Olivia escrita por Loren


Capítulo 16
Segundo Ano




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***

—Oli, vai dormir que horas?

—Hã? Ah, desculpe. Nem percebi que já estava tão tarde assim.

—Bem, começou a escurecer faz pouco. Conseguiu captar as cores dessa vez?

Assenti, sorrindo para ela. Me estendeu uma taça de vinho e se deitou na espreguiçadeira, colocando a garrafa no chão e fechando os olhos, suspirando. Estávamos no terraço. Faltava um dia para as aulas voltarem. Foram dois meses de férias, os quais passei visitando os centros mais importantes de Londres e outros menos conhecidos, mas que minha mãe gostava. Ao mesmo tempo, foi uma adaptação com a nova casa. Era um apartamento pequeno, com dois quartos, uma sala e cozinha separados apenas por um curto balcão e um banheiro. Era simples e um pouco escuro. Me irritava a visão, mas não podia reclamar. Minha mãe havia dito que estava com o estado péssimo quando o achou, mas que limpando-o pareceu novo.

A parte boa, não era somente o fato de sua localização ser no meio do centro de Londres, mas sim a vantagem extra do próprio apartamento: o terraço era nosso. Bem, não oficialmente. Mas para chegar até ele tinha que subir por uma escadinha que havia apenas no nosso andar. Era um imóvel em cada um dos oito andares. Quem o usava mais era eu e minha mãe. Variávamos as horas que subíamos. Às vezes subíamos de manhã cedo, um pouco antes do sol nascer. Outras, à tardinha até o anoitecer. E outras ainda ficávamos pela noite. Compramos duas espreguiçadeiras e um armário baixo, onde eu guardava meus pincéis, tintas e rabiscos. O cavalete e meu banquinho também ficavam ali. Era onde eu ia pintar e onde minha mãe relaxava do seu trabalho.

Era uma Sexta-feira e eu estava ali desde antes do pôr-do-sol para tentar ver e capturar suas cores, o desenho dele já estava feito. Durante as férias eu trabalhei intensamente na paisagem que se tinha do terraço. Apesar de vários prédios ao redor, era belo ver o sol e as cores diversas manchando o céu. Era roxo, rosa e laranja, com riscos vermelhos. Eu gostava de observá-lo. Me trazia uma sensação gostosa no peito e uma tranquilidade na cabeça. No fim, decidi registrá-la.

Estava limpando os pincéis e observando o resultado final, quando algo cinza e grande passou rapidamente por cima da minha cabeça. Jogou algo no colo da minha mãe e voltou a sumir no escuro.

—O que foi isso?- exclamei, assustada.

—Acalme-se. É o Profeta Diário. Não havia chegado hoje de manhã.

—Ah sim.- concordei e fui guardar os materiais.

O Profeto Diário era o jornal mais famoso do mundo bruxo. Minha mãe lia tanto o do mundo dos trouxas quanto o do nosso. Gostava sempre de estar informada. Eu achava mais legal o do nosso. As imagens se mexiam. Era divertido, mas nem tanto como as notícias.

—Oh Merlin...- ela murmurou baixinho, mas eu pude ouvir.

—O que foi?

—Ah, nada.- respondeu e dobrou o papel, jogando-o no chão.

Eu, estranhada, decidi ver o que era. Minha mãe não havia mudado tanto com o seu comportamento. Continuava protetora e desconfiada de tudo e todos. Quando saíamos, continuava a mesma. Mas nas conversas e em casa parecia mais tranquila. Eu sentia mais sinceridade na maior parte de suas palavras e diversão nos assuntos. Conversávamos de tudo, como antes, mas com mais entusiasmo. Ela estava bem. Parecia em paz consigo mesma. Não houve mais surtos, mas eu também tentava ajudar. Não tocava em assuntos que sabia, no fundo, que a deixariam louca. Eu me controlava, porque minha curiosidade continuava aguçada.

—Quem é Sirius Black?- perguntei, olhando a imagem.

Era um homem, de cabelos longos e ondulados, a pele suja e arranhada. Tinha os olhos bem escuros, recheados de desespero. Sua boca, no entanto, formava gritos silenciosos de raiva. Eu não sabia o que pensar daquele homem. Realmente, não sabia.

—Dê-me isso!- ela mandou, tirando-me o jornal das mãos.

—Calma! Céus! O que foi?

Ela segurava o papel com as unhas cravadas. Apertava os lábios e fitava o chão, fixamente. Por um momento, eu pensei em esquecer o assunto, mas eu queria saber e ela parecia disposta a falar. Naqueles últimos meses, ela parecia sempre falar a verdade. Além disso, sempre querer falar a verdade, o que já fazia muita diferença.

—Mãe? Quer falar? Ou, pelo menos, deixar eu ler?- ela me fitou, indecisa.- Se quiser, não faço perguntas.- acrescentei, suspirando.

Ela fez o mesmo em seguida.

—Tem razão. Desculpe.- e me estendeu novamente. Sentou-se e serviu-se de mais vinho.- Acontece que... É uma coisa que eu não te contei. E eu não gosto de lembrar.

—Mãe, você não gosta de lembrar de nada. Não estou surpresa com isso.- eu brinquei, apesar de sentir as mãos suarem. Para ela começar a falar por vontade própria, é porque era um assunto sério.

—Não só por isso.- ela suspirou e balançou a cabeça.- Eu conheci esse homem.- revelou, apontando para a imagem. Olhei as palavras acima.

—Sirius Black? Quem era?

Ela tomou um gole da bebida.

—Era um bruxo normal. Cursou Hogwarts e trabalhava em... Qualquer coisa. Não me lembro de sua profissão. Sempre estava por aí, solto. Nós... Esbarramos por aí.- disse e baixou o rosto. Percebi que estava corada.

—Mãe?

—Hum?

—Se... Esbarraram?- ela levantou o olhar. Eu sorri de canto.- Pode falar.

—Nós... Passamos um tempo juntos.- eu ergui as sobrancelhas.- E ficamos. Por um tempo.

—Hum... Quem diria. Mamãe com passado amoroso.

Ela revirou os olhos.

—Não foi um passado “amoroso”.- e fez aspas com as mãos.- Foi apenas... Algo. Por um tempo. Nos separamos depois.

—Por quê?

—Ele não era boa pessoa.- respondeu e tomou outro gole, às pressas. Eu semicerrei os olhos para ela.

—Sei...

—É a mais pura verdade. Se fosse bom, não teria passado por Azkaban.

—Aliás, o que é isso?

—É a prisão de bruxos. Ninguém nunca conseguiu escapar de lá. Exceto ele, aparentemente.- respondeu, com desprezo na voz.

—E o que ele fez?

—Quem?

—Esse homem.- insinuei, balançando o jornal.

—Ah... Ele matou uns... Doze ou dez trouxas. De uma só vez.- engoli em seco, sentindo a nuca arrepiar.- E ele matou um bruxo, deixando apenas o dedo do homem. Foi algo... Terrível.

—Nossa... Que loucura. E pelo visto ele fugiu.- comentei, ainda vendo aquele desespero nos olhos do homem, apesar de seus gestos de fúria.

—Sim, espero que o peguem logo. Isso é uma surpresa para todo o mundo bruxo. Ninguém escapou de Azkaban antes.

—Mas vão pegá-lo, não vão?

—Espero que sim. Oli, vou te pedir, novamente. Sei que estará em Hogwarts, mas ainda assim...

—Tomar cuidado. Eu sei. Não se preocupe. Tome cuidado você. Você que vai estar aqui e ele está solto. Há mais chances de ele encontrá-la do que eu esbarrar com ele.

—Eu vou ficar bem. Tenha certeza. Mas você, por favor...

—Mãe, eu sei.- ela assentiu e calou-se.- Mas por que não queria me contar?

—Eu... Não queria que soubesse.

—Sobre o quê? Sobre esse homem? Bem, está no jornal. Uma hora ou outra eu iria saber.

—Sim, mas eu me refiro a eu tê-lo conhecido.- desviou o olhar para mim e ali havia aquela mesma expressão de um ano antes, quando ela falou dos Malfoy e dos Sonserinos.- Eu me arrependo... Tragicamente. Não queria que pensasse mal de mim. Eu me afastei antes dele ir totalmente para esse lado negro. Foi... Terrível.- explicou e no final, sussurrou baixinho, olhando para o chão, com a mente em outro tempo. Eu não tinha dúvidas, mas não sabia se ela se referia ao que dizia ou ao que pensava.

—Tudo bem, mãe. Já passou.

—Ah, claro, claro. Acabou. Há muito tempo.- concordou e sorriu, relaxando os ombros.- Bem, eu vou descer. Estou bem cansada. Amanhã passaremos no Beco Diagonal para comprar seus materiais.

—Mas a carta nem chegou.

—Ah amanhã ela estará aí, nem se preocupe. Boa noite, querida.- disse e me deu um beijo na testa, antes de sumir pela porta.

—Boa noite.

Me levantei e guardei o cavalete, apoiado no armário da bagunça. Logo, deitei na espreguiçadeira e observei o céu. Eu sentia um comichão dentro de mim. Algo se manifestando, como toda vez eu tinha quando não sentia total verdade nas palavras da minha mãe. Fiz um barulho com a boca e neguei com a cabeça para mim mesma. Eu não tinha que duvidar. Era minha mãe. Era a única coisa certa da minha vida. Como eu poderia desconfiar? Se ela havia dito, estava dito. E fim. Acabei esquecendo do assunto, enquanto contava estrelas. Caí no sono antes de chegar no número trinta.

***

—Oli? Querida, acorde.

Abri os olhos e enxerguei o céu amanhecendo, com aqueles tons roxos e laranjas adoráveis.

—Senta. Eu trouxe o café para você.

—Jura? Eba!- exclamei quando ela me entregou um prato com uma torrada, maçã e uma caneca de achocolatado.

—Claro. Te conheço bem e se te mandasse descer, você ia implorar para ver o sol. Enfim, assim que terminar aqui- apontou para a comida- e aqui- apontou para o horizonte-, vá se arrumar. Vamos para o Beco hoje, comprar suas coisas. Está bem?

—Sim, senhora.- respondi, mordendo o pão.

Ela cruzou os braços e encolheu-se, como se querendo fugir do frio. Quando ela saiu, percebi que estava com uma manta me cobrindo. Sorri comigo mesma. Minha mãe me conhecia bem. Eu adorava isso. Queria saber o mesmo dela. Terminei de comer, sem tentar pensar a respeito naquele assunto. Desci, tomei banho e me vesti. Fomos a pé até o Caldeirão Furado. Era um pouco longe, mas já estávamos acostumadas a caminhar. Chegando lá, passamos por Tom, o qual nos cumprimentou amavelmente, e logo fomos às compras. A lista continuava com a mesma quantidade, tendo apenas mudado o volume de cada matéria e eu poderia ter minha própria vassoura se quisesse, mas eu tinha certeza que a resposta era não. Continuava traumatizada com a ideia de voar sobre ou dentro de qualquer coisa.

Chegando em casa, com todas as compras feitas, fui arrumar as malas e ajeitar os uniformes. Minha mãe foi terminar de fazer alguns compromissos em relação ao seu trabalho, na mesa que ela havia comprado para si e deixado em seu quarto. Meu quarto não era o mesmo como de Siena. Era menor e mais escuro. Minha mãe preferiu comprar outros móveis em Londres, mais simples e baratos, até o salário aumentar. Preferimos não vender a casa, visto que havia sido herança da minha avó e eu pretendi voltar para a Itália. Minha mãe havia tido a ideia de começar alugar e depois que eu concordei, começou a fazê-lo.

Não havia nada de igual ao anterior. Eu sentia falta do antigo quarto, mas depois que eu pintei as paredes, começou a ficar mais agradável por ali. Entrando nele, se deparava com um armário de duas portas. À esquerda, uma mesinha velha que servia para estudos e do lado, a cama de ferro . Em frente, uma pequena janela deixava a luz entrar e iluminar o local. Era simples, mas era bom.

—Oli, chegou uma carta para você.

—Obrigada.- respondi e me sentei na cama para ler.

Era de Charlotte.

Querida Oli,

Eu ainda não consigo aceitar o fato de que a senhorita me abandonou. Outra vez. Como pôde fazer isso?! Como?! Já não bastasse a primeira? Aquela que você se mudou. E de repente! Sem nem se despedir! Aceitei com muita garra a sua falta de educação, mas ainda não aceito o fato de que não vieste me visitar. Siena é uma cidade pequena, mas com certeza é muito mais bela do que Londres. Eu deveria ignorá-la e odiá-la pelo resto da vida, mas sinto saudades demais para chegar a esse ponto. Ainda estou brava com você sim senhorita, não pense que não. Mas, por favor, prometa-me que na próxima vez tentará vir me visitar, sim? Conversar apenas por cartas não é a mesma coisa. Venha logo. Temos que terminar nosso quadro. E comer spaghetti juntas.

Sinto saudades.

Com carinho e ódio,

Charlotte.

P.S.: O senhor Tonelotto agora vive praguejando sua falta de educação e consideração, mas no fundo sente o mesmo que eu.

Eu ri ao terminar de ler. Continuava me correspondendo por cartas com Lotte. Era difícil viver sem ela. Me fazia falta ouvi-la falar de suas fantasias e sonhos ou de como debochava das pessoas que ficavam passando pela rua. Lotte não era uma santa, de fato, mas por trás de toda aquela capa de orgulho, era uma boa pessoa. Infelizmente, eu não pude visitá-la, mas fizemos uma promessa de que íamos nos ver outra vez. E ela, com certeza, não me deixaria em paz até cumpri-la. Ri mais ainda quando li sobre meu ex-professor de pintura. Logo, suspirei, baixando os ombros. Eu me acostumei e aceitei rapidamente uma mudança daquelas. Eu gostava de conhecer coisas novas. Era um prazer para mim tudo aquilo. Mas às vezes a saudade apertava bem forte no meu peito, e quando eu percebia, já havia se alastrado por todo meu corpo. Eu chorei, é claro. No prédio não havia ninguém da minha idade e eu me sentia extremamente sozinha.

Entendam: eu sempre fui uma menina sozinha, mas em Siena eu me sentia bem daquela forma. Eu tinha Lotte, o senhor Tonelotto, a pequenina cidade que eu adorava e minha mãe. Em Londres eu só tinha meu quarto e os segredos que minha mãe escondia. Era um tipo de solidão que me engolia, para dentro de um manto escuro sem ter noção de direção alguma.

Em Siena, eu sentia uma estabilidade confortável. Sabia o que ia ocorrer no dia seguinte, e no outro, e no outro. Sabia o que eu ia fazer todos os dias. Em Londres era como se uma surpresa estivesse me esperando a cada segundo, a cada esquina. Eu me sentia perdida e chorava por isso.

Quem me dera apenas aqueles sentimentos incoerentes do início da puberdade fossem meus únicos problemas à frente.

***


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