Olivia escrita por Loren


Capítulo 3
Visita




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/658054/chapter/3

***

Não discutia com minha mãe por medo de piorar as coisas. Uma vez ela se trancou no banheiro com uma faca e saiu de lá somente porque ameacei chamar a polícia ou os bombeiros. Não compreendia o porquê dela temer as autoridades e médicos. Ela me dizia que se alguém me atacasse, devia me esconder, lutar ou correr, mas nunca chamar pela polícia. Por conta disso, nem fazia questão de sair.

A propósito, não tinha muitas amigas. Conversava com algumas e até já ia dormir na casa destas, já que me convidavam com insistência, mas recusava os convites de passeio pelas ruas de Siena. Não que a cidade fosse feia, pelo contrário. Siena era encantadora como uma perfeita cidade italiana. Porém não saía para não preocupar minha mãe. De qualquer forma, sempre foi um gosto ficar trancafiada em casa pintando o que desejava, sentia ou via. Minha mãe adorava. Vendia no emprego dela feito sal.

O dinheiro das vendas ajudava nas despesas da casa, mas eu nunca mostrei a pintura dela. Até hoje não o fiz. A mulher de cabelos negros e sorriso cruel. Via ela em meus pesadelos desde meus sete anos. Era algo estranho. Via o rosto dela envolto em uma neblina. Meus desenhos dela eram somente esboços inacabados. Nunca conseguia ver o rosto completo dela. A primeira vez que falei dela para minha mãe, foi a primeira vez que vi um surto dela. Detesto lembrar. Até hoje tal lembrança me esgota.

—Olivia!

—Hã? O quê?

—Está no mundo da lua?- perguntou-me Charlotte, minha colega desde os cinco anos e a mais próxima que chamava de amiga.- A aula já acabou! Não vá se atrasar para sua aula de inglês!

—É verdade!- eu gritei e Charlotte apenas fechou os olhos, abaixou o rosto e apertou os lábios. Era sua expressão de irritação.- Desculpa...- eu pedi baixinho.

—Tudo bem.- ela disse levantando uma sobrancelha.- Mas, por favor, vê se não se atrase hoje.- ela pediu com um olhar de assassino, acostumada, porém irritada com meus atrasos.- Nós duas precisamos desse quadro, Olivia. Sabe disso.

—Ai, Lotte! Eu sei! Deixe de ser dramática. Não vou me atrasar desta vez. Nos vemos no ateliê.- eu disse e me afastei em direção a porta.

Deixei para trás minha querida amiga de origem francesa, cabelos cacheados e rosto de anjo. Minha querida modelo das telas das quais eu derramava as tintas que davam vida para aqueles fundos brancos tão monótonos quanto minha vida era.

***

Outro mistério sobre minha mãe: ela insistia que eu estudasse o inglês, que eu falasse perfeitamente, que deveria sabê-lo de "cabo a rabo".

Minha mãe era britânica e dizia que aprendeu o italiano porque desejava muito visitar o país, mas acabou ficando quando conheceu meu pai. Disse que depois que eles brigaram para ver quem ficaria com o último exemplar das Crônicas de Nárnia da livraria local, ele a perseguiu por muito tempo. Até que saíram juntos para jantar e se casaram meses depois.

Cresci na pequena cidade de Siena, Itália e nunca fui mais longe do que o Coliseu de Roma. Não pensava em morar fora da Itália, por isso não fazia mínima ideia do porquê minha mãe insistia em estudar o inglês. Na realidade, havia muita coisa que não entendia sobre minha mãe. Somente uma coisa: pintura.

Ela era tão apaixonada quanto eu por pinturas, desenhos, paisagens e rostos. Uma de nossas melhores discussões era as de nossas hipóteses sobre a história da Mona Lisa ou A Gioconda. Desde pequena, ela dizia que eu rabiscava folhas, toalhas, paredes com qualquer coisa que eu visse pela frente. Até com carvão e batom. Minha mãe me ensinou o que sabia sobre técnicas de pinturas até os meus dez anos. Como foi promovida, ela me colocou em um curso de pintura depois de eu pedir tanto.

Obviamente, cheguei atrasada no ateliê do senhor Tonelotto, um velho orgulhoso, sarcástico e excêntrico. Porém, talentoso, inteligente e honesto. E inimigo mortal dos atrasos. Diziam que ele não havia me expulsado do curso porque acreditava que eu tinha potencial para isso. Entrei discretamente no ateliê sob o olhar penetrante do senhor Tonelotto e Charlotte. Fui em direção ao meu cavalete e sentei no banquinho com os ombros encolhidos e cabeça baixa. Quando levantei o olhar, prendi um grito na garganta quando vi os cabelos grisalhos e despenteados caindo sobre os ombros ossudos do senhor Tonelotto. Uma sobrancelha estava arqueada com violência e a outra tão baixa que seu olho quase se fechava. Sua boca era uma fina linha no meio de um oceano de fios brancos da barba. Seu nariz reto e pontudo e suas narinas faziam um barulho exagerado de inspiração e expiração.

—Desculpe pelo atraso, senhor Tonelotto. Eu...

Ele se aproximou lentamente e sussurrou com voz rouca e abafada.

—Surpreenda-me.- e saiu para ver outro quadro.

Virei-me para frente e assustei-me com a modelo. Estava deslumbrante. Uma princesa teria inveja daquela garota naquele momento. Usava um vestido da cor da sua pele, longo, os cachos formavam belos anéis, a boca estava pintada com uma leve cor salmão e as bochechas estavam coradas. Encontrava-se sentada na janela e seu rosto estava direcionado para as ruas, mas ela me olhava de canto e o maxilar estava travado. Eu sorri sem jeito e abri o estojo de pincéis.

Os sonhos de Charlotte eram "simples", de acordo com ela. Ou ser um mistério como Mona Lisa ou ser uma modelo das passarelas. Por isso ela sempre me pressionava e me apressava para chegar no ateliê cedo. De todos ali, ela dizia que as pinturas favoritas eram as minhas. A favorita dela era um castelo enorme em cima de um penhasco e abaixo deste havia um lago cristalino e limpo onde servia de espelho para o céu escuro e a lua brilhante. No canto direito, percebia-se o início de uma floresta. Pintei com onze anos. Eu gostava daquela paisagem, havia a visto em meus sonhos. Mostrei o quadro para minha mãe logo quando terminei. Com a voz trêmula, ela me perguntou onde vi aquilo. Depois que contei, ela mandou eu me desfazer do quadro. Hoje, ele ainda se encontra acima da lareira da Charlotte.

Todos diziam que minhas pinturas eram ótimas, fabulosas, deslumbrantes e lindas. Não conseguia entender o porquê. Só pintava o que sentia. Só pintava o que queria. Só pintava o que via. Só pintava o que desejava. Pintar era o reflexo da minha alma.

***

Saí do ateliê do senhor Tonelotto às pressas para não chegar tarde em casa. Quando vi que Charlott se aproximava, adiantei-me.

—Eu sei, Lotte, eu sei. Desculpe pelo atraso, mas já fiz o desenho e pintei o vestido, os cabelos e o rosto. Só falta o fundo. Ok? Agora, eu tenho que ir, antes que minha mãe brigue.

—Eu só ia te convidar para posar lá em casa hoje, não está a fim? Vai ser legal, Oli! Podemos ver filmes de terror, comédia e aventura! Com muita pipoca e refri. Vai ser spaghetti o jantar.- ela pediu com a expressão lívida.

—Adoraria, Lotte, mas... Não conversei com a mãe. Não sei se ela vai deixar.- eu falei com os olhos baixos e pegando a mochila das pinturas.

—Por favor, pergunte para ela. Faz três meses que você não vai.

—É... Vou falar com ela. Até.

—Até, Oli.- disse com a voz chateada, percebendo que a resposta seria "não".

E realmente era não. Nem mesmo pretendia perguntar à minha mãe. Após aquele surto de manhã cedo, não tinha coragem de deixar ela sozinha. Tentativas de suicídio dela, passavam de três.

***

Ciao, mãe!- eu falei assim que fechei a porta.- Eu estava pensando em pedirmos uma pizza, o que acha, mãe?- eu disse e pendurei o casaco jeans na chapeleira e a mochila do lado.

Ouvi vozes vindo da sala. Uma era da minha mãe. A outra era de um homem.

—Mãe?- as vozes cessaram e senti um nó crescer em minha garganta.- Mãe?!- apressei o passo.

Parada no umbral da porta, arregalei os olhos atônita para o que via. Minha mãe segurava um bule de porcelana e sentado no sofá da sala, estava um senhor muito velho. Com uma barba e cabelos brancos e limpos que chegava até a cintura. Tinha um sorriso bondoso, olhos azuis claros, rugas no rosto inteiro e sobre o nariz quebrado um óculos de meia lua. Ele olhava para mim sustentando aquele sorriso simpático e por pouco não sorri de volta. Vestia, o que me parecia a primeira vista, um vestido ou uma bata longa, até os pés da cor de um céu azul claro. Da mesma cor dos olhos dele. Parecia ser um bom homem, mas minha mãe seria capaz de me capar se eu retribuísse sua educação. Mas o que realmente me assustou, foi que havia uma visita na sala. Uma visita. Ela não recebia visitas desde que minha avó havia morrido.

—Hã... Mãe, quem...

—Ah!- ela colocou o bule na mesinha de centro e limpou as mãos na calça jeans como se estivssem suja.- Oli... Vai para seu quarto, ok? Depois conversamos.

—Sim, senhora.- e rapidamente, subi as escadas fazendo barulho.

Quando cheguei até o segundo andar, tirei os tênis e desci lentamente os degraus a tempo de pegar uma parte da conversa.

—Deveria contar para ela.- a voz do velho soou calma e mansa.

—Não, não, não, não e não! Não quero que ela vá e ela não irá! Eu evitei um ano inteiro e sou capaz de evitar mais seis anos!

—Lá não é tão ruim. Você estudou lá.

—Ele também. E lembre no que se tornou.- ela disse com a voz baixa e, aparentemente, irritada.

— Nicole, eu insisto. Será bom para ela.- o velho continuou com o mesmo controle sobre a voz.

—Não! Não deixo, não permito!- a voz da minha mãe aumentou e fiquei preocupada.

Minha mãe nunca me agrediu, mas nunca vi como ela reagiria com outra pessoa.

—Nicole, sei que a protegeu durante esses doze anos, mas não pode adiar mais. Se a quer bem, deve contar a verdade. Deve deixá-la ir.

—Não...- eu ouvi a voz dela chorosa.- Quem... Quem... Quem vai cuidar dela?

—Um dia ela será uma mulher. E saberá se defender, mas somente se ela souber como.- os soluços aumentavam.-Nicole, ela precisa ir. Se quer que ela viva, viva realmente, deve deixá-la ir. Para o próprio bem dela. E para o próprio bem da sua alma.

—Eu... Eu... Ah! De novo...- ela disse com a voz cansada.

Aparentemente, parecia que ela havia visto alguma coisa que a desgostou.

—Vê? Se não a deixar ir, ficará pior.

Ouvi um suspiro. Então, o que minha mãe disse me assustou.

—Olivia, saia de trás da parede.

Assim que minhas costas se endireitaram automaticamente, minha mente parou por um segundo e meu sangue gelou nas veias. Ouvi o barulho de algo se quebrando. Engoli em seco e com o pulso acelerado, saí de trás da parede de cabeça baixa. Minha mãe estava com as mãos na cintura, os olhos vermelhos e mordia o lábio inferior. O velho estava sentado com um píres e a xícara apoiadas no colo. Ainda exibia aquele sorriso bondoso.

—Sim, mãe.

—Pode sentar.- ela disse com a voz rouca.

Andei apressada para uma das cadeiras acolchoadas. Minha mãe sentou na outra, do meu lado. Eu comecei a olhar para o chão e vi o bule quebrado, perto dos pés do velho.

—Olivia- a voz da minha mãe quebrou minha linha de raciocínio-, este- e apontou para o velho-, é Alvo Percival Wulfric Brian Dumbledore. Seu futuro novo diretor.

—Eu vou mudar de escola?! Mas por quê?- minha mãe não me respondeu.- Senhor, qual escola o senhor é diretor?

—Hogwarts.

—Nunca ouvi falar...- eu disse fazendo um careta.

—Não é aqui. É na Inglaterra.- arregalei os olhos e fiquei em silêncio por um momento.

—É... O quê?

—Escola de Bruxaria e Feitiçaria. Mais conhecida como Hogwarts.

Seu sorriso aumentou. Devia ter sido por causa da minha cara de espanto.

***

—Oh. Meu. Deus.- eu disse, mais uma vez, espantada.

—Neste mundo, eles dizem "oh, meu Merlin", Oli.- disse minha mãe.

Me observava com um sorriso melancólico, mas com os olhos brilhantes. Como a mãe que vê o filho admirando uma decoração de Natal pela primeira vez. À minha frente, encontrava-se o que os bruxos chamam de Beco Diagonal. Minha mãe ajeitou a bolsa no ombro e prendeu meu pulso com sua mão.

—Não se afaste de mim.- ela disse com voz grave e olhando para todos os lados.

Desta vez, pouco me importei com a preocupação enlouquecida da minha mãe. Estava muito ocupada admirando as lojas de roupas de bruxos, livros de bruxos, vassouras de bruxos, comidas de bruxos, sapatos de bruxos e lojas de animais para bruxos. Eu era uma bruxa. Foi algo que espantou-me fervorosamente! Minha cabeça chiava tentando arranjar alguma explicação e a primeira que apareceu foi a de uma brincadeira de mau gosto. Minha mãe negou com a cabeça e não disse mais nada. O senhor Dumbledore apenas retirou uma carta que estava escondida em uma de suas mangas e me entregou.

—Deixarei que sua mãe lhe explique. Aguardo você no dia primeiro de Setembro.- ele disse ainda sorrindo e antes de se retirar, deu dois tapinhas no ombro da minha mãe.

Ela assentiu, apertando os lábios. Logo, ele saiu da sala tão silencioso quanto um gato. Eu me virei para minha mãe ansiosa e ela disse com voz rouca.

—Amanhã conversamos.- e saiu.

Subiu as escadas e trancou-se no quarto. Passei a meia hora seguinte batendo na porta e implorando para que ela saísse. Minha mãe não respondeu nada e eu, por fim, desisti de tentar falar com ela. Fui para minha cama e deitei-me com perguntas na mente. Eu? Uma bruxa? Mas... Por quê? Como era isso? Eu fui escolhida ou era da genética? E como podia ter certeza que era mesma uma bruxa?! E os bruxos tinham colégios? E se eu fosse mesmo para esse novo colégio, Hogwarts, seria em Londres. Londres! Como eu e minha mãe faríamos para chegar até lá? Onde ficaríamos? E como seria esse colégio? Suspirei e fechei os olhos.

Eu evitei um ano inteiro e sou capaz de evitar mais seis anos!

Sentei-me rapidamente. Um ano. Minha mãe evitou um ano. Talvez era para eu ter ido para esse colégio no ano anterior. Mas, por que ela evitou? Por que ela não me contou? Aos poucos, o sono veio e acabei adormecendo após deitar a cabeça no travesseiro mais uma vez. Desta vez, não sonhei com a mulher, nem mesmo com o vazio. Sonhei com um rosto, perdido em uma bruma densa e clara. A única coisa que pude ver, foram seus olhos verdes atrás de grossas lentes de um óculos redondo.

***

—Olivia, acorde.- eu tentei, com muito esforço, abrir as pálpebras.- Faça suas malas, vamos viajar.

—Viajar? Para onde?- eu perguntei, apoiada em um cotovelo e coçando o olho.

—Vista-se.- ela simplesmente disse e saiu do quarto.

Tive a impressão de que ela estava usando uma capa, mas estava muito escuro para ter certeza. Liguei a luz do abajur e constatei, pela cortina transparente e a janela aberta, que nem havia amanhecido. Levantei-me com o corpo pesado e bocejando a cada segundo. Abri o guarda-roupa e, sem prestar atenção alguma aos meus movimentos, peguei uma calça qualquer e fui para o banheiro. Ao lado da porta, sempre teve uma mesa redonda de três pernas. Geralmente, minha mãe deixava as roupas limpas e dobradas ali, para eu guardar. Desfazendo a bela pilha, peguei as roupas íntimas e uma camiseta listrada, com tiras pretas e brancas no sentido horizontal.

Assim que a água bateu em minha cabeça e escorreu pelo corpo, encolhi os ombros e suspirei com o choque térmico da pele quente e água gelada. Saí do box, me sentindo bem mais disposta e desperta. Coloquei uma bermuda cáqui que ia até embaixo dos joelhos, do tipo com cordinhas para apertar. Saí do banheiro secando os cabelos com a toalha e minha mãe parou à minha frente. Estava furiosa.

—Recém saiu do banho?! Se apresse, Olivia! Detesto chegar tarde!- eu ia perguntar aonde, mas estava distraída com outra coisa.

Ela se vestia como uma bruxa. Uma perfeita bruxa. Literalmente. Igualzinha com aquelas de desenhos animados que passava nos sábados de manhã para a criançada. Botas fechadas de cano baixo, meia calça listrada em verde musgo e vinho, um vestido curto e preto, de meia manga com uma gola que tapava seu pescoço. Sobre seus ombros, uma capa roxa brilhante e acima de sua cabeça um chapéu de aba redonda e pontudo. Era estranho vê-la assim. Não pelo estilo da roupa, mas sim pelas cores. Ela detestava vinho e preto. Detestava freneticamente. Amava o marrom e amarelo. Toda a decoração em casa era dessas cores, exceto o meu quarto e o banheiro.

Mamãe me estendeu uma mochila preta.

—Já arrumei sua mala. Termine de se vestir- disse e olhou para meus pés descalços- e desça para o café. Seus tênis estão aqui dentro.- disse com a expressão séria.

Estava tensa. Já havia visto daquela forma, mas alguma coisa lá no fundo da mente me dizia que era algo pior do que os medos e surtos mensais dela. O que me deixou espantada, foi que ela fez a mala. Em menos de uma hora. Era impossível que ela tivesse arrumado tudo em tão pouco tempo, mas quando eu peguei a alça da mochila, o seu peso me puxou para baixo e deixei um grunhido escapar por conta do susto.

—Seja rápida, por favor.- pediu baixinho, com a voz ao parecer forte, mas parecia tão quebradiça quanto um cristal. E desceu pelas escadas.

Olhei para a mochila estupefata. Como, daquele tamanho, poderia pesar tanto?! Abri o zíper, mas só vi um fundo escuro. Sacudi tão forte e exageradamente que ouvi vários sons vindo de dentro. Confusa, pensei em perguntar para minha mãe o que ela tinha feito. Porém atrasada, precisava achar os tênis. Suspirei e enfiei a mão lá dentro. Não havia fundo e vários tipos de textura roçaram em minha mão. Quando me dei por conta, estava até o ombro dentro da mochila. Depois de várias tentativas inúteis (precisamente, dois livros, uma tela de pintura inacabada, meu caderno de desenhos, uma bolsinha com as bijuterias e várias meias e sutiãs), encontrei o par de tênis. A sorte foi que estavam juntos, amarrados pelos cadarços. Calcei rapidamente e desci as escadas às pressas, fazendo um rabo de cavalo.

Quando cheguei na cozinha, parei na porta de boca aberta e olhos arregalados como pratos de sopa. A mochila deslizou do meu braço e caiu no chão com um baque surdo, chamando a atenção da minha mãe. Ela me olhou sobre o ombro.

—Oh, já está pronta.- e com um movimento rápido, ela fez todos os pratos e copos entrarem voando nos armários.

***

—Mãe! Como você fez aquilo?!- perguntei, afobada quando a alcancei.

Eu havia trancado a casa, após o fim do café da manhã e da misteriosa acrobacia feita na cozinha.

—Oli, poderíamos falar sobre isso outro dia?- ela pediu, sem me olhar.

Estávamos no quintal e mamãe observava a macieira que plantei quando tinha cinco anos. Parecia que era a primeira vez que a percebia.

—Mas você disse que ia me contar hoje...- insisti, sussurrando baixinho.

Ela suspirou de olhos fechados. Parecia cansada demais para discutir.

—Está bem, mas poderia ser mais tarde?

—Claro!- eu disse, sem evitar o pingo de empolgação na minha voz.

Ela estendeu o pulso esquerdo para mim e observou o quintal mais uma vez. Juro que havia percebido algum brilho passar pelos seus olhos. Não fiz movimento algum. Estava esperando alguma ordem.

—Segure firme.

A última coisa que vi antes de tudo ficar turvo, embaçado e sentir alguma coisa me puxando por dentro do umbigo, foi o céu tomando uma cor alaranjado e o vento acariciando as folhas da velha macieira. Mal sabia eu que estava deixando minha querida Itália.

***


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olivia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.