Olivia escrita por Loren


Capítulo 23
Olhares tortos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/658054/chapter/23

***

Vi deslumbres e ouvi vozes distantes.

Eu não soube dizer se era real ou apenas um sonho desbotado. Logo tudo escureceu e lembro de apenas acordar quando senti a luz machucar-me as pálpebras. Ao abrir os olhos, encontrei o teto da enfermaria. Respirei fundo, sem dores físicas ou mentais, apenas uma enorme sede. Virando a cabeça encontrei um criado mudo de metal com um frasco de remédio e uma garrafa de água. Preguiçosa demais para sentar-me, apenas estendi o braço e quase derrubei todos os objetos.

—Oli!- alguém exclamou aos meus pés e ao virar o rosto encontrei Alene e Gale sentadas na beira da cama.

Alene levantou-se e ajeitou as garrafas, servindo um copo de bebida enquanto Gale me ajudava a sentar. Agradeci com um aceno pelo copo e suspirei quando a água umideceu a garganta seca. As duas me fitavam ansiosas e receosas. Me sentia calma, mas ao encontrar seus olhares senti uma inquietação crescer no peito.

—Por que... estão me olhando assim?- elas trocaram um olhar, antes de Gale lamber os lábios e começar a falar com um tom pesado.

—Oli, tu está bem?

—Ué, eu estou mas vocês não parecem assim. O que...

Não terminei a frase pois as últimas imagens concretas que presenciei me voltaram à mente e eu não soube o que dizer. Eu ainda podia enxergar a linha fina se abrindo na pele do pescoço de minha mãe. Ainda podia ver o sangue escorrer pelo peito e manchar a blusa cru que vestia. Podia ouvir o eco de seus gritos em minha cabeça.

Apertei o copo em minhas mãos involuntariamente e lutei contra a vontade de chorar novamente. Uma mão pequena e macia se pôs sobre meu pulso. Ergui o olhar para encontrar apenas Alene, sorrindo levemente, a fim de me tranquilizar. Desviei o olhar e encontrei Gale, que tinha as mãos no colo e me deu um sorriso de canto, parecendo desconfortável.

—Quanto... quanto tempo eu fiquei desmaiada?- perguntei, ao reparar a alta luz entrando pelas janelas.

—Uma noite.- respondeu Ale e voltou a se sentar na beira da cama.

—Ah.- respondi em concordância, sem saber o que mais poderia acrescentar.

Inúmeros pensamentos me inundaram a mente e eu tentava concentrar-me em apenas um, qualquer um que pudesse continuar o assunto. Voltei a deixar meus olhos correrem por minhas mãos, pelo copo, pelos lençóis, exceto suas faces. Sentia vergonha em mirá-las. Meu maior medo foi exposto para todos que quisesessem saber ou não.

—Ah... bom saber. E como vocês estão ?

Alene ia responder. A boca já se formava movia a fim de pronunciar a palavra que, bem, somente ela sabia qual seria. Gale no entanto nos impediu de tamanha descoberta ao deixar uma risada escapar.

—Gale!- exclamou Alene parecendo desconfortável com a reação da negra.

—Só pode estar de brincadeira, não é?

—Perdão?- murmurei mas de forma audível.

—Tu enfrenta seu bicho-papão, o qual é sua mãe se matando, desmaia e quer saber como nós estamos? Está de brincadeira, Olivia?

Olhei para Alene, tentando encontrar uma explicação àquilo tudo e o que recebi foi um olhar tão perdido quanto minha mente.

—Não entendo...

—Olivia, pelo amor de Merlin, pare de mentir ou fingir e diga a verdade! Sua mãe faz ameaças psicológicas contigo!

Arregalei os olhos com os dizeres. Gale me fitava com a respiração rápida e uma expressão ansiosa, porém eu só conseguia me manter estática com suas palavras ecoando em meus ouvidos.

—Como é?

—Oli, tudo bem. Tu pode falar a verdade. Podemos te ajudar! Existem várias maneiras de sair dessa. Assistentes sociais, sim? Seria um pouco difícil no início para provar mas se tu falar, vai ser mais fácil e logo estariam analisando sua situação. Podem ajudar tu e sua mãe...

—Eu não quero ajuda.-disse de uma vez, interrompendo a enxurrada de informações e hipóteses que ela falava.

—O quê?

—Eu não quero ajuda. Nem minha mãe. Estamos muito bem. O que te faz pensar isso?

Gale arquejou e riu sem gosto.

—Seu maior medo é sua mãe se matando?- respondeu ironicamente.- O bicho-papão apresenta nosso maior medo, baseado em nossos íntimos segredos ou experiências da vida. Oli- falou meu nome, aproximando-se de mim ainda sentada. Instintivamente recolhi minhas mãos-, está tudo bem. A gente vai contigo para relatar tudo que seja necessário para Madame Sprout e...

—Eu não quero!- repeti, aumentando o tom de voz.

Alene levantou-se e estendeu uma mão sobre a cama a fim de tocar o ombro da negra enquanto chamava por seu nome baixinho.

—Céus, Olivia, qual seu medo?!

—Eu não tenho medo! Eu apenas não quero pessoas se intrometendo em minha vida! Não é assunto de ninguém!

Gale apertou os lábios, parecendo furiosa com meu comportamento.

—Olivia, tu tem que falar com alguém.

—Eu não tenho que falar nada com ninguém porque não é a vida de mais ninguém se não minha!

Gale levantou-se e gesticulava violentamente com as mãos, enquanto os cabelos balançavam da mesma maneira.

—Olivia! Isso é sério! Se tu está se sentindo ameaçada ou insegura em sua própria casa, tu deve...

Explodi.

—Nada! Eu não devo fazer NADA! E nem tu porque não é tua vida e tu não tem nada que se meter!

—Pare de ser ignorante!

—Pare de ser teimosa feito mula e querer estar em todas!- ela recuou como se minhas palavras tivessem a machucado fisicamente.- Nem tudo é espaço para tu brilhar, Gale! Me deixe em paz!- exclamei mais uma vez em alto e bom tom e juntei as pernas, abraçando-as e virando o rosto.

Ouvi sua respiração estabilizar e em seguida um bufo.

—Está bem. Faça o que quiser!

Não vi seu rosto. Apenas ouvi seus sapatos batendo no piso da enfermaria enquanto ela se dirigia para fora dali. Suspirei, um pouco aliviada pelo fim da conversa. Eu não queria ajuda. Eu não queria uma investigação em minha família. Eu não queria rumores ou a hipótese de tirarem minha mãe de mim outra vez. Eu queria que nos esquecessem um pouco, que não se importassem tanto com a mãe solteira e a filha introvertida. Queria que nos deixassem em paz para vivermos nosso dia a dia tranquilamente, sem burburinhos pelas nossas costas ou olhares tortos. Era a única coisa que eu pedia em Siena e, aparentemente, o mesmo ia acontecer em Hogwarts.

—Oli?

Ergui o olhar e encontrei Alene, todavia ali, de pé, fitando-me com o olhar preocupado. Assim que encontrou meus olhos, abriu-se um sorriso doce em seus lábios e voltou a se sentar na beira da cama. Pôs sua mão sobre a minha e acariciou a mesma com seu polegar.

—Sinto muito por Gale. Ela exagerou. Tem seus motivos... Não é desculpa mas não foi por mal. Sabes disso, não?

Abaixei o olhar para meus joelhos erguidos e um ao lado do outro.

—Oli?

Funguei e abanei a cabeça.

—Gale deve estar precisando de ti.

Não a fitei. Não sei qual foi sua reação mas no mesmo momento, seu polegar parou de se mexer. Ouvi um suspiro.

—Oli...

—Tudo bem. Eu só quero ficar sozinha.

Passou alguns segundos até sua recolher sua mão sobre a minha. Suspirou e levantou-se. Seus passos não foram tão violentos e altos como os de Gale. Foram suaves. Tão suaves que quase podia ouvir suas vestes balançarem com os movimentos. Quando sua presença não era mais audível, voltei a largar um suspiro e me deitei. Quis chorar um pouquinho mas convencia-me de que não havia motivos: ninguém iria tirar minha mãe de mim, mesmo que minhas únicas amigas de minha casa não fossem mais me dirigir a palavra.

***

Madame Pomfrey me liberou na hora do almoço.

Acredito que não queria ter o trabalho de me levar a comida ou apenas queria livrar-se da única criatura na enfermaria. De qualquer forma, me sentia bem. Não havia nenhum arranhão ou até mesmo roxo. Os resultados eram melhor que o esperado, visto as outras vezes que fui parar na enfermaria. Sem vontade de trocar as vestes, me dirigi para o Salão Principal para comer antes de pensar em fazer qualquer outra coisa. Chegando perto já podia escutar os comuns murmurinhos e ocasionais gargalhadas. Sorri sentindo-me grata pela aquela aura familiar.
No entanto ao chegar no marco da porta e correndo os olhos pela minha mesa, a fim de encontrar um lugar vago, o local silenciou-se. Levei menos de alguns segundos até perceber que todos, e não somente de minha mesa, me observavam com olhares desconfiados ou amendrontados ou até zombeteiros. Engoli em seco, sentindo as mãos suarem. Os olhares permaneceram e alguns sussurros surgiram.

De repente a fome sumiu.

Virei as costas e corri para as escadas. Continuei a subir e a subir sem nem mesmo saber quais eram os andares e como eu iria voltar para meu Salão, visto que as escadas não são fixas e poucas eram às vezes que me aventurava nos andares superiores, a não ser pelas aulas de Feitiços,Transfiguração, Defesa Contra as Artes das Trevas e História da Magia.Quando cheguei ao ponto de onde não havia mais escadas, olhei ao redor e soltei um suspiro pesado. Em seguida mordi meus lábios, não podendo conter as lágrimas. Arquejei por um segundo e segui em frente, a fim de encontrar qualquer lugar para sentar e pôr os pensamentos em ordem.

Pelo silêncio e poucos quadros nas paredes, deduzi que deveria ser um dos mais altos andares. Sexto ou Sétimo? Não sabia especificar. No fim, sem encontrar ou escutar ser vivo (ou até mesmo morto) escorei-me em uma parede e deslizei as costas até sentar no chão. Ali, chorei. Soa tão idiota e infantil e até mesmo estúpido, mas ali estava novamente: o sentimento de solidão, como se fosse me engolir a qualquer momento, com aqueles outros sentimentos de ansiedade e nervosismo. Desde pequena, estive na minha e a única companheira e amiga que tive ao meu lado era minha mãe e no entanto, ela não estava ali dessa vez. E tal detalhe me deixava desesperada, como se a qualquer momento alguma coisa fosse acontecer e eu não poderia ter controle algum sobre!

Eu só queria minha mãe. Ou minha vó e a clássica cozinha cheirando a bolo de chocolate e café, junto de sua cadeira de balanço enquanto costurava colchas para vender no mercadinho de Quinta-feira. Após esse pensamento, algo começou a cutucar em minhas costas. Recobrando a respiração, virei-me e encontrei uma porta de madeira clara, a qual eu estava quase com cem por cento de certeza que não estava ali antes. Pelas frestas da mesa, uma luz amarelada e calorosa saía e a curiosidade dessa vez me agarrou. Abri a porta e mal pude conter um ofego de surpresa.

—Okay... Eu não esperava isso...

As paredes amarelas e a luz do meio dia entravam pelos vidros das janelas pequenas estavam iguais como me lembrava. O parapeito das mesmas cheias de florzinhas com a mesa circular de madeira à frente, o fogão à lenha branco e antigo ao fundo, ao lado da pia e alguns armários da mesma cor das paredes. Abaixo de uma das janelas quadradas, estava a cadeira de balanço azul.

—Uau...

Aproximei-me da cadeira com passos lentos. Até mesmo a tapeçaria pequena retangular de minha vó estava aos pés do móvel, a qual ela adorava repetir a história de como vovô a conseguiu em uma viagem para as Índias. Havia outra, advinda da China, em cima da mesa. Tantos detalhes no local, na mesma posição, me assustavam mas ao mesmo tempo traziam-me uma sensação de paz.

Cheiros familiares entraram pelas minhas narinas e me virei, surpresa, em encontrar uma cafeteira do estilo italiana sobre o fogão. Aproximei-me, impressionada com o que aquele lugar estava proporcionando e por um momento perguntei-me se tudo aquilo não passava de uma alucinação. Peguei a cafeteira e abrindo a tampa, desapontei-me em encontrar nada. Nem um sequer pingo de café. Todavia o cheiro do mesmo seguia ali, como se estivesse emanando do próprio metal.

Devolvi o objeto para seu lugar e afastei-me. Corri o olhar mais uma vez pelo local e cheguei à conclusão de quê, louca ou não, não havia lugar melhor para estar. Sentei-me na cadeira de estofado azul e me balancei até cochilar.

***

 Não dormi muito.

Quando despertei, todavia havia luz entrando no cômodo. Porém já não devia mais ser meio dia. Minha vontade era de permanecer ali, o dia todo, todos os dias. Mas algum momento eu deveria sair, levando em conta que havia uma pilha de tarefas me esperando e que eu ainda devia uma carta para minha mãe. A verdade é que eu não queria sair dali, mas uma ideia salpicou em minha mente: poderia simplesmente pegar os materiais necessários e trazê-los para a cozinha imaginária. Não me importava com o fato de eu não ter ideia alguma de onde ela vinha. A ideia de viver em um cenário de minha memória era muito mais agradável do que estar lá fora. Levantei-me, após uns quinze minutos de pura preguiça, a contragosto. Dirigi-me para a porta e respirei fundo, dando leves tapinhas no rosto para despertar e tirar a cara de choro.
Caminhando pelo corredor vazio e frio, sentia-me mais calma, afinal, o que poderia dar mais errado?

—Ora, o que temos aqui?

***


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Qualquer erro, por favor, podem me deixar saber.
Espero que tenham gostado.
Beijos e abraços da Loren.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olivia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.