôssemos nos reencontrar. Novamente, outro estalo.

—E o seu trabalho?!

—Ontem de noite mandei um e-mail para meu chefe do hotel. Como é uma franquia, posso muito bem ser mandada para um ou outro hotel. Decidi aceitar a proposta de Londres.

—Proposta? Mas você me disse que íamos para Roma.

—E íamos, mas antes de eu conseguir essa promoção, recebi uma proposta para Londres. Tenho origem britânica, devem ter pensado que eu queria voltar para minha terra.

—E não queria?

Ela se manteve por alguns segundos em silêncio, observando o espaço ao nosso redor. Apesar de seus olhos estarem inquietos, ela não prestava atenção no que via. Eu tinha certeza. Ela parecia pensar se queria ou não queria, mas eu tinha a leve impressão de que ela já sabia a resposta.

—Não.- disse com a voz firme e saiu para a direita, em direção à um bar velho e escuro.

Começou a andar em passo tão rápido que tive que correr com minhas pernas curtas para alcançá-la. Apesar de todas as pessoas notarem a estranheza da minha mãe, ninguém pareceu notar para onde estávamos indo. Quando entramos, o cheiro de limpeza misturado com bebida entrou em minhas narinas com força e me senti tonta por um instante. O local era todo feito de madeira e pessoas com o mesmo estilo que minha mãe estavam sentadas em mesas e outras em pé, formando grupinhos pequenos e conversando baixinho. Por um momento, um arrepio subiu pela minha nuca e fiquei bem atrás da minha mãe. Sua mão agarrou o meu pulso e me puxou para perto de si. Nos aproximamos de um bar e de um homem que limpava copos de cerveja com um pano velho.

—Quarto para dois, por favor.- pediu minha mãe, baixinho.

—Nome?- pediu, sem olhar para nós.

Minha mãe se apoiou no balcão e sussurrou.

—Não se lembra de mim, Tom?- o velho de óculos e aparência decadente levantou o olhar e sorriu, espantado.

—Nicole! Há quanto tempo!- ele apertou a mão dela.

—Sim, muito tempo.- minha mãe sorria, melancólica.- Estava na Itália.

—E o que veio fazer aqui?!- ele disse, levantando as mãos.

—Tom, quero lhe apresentar minha filha, Olivia.- disse, pondo as mãos em meus ombros.

—Como está grande! Me lembro dela na sua barriga, uma pena que você não veio nos visitar para mostrá-la.- ela baixou o olhar.- Vai para Hogwarts?

—Sim.- eu disse, corada.

—Ah, vão comprar os materiais! A porta dos fundos está aberta, lembra da sequência?

—Sim, sim. Pode deixar. Obrigada. Se tiver algum quarto para duas...

—Tenho um quarto com uma beliche, número oito.

—Muito bem... Tem pressa em desocupar o quarto?- perguntou, encolhendo os ombros.

—Claro que não, Nicole! Fique à vontade!- disse um pouco alto e rindo.- Pode deixar suas malas, se quiserem. Mando para o quarto depois.

—Só vamos deixar a da Oli.- eu estendi a mochila por cima do balcão.- Obrigada, Tom.

—É bom vê-la novamente, Nicole.- ele disse e minha mãe assentiu com a cabeça, sem dizer mais nada.

Me puxou pelo pulso em direção aos fundos e abriu a porta para um cubículo de paredes de tijolos, duas latas de lixo e sem teto. Minha mãe tirou o graveto da capa e, sem soltar meu pulso, minha mãe tocou em tijolos algumas vezes rápido demais. Depois, guardou o graveto.

—Por que o graveto?

—É uma varinha, Oli. Todas as bruxas e bruxos têm.- disse e olhou para mim, sorrindo.- Vamos comprar uma para você hoje. Toda bruxa tem que se defender. Será sua arma.

Eu estava surpresa.

—E onde vamos comprar?

—Aqui.- ela disse e apontou para a parede.

Os tijolos começaram a se mexer e a se separar para os lados. Eu fiquei nervosa com o que estava acontecendo, mas minha mãe estava calma. Como se já tivesse visto aquilo acontecer. Após a poeira baixar e os barulhos cessarem, a parede abria uma espécie de entrada, sem porta.

—Seja bem vinda. Ao Beco Diagonal.

***

—Muito bem, de acordo com a lista vai precisar de três túnicas negras para o dia a dia, um chapéu pontudo negro, um par de luvas protetoras e uma capa de inverno para os uniformes.

—Inverno?- ela continuou olhando fixamente para as folhas amareladas.- É um internato?

—Tecnicamente, mas é permitido passar o Natal e o Ano Novo com a família, se quiser.

Estávamos na frente de uma loja de roupas de grife. Na vitrine, haviam dois manequins. Uma usava um vestido verde musgo de seda com mangas feitas de renda negras e cheias de brilho verde. Na cintura, um pano do mesmo tecido das mangas estava amarrado, acentuando a cintura do manequim e deslizando até chegar ao chão. O outro usava um vestido amarelo com a saia rodada, deixando a mostra os tornozelos. Me perguntei quem usaria um tipo de roupa como aquelas...

—Sobre os materiais, vai precisar de oito livros, uma varinha, um caldeirão tamanho 2, um jogo de frascos de vidro, um telescópio e uma balança. Sobre animais de estimação, um sapo, coruja ou gato. Como você vai para o primeiro ano, não vai precisar de escova ainda. Vai querer jogar no Quadribol ano que vem?- minha mãe falou de forma tão rápida, que demorei mais do que cinco segundos para desviar a atenção dos estranhos vestidos, processar tudo o que precisava para o colégio e ainda por cima perceber que ela havia me feito uma pergunta.

—Jogar... O quê?

—Ah, você vai saber quando entrar no colégio. Principalmente nas aulas de voo.- ela disse, sorrindo e guardou a lista na bolsa bege.

—Aulas de voo?- perguntei, exasperada.

Não que eu tivesse algum trauma de altura, mas se eram aulas de voo, provavelmente deviam ser mais do que cinco metros do chão e eu nunca estivera mais alto do que três metros do chão quando brincava nos balanços na praça de Siena.

—Ah, não se preocupe! Não é perigoso! Eu, por exemplo, só quebrei o tornozelo na primeira vez. Nunca fui muito boa.- disse minha mãe, balançando a mão e com um brilho diferente nos olhos.

Sorriu quando falou sobre sua "divertida" queda. Parecia estar até... Feliz de se lembrar de um trágico acidente de tanto tempo atrás. Baixei os olhos para suas botas enquanto apertava meus braços cruzados contra meu peito. Era estranho ver aquela expressão no seu rosto. Era algo raro. Pelo visto, sua época no colégio Hogwarts havia sido muito boa.

—Vamos, querida. Vamos passar primeiro na Madame Malkin e depois na Floreiro e Borrões para comprar seus livros.- pegou meu braço e me puxou para o aglomerado de pessoas que tinha na rua.

Havia todo o tipo de pessoas por ali. Todas mesmo. Desde pessoas vestidas como minha mãe até pessoas vestidas normalmente e de todas as idades. Enquanto minha mãe empurrava as pessoas à sua frente delicadamente, impressionei-me com pessoas tão velhas que cheguei a pensar que haviam fugido dos seus respectivos caixões. Cheguei até ver uma que tinha teia de aranha pendendo do nariz! Muitos estavam carrancudos e resmungando palavras sem sentido, mas tinha também bruxas e bruxos que davam estridentes risadas pela rua com faces coradas e limpas. Corujas voavam por cima das cabeças, barulhos de gatos e pios misturavam-se com os burburinhos. De repente, senti alguém me dar um encontrão na cintura e meu braço escorregou do braço da minha mãe. Quando me virei para a direita, não vi ninguém.

—Olhe por onde anda, mocinha.- uma voz grave e mal humorada soou baixo meus pés.

Quando baixei a cabeça, prendi um grito que se formou no fundo da garganta. Mas ele deve ter percebido meu espanto, não só porque eu tinha as mãos na boca e os olhos arregalados, mas talvez porque eu deixei uma pergunta estúpida escapar dos lábios.

—O que é o senhor?!- ele franziu as sobrancelhas, crispou os lábios e ergueu o nariz para cima.

Não parecia ter gostado do que eu disse.

—Deve ser trouxa. Ah, aonde o mundo irá parar?!- disse, rogando as palavras para o céu e continuou a andar, com aquele corpo pequeno enfiado em um terninho, nariz de águia comprido, olhos pequenos e negros e mãos de dedos e unhas longas.

—Que mal humor...- eu sussurrei e corri os olhos ao redor.- Ah não...

Eu realmente tinha má sorte. Em meio a pessoas desconhecidas, um lugar brilhante e intimidador e tendo somente a roupa do corpo comigo, eu havia me perdido.

—Nada como se perder no Beco Diagonal...- eu murmurei para mim mesma, antes de me embrenhar em capas, caldeirões e corujas à procura da minha mãe.

***

 


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