Olivia escrita por Loren


Capítulo 18
Chocolate




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***

Abri os olhos, sentindo frio e náuseas. Sobre minha cabeça, um par de olhos anil me fitava.

—Graças a Merlin! Achamos que ia ficar assim até Hogwarts.- comemorou Alene, sorrindo para mim.

—Bem, não está muito longe, então...

—Ora, cale a boca, Gale!- repreendeu a gringa e voltou-se para mim.- Como está?

—Melhor. Obrigada.- murmurei e ergui-me do colo de Alene.- O que aconteceu?- perguntei, sentindo-me grogue.

—Bem, aquela coisa entrou aqui, abriu a boca para você, pareceu... Te sugar. Ou algo assim. Então ela parou, se afastou, te reverenciou e saiu. Tentamos falar com você, ver se estava bem, mas você acabou desmaiando.- relatou Gale sem nem respirar.

Eu franzi o cenho, estranhada.

—Reverenciou? Como assim?

—Não se preocupe com isso. É besteira de Gale.- disse Alene.

—Não é besteira! Eu fiz aulas de teatro e sei reconhecer uma reverência. Tanto exagerada quanto discreta.- defendeu-se, parecendo ofendida.

—Calma. Gale, eu não tenho dúvidas que você saiba reconhecer reverências, mas... Tem certeza que aquilo reverenciou? E justamente a mim?

—Com toda certeza.

Alene, ao meu lado, revirou os olhos e deixou um suspiro no ar.

—Mas... Isso não faz sentido...

—De fato, querida. Não há sentido algum no que Gale falou.

—Alene!- exclamou a morena.

—Mas o que não há sentido algum é uma criatura medonha como aquela entrar no trem! O colégio não deve estar a par disso. Como que uma criatura dessas anda solta por aí? E ainda por cima se atreve a entrar no Expresso de Hogwarts?

—Desta vez, eu concordo com você.- disse Gale.- É muito estranho tudo isso. Se o colégio não estava sabendo, provavelmente saberá logo. Eu só gostaria de saber o que era aquilo...

Olhei em volta enquanto elas conversavam sobre o que poderia ser. Minha mente estalou ao perceber que era somente nós três na cabine.

—Onde está Gina?!- exclamei, nervosa.

—Não se preocupe. Ela está bem. Só foi ver se os irmãos estão bem também. E tentar descobrir sobre aquilo.- respondeu Alene e sorriu, tentando parecer tranquila, mas eu sabia que estava receosa com o acontecido.

—Por que você não descansa mais um pouco, Oli? Logo chegaremos, mas nós avisamos quando tivermos que nos trocar.- sugeriu a morena.

—Certo...

Eu guardei a pasta com os desenhos dentro de uma mochila que eu havia levado comigo, juntamente com o uniforme. Coloquei o casaco, cruzei os braços e encostei a cabeça no vidro do corredor. Observei por alguns segundos alunos correndo, apressados para vestirem seus uniformes. Fechei os olhos em seguida, mas não dormi. Eu ainda sentia frio e tristeza. E depois de muito tempo, eu voltei a sentir aquele medo terrível que me acompanhava todos os dias em Siena.

***

Estávamos esperando por mais alguém.

Assim que faltava alguns poucos minutos, Gale me acordou e nos vestimos rapidamente. Ainda chovia e parecia ter aumentado ainda mais. Nenhuma de nós tinha um guarda-chuva. Sendo assim, pegamos nossas bolsas de mão e corremos para pegar uma das carruagens. No entanto, precisávamos esperar por mais alguém para que preenchesse o assento livre. Ouvimos alguém bater na porta.

—Será que posso ir com vocês?

Reconheceria aquela voz e aquela cabeça ruiva em qualquer lugar.

—Gina! Suba! Rápido!

Assim que ela entrou, a carruagem começou a se mover. O mais engraçado, era que ela se movia sozinha. A magia tem seus encantos.

—Por onde você andou?! Gale e Ale me disseram que foi ver seus irmãos...

—Sim, sim. Desculpe. Mas quando voltei para a cabine vocês já tinham descido.

—E estão todos bem?

—E como o seus adoráveis irmãos, hein?- perguntou Gale, arqueando as sobrancelhas.

—Acredite, Gale, você não vai querer meus irmãos. São todos idiotas.- revirou os olhos.- Mas estão bem, sim. Obrigada, Oli.

—Você descobriu?- falou pela primeira vez a gringa, aproximando-se e falando baixinho.

—Ah sim. Parece que o Harry também foi atacado. Tipo você, Oli. Mas parece que o dementador não ia parar, diferente do que aconteceu.

—Dementador?

—É o nome daquela criatura. É um dos guardas de Azkaban. Parece que estava revistando o trem, procurando por Siriu Black. Não sei porque atacou o Harry e Olivia. A sorte foi que ele não insistiu com Oli e que tinha um professor junto com os outros. Ele conseguiu expulsá-lo. Ah!- ela exclamou e tirou um pedaço de alguma coisa envolvida em um papel.- Harry disse que ele mandou comer isso. Melhor você comer também, Oli. Talvez sinta-se melhor. Eu não pude ver o que era, pois estava escuro demais dentro da carruagem e a lua estava escondida por nuvens grossas e carregadas de chuva. Ao mastigar e sentir o doce gosto do chocolate, me senti melhor e quando desceu pela garganta, pude sentir um calor correr por todo meu corpo e a sensação de alívio preencher-me.

—E ainda dizem que chocolate não é algo dos deuses.- comentei e elas riram.

***

Eu ainda não havia visto a escolha das casas.

Por conta do pequeno incidente do ano passado, eu havia perdido a cerimônia e as palavras de Dumbledore. No entanto, no meu segundo ano pude presenciar as duas. Me diverti torcendo para que cada novato que se sentasse no banquinho fosse para Lufa-lufa. Batia palmas com força toda vez que um aluno ou aluna descia os degraus correndo em direção a nossa mesa. Assim que a Seleção acabou, houve uma movimentação repentina de alguns estudantes das quatro mesas e o professor de Feitiços, Flitwilck, descia de sua cadeira para a frente dos degraus.

—O que está acontecendo?- virei-me para Alene, a minha esquerda.

Ela deu de ombros.

—Gale, você...

Mas quando percebi, a morena já havia se juntado aos demais às pressas. Posicionaram e os do primeiro degrau seguravam sapos e um instrumento musical. Mais ao canto, haviam também uma harpa e um tambor. Gale fez cara de nojo ao receber um dos sapos, mas percebi que ela focou o olhar na porta, provavelmente tentando esquecer do animal em suas mãos. Foram alguns minutos rápidos, mas muito agradáveis de cantoria de boas vindas aos alunos. Gale se sobressaiu, não tinha dúvidas de que todos perceberam isso. A voz dela era encantadora. Em momento algum ela perdeu o tom. No fim, os sapos coacharam e o grupo se dividiu em dois, retirando-se pelos caminhos rentes às paredes.

—Bem-vindos! Bem-vindos à mais um ano em Hogwarts!- exclamou Dumbledore, erguendo os braços para captar a atenção de todos.

—Desculpem. Tinha que devolver aquele bicho nojento.- sussurrou Gale, aparecendo de repente ao nosso lado.

—Eu não sabia que você cantava no coral.

—Há muitas coisas que vocês não sabem sobre mim, queridas.

—E por quê?- perguntei, estranhada. Ela sorriu, com um toque de malícia e diversão nos olhos.

—Gosto de ter meus segredos.- eu revirei os olhos.

—Idiota.

—Estava muito bem, Gale. Muito linda. Bela voz, a propósito.- elogiou Alene e Gale arregalou os olhos.

—Você me elogiando? Mas quem diria! O mundo dá voltas!- a gringa franziu o cenho.

—Não sou tão má como diz.

—Eu sei que não. Estou só brincando contigo. Obrigada, Ale.- agradeceu e beijou rapidamente a bochecha de Ale.

Esta, corou e fixou os olhos no prato por vários segundos. Eu ia perguntar o que houve, mas Dumbledore voltou a falar e eu não queria perder suas palavras outra vez. E, de qualquer forma, ela não saberia me explicar. Não naquela época.

—Eu gostaria de dizer algumas palavras antes de ficarmos tontos com este delicioso banquete. Primeiro, quero dar as boas vindas ao professor R. J. Lupin, que teve a bondade de aceitar a vaga de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. Boa sorte, professor.

Um homem de estatura mediana se levantou, agradecendo os aplausos com um aceno da cabeça. Ele me pareceu muito mais agradável que o do ano anterior (agradeci por três dias quando soube que o professor Lockhart nunca mais daria o ar de sua detestável graça pelos corredores do castelo), mas, ao mesmo tempo, me parecia... Estranho. Não estranho no sentido ruim, mas estranho no sentido misterioso. Ele tinha um nariz anguloso (não tanto quanto o do professor Snape, afinal, o de Snape era insuperável), lábios finos e um queixo pontudo. Os cabelos pareciam ensebados e mal penteados e havia um pequeno bigode e barbicha. Tinha ombros curvados e a impressão que tive foi a de que ele parecia carregar um peso nas costas. Invisível aos olhos de qualquer indivíduo, mas para os dele, parecia um peso interminável. Parecia cansado. Muito cansado.

Assim que as palmas terminaram, olhei para a direita por acaso e vi Malfoy e seus colegas importunando Harry, Hermione e Ron. Bufei, com raiva. Era raro, mas havia momentos que eu tinha vontade de jogar alguma coisa no rostinho impecável de boneca daquele garoto. E isso porque ele era o único que me despertava um sentimento tão ruim assim, levando a agressão.

—O que houve?- perguntou Ale, às minhas costas.

—Malfoy.- respondi e indiquei com a cabeça.

—Ah.- ela apenas murmurou.

—Sonserinos, como sempre.

—Não julgue os Sonserinos.- defendeu Ale, com um tom repreensivo na voz.

Eu a fitei por sobre o ombro.

—Entendo, Ale, sobre sua família, mas você precisa admitir que a maioria dos Sonserinos não são bons.

Ela apenas baixou a cabeça e suspirou. Quando ela suspirava, era uma confirmação. Eu gostava de Alene. Ela tinha um modo reservado de se comportar e um jeito frio de ver e falar das coisas, mas ainda assim, eu gostava dela. Com exceção de mim e de Gale, ninguém mais gostava de Alene. A cumprimentavam e a tratavam com educação, sem dúvidas. Isso nunca faltou no Salão Comunal da Lufa-lufa, mas era perceptível que a presença dela não era muito agradável. Os comentários era de que ela parecia mais uma Sonserina do que Lufana e o fato dela ter amizades da casa das cobras não ajudou muito. E, de fato, ela deveria ter ido para a casa verde. Pelo que ela contou, a sua tatara-tia-avó pertenceu a casa de Salazar. Sua irmã casou-se com um trouxa e os descendentes nasceram igualmente assim. Até Alene. Os pais eram trouxas, mas eram muito ricos. Sua mãe trabalhava com moda e seu pai era advogado. Era filha única e não tinha primos ou primas. Ela era sempre levada às grandes festas e reuniões, pois a mãe fazia questão. Achava que assim era uma forma de ficar mais próxima da filha. Alene não reclamava. Gostava daquele tipo de vida. Eu não me importava, nem mesmo Gale. Não me importava se havia cobras em sua família anos atrás. O chapéu havia dito que ela era Lufana. E eu acreditava nele e nela.

—...que ensinou Trato das Criaturas Mágicas durante tantos anos, decidiu se aposentar para aproveitar melhor os membros que lhe restam.- falava Dumbledore e voltei a prestar atenção.- Felizmente, é com prazer que informo que seu lugar será preenchido por ninguém menos do que nosso Rúbeo Hagrid.- e apontou para o gigante guarda de Hogwarts.

Ele assentiu e se levantou após uma cotovelada da professora McGonagall. O momento foi engraçado, pois ele não possuía muito jeito com aquelas formalidades, era notável. Se levantou rapidamente e acabou por bater na mesa, derrubando tudo que havia em cima. Os professores o olharam um pouco atônitos, mas a maioria dos alunos riram e vibraram.

—Todo mundo gosta de uma farra. Viu, Ale? Seja normal!- comentou Gale e gritou animada, junto com os outros.

A professora puxou Hagrid para sentar-se e Dumbledore voltou à palavra. Parecia mais sério e mais tenso do que antes.

—Por último, um assunto mais inquietante. A pedido do Ministério, Hogwarts irá ter até segunda ordem como hóspedes os Dementadores de Azkaban- os burburinhos começaram-, até que Sirius Black seja capturado.

—Eu não acredito nisso! Como podem permitir algo do tipo?!- reclamou Ale.

—Mas qual o problema? Digo, são guardas, de certa forma, não? E Sirius Black está solto. Querem proteger Hogwarts, não acha?

—Posso concordar em parte com você, Oli, mas duvido que a proteção dos alunos seja prioridade do Ministério. Geralmente, a política não muda de um mundo para o outro. E mesmo que sejam guardas, deveria haver algum bruxo os cuidando. Você viu o que aconteceu com você. E se acontecer novamente com qualquer outro aluno?

Eu me arrepiei quando lembrei do que houvera no trem. Ainda sentia aquela sensação terrível quando pensava e me esforçava ao máximo para empurrar as lembranças péssimas para o fundo da mente. Mas o que não saía da minha mente, era o a observação de Gale. Aquela palavrinha que me deixava confusa e curiosa. Reverência.

—Os Dementadores ficarão postados nas entradas da propriedade. Embora tenham me garantido que a presença deles não atrapalharão nossas atividades diárias, eu peço cuidado. Os Dementadores são criaturas más. Eles não fazem diferença entre os que estão caçando e os que entram em seu caminho. Portanto eu quero avisar a cada um e a todos vocês que não há razão para lhe fazerem mal. Não é da natureza de um Dementador, perdoar.- eu engoli em seco, asssustada. Dumbledore parecia preocupado, mas, ao mesmo tempo que era sincero, de forma crua e rude, tentou apaziguar a verdade com uma doce dose de esperança.- Mas, como sabem, pode se encontrar a felicidade mesmo nas horas mais sombria. Se a pessoa se lembrar de acender a luz- terminou o discurso, apagando e acendendo a chama de uma vela apenas com a mão.

Em seguida, o jantar foi servido. Todos pareceram esquecer aquele momento frio e nebuloso. Eu estava junto nisso, com certeza. Não havia como não esquecer de coisas ruins tendo magníficos perus assados, batatas cozidas e fritas, molhos de todos os tipos e o delicioso suco de abóbora. Sem falar nas sobremesas que vieram sem nenhum intervalo. Com todos aqueles pudins, sorvetes, chocolates e tortas, mal pude pensar sobre os monstros (porque para mim, era isso que eram) que assolavam o castelo afora. E na hora de nos retirarmos para as camas continuei sem pensar nisso. Engrenei em uma conversa divertida com duas outras colegas de quarto que até então não havia conhecido muito bem. Não pensei nisso nem sequer quando deitei a cabeça no travesseiro.

No entanto, eu os vi. Em meus pesadelos rotineiros.

Os malditos pesadelos.

***


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Notas finais do capítulo

Desculpem pela demora.
Espero que gostem.
Beijos e abraços apertados da Loren.



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