Scream 2016 escrita por S Nostromo


Capítulo 2
O filme que você dormiu




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Não sei quanto tempo se passou e o que aconteceu depois. Também não sabia dizer se estava vivo ou morto. Vi algumas coisas, algumas formas sem nexo. Talvez pessoas, talvez a morte. Paredes brancas, uma luz. Seria isso o que tinha do outro lado da vida? Vi o assassino, Ghostface, e me pareceu mais um pesadelo do que o paraíso. Um sonho talvez? Uma previsão do futuro? Não sei, de verdade. Passou-se um longo tempo, vendo essas formas sem sentido, essas possíveis pessoas, o quarto, o psicopata...

Certo dia eu consegui adquirir forças parar ao menos abrir os olhos, o necessário para visualizar alguma coisa. Um equipamento apitava com a mesma frequência em algum lugar. Consegui ver o rosto de Emily mais ao lado. Sorriu quando nossos olhares se encontraram.

– Oi – eu disse. Fiquei surpreso. Minha voz deveria ter sido animada e audível, mas fora tão baixa quanto um sussurro.

– Como se sente? – ela perguntou.

– Dolorido – respondi. Faltaram-me forças até mesmo para sorrir.

A cada segundo eu lutava para manter os olhos abertos, exigia demais de mim. Era como sustentar algo muito pesado com os braços. O alívio foi tremendo quando os fechei.

– Se importa se conversamos assim? – perguntei.

– Claro que não.

– Por que não tenho forças nem para falar direito?

– Você perdeu muito sangue – explicou Emily. – E seu tipo sanguíneo é um pouco raro então o hospital está tendo um pouco de dificuldades em encontrar um doador para...

Não ouvi mais nada, pois cai no sono. Mesmo coberto meu corpo estava gelado. Parecia um morto, um corpo sem vida que inutilmente tentava se aquecer. Minha vida sempre fora o típico clichê. Adolescência pegando algumas garotas, odiando frequentar o ensino médio, odiando os pais, vez ou outra juntando amigos para beber escondido. Aquela fase da vida meio termo. Meio adulto, meio criança. Como a maioria. Pelo menos ter sido atacado por algum psicopata foi diferente, algo inovador em minha vida. Dizem que temos que ver o lado bom mesmo nos momentos difíceis não é? Bom, agora que eu estava vivo, e o lado bom era que teria uma boa história para contar.

Perdido no tempo, sem saber quanto tempo estava naquele hospital, eu pude abrir os olhos e me sentir mais vivo. Tinha forças para respirar melhor pelo menos, embora do pescoço para baixo mais parecesse que tinham me dado uma surra. Sequer conseguia me mexer dignamente. Emily não apareceu por algum tempo. Ou talvez tenha aparecido sim, e eu estava dormindo como sempre. Mas o tempo que passei acordado e sozinho serviu como reflexão. O que levava uma pessoa a cometer um assassinato? No meu caso, uma tentativa. Por quê? Qual seria seu objetivo? Dizem que os vilões sempre possuem um motivo para o que fazem. Até Billy em Scream teve. Até mesmo Jason, que rendeu muitos filmes. Um cara desconhecido invade uma republica para tentar matar outro desconhecido. Ou teríamos alguma ligação? Qual o motivo de fazer mal a alguém? De fazer a mim? Mas... E se fosse o contrário? E se eu fosse o assassino? O que me levaria a me fantasiar e matar as pessoas com uma faca? Provavelmente eu faria para mostrar a todos que sou esperto e capaz, que consigo montar planos malucos para esfaquear alguém e não ser descoberto. E Emily? Com certeza mataria para roubar dinheiro que usaria para por silicones e outras coisas para vaidade.

– Você é um babaca Abel... – disse para mim mesmo.

Comecei a rir com o rumo que meus pensamentos tomaram. A felicidade terminou bruscamente quando as dores agudas atravessaram cada ferimento. Tentei virar de lado, mas as dores continuavam me atormentando, com espíritos malignos. Mesmo desconfortável, fiquei na mesma posição, como se estivesse deitado em um caixão, até cair no sono mais uma vez.

– Da para dizer o que aconteceu depois que fui atacado? – perguntei para Emily.

– Eu não sei se é uma boa ideia.

– Ah me poupe. Estou a quase um mês internado nesse hospital. Um maluco entrou no meu quarto e tentou me matar com uma faca. Uma faca! Sabe como dói levar uma facada? Eu tenho o direito de saber...

– Tá bom, eu vou contar tudo.

– Com detalhes, por favor. Que Droga, sinto como se tivesse dormido o filme todo e acordei no final sem entender nada.

A história é seguinte: houve uma chacina de morte, naquele mesmo dia. Eu fui a primeira vítima. As luzes que vi, foram alguns amigos nossos entrando na republica. Emily confiou no que eu disse, além de ter percebido que demorei a ligar, ela também viu algo suspeito pela janela. Achou que seria exagero chamar a policia, por isso pediu para alguns amigos nossos ir até a república. O assassino fugiu, e Emily e mais um pessoal me levou para o hospital. Emily decidiu voltar para casa e encerrar a festa, seria perigoso manter tantas pessoas drogadas e alcoolizadas a mercê da morte. Mas o pior já havia acontecido. Abriu a porta de entrada e se deparou com um mar de sangue e corpos por todos os lados. Emily também foi atacada. A última vítima. Ganhou alguns cortes superficiais, hematomas e manchas no pescoço por tentativa de estrangulamento. A polícia chegou, e em uma ação de defesa, atiraram contra o assassino.

O homem por baixo das vestes negras era César. Um amigo. Instantes antes de morrer, ele teve tempo de explicar seus motivos para Emily. A verdade era que todos humilharam César na adolescência. O rapaz era estranho, excluído e tinha alguma síndrome. Aparentemente todos zombaram dele, incluindo eu, mesmo que eu não me lembre. Juro. Mas me lembro muito bem dele dizendo algumas vezes o quão foi insuportável e triste essa parte da sua vida. Em quantas vezes cogitou se matar. Eu dizia que era apenas uma fase, seres humanos em fase de crescimentos, burros e irresponsáveis, que não costumavam medir o grau de seriedade dos seus atos. A famosa adolescência. E César sempre dizia que era mesmo uma fase, para alguns uma fase boa, para outros uma fase ruim. Disso ninguém sabia, de sua adolescência espinhenta e cheia de humilhações pesadas. A todos que tiveram a fase boa da adolescência, teriam agora uma fase de sofrimento como ele teve anos atrás. Queria inverter as fases, se vingar de tudo que ele sofreu. Na faculdade ele se tornou um rapaz mais comum e sociável, mas aparentemente ainda se sentia ferido por tudo que fizeram, ou que fizemos, não sei, a ele.

– Uma vez ele disse que era apaixonado por mim. Era intervalo do colégio, tínhamos 15 anos. Pediu licença para minhas amigas e se declarou, mesmo na frente delas, segurando uma rosa com as duas mãos – disse Emily.

– O que vocês fizeram? – perguntei.

– Minhas amigas riram. Eu o puxei para perto de mim – uma lágrima escorreu pela bochecha rosada de Emily, e sua mão secou-a rapidamente. – Disse que se ele fizesse tudo que eu mandasse eu daria um beijo nele no fim de semana.

– E...?

– E eu explorei ele a semana toda. Fez minhas tarefas, o fiz comprar meu lanche e o das minhas amigas. Fiz piadas sobre o rosto dele e aparelho. Ai Deus, hoje consigo imaginá-lo nitidamente, quebrando algum cofre de porcelana e juntando as moedas para pagar nossos lanches todos os dias, enquanto ele me assistia de longe, porque eu dizia que tinha nojo dele e queria distancia enquanto estivesse comendo ou iria vomitar só ter de olhar para a sua cara.

Achei melhor não torturar mais Emily e pulei para o final.

– Mas e o beijo? Aconteceu?

Passou os dedos indicadores em cada bochecha, enxugando mais lágrimas. Virou de costas e caminhou até a janela.

– É claro que não Abel! Eu era uma idiota superficial. “Eu? Encostar minha boca na boca daquele retardado mental nojento? Esse batom custa caro, sabia? Ele fede a naftalina!”. Foi uma das centenas de coisas que eu dizia para minhas amigas. É óbvio que não o beijei. Não sentia nada por ele, mas... Era o combinado. Uma semana fazendo tudo que eu queria em trocar de um simples beijo, e nem isso eu fiz. Por causa disso olha o que aconteceu. Muitos estão mortos! Olha para você Abel – ela disse, voltando para perto de mim. – Deitado nesta cama de hospital a quase um mês e...

– Ei – interrompi. – Todos nós fizemos isso, ok? É meio horrível dizer, mas... Nós merecemos.

– O que? – questionou, indignada. – É claro que não merecemos isso Abel! Que horror. Foram apenas algumas brincadeiras.

– Não é brincadeira quando o alvo não está se divertindo. Nós o traumatizamos pelo resto da vida. Por que acha que ele guardou rancor por todo esse tempo.

Emily suspirou, sentou na poltrona ao lado e afundou o rosto nas mãos.

– Foi errado, mas não merecíamos perder nossas vidas – disse Emily. – Eu juro que não entendo o que se passava na cabeça dele. Deus... Três dias atrás ele dizia o quanto gostava da minha amizade, que o passado havia ficado para trás. Que você, Chris, eu e todos nós seriamos amigos eternamente.

Alguém bateu na porta. Meu coração deu uma acelerada, era inevitável. O medo ia me atormentar por mais algum tempo. Era uma enfermeira, avisando que o horário de visitas havia acabado.

– Bom, pelo menos ele conseguiu fazer alguma coisa em relação ao que o incomodava – falei. – Foi horrível, entende? Sempre naquela vida cotidiana, agonizando por dentro por tudo que aconteceu. César deve ter sentido certo alívio por finalmente estar livrando todo aquele ódio dentro de si naquela noite.

– Pois é – concordou Emily. – É uma pena que aquele imbecil tenha escolhido o caminho errado. Eu vou indo agora. Vou tentar dar uma passada por aqui amanhã.

Despedimo-nos com um rápido e simples beijo. Adorava nossa relação, beirando a uma amizade normal e um relacionamento sério, mas sem compromissos.


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Notas finais do capítulo

Será que a história já acabou? Eu acho que não. ;)



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